terça-feira, 13 de maio de 2008

Pedro Malasartes e o Urubu

Malasartes fez o urubu falar

Quando o pai de Pedro Malasartes entregou a alma a Deus, fez-se a partilha dos bens - uma casinha velha - entre os filhos; e tocou a Pedro uma das bandeiras da porta da casa, com o que ele ficou muito contente.
Pôs a porta no ombro e saiu pelo mundo. Em caminho viu um bando de urubus sobre um burro morto. Atirou a porta sobre eles e caçou um urubu que ficou com a perna quebrada.

Apanhou-o, pôs a porta às costas e continuou viagem. Obra de uma légua ou mais, avistou uma casa de onde sala fumaça, o que queria dizer que se estava preparando o jantar.

Pedro Malasartes, que sentia fome, bateu à porta e pediu de comer.

Veio atendê-lo uma preta lambisgóia que foi logo dizer à patroa que ali estava um vagabundo, com um urubu e uma porta, a pedir de jantar.

A mulher mandou que o despachasse, que sua casa não era coito de malandros.
O marido estava de viagem e a mulher no seu bem bom a preparar um banquete para quem ela muito bem o destinava. Neste mundo há coisas!
Pedro Malasartes, tão mal recebido que foi, resolveu subir para o telhado, valendo-se da porta que trazia e lhe serviria de escada. Subiu e ficou espreitando o que se passava naquela casa, tanto mais que sentia o cheiro dos bons petiscos.
Espiando pelos vãos das telhas viu os preparativos e tomou nota das iguarias, e ouviu as conversas e confidências da patroa e da negra.

Justamente na hora do jantar chegou o dono da casa que resolvera voltar inesperado da viagem que fazia.

Quando a mulher percebeu que ele se aproximava, mandou esconder os pratos do banquete e veio recebê-lo e abraçá-lo, muito fingida, muito risonha, mas por dentro queimando de raiva.

Vai dai mandou pôr na mesa a janta que constava de feijão aguado, paçoca de carne seca, dizendo:
- Por que não me avisou, marido? Sempre se havia de aprontar mais alguma coisa...

Sentaram-se à mesa.

Pedro Malasartes desceu de seu posto e bateu na porta, trazendo o urubu.

O dono da casa levantou-se e foi ver quem era. O rapaz pediu-lhe um prato de comida e ele chamou-o para a mesa a servir-se do pouco que havia. A mulher estava desesperada, desconfiando com a volta do Malasartes. Pedro tomou assento, puxou o urubu para debaixo da mesa, preso pelo pé num pedaço de corda. Estavam os dois homens conversando, quando de repente o Malasartes pisou no pé quebrado do bicho e este se pôs a gritar:

Uh! uh! uh!

O dono da casa levou um susto e perguntou que diabo teria o bicho. Pedro respondeu muito sério:
- Nada! São coisas. Está falando comigo.
- Falando! Pois o seu bicho fala?!
- Sim senhor, nós nos entendemos. Não vê como o trago sempre comigo? É um bicho mágico, mas muito intrometido.
- Como assim?
- Agora, por exemplo, está dizendo que a patroa teve aviso oculto da volta do senhor e por isso lhe preparou uma boa surpresa.
- Uma surpresa! Conte lá isso como é.
- É deveras! Uma excelente leitoa assada que está ali naquele armário...
- Pois é possível! Ó mulher, é verdade o que diz o urubu deste moço?

Ela com receio de ser apanhada com todo o banquete e certa já de que Pedro sabia da marosca, apressou-se em responder:
- Pois então? Pura verdade! O bicho adivinhou. Queria fazer-te a surpresa no fim do jantar.

E gritou pela preta:
- Maria, traz a leitoa.

A negra veio logo correndo, mas de má cara, com a leitoa assada na travessa.

Daí a pouco Pedro Malasartes pisou outra vez no urubu que soltou novo grito. O dono da casa perguntou:
- O que é que ele está dizendo?
- Bicho intrometido! Está candongando outra boca, bicho!
- O que é?
- Outras surpresas...
- Outras!
- Sim senhor: um peru recheado...
- É verdade, mulher?
- Uma surpresa, maridinho do coração! Maria, traz o peru recheado que preparei para teu amo.

Veio o peru. E pelo mesmo expediente conseguiu Pedro Malasartes que viessem para a mesa todas as iguarias, doces e bebidas que havia em casa.

Ao fim do jantar, o dono da casa, encantado com as proezas do urubu, propôs comprá-lo a Pedro Malasartes que o vendeu muito bem vendido, enquanto a mulher e a preta bufavam de raiva, crentes também no poder mágico do bicho, que assim seria um constante espião de tudo quanto fizessem.

Fechado o negócio, Pedro Malasartes partiu satisfeito e vingado.

De como Malasartes vendeu o urubu

O dono da casa vendo que o urubu de Pedro Malasartes era encantado e sabia descobrir todos os segredos, propôs-lhe comprá-lo.

Malasartes, pescando que estava em véspera de fazer um bom negócio, encareceu ainda mais as virtudes do urubu e pediu este mundo e o outro.

O homem vacilou em fechar o negócio, e Pedro, justamente quando uma preta velha veio trazer café a sala, disse ao dono da casa de modo que a mucamba ouvisse:
- Este bicho é deveras encantado, patrão. ele é capaz de descobrir outras coisas que se passam em sua casa sem o senhor saber.
- Não me diga isto!
- É o que lhe digo. Mas, para que ele não emudeça e possa contar tudo que tenha visto, é preciso que haja o maior cuidado para que nenhuma mulher lhe verta água na cabeça. E, se quiser experimentar, deixe-o esta noite ficar no corredor, que amanha teremos que saber muitas novidades.

O homem aplaudiu a proposta e prometeu comprar o urubu se saísse certo o que lhe dizia o Malasartes.

Mas a preta que tinha ouvido a combinação mal saiu da sala foi contar tudo à senhora, que ficou muito assustada, pois que, naquela noite, havia de receber a visita do sacristão da vila, e não sabia como arranjar para que o urubu candongueiro não pusesse tudo a perder.

A preta teve uma luz, e disse que não havia perigo, pois ela se encarregaria de verter água na cabeça do urubu para que ele perdesse o encanto.

Às tantas da noite todos se foram acomodar, tendo Malasartes cuidado de deixar o bicho no corredor, fazendo de sentinela.

Lá para a virada da noite, a dona da casa, pé que pé, veio abrir a janela, por onde saltou para dentro o sacristão, enquanto a preta estava fazendo o que prometera na cabeça do urubu.

Quando o bicho se viu com a cabeça toda molhada, não teve mais conversa - tico! e deu uma bicada na preta lá onde quis e ela ficou segura, e vai então a negra soltou um grito.

A senhora, temendo que o marido despertasse, correu para arrancar a sua mucamba do bico do bicho. Agarrou-a pelo braço, mas não houve meio. A rapariga, então no auge do aperto, apegou-se no braço da senhora que se pôs também a gritar. O sacristão acudiu para ver se podia ajudar as duas a se desvencilharem. Mas, já a este tempo, Pedro Malasartes havia despertado o dono da casa. E os dois correram a ver o que era e encontraram aqueles três assim como estavam.

E vai então o dono da casa descobriu tudo, desancou o sacristão a pau, moeu os ossos tanto da senhora como da escrava e resolveu comprar o urubu.

Mas ai é que foi a história. Pedro Malasartes pediu pelo bicho cinco contos de réis. Abate que não abate, o homem teve mesmo de encorropichar o cobre, vintenzinho por vintenzinho, e Pedro Malasartes, deixando ficar o urubu, de quem se despediu chorando, pôs-se a caminho, mas vendo no pátio da fazenda uma carneirada, resolveu levá-la também e foi tocando como se fosse dono dela.

Fontes:
http://victorian.fortunecity.com/postmodern/135/pedromala.htm
http://climashopping.jacotei.com.br/ (imagem)

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