domingo, 8 de junho de 2008

Adalberto Nascimento (Okinawanos)

E na verdade havia, sim, cota para amarelos; mas uma cota conquistada por méritos através da educação, decorrente da determinação de seus pais

Eles praticavam várias cerimônias para reverenciar os espíritos dos antepassados. Uma delas, particularmente importante, era o 'Obon'. Um dia antes da data dessa cerimônia, as pessoas acendiam uma fogueira em frente a suas casas para orientar a chegada dos espíritos ancestrais. Era o fogo da recepção ('Mukaebi'). Num altar ('butsudan'), colocavam bebidas e alimentos como oferendas. No dia seguinte ao 'Obon', acendiam novamente o fogo para orientar o retorno dos espíritos. Era o fogo da despedida ('Okuribi'). Não sei se esse marcante ritual okinawano ainda persiste em nosso país. Para quem quiser saber mais dessa história, sugiro a leitura de 'O Súdito', de Jorge J. Okubaro.

No dia 18 de junho deste ano, teremos as comemorações dos 100 anos da chegada ao nosso país da primeira leva oficial de imigrantes japoneses. Nesse dia de junho, em 1908, o navio 'Kasatu Maru' aportou em Santos, trazendo 781 trabalhadores contratados e doze livres. Do total de 793 japoneses, 324 eram procedentes de Okinawa (cerca de 40%). Atarracados, de pele escura, homens de barba cerrada e todos falando uma língua indecifrável. Estranhos para os brasileiros e para os demais japoneses.

O Japão é um arquipélago, sendo que suas maiores ilhas são Kokkaido, Honshu (a mais populosa), Shikoku e Kyushu. Okinawa, 'o Caribe do Japão', é um subconjunto de ilhas (arquipélago Ryukyu), a sudoeste das ilhas principais e a meio caminho entre o restante do território japonês e a China. Daí o fato de a cultura e a língua dos seus habitantes terem sido fortemente influenciadas pelo continente asiático. Okinawa, antes um reino independente (e também terra do karatê, que quer dizer 'mãos vazias'), foi incorporada ao Japão como província em 1879. E depois da Segunda Guerra ficou sob jurisdição norte-americana, retornando ao Japão somente em 1972. É por isso que nos meus tempos de faculdade alguns estudantes de origem japonesa se referiam a um okinawano, em tom de brincadeira, como 'American Japanese'. Eu, na ocasião, achava que isso acontecia somente por existir uma base americana naquela ilha.

Os americanos penaram para conquistar Okinawa. Foi a batalha mais sangrenta de toda a guerra do Pacífico. Em menos de três meses morreram cerca de 107 mil soldados japoneses e Okinawa teve sua população reduzida em mais de um terço. Passou de 300 mil a 196 mil habitantes. Gente bravia que resistiu até o fim. Bravia e de comportamento diferenciado, tal como aqui se pode constatar quando, maltratados e desiludidos, muitos colonos japoneses fugiam das fazendas para as quais foram designados. A maioria era de okinawanos. Pessoas honradas, generosas, portadoras de caráter inquebrantável e, em geral, teimosas. Quem conhece o vereador Yabiku sabe do que estou falando.

Muita gente pode imaginar que estou desprezando o Japão propriamente dito. Nada disso. Tenho amigos japoneses de todas as etnias. A quantidade desses amigos ficou bem mais numerosa no tempo da Poli. Parecia até que no meu tempo de faculdade havia uma cota racial pra essa gente. E na verdade havia, sim, cota para amarelos; mas uma cota conquistada por méritos através da educação, decorrente da determinação de seus pais. Devemos, por isso, ser gratos àqueles imigrantes, em sua maioria composta de pessoas simples. Simples, mas portadoras de um significativo lastro de educação que possibilitou, além de colherem café, semearem cérebros em nosso país.

O sucesso japonês... é simples: educação. Poucos anos depois de Okinawa virar província japonesa, o Império Meiji promoveu uma revolução educacional para todo o Japão. Uma revolução pra valer, anunciada em 1872, e que também tornava o ensino obrigatório. Em 1880, a freqüência escolar em Okinawa era menor que 2%. Em 1908, era de 93%. A escola primária durava 8 anos, sendo os quatro primeiros obrigatórios. As aulas duravam cinco horas, seis dias por semana. Não tinha moleza. O objetivo era, com ensino público de qualidade, produzir bons e educados cidadãos. A disciplina era militar, sem esse lero-lero hipócrita do 'politicamente correto'. E só para ilustrar a importância que os imigrantes japoneses deram à educação no Brasil, em 1938 havia em São Paulo 294 escolas japonesas, 20 escolas alemãs e 8 italianas.

Além das escolas, muitas associações nipônicas foram fundadas. No início eram separadas - japonesas e okinawanas. Mas é aí que entram os brasileiros, com algo que é só nosso: esse caldeirão do mundo para brancos, negros e amarelos. E se existirem azuis, que venham; faremos uma mistura invejável ao resto do mundo. Em nossa cidade, temos a Ucens, União Cultural e Esportiva Nippo-Brasileira de Sorocaba, cuja história, contada na Internet, tem como intróito uma prece escrita por Keiko Yabiku - que, se não é, casou-se com um okinawano.

Fonte:
Notícia publicada na edição de 08/06/2008 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A
http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=44&id=92994
Colaboração de Sorocaba News.
http://www.globalsecurity.org (imagem)

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