sexta-feira, 13 de junho de 2008

Alfredo Ciuffi Neto (Noite de Lua Cheia)

Na fazenda reinava um clima de muita alegria naquele dia ensolarado de tarde de verão. O sol mansamente se punha atrás da montanha que ficava a pouca distância do seleiro e do curral, onde ficavam os cavalos e as vacas. O galinheiro situava-se no lado oposto, muito bem cercado e mantinha as galinhas poedeiras confinadas até que pusessem seus ovos. Outros animais como patos e gansos ficavam soltos e livres nadando no lago de águas mansas. Deslizavam suavemente num clima de muita paz.

As crianças brincavam no quintal correndo soltas numa algazarra simplesmente infernal. Liberavam toda a sua energia demonstrando muita saúde e vontade de viver.

Sempre que a tarde ia chegando, José e Maria, proprietários daquelas paragens, tomavam seus lugares na linda varanda cheia de vasos com samambaias pendentes do forro, através de pequenas correntes que as mantinham suspensas, dando um toque todo especial na decoração. Ali ficavam por horas em suas cadeiras de balanço apreciando as brincadeiras das crianças. Enquanto Maria tricotava ou bordava, seu José pitava em longas baforadas o seu cigarro de palha.

À medida que a tarde ia avançando o céu tornava-se cada vez mais escuro; pontos brilhantes cintilavam no infinito distante; e por detrás da montanha surgia devagarinho a lua com sua luminosidade clara, prateava e envolvia tudo ao redor. Era noite de lua cheia.

Todos se recolheram para o descanso. A noite já ia alta e lá fora o luar continuava maravilhoso e inigualável, banhando toda a vegetação, que assumia uma paisagem simplesmente esplendorosa pelo reflexo dos raios nas águas límpidas do lago.

Meia noite. O silêncio foi quebrado pela uivada ensurdecedora e enervantes dos cães, cujas vozes lamentosas imitavam os lobos, insistiam no seu grito prolongado e agoniante. Ladravam, ganiam de maneira desesperada. Os outros animais se punham inquietos demonstrando um total desassossego; as vacas mugiam; os cavalos relinchavam amedrontados. Um barulho estranho provocava aquela reação nos animais.

Seu José levantou-se assustado com a espingarda na mão, procurava saber o que estava acontecendo lá fora; e enquanto isso, Maria tratava de acalmar as crianças que estavam visivelmente apavoradas. Nada foi visto. No restante da noite seguiu-se tranqüila embora ninguém mais pudesse conciliar o sono.

Pensativo, seu José questionava-se sobre o que poderia ter acontecido; morava na fazenda há trinta anos e nunca tinha visto ou escutado nada igual. Isso não poderia estar acontecendo, não agora que seus netos passavam as férias com ele. Tudo havia de estar bem, as crianças não podiam ficar assustadas, pois atrapalharia as suas férias, o que pensariam seus pais quando viessem buscá-los, pensava preocupado.

Logo cedo levantaram e reunidos à mesa do café matinal, comentavam sobre o ocorrido ainda com resquícios de medo e sinalizando a noite mal dormida em suas faces. Foi quando notaram que o menino mais velho que contava com apenas onze anos ainda estava deitado. Preocupada Maria foi até seu quarto procurando averiguar se estava bem. Marcos achava-se encolhido sob seu lençol com os olhos arregalados e ainda um tanto amedrontado. Sua avó o aconchegou em seus braços acariciando sua cabecinha de menino assustado até que, se recuperando, levantou e foi ter com os demais à mesa do café.

Durante o dia o clima na fazenda era normal, os animais estavam sossegados e as crianças brincavam como sempre, exceção de Marcos que continuava apreensivo e divagando num canto. Até certo ponto aquilo era normal numa criança atemorizada, e por ser o mais velho, tinha mais consciência das coisas que se passaram na noite anterior, só quem conhece o perigo tem medo, mas mesmo assim, não deixava de ser criança, pensava o seu avô, inspirando-lhe maior cuidado.

Quando a noite foi se aproximando, todos se recolheram mais cedo, trancaram bem as portas procurando maior segurança, caso aqueles barulhos estranhos voltassem a acontecer.

A noite avançou depressa, a lua, redonda e brilhante, com seus raios luminosos não tardou a aparecer nas montanhas, embelezando e clareando a tudo que envolvia. O lago assumia um aspecto prateado e deixava refletir parte das árvores e outras vegetações circundantes, como se fosse um grande espelho de cristal polido.

Meia noite, o silêncio foi quebrado de maneira repentina, outra vez os animais se agitaram. Ouvia-se um grunhido ensurdecedor que agitava os cães. Parecia que o barulho vinha de dentro da própria casa. Seu José levantou-se com a espingarda na mão, indo diretamente para o quarto das crianças, pareceu-lhe que havia qualquer coisa lá, pois as crianças gritavam desesperadamente por socorro.

Assim que abriu a porta do quarto notou que a janela estava aberta, e por ela uma criatura de estatura mediana fugia. Era um monstro meio homem meio animal, possuía uma cabeça grande e peluda, mãos compridas tinham unhas pontiagudas como a de um felino. Era algo jamais visto. Inacreditável.

Seu José foi até a janela e viu a criatura correndo em direção ao lago. Ainda da janela do quarto apontou sua arma e disparou um tiro certeiro. O corpo rolou pelo gramado e permaneceu inerte, deixando escorrer o sangue que se esvaia fervilhando pelo buraco perfurado pela bala.

Todos apressadamente foram até o lago. Quando lá chegaram viram o que jamais queriam ter visto. Estirado ao chão estava sem vida o seu neto, o menino Marcos, que ainda tremia o corpo agonizante.

A lua no alto do céu azul, começava agora a ficar encoberta por nuvens negras que ofuscavam a claridade e o brilho que lhe conferia tanta beleza. Dali a algumas horas um novo dia iria começar.

Fonte:
CIUFFI NETO, Alfredo. Contando contos. http://tutomania.com.br/file.php?cod=8165

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