quinta-feira, 5 de junho de 2008

José Afrânio Moreira Duarte (Azul: Estranhos caminhos)

por Francisco Miguel de Moura

“Nenhum sonho termina”, diz o poeta Fernando Pessoa. E a literatura é um sonho, do qual os escritores vocacionados jamais se despedirão. Exemplo de pessoa que nasceu para a literatura é José Afrânio Moreira Duarte, de 8 de maio de 1931, Alvinópolis, Minas Gerais, mas há muito tempo mesmo residindo em Belo Horizonte. Homem simples, estilo simples, embora possua cultura refinada, da melhor. Publicou no ano passado o terceiro livro de contos, mas não acredito que seja o seu “canto do cisne”. Observei em algumas peças de cunho memorialístico que há outros contos ali embutidos. Falo apenas no gênero conto. Pois, certamente continuará a ser o excelente crítico que é, devendo neste pequeno espaço lembrar, entre tantos dos seus trabalhos de apreciação da arte literária, o seu “Fernando Pessoa e os Caminhos da Solidão”, um clássico no gênero em nossa literatura. Seu fazer contístico caracteriza-se, especialmente, pela ternura que há na infância e no poeta que ele é visceralmente (já tendo publicado também livro de poemas), a mostrar que partem de um coração que sofre o mundo – o seu e o do outro – não obstante, sem se deixar levar pela tentação do sentimentalismo que tem estragado tantas boas iniciativas. José Afrânio, desde “O Menino do Parque”, passando por “A Muralha de Vidro” e agora com este “Azul: Estranhos Caminhos” segue a estrada que leva ao conto impressionista tipo Katerine Mansfield, só para citar um ícone. Porém, os seus são limpamente seus. Uma individualidade tocante, que capta a alma das pessoas, pois a história (ou a quase estória), é capaz de despertar no leitor aqueles sentimentos decorrentes da tristeza, da melancolia, da paixão, da compaixão, de desejos outros, enfim, aos quais as almas estão sempre abertas. Mesmo contando, desconta e encanta com seus flash-backs, seus saltos que fogem ao tempo e ao certinho conto de começo, meio e fim.

Não posso dizer qual o melhor que achei, pois todos me cativaram, mas devo transcrever trecho do “Corpo Presente”, quando a avó e o neto (menino) dialogam, no final:

–“ Tudo acabou... Tudo acabou...

– Engana-se, José – falou a avó. – A vida de agora é muito mais vida. Espere...

O cocheiro não usava rédea, mas controlava tudo apenas estendendo as mãos em direção das aves. Movimentaram-se os brancos cisnes. E o estranho veículo iniciou viagem rumo a ignotas regiões de nuvens e mistérios.” Um conto fantástico à brasileira. Na maioria, entretanto, são casos de amores feitos, desfeitos com ou sem morte, por desenganos, desencontros... Salvo os que trabalham sua memória de menino. “Aquele amor cruel e carinhoso / na memória indelével que perdura...” de Teófilo Dias, epígrafe do conto “A luz que não se apaga”, definiria o livro com relação à matéria. São todos contos premiados em concursos, que podem ser lidos como exemplo de leveza e arte. Termino o artigo como terminam a história e o livro, nesta frase lapidar, que ninguém esquecerá jamais: “Só então compreendeu quanto ainda a amava.”
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*Francisco Miguel de Moura é escritor, conselheiro do Conselho Estadual de Cultura, membro-titular da Academia Piauiense de Letras e membro-correspondente da Academia Mineira de Letras.

Fonte:
http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=28614&cat=Artigos&vinda=S

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