segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Alvares de Azevedo (Esperanças – Despedidas – Desalento -Meu Sonho)

Esperanças

Oh! si elle m’eût aimé...
ALFRED DE VIGNY, Chatterton

Se a ilusão de minh’alma foi mentida
E, leviana, da árvore da vida,
As flores desbotei...
Se por sonhos do amor de uma donzela
Imolei meu porvir e o ser por ela
Em prantos esgotei...

Se a alma consumi na dor que mata
E banhei de uma lágrima insensata
A última esperança,
Oh! não me odeies, não! eu te amo ainda,
Como dos mares pela noite infinda
A estrela da bonança!

Como nas folhas do Missal do templo
Os mistérios de Deus em ti contemplo
E na tu’alma os sinto!
Às vezes, delirante, se eu maldigo
As esperanças que sonhei contigo,
Perdoa-me, que minto!

Oh! não me odeies, não! eu te amo ainda,
Como do peito a aspiração infinda
Que me influi o viver...
E como a nuvem de azulado incenso...
Como eu amo esse afeto único, imenso
Que me fará morrer!

Rompeste a alva túnica luzente
Que eu doirava por ti de amor demente
E aromei de abusões...
Deste-me em troco lágrimas aspérrimas...
Ah! que morreram a sangrar misérrimas
As minhas ilusões!

Nos encantos das fadas da ventura
Podes dormir ao sol da formosura
Sempre bela e feliz!
Irmã dos anjos, sonharei contigo:
A alma a quem negaste o último abrigo
Chora... não te maldiz!

Chora e sonha e espera: a negra sina
Talvez no céu se apague em purpurina
Alvorada de amor...
E eu acorde no céu num teu abraço
E repouse tremendo em teu regaço
Teu pobre sonhador!
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Despedidas

Se entrares, ó meu anjo, alguma vez
Na solidão onde eu sonhava em ti,
Ah! vota uma saudade aos belos dias
Que a teus joelhos pálido vivi!

Adeus, minh’alma, adeus! eu vou chorando...
Sinto o peito doer na despedida...
Sem ti o mundo é um deserto escuro
E tu és minha vida...

Só por teus olhos eu viver podia
E por teu coração amar e crer...
Em teus braços minh’alma unir à tua
E em teu seio morrer!

Mas se o fado me afasta da ventura,
Levo no coração a tua imagem...
De noite mandarei-te os meus suspiros
No murmúrio da aragem!

Quando a noite vier saudosa e pura,
Contempla a estrela do pastor nos céus,
Quando a ela eu volver o olhar em pranto...
Verei os olhos teus!

Mas antes de partir, antes que a vida,
Se afogue numa lágrima de dor,
Consente que em teus lábios num só beijo
Eu suspire de amor!

Sonhei muito! sonhei noites ardentes
Tua boca beijar... eu o primeiro!
A ventura negou-me... mesmo até
O beijo derradeiro!

Só contigo eu podia ser ditoso,
Em teus olhos sentir os lábios meus!
Eu morro de ciúme e de saudade...
Adeus, meu anjo, adeus!
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Desalento

Por que havíeis passar tão doces dias?
A. F. DE SERPA PIMENTEL

Feliz daquele que no livro d’alma
Não tem folhas escritas
E nem saudade amarga, arrependida,
Nem lágrimas malditas!

Feliz daquele que de um anjo as tranças
Não respirou sequer
E nem bebeu eflúvios descorando
Numa voz de mulher...

E não sentiu-lhe a mão cheirosa e branca
Perdida em seus cabelos,
Nem resvalou do sonho deleitoso
A reais pesadelos...

Quem nunca te beijou, flor dos amores,
Flor do meu coração,
E não pediu frescor, febril e insano
Da noite à viração!

Ah! feliz quem dormiu no colo ardente
Da huri dos amores,
Que sôfrego bebeu o orvalho santo
Das perfumadas flores...

E pôde vê-la morta ou esquecida
Dos longos beijos seus,
Sem blasfemar das ilusões mais puras
E sem rir-se de Deus!

Mas, nesse doloroso sofrimento
Do pobre peito meu,
Sentir no coração que à dor da vida
A esperança morreu!...

Que me resta, meu Deus? aos meus suspiros
Nem geme a viração...
E dentro, no deserto do meu peito,
Não dorme o coração!
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Meu Sonho

EU
Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sanguenta na mão?
Por que brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos lábios frementes
Vertem fogo do teu coração?

Cavaleiro, quem és? — O remorso?
Do corcel te debruças no dorso...
E galopas do vale através...
Oh! da estrada acordando as poeiras
Não escutas gritar as caveiras
E morder-te o fantasma nos pés?

Onde vais pelas trevas impuras,
Cavaleiro das armas escuras,
Macilento qual morto na tumba?...
Tu escutas... Na longa montanha
Um tropel teu galope acompanha?
E um clamor de vingança retumba?

Cavaleiro, quem és? que mistério...
Quem te força da morte no império
Pela noite assombrada a vagar?

O FANTASMA
Sou o sonho de tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!...

Fonte:
http://www.coladaweb.com.br

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