sábado, 1 de novembro de 2008

Alter Breitenbach (Duas Maneiras de Ver os Contos)



O conto é o gênero narrativo que tem sofrido ao longo do tempo inúmeras mudanças em sua estrutura e forma , em conseqüência o modo de pensar o conto também modifica-se. O que pretendo neste trabalho é apresentar um contraste entre o conto de Poe e Tchekov, relacionando-os com as com as teorias que buscam explicar o seu funcionamento como narrativas curtas.

O trabalho teórico sobre o conto inicia-se com Edgar Allan Poe quando expõe, no prefácio à reedição da obra de Howtorne, seu princípio de como o autor deve construir a narrativa curta. Sua teoria é complementada com o ensaio A filosofia da Composição, onde apresenta detalhadamente o processo de construção do poema The Raven, mas fazendo referências a questões ligadas ao conto.

O princípio do autor recai sobre o efeito que o conto deve causar no leitor. Inicialmente sugere a leitura única, isto é, realizada de uma única vez, já que, segundo ele, a atenção do leitor estaria voltada exclusivamente para a obra, provocando a exaltação da alma, o que produz e mantém a unidade de efeito. Considerando este aspecto se faz necessário observar a extensão do conto. Ora se o efeito é causado durante a hora de leitura, nada mais óbvio que a narrativa manter a atenção do leitor entre "meia a uma ou duas horas", conforme nos diz o próprio Poe.

Igualmente estabelece que a gênese do bom conto deve partir de um efeito único a ser atingido e assim ir acomodando os acontecimentos de forma a satisfazê-lo. Assim a regularidade e eficiência estão na manutenção da atenção do leitor e de um único eixo dramático, não permitindo intervenções, comentários e descrições quando desnecessários.

Tomando como exemplo o conto O Barril de Amontillado, percebemos como o autor segue seu modelo teórico. Nas primeiras linhas já nos dá a clara sensação do efeito a ser causado no leitor, cito: "Suportara eu, enquanto possível, as mil ofensas de Fortunato. (...) Afinal deveria vingar-me. Isto era ponto definitivamente assentado, mas essa resolução definitivamente excluía a idéia de risco. Eu devia não só punir, mas punir com impunidade."

A leitura atenta indica a clara intenção do narrador em se vingar. E é deste desejo de vingança que o autor parte para a criação dos incidentes, de modo a corroborar o que preestabeleceu. Com um pretexto convincente para a prática do crime, Montresor conduz Fortunato à adega de seu castelo, apresentando, durante a trajetória, indícios claros de suas intenções até o momento em que pratica o ato final contra Fortunato, o acorrentando e emparedando.

O que Poe efetivamente faz, é estabelecer uma situação inicial e a partir dela trabalhar de forma concentrada situações capazes de criar o suspense no leitor conduzindo-o até o clímax, conseguindo isto, o contista, segundo Poe, atinge seus objetivos.

Contrariando o modelo de Poe, surgem as narrativas de Tchekov, escritor russo que dá nova forma ao conto. Suas histórias motivadas por um cotidiano simples e banal não criam a mesma tensão que os contos de Poe, mas da mesma forma causa efeito.

No ensaio Alguns aspectos do conto, o escritor argentino Julio Cortázar nos diz que os contos de Tchekov visam apresentar algo que está além do conto em si, tanto antes como depois.

Pensemos por um momento no conto O bilhete de loteria, onde a tensão está concentrada em Ivan Dmitritchi e sua esposa que imaginam terem ganho o prêmio da loteria. Durante o conto a ação é praticamente nula, apenas com os dois se observando e imaginando o que fazer com o dinheiro, porém quando certificam-se de que não ganharam nada, voltam-se para a realidade. Não há nada além disso se pensarmos de acordo com a teoria de Poe, mas de acordo com o pensamento de Tchekov as coisas se passariam de modo diferente.

Observando um caderno de Tchekov, outro escritor argentino, Ricardo Piglia, desenvolve uma nova teoria do conto.

Para Piglia, o modelo de conto adotado por Tchekov implica a existência de duas histórias ocorrendo paralelamente, sendo uma apresentada explicitamente e outra implícita e fragmentariamente. Retomando O bilhete de loteria, temos no primeiro plano a expectativa quanto a ganhar o prêmio e implicitamente a idealização da vida, o direito de sonhar.

De modo geral, tanto para Poe como para Piglia, os contos mantém as unidades fundamentais para sua realização, diferenciando-se apenas na forma de narrar a história implícita, para Poe ela é o mistério, para Piglia a chave. De qualquer forma ambos atingem seus objetivos, ao causar um determinado efeito no leitor.

Estes modos diferentes de conceber o conto, fazem com seja um gênero sempre efervescente em busca de novas formas, pois haverá tantas formas quantos forem as escolhas por modos de contar por partes dos autores, remetendo com isso a conhecida concepção de Mario de Andrade de que será conto tudo aquilo que o seu autor chamar de conto. Será sempre, independente da forma, um gênero capaz de criar múltiplas interpretações no leitor, incentivando a sua imaginação e estimulando o seu prazer pela leitura.

Fonte:
Artigo publicado em 24/06/2003
http://www.speculum.art.br/module.php?a_id=517

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