sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Miguel Perrone Cione (O Peregrino)

O peregrino sobre o mar de brumas(Casper David Friedrich)
Ele surgiu um dia na cidade. Era um homem visivelmente sofrido. Em uma das mãos levava uma tosca flauta de bambu, talvez por ele mesmo fabricada, e nos lábios, o esboço esmaecido de um sorriso forçado.

Ao ingressar para a vida cotidiana daquela urbe, descobriu logo, junto à praça de uma pequena igreja, o lugar ideal para o seu destino de homem pobre, que necessitava da caridade pública para sobreviver.

No local escolhido, todos os dias, empunhando o tosco instrumento, ele dava para os transeuntes seu concerto musical, executando as mais variadas melodias.

Não pedia nada a ninguém, mas o seu boné azul desbotado, colocado sobre o lajedo da calçada de boca para cima, solicitava por ele um auxílio monetário às pessoas caridosas que pelo local passavam.

No início, quando era novidade no bairro, muita gente interrompia o trajeto para aplaudi-lo, porque na realidade ele manejava aquela flauta de bambu com a habilidade de um exímio artista. Depois, com o passar dos dias, os ouvintes foram diminuindo, e também escasseando os níqueis que caíam em seu surrado boné.

Quando o sol descia no horizonte, o flautista partia para o repouso noturno, levando o parco produto da féria do dia.

Nunca soubemos como e onde se alimentava, nem em que lugar o pobre homem se abrigava da noite densa. Mas pela manhã, quando o sol, com sua luz dourada, abria as portas do dia, lá estava ele reaparecendo para a continuação das suas atividades.
Sempre recolhido em sua introspecção, não conversava; apenas com leve aceno de mão agradecia sempre aos que lhe auxiliavam com a pequena contribuição monetária.

Descobriu-se afinal, que o pobre flautista era mudo. Não podia falar, mas a sua voz era ouvida nos acordes da melodiosa flauta que magistralmente tocava.

Durante um ano inteiro o «homem da flauta», como era chamado, alegrou o bairro com a sua música maravilhosa, mas com o tempo o seu público foi se dispersando definitivamente.

Certo dia, o mágico da flauta desapareceu. Muita gente perguntou por ele. Para onde teria ido e porque teria partido, ninguém conseguiu explicar.

Chegou de algum lugar e para algum lugar partiu, como um simples forasteiro, um peregrino, uma ave que constantemente fugisse sem rumo, em busca de calor humano, talvez...

Partiu, deixando no seu rastro de artista e de sofredor, uma lembrança qualquer. Motivos insuperáveis podem guiar as ações dos homens.

Que mistério envolveria aquele personagem estranho? Quem poderia adivinhar o que vai perdido no coração de um homem solitário? Que turbilhão de sombras se entrechocam na alma dos desamparados, dos desesperados que se encontram ilhados na miséria e no desconsolo? Dos que perdem suas últimas esperanças no descaso dos que passam indiferentes à sua dor?...

Que convulsão de tristezas pode ocultar-se por trás da máscara da face? Que destinos enigmáticos e desencontrados guiariam os homens na senda da sua sorte e das suas paixões?...

Fontes
http://www.movimentodasartes.com.br
Pintura = http://vislumbre.files.wordpress.com

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