sábado, 13 de dezembro de 2008

Caldeirão Literário do Rio Grande do Sul

ADEMIR ANTONIO BACCA

iceberg

o que escondo
nem sempre é
a minha parte
mais perigosa

um bloco de ternura
hiberna
há muitos invernos
submerso em mim
à espera
de tantos reencontros
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insônia

inventei tantos mundos
e abri tantas portas
em minha insônia
que tem noites
que não encontro caminho
para voltar para dentro de mim
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ferido de morte


me deixe quieto
no meu canto

não toque no rádio
não mexa na ferida
nem provoque o sonho

deixe a noite
acontecer sem pressa

não fale meu nome
não atravesse a ponte

fique onde estás
e me deixe entregue
ao meu silêncio

hoje,
eu calo por nós dois
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nós

essa coisa
que há em nós

busca que não cessa
palavra que não sacia

esperança que a gente tece
teimosamente
todos os dias

essa coisa
que há em nós

bálsamo para tantas dores
que a gente acostumou
e nem mais sente

força estranha
que há em nós
e nos leva pelas ruas
em busca dessas coisas todas
que na madrugada
desatam sobre nós
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migração

sonhos

sonhos
batem asas
dentro de mim

quem sabe para o norte
quem sabe para morte
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do conformismo

eu toco
a minha vida
como que conduz
um tropa de bois

de que me vale
a sensibilidade
de poeta
se a insensatez
dos governantes
sempre põe tudo
a perder?
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Sobre o Autor

Natural de Serafina Corrêa, RS, é poeta, contas, folclorista e jornalista. Publicou, até 2007, oito livros de poesia, além de organizar e participar de muitas antologias. Ativista cultural, organizador de festivais e eventos de poesia com repercussão nacional e internacional.

“Ao alçar seu Plano de Vôo, com poemas curtos e tocantes, é possível imaginar o poeta navegando sua asa delta emocional pelas querências gaúchas, captando o silêncio do silêncio, num horizonte sempre distanciado.”

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CELSO GUTFREIND


Conversa de menino

O silêncio era infinito
mas acabou
perguntando ao menino:
- O que fazes nesta manhã?

Ele agarrou no que não tinha:
- Reinvento a minha mãe.
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NADO


De máscara em máscara
passas como um fósforo.
Já riscas a próxima,
porém ainda lembras
um outro de antes
ou depois da chama.
E segues a luta
de torna-se alguém
igual a ti mesmo,
até encontrar
tua natural
e forma própria,
a de
teu pai.
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OS INOCENTES


Nós íamos ao parque na inocência
para muito prazer, divertimentos
e um pouco de sorte nas argolas.
Jamais nós retivemos uma imagem
de forma superior à sua essência
a fim de que depois fosse expressada.
Jamais observamos qualquer ritmo
de carrossel, de roda ou trem-fantasma
exatos e velozes como o medo.
Jamais nos dirigimos ao porteiro
a fim de questionar o que não fosse
um preço de bilhetes ou a hora.
Jamais pensamos que essa arte toda
seria assim um dia necessária.
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PROMESSA DE PALAVRA


Embora tornado texto
frio, gabinete, impres-
tável para os quintais,
fechado em coisas de coisas
velhas, frias e sem dança,
a cada novo capítulo,
escreve-se uma esperança.
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A LONGEVA

E lidos todos os livros
o dos livros incluído
letra pequena história comprida
conteúdos fundo vivos
Amadas muitas das carnes
de águas fotos ofícios
incluída a dos planos
na reta curva da vida
(e dos livros os seus ritmos
e das carnes seus espíritos)
restam vivos somente os decassílabos
fluentes na extensão de suas imagens
talvez levando em si seu próprio modo

e a amiga querendo saber como vais
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PRESCRIÇÃO DE ANDARILHO


Dar a volta ao mundo
para tocar flauta
Tocar cada volta
apesar do áspero
Parar num lugar
apesar do tempo
Dizer desdizer
até o som, a dança
Ver cor sentir cor
olhar um segundo
Esquecer a hora
sonhar muitos anos
Viver e viver
antes que seja arte
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Sobre o Autor

Nasceu em Porto Alegre, em 1963. Como escritor tem 12 livros publicados, entre poesia e histórias infantis. Também participou de diversas antologias e recebeu alguns prêmios. Tem textos traduzidos para o espanhol, francês e inglês. Colabora na imprensa, assiduamente, sobretudo com crônicas. Como médico, Celso Gutfreind especializou-se em Medicina Geral Comunitária (Hospital Nossa Senhora da Conceição), Psiquiatria (Fundação Mário Martins e Associação Brasileira de Psiquiatria) e Psiquiatria Infantil (Universidade Paris V). Realizou na França doutorado em Psicologia Clínica (Universidade Paris XIII) e pós-doutorado em Psiquiatria Infantil, no grupo hospitalar Pitié-Salpetrière, da Universidade Paris VI. Atualmente, é professor da Faculdade de Medicina e do mestrado de Saúde Coletiva da ULBRA e da Fundação Universitária Mário Martins.
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DOLORES MAGGIONI

O meu Fantasma e seu Bloco de Rabiscos

ESTAÇÃO PRIMEIRA- É NOITE DE OUTONO


Há alguém batendo à porta. É ele, o meu fantasma
trazendo na algibeira um bloco de rabiscos.
Descansa o chapéu roto, no encosto da cadeira
me olha de soslaio. Nos seus olhos ariscos
o jeito de quem veio ficar a noite inteira.
Desfaz-se da sandália e calça o seu chinelo.
No colo estende. o abrigo da manta de pelúcia.
Debruça o seu olhar tristonho na janela
perscruta o céu violáceo, em cada sua minúcia.
Vivaldi e seus violinos, na sua Estação de Outono.
O bloco de rabiscos é aberto e o meu fantasma
ensaia no rascunho a minha história antiga.
Invade docemente a minha intimidade
e assim, enternecido, com sua mão amiga
rabisca no seu bloco, do Adágio de Vivaldi,
o ébrio adormecido, dos aldeões o canto,
os cães, a espingarda, a fera abatida.
O seu olhar se esteira por sobre mim em prece
e ele, o meu fantasma, sem um sinal de pressa
se aninha na cadeira, tão terno, e adormece.
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ESTAÇÃO SEGUNDA - É NOITE DE INVERNO


Crepita, tão sombrio, o fogo na lareira.
De volta, o meu fantasma, tão trêmulo de frio.
Se assenta na cadeira, aperta a minha mão
com sua mão gelada.
O seu roto chapéu descansa na almofada.
Fica a me olhar de um jeito, tão meigo e tão antigo,
parece que hoje veio para ficar comigo.
Um copo de conhaque. Faz parte da rotina.
A chama sinuosa que arde na lareira
se espelha, do fantasma, em sua triste retina.
O bloco de rabiscos se amolda, à sua maneira,
por sobre seus joelhos, de frio enrijecidos.
O disco chora agora o Largo de Vivaldi
na sua Estação de Inverno.
Saudades batem pés, pra não morrer de frio
e a chuva, sem cuidado, escorre pelo chão
formando enorme rio. O meu triste fantasma
parece pouco a pouco, se transformar num louco.
Estampa velozmente, com seus olhos ariscos,
toda a poesia da alma, no bloco de rabiscos.
Lá fora, pavoroso, o vento, todos ventos
explodem na vidraça. Os sonhos, congelados,
deslizam sobre o gelo, iguais ao movimento
do Alegro de Vivaldi.
Tristeza que não passa.
A chama assim brejeira do olhar do meu fantasma
se apaga lentamente, junto à última brasa
que arde na lareira.
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ESTAÇÃO TERCEIRA- É NOITE DE PRIMAVERA


A tarde anoitecida se veste de estrelas. Chegou a primavera.
Num terno azulado, na sala acomodado, está o meu fantasma,
de novo à minha espera.
Saímos de mãos dadas, ele de temo azul, eu, com azul na saia.
A imensa lua cheia brilha novo poema, em cada onda da praia.
O mar nos faz suas rondas, quebrando o silêncio
com o espocar das ondas.
Voltamos irmanadas, as nossas duas almas.
Um drink bem gelado. Borbulhas no espumante.
Gemidos de violinos irrompem o constante
Alegro de Vivaldi louvando-a primavera.
Se assenta o meu fantasma, em sua fiel cadeira.
No rosto, tão de volta, os seus olhos ariscos
e tão nas mãos de volta, o bloco de rabiscos.
Trovões, cantar de aves, até um pastor que dorme,
as fontes que murmuram, também plantas e folhas,
a dança pastoral, na sua tristeza enorme.
Só ele, o meu fantasma, me lembra, sem prudência
histórias do passado. Imploro por clemência,
mas ele, o meu fantasma, assim, rindo-se de mim
vai rascunhando um sonho, do início até o fim.
Já tarde. A lua se esconde, prateada de carinho
e ele, o meu fantasma, suave adormece
tão doce ... de mansinho.
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ESTAÇÃO QUARTA - É NOITE DE VERÃO

Parece que hoje o sol retarda em retirar
seu cobertor vermelho de sobre o entardecer.
Me chega bem mais cedo, esta noite, o meu fantasma,
ansioso por me ver. Veio jantar comigo.
Pois fique à vontade. Assim seja. Não se vá.
Trazidos na bagagem, presentes de sonhar.
Me veio o meu fantasma, como quem vai ficar.
De volta ao aconchego do seu antigo ninho
lhe sirvo, com ternura, um cálice de vinho.
Vivaldi e os movimentos da sua Estação Verão.
Sobras de antigos sonhos, olhando-me das coisas
como velhos retratos, com olhos de piedade
Alegro na saudade e sua languidez.
O cuco, a rolinha, este calor intenso
e este rubor na tez.
O pintassilgo, o vento, o pranto do aldeão,
as moscas, os moscões, o Presto que descreve
trovões e temporais. O meu fantasma triste
com seus olhos ariscos, de súbito rascunha
seu bloco de rabiscos.
Logo um pranto desliza, na sua face mansa.
Ele hoje se parece com tímida criança
que crê que tem um bicho
papão dentro da lua. A dor que se insinua
é como uma serpente, que enrosca sua curvas
na dor da alma da gente.
É tarde. As estrelas nos olham distraídas
por sobre a noite intensa.
Eu sirvo framboesa, pra uma saudade imensa.
De novo, o meu fantasma, sem um sinal de pressa
esteira sobre mim o olhar enternecido.
Se aninha na cadeira ... Tão doce ... adormecido.
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Sobre a Autora

Pós-graduada em História das Artes é professora Universitária de Estética e Filosofia da Arte e História da Música Universal. Desempenha atualmente a função de Assessora Cultural da Escola "Província de São Pedro" em Porto Alegre, RS. Integra várias Academias Literárias do País e do Exterior: Membro "Ad Honorem" do Centro Cultural e Artístico a Gazeta de Felgueiras ¬Felgueiras - Portugal e Membro Simpatizante do Centro Europeu para Promoção das Artes e das Letras - cadeira n° 225 - Ano 2001 ¬Thoinville - França. Foi publicada na Espanha: obra Poetas da Humanidade em homenagem a Garcia Lorca.

Uma das 20 personalidades que marcaram o século XX em Farroupilha, RS, sagrou-se vencedora do Prêmio lararana de Poesia da Revista de Arte, Crítica e Literatura - Salvador - Bahia Ano 2000. Foi painelista em Conclaves Literários, destacando-se o Seminário Nacional de Literatura Brasileira - Acre - Rio Branco, O Seminário de Literatura de Ibiraçu - Espírito Santo e o Congresso Nacional de Trova Literária - Corumbá - Mato Grosso do Sul.

Detentora de inúmeros prêmios em poesia e prosa poética tem 15 livros publicados, Lps e Cds gravados com poemas recitados, por ela própria.
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MARILENE CAON PIERUCCINI

TOQUE DE CARRILHÕES

A manhã adormece o sol.
No beiral fundo do mundo
Rouxinol acalanta o ninho
Trança de corda e espinho,
Escondido no ramo vazio

De caladas rosas, só rosas.

Sozinho voa o pássaro
Das asas abertas na rua.

Ícaro se faz sonho escorrido
Nas violas desacordoadas
De notas perdidas na aragem.

A imagem de luz desaparece,
Além da vida, as Três Marias
Sopram forte o vento do norte

Sozinho canta o pássaro
Das asas despidas de lua.

A roupagem da ave canora
Seduz na cor da folha ausente,
O trinado afina, ressente dor.

Criança ergue o véu e chora.
Na esquina a piorra balança
É hora de sombras vazias

Sozinho está o pássaro

De asas partidas e nuas.
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PRELÚDIO

No espaço da noite os passos
Da hora que se nega ir embora

Assola o tempo aflito
O grito de vento d’alma

Calma, mas que’inda chora
os traços de idos abraços
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SOLO DE CLARINETA


Escuto o barulho do mar
Marulho de cantiga
Antiga mais que o ar

Magia que nina a lua
Na rua vazia de você

Pensamentos desertos
Abertos com a sombra
Que assombra o lugar

Perdidos na dor da escolha
Havida no meio de mim
Nunca há paz neste jardim
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NOTA DE VIOLA

É um encanto sob a lua
O canto da rua, se tonta
Desponta a alegria de voltar
A canção da fantasia voa
No abraço da saudade
Onde a ansiedade de chegar
É acorde de segundo a toa
Que muda o mundo vão
No toque do coração
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COMPASSO PARA TUBA

No filme das paredes de vento
Cenas que o tempo reteve

Uma bola
Uma mão
Um rabisco

Um nome escrito de giz

Roda inteira a história
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TIO FONSIO

Tio Fonsio era um velho preto
Que vivia nas bandas de Vacaria.
Carregava no peito um amuleto
A respeito do qual sempre dizia
Ser a marca de sua vida escrava.
Porém o que ele nunca contava,
Por farejar catinga de agouro no ar,
Era a quantia de anos que fazia.

À noitinha com a lua já despontada
Sentava ao lado do fogo de chão
Chamava acenando a calejada mão
E com memória lúcida e endomingada
Encantada história se largava a contar.
O galpão então todo de cor se iluminava
Na faísca de vento do cavalo orelhano
Que em quatro paletadas varava
De laço a laço o assovio do frio Minuano

A luz do candieiro se transformava
Em madrinheiro da tropa de sonho
Que ele criava com seu jeito risonho
Prá eu cavalgar no galope da fantasia.
De mim escondia o lombo guasqueado
E a marca da tronqueira que desenhava
Nos pulsos a porteira do Rio Grande amado
Sabia, com certeza, onde morava a coruja.

E quando o braseiro enfim se apagava
Feiticeiro me aconselhava: menina não fuja
Das taperas que pela vida vier encontrar
Reponte as feras pra dentro da mangueira.
Tendo charola, nunca deixe o poncho rasgar
E quando alguém lamber a canga pro seu lado
No mesmo espeto querendo churrasquear
Se achar que não vale a pena, se faça fumaça,
Que é melhor seguir só que mal acompanhado.

Há muito tio Fonsio partiu e eu já cresci
Nunca dele e de seus conselhos esqueci.
Quando a tristeza de mim se aproxima,
Juro por Deus e pela luz que me ilumina,
É só pensar no que o preto velho ensinava
Quando a noite no campo descambava
E no braseiro pro chimarrão a água aquentava
Para voltar a ser dia na dor de minha alma.
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PIALO DE AMOR


Quando é tardinha no pampa espraiado
As chilenas anunciam o taita aporreado
Que boleia a perna, lento solta a açoiteira
Levanta os olhos prá Estrela-Boeira,
E faz uma prece a Senhora-Madrinha
Enquanto no céu aguado a lua caminha.

Acende o fogo de chão sob a chaleira
Arruma de pelego e badana a esteira
Estende como coberta o poncho azulado
E ouve o Minuano na ceva do chimarrão,
Rebenqueando de saudades o coração.
No entanto, vira o mate o guasca orelhano.

Charla só, jogando de mano com a solidão.
Lança o olhar matreiro em direção à coxilha
Ao escutar o chasque da tropilha de vento.
O estandarte farroupilha preso no tento
Da alma maltrapilha é o seu parceiro alento
Tão longe dos olhos da chinoca caborteira.

Cincha o peito do bravo o cabresto da paixão
A Água-Benta desenha a imagem faceira
Do cambicho que lhe pialou entranha e emoção
O guapo seca a lágrima na noite estranha
Que não é vergonha chorar a dor de amor,
Uma braça de sesmaria separando a moça-flor.

O viço da aurora encontra as Três Marias
Boleando a relva orvalhada e macia
O guasca, num tranco, encilha a montaria
Bota na mala de garupa só a sua poesia
Retoça por diante o manotaço da vida
E vai buscar a sua prenda tão querida.

Como regalo leva com carinho e jeito
Embretado no aramado do seu peito
Um querer haragano para ser domado,
Marca de estância velha a ser garantida
Orelhada na esperança de jamais
Riscar a estrada em solita andança.
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Sobre a Autora

Nascida em Vacaria, Rio Grande do Sul. Brasil.Formação superior em Filosofia e mestre em História da América Latina.Historiadora e escritora.
Membro da Academia Caxiense de Letras, cadeira nº 15, do Conselho de Cultura Municipal, da Comissão de Avaliação do Fundoprocultura e Responsável pela Área de Literatura da Lei Municipal de Incentivo à Cultura do município de Caxias do Sul, onde reside atualmente.
Autora de diversos livros, tendo recebido inúmeras premiações, inclusive o de “Melhor Obra Literária” em Caxias do Sul. Pesquisadora e documentalista do livro “Lendas do Brasil”.
Destacam-se entre seus livros já publicados: “Os Sertões na Teoria de Carl Gustav Jung”, “Retalhos de Mim”; “Retalhos de Uma Alma Nua”, “Retalhos”, “História do Aço no Brasil”. Incorporada na antologia “Grandes Escritores do Cone Sul”, volumes 1 e 2 e no “Dicionário de Escritores da Serra Gaúcha”.
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SIMÕES LOPES NETO(1865-1916)

A GALINHA MORTA

Vou cantar a galinha morta:
Por cima deste telhado.
Viva branco, viva negro,
Viva tudo misturado!

Eu vi a galinha morta,
Agora, no fogo fervendo...
A galinha foi p´ra outro,
Eu fiquei chorando e vendo!

Minha galinha pintada...
Ai! Meu galo carijó...
Morreu a minha galinha,
Ficou o meu galo só.

Minha Galina pintada...
Com tão bonito sinal!
Meu compadre me roubou
Pelo fundo do quintal.

Minha galinha morta
Bicho do mato comeu:
Fui ao mato ver as penas,
Dobradas penas me deu.

A galinha e a mulher
Não se deixam passear:
A galinha o bicho come...
A mulher dá que falar!

Eu vi a galinha morta,
A mesa já estava posta;
Chega, chega, minha gente,
A galinha é p´ra quem gosta!

Minha galinha pintada,
Pontas d´asas amarelas:
Também serve de remédio
P´ra quem tem dor de canelas...
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A POLCA MANCADA

A mancada ´sta doente,
Muito mal, para morrer;
Não há frango nem galinha
Para a mancada comer.

A dita polca mancada
Tem mau modo de falar:
De dia corre co´a gente,
À noite manda chamar.

A mancada está doente,
Muito mal, para morrer;
Na botica tem remédio
P´ra mancada beber.
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QUERO-MANA


Tão bela flor digo agora,
Tão bela flor quero-mana.
Que passarinho é aquele
Que está na flor da banana.
Co´o biquinho dá-lhe, dá-lhe,
Co´as asinhas, quero-mana!

Tão bela flor digo agora,
Tão bela flor quero-mana.
Que eu ando neste fado,
A própria sombra m´engana.

Tão bela flor quero-mana,
As barras do dia aí vêm.
Os galos já estão cantando.
Os passarinhos também.
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O PINHEIRO

Quem tem pinheiros tem pinhas
Quem tem pinhas tem pinhões,
Quem tem amores tem zelos
Quem tem zelos tem paixões.

Quem tem pinheiro tem pinha,
Quem tem pinha tem pinhão,
Do homem nasce a firmeza,
Da mulher a ingratidão.

Oh! Que pinheiro tão alto,
Com tamanha galharada;
Nunca vi moça solteira
Com tamanha filharada...

Oh! Que pinheiro tão alto,
Que por alto se envergou.
Que menina tão ingrata,
Que d´ingrata me deixou!
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O BOI BARROSO


Meu boi barroso,
Que eu já contava perdido,
Deixando o rastro na areia
Foi logo reconhecido.

Montei no cavalo escuro
E trabalhei logo de espora
E gritei — aperta, gente,
Que o meu boi se vai embora!

No cruzar uma picada,
Meu cavalo relinchou,
Dei de rédea p´ra esquerda,
E o meu boi me atropelou!

Nos tentos levava um laço
Com vinte e cinco rodilhas,
P´ra laçar o boi barroso
Lá no alto das coxilhas!

Mas no mato carrasquento
Onde o boi ´stava embretado,
Não quis usar o meu laço,
P´ra não vê-lo retalhado.

E mandei fazer o laço
Da casaca do jacaré,
P´ra laçar meu boi barroso
No redomão pangaré.

Eu mandei fazer um laço
Do couro da jacutinga,
P´ra laçar meu boi barroso
No remomão pangaré.

Eu mandei fazer um laço
Do couro da jacutinga,
P´ra laçar meu boi barroso
Lá no paço da restinga.

E mandei fazer um laço
Do couro da capivara,
P´ra laçar meu boi barroso
E lacei de mia cara.

Pois era um laço de sorte,
Que quebrou do boi a balda
Quando fui cerrar o laço,
Só peguei de meia espalda!
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O BALAIO

Mandei fazer um balaio
P´ra guardar meu algodão;
Balaio saiu pequeno;
Não quero balaio, não.

Corta, meu bem, recorta,
Recorta o teu bordadinho;
Depois de bem recortado,
Guarda no meu balainho.
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O GUARAXAIM

Lá vem o guaraxaim
Com cara de disfarçado;
Ele vem comer galinha
E soltar cavalo atado!
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O ANU


O anu é pássaro preto,
Passarinho de verão;
Quando canta à meia-noite
Oh! que dor no coração!

E se tu, anu, soubesses,
Quanto custa um bem querer,
Oh! pássaro, não cantarias
Às horas do amanhecer.

O anu é pássaro preto,
Pássaro do bico rombudo:
Foi praga que Deus deixou
Todo negro ser beiçudo!...
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TROVAS DOS FOLIÕES

Aqui chegou o Divino
que a todos vem visitar;
vem pedir-vos uma esmola
p´ra o seu império enfeitar.

O Divino Espírito Santo
não pede por carestia,
pede somente uma esmola
p´ra festejar o seu dia.

O Divino Espírito Santo
agradece a sua oferta,
que lhe deram seus devotos,
para fazer sua festa.

O Divino agradece
aos senhores e senhoras,
e também aos inocentes
que lhe deram sua esmola.

A pombinha do Divino
de voar já vem cansada,
vem pedir aos seus devotos
que lhe dêem uma pousada.

O Divino Espírito Santo
vai seguir sua jornada;
agradece aos seus devotos
que lhe deram esta pousada.

Se despeçam, nobre gente,
que a pombinha do Divino
vai seguir sua jornada,
visitar outros vizinhos.
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O GAÚCHO FORTE

Sou gaúcho forte, capeando vivo
Livre das iras da ambição funesta;
Tenho por teto do meu rancho a palha
Por leito a pala, ao dormir a sesta.

Monto a cavalo, na garupa a mala,
Facão na cinta, lá vou eu mui concho;
E nas carreiras, quem me faz mau jogo?
Quem, atrevido, me pisou no poncho?

Por Deus, eu digo! que já fiz, um dia,
Uma gauchada de fazer pasmar:
De — ginetaço — ela deu-me o nome;
Tinha razão; eu lhes vou contar:

Foi que num dia numa bagualada,
Passei o laço num quebra, um puava;
Montei; ferrei-lhe na paleta a espora;
Ele ia às nuvens, porém eu brincava!

Mas, de repente, o animal se atira;
E sai correndo, pela várzea fora;
E eu, que, folheiro, lhe pisei a orelha,
Maneei as bolas, e o bagual estoura.

Gauchadas destas, tenho feito muitas,
Por isso ela me chamou um dia,
Rei dos monarcas, gauchão em regra!
Por Deus! te digo: que ela não mentia!

E, se duvidam, eu já marco a raia,
E que se enfrente parelheiro ousado;
Tiro ou parada; não reservo guasca;
E sou o juiz... de facãozinho ao lado!...

Lá no fandango, de botas e esporas,
Danço a tirana, o folgazão balaio;
E ainda mesmo que me dêem pancadas,
Saio rolando, porém; qual! não caio!

Lá na cidade, qualquer um baiano,
Pode, sem susto, me passar bucal;
Mas, tenho consolo, que cornetas desses,
Cá nos meus pagos têm passado mal!...

Se lá me perco nas encruzilhadas;
Eles sorriem pro me ver assim;
Aqui eu monto num cuerudo desses,
E rio, mesmo sem lhe dar mau fim.

Isto é que é vida; o demais é história;
E nem invejo do monarca a sorte;
Se a fronte cinge-lhe uma coroa de ouro
Eu cinjo a coroa de um gaúcho forte...

Se ele adormece em florido leito,
Sobre os arreios, é meu sono igual;
Se ele se nutre de iguarias mil,
Eu de churrasco, muita vez sem sal!

Não tenho trono onde vá sentar-me,
Nem falsa corte de adulação servil:
Mas sou a glória, perenal e eterna,
Da minha terra, do feliz Brasil!
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A ROCEIRA


Minha mãe nasceu na roça,
E eu criei-me na palhoça,
Eu sou filha do sertão;
Sou delgada e sou faceira,
Como o leque da palmeira,
Como o ramo do chorão.

Minha irmã é mais morena...
Tem os seios de açucena,
Tem os lábios de carmim...
Minha irmã é tão mimosa!
Minha irmã chama-se Rosa...
Porém gostam mais de mim!

Eu vagueio pelos campos,
Semelhante aos pirilampos,
As mariposas azuis...
Sei cantar... e canto e choro...
Sei bordar com fios d´ouro
Sei rezar na minha cruz.

Eu sei tudo quanto quero!
Sou esbelta, sou faceira,
Como a rama do chorão...
Minha mãe nasceu na roça,
Eu criei-me na palhoça,
Eu sou filha do sertão!

A quem amo? Não o digo;
Fique o segredo comigo,
Guardado no coração!
Amo os valos... amo a roça...
Eu criei-me na palhoça
Eu sou filha do sertão!
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MUSA GAÚCHA

Bonitaça no mais a Maricota.
Guapetona chinoca requeimada,
Braba como potranca malmarcada
Quando, de cola alçada, se alvorota.

Um defeito qualquer ninguém lhe nota:
Mãos pequenas, a face colorada,
E uma graça dengosa, malcriada,
Se requebra o fandango, a perdigota.

Não quer casar; e quando algum pealo
De sobre-lombo atiram-lhe, no calo
Ofendida se sente e faz negaça,

Pega o freio nos denes, e adeusito!...
Que então, como bagual que sai no jeito,
Nem à bola se pega a matreiraça!...
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Sobre o Autor

João Simões Lopes Neto (Pelotas, 9 de março de 1865 — Pelotas, 14 de junho de 1916) foi, segundo estudiosos e críticos de literatura, o maior escritor regionalista do Rio Grande do Sul.

Filho dos pelotenses Catão Bonifácio Lopes e Teresa de Freitas Ramos, era neto paterno do Visconde da Graça, João Simões Lopes Filho, e de sua primeira esposa Eufrásia Gonçalves, e neto materno de Manuel José de Freitas Ramos e de Silvana Claudina da Silva. Nasceu na Estância da Graça, propriedade de seu avô paterno.

Com treze anos de idade, foi para o Rio de Janeiro, estudar no famoso colégio Abílio. Retornando ao Sul, fixa-se em sua terra natal, Pelotas, então rica e próspera pelas mais de cinqüenta charqueadas que lhe davam a base econômica.

Envolveu-se em uma série de iniciativas de negócios que incluíram uma fábrica de vidros e uma destilaria. Os negócios fracassaram. Uma guerra civil no Rio Grande do Sul - a Revolução Federalista - e a economia local fora duramente abalada. Depois disto, construiu uma fábrica de cigarros. Os produtos, fumos e cigarros, receberam o nome de "Diabo", "Marca Diabo", o que gerou protestos religiosos. Sua audácia empresarial o levou ainda a montar uma firma para torrar e moer café, e desenvolveu uma fórmula à base de tabaco para combater sarna e carrapatos. Fundou ainda uma mineradora, para explorar prata em Santa Catarina.

Casou-se em Pelotas, aos 27 anos, com Francisca de Paula Meireles Leite, de 19 anos, no dia 5 de maio de 1892, filha de Francisco Meireles Leite e Francisca Josefa Dias; neta paterna de Francisco Meireles Leite e Gertrudes Maria de Jesus; neta materna de Camilo Dias da Fonseca e Cândida Rosa. Não tiveram filhos.

Como escritor, Simões Lopes Neto procurou em sua produção literária valorizar a história do gaúcho e suas tradições.Entre 15 de outubro e 14 de dezembro de 1893, J. Simões Lopes Neto, sob o pseudônimo de "Serafim Bemol", e em parceria com Sátiro Clemente e D. Salustiano, escreveram, em forma de folhetim, "A Mandinga", poema em prosa. Mas a própria existência de seus co-autores é questionada. Provavelmente foi mais uma brincadeira de Simões Lopes Neto. Em certa fase da vida, empobrecido, sobreviveu como jornalista em Pelotas.

Publicou apenas quatro livros em sua vida: Cancioneiro Guasca (1910), Contos Gauchescos (1912), Lendas do Sul (1913) e Casos do Romualdo (1914).

Morreu em Pelotas, aos 51 anos, de uma úlcera perfurada.

Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br

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