sábado, 6 de dezembro de 2008

Emiliano Perneta (1866-1921)



VENCIDOS

Nós ficaremos, como os menestréis da rua,
Uns infames reais, mendigos por incúria,
Agoureiros da Treva, adivinhos da Lua,
Desferindo ao luar cantigas de penúria?

Nossa cantiga irá conduzir-nos à tua
Maldição, ó Roland? ... E, mortos pela injúria,
Mortos, bem mortos, e, mudos, a fronte nua,
Dormiremos ouvindo uma estranha lamúria?

Seja. Os grandes um dia hão de cair de bruço ....
Hão de os grandes rolar dos palácios infetos!
E gloria à fome dos vermes concupiscentes!

Embora, nós também, nós, num rouco soluço,
Corda a corda, o violão dos nervos inquietos
Partamos! inquietando as estrelas dormentes!

Ilusão (1911)
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GLÓRIA

Ao I. Serro Azul

Quando um dia eu descer às margens desse lago
Estígio, onde Caron, mediante uma parca
Moeda de estanho vil 0ll cobre, que eu lhe pago,
Há de me transportar numa sombria barca ...

Quando sem um sinal, sem uma prova ou marca
De afeição, eu me for por esse abismo vago,
Vendo que sobre mim funebremente se arca
O céu, e junto a mim esse Caron pressago ...

E envolvido na mais completa obscuridade,
Abandonado, e só, e triste, e silencioso,
Sem a sombra sequer do orgulho e da vaidade,

Eu tiver de rolar no olvido, que me espera,
Que ao menos possa ver o palácio radioso,
Feito de louro e sol e mirto e ramis de hera!

Ilusão (1911)
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DOR

Ao Andrade Muricy

Noite. O céu, como um peixe, o turbilhão desova
De estrelas e fulgir. Desponta a lua nova.

Um silêncio espectral, um silêncio profundo
Dentro de uma mortalha imensa envolve o mundo

Humilde, no meu canto, ao pé dessa janela,
Pensava, oh! Solidão, como tu eras bela,

Quando do seio nu, do aveludado seio
Da noite, que baixou, a Dor sombria veio.

Toda de preto. Traz uma mantilha rica;
E por onde ela passa, o ar se purifica.

De invisível caçoila o incenso trescala,
E o fumo sobe, ondeia, invade toda a sala.

Ao vê-la aparecer, tudo se transfigura,
Como que resplandece a própria noite escura.

É a claridade em flor da lua, quando nasce,
São horas de sofrer. Que a dor me despedace.

Que se feche em redor todo o vasto horizonte,
E eu ponha a mão no rosto, e curve triste a fonte.

Que ela me leve, sem que eu saiba onde me leva,
Que me cubra de horror, e me vista de treva.
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METAMORFOSES

A Mme. Georgine Mongruel.

Sei que há muita nudez e sei que há muito frio,
E uma voracidade horrível, um furor
Tão desmedido que, quando eu acaso rio,
Quantos não estarão torcendo-se de dor.

Conheço tudo, sim, apalpo, indago, espio...
Tenho a certeza que vá eu para onde for,
Como o escaravelho, hei de o ódio sombrio
Ver enodoar até o seio de uma flor.

Mas sei também que há mil aspirações estranhas,
Que havemos de subir montanhas e montanhas,
Que a Natureza avança e o Homem faz-se luz...

Que a Vida, como o sol, um alquimista louro,
Tem o dom de poder mudar a lama em ouro,
E em límpidos cristais esses rochedos nus!
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CORRE MAIS QUE UMA VELA...

Corre mais que uma vela, mais depressa,
Ainda mais depressa do que o vento,
Corre como se fosse a treva espessa
Do tenebroso véu do esquecimento.

Eu não sei de corrida igual a essa:
São anos e parece que é um momento;
Corre, não cessa de correr, não cessa,
Corre mais do que a luz e o pensamento...

É uma corrida doida essa corrida,
Mais furiosa do que a própria vida,
Mais veloz que as notícias infernais...

Corre mais fatalmente do que a sorte,
Corre para a desgraça e para a morte...
Mas que queria que corresse mais!
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SÚCUBO

Desde que te amo, vê, quase infalivelmente,
Todas as noites vens aqui. E às minhas cegas
Paixões, e ao teu furor, ninfa concupiscente,
Como um súcubo, assim, de fato, tu te entregas...

Longe que estejas, pois, tenho-te aqui presente.
Como tu vens, não sei. Eu te invoco e tu chegas.
Trazes sobre a nudez, flutuando docemente,
Uma túnica azul, como as túnicas gregas...

E de leve, em redor do meu leito flutuas,
Ó Demônio ideal, de uma beleza louca,
De umas palpitações radiantemente nuas!

Até, até que enfim, em carícias felinas,
O teu busto gentil ligeiramente inclinas,
E te enrolas em mim, e me mordes a boca!
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O BRIGUE
.
Num porto quase estranho, o mar de um morto aspecto,
Esse brigue veleiro, e de formas bizarras,
Flutua há muito sobre as ondas, inquieto,
À espera, apenas, que lhe afrouxem as amarras ...

Na aparência, a apatia amortece-lhe o esforço;
Se uma brisa, porém, ao passar, o embalsama,
Ei-lo em sonho, a partir e, então, empina o dorso,
Bamboleia-se mais gentil do que uma dama ...

Dentro a maruja acorda ao mínimo ruído,
Deita velas ao mar, à gávea sonda, o ouvido
Alerta, o coração batendo, o olhar aceso ...

Mas a nau continua oscilando, oscilando ...
Ó quando eu poderei, também, partir, ó, quando?
Eu que não sou da Terra e que à Terra estou preso?
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DAMAS

Ânsia de te querer que já não tem mais fim,
Meu espírito vai, meu coração caminha,
Como uma estrela, como um sol, como um clarim,
Mas tudo em vão, sei eu! Tu és uma rainha! ...

És a constelação maravilhosa, a minha
Aspiração, de luz magnífica, ai de mim!
A nudez, o clarão, a formosura, a linha,
O espelho ideal! Ó Torre de Marfim!

Nunca me hás de querer, batendo-me por ti,
Pomo duma discórdia infrutífera, beijo
Todo em fogo, e a arder, assim como um rubi...

Mas é por isso que eu, ó desesperação,
Amo-te com furor, com ódio te desejo,
E mordo-te, Ideal, e adoro-te, Ilusão!
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HÉRCULES

Homem, acorda! O sol, como um fruto de Outubro,
Acaba de explodir no seio de uma flor.
Mais alacre, porém, mais ardente e mais rubro,
Com toques de clarim, com rufos de tambor...

Tudo acordou, a abelha, o plátano e a rosa,
A folha, a brisa, o lago azul, a estremecer.
Ao fogo dessa boca, ideal, voluptuosa,
Como se a terra fosse, ó sol, uma mulher...

Nos espelhos do mar, de grande voz sonora,
Nesta manhã sutil e de um louro saxão,
As naus, que vão partir por esse mundo fora,
Miram vaidosamente as caudas de pavão...

Homem, levanta e vem para a campanha rude,
Ergue-te para a luz, ergue-te para o bem,
Tu que inda sentes n'alma o ardor da juventude,
A sede desse azul, a fome desse além...

Homem, levanta! Esquece a perfídia medonha,
O desígnio feroz de Juno, quanto quis
No teu sangue inocente a baba e a peçonha,
Um dia inocular, de monstros e reptis...

Homem forte, homem são, homem rude e diverso
Dos outros, vem mostrar que tu tens ideais;
Vem carregar aqui o peso do Universo
Sobre esses ombros nus, rijos e colossais...
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ORAÇÃO DA MANHÃ

Amanheceu. A luz de um claro e puro brilho
Tem a frescura ideal de uma roseira em flor :
Antes de tudo o mais, ajoelha-te, meu filho,
Ajoelha-te e bendize a obra do Criador.

Ajoelha-te aqui, e sorvendo esse aroma
De feno, e rosa, e musgo, e bálsamo sutil,
Que vem do seio azul dessa manhã, que assoma,
Na radiosa nitidez de uma manhã de Abril,

Bendize a força, a graça, a seiva, a juventude,
A hercúlea robustez daqueles pinheirais,
Que resistem, de pé, dentro da casca rude,
Aos mugidos do vento e aos rijos temporais.

Ama essa terra como um fauno que por entre
A silva agreste vive; ama tudo o que vês;
Todos somos irmãos, filhos do mesmo ventre,
Filhos do mesmo amor e da mesma embriaguez.

Abraça os troncos nus, beija esses ramos de ouro,
Ajoelha-te aos pés dos que te querem bem :
Que riqueza, Senhor, que límpido tesouro!
Que grande coração que o arvoredo tem!

Pede a Deus que conhece os bons e maus caminhos
Que conhece o passado e conhece o porvir,
Que te aponte de longe os cardos e os espinhos,
E que te estenda a mão, quando fores cair...
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PARA UM CORAÇÃO

Um dia, vi-te, assim, bailando,
E a uma pergunta, que te fiz,
Tu respondeste : "Eu amo, e quando,
E quando eu amo, eu sou feliz!"

Por uma noite perfumada,
Cantaste, sobre o teu balcão.
E eu disse, ouvindo a áurea balada :
- Ah! Que feliz é o coração!

Quanta felicidade, quanta,
Não há ninguém feliz assim :
Um dia baila e noutro canta,
Como se fosse um arlequim...

Eu disse .. Mas agora vejo,
Nesse silêncio tumular,
Que estás sofrendo, e o teu desejo
Já não é mais o de bailar...

Nem de bailar, e nem, de certo
De nada mais, de nada mais...
Que fazes, pois, triste deserto,
Que fazes pois, que não te vais?

Mas, choras, creio, choras? Onde?
Se viu chorar um Lucifer?
Pobre diabo, vamos, esconde
Essas fraquezas de mulher...
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SETEMBRO

Eu ontem vi chegar, quase que à noitezinha,
Apressada e sutil, a primeira andorinha...

É a primavera, pois, em flor, que se anuncia,
É setembro que vem, bêbedo de ambrosia.

Mãos doiradas, a rir, mãos leves e radiosas,
Semeando à luz e ao vento as papoulas e as rosas...

Como foi para nós de um esquisito gozo,
Ó minha alma! esse doce, esse breve repouso,

Que entre o nosso viver tumultuário e incerto
Surgiu como se fosse o oásis do deserto...
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Sobre o Poeta
Emiliano David Perneta (Curitiba, 3 de Janeiro de 1866 - 21 de Janeiro de 1921) foi um poeta brasileiro.
Nascido em um sítio de Pinhais, na zona rural de Curitiba, incorporando ao sobrenome um apelido de seu pai.
Considerado maior poeta paranaense, começou influenciado pelo parnasianismo. Republicano no Império, tanto que no dia 15 de novembro de 1889 formou-se em direito, sendo escolhido orador da turma, fez um discurso inflamado em defesa da República, sem saber que a mesma havia sido proclamada horas antes no Rio de Janeiro.
Foi abolicionista, continuando nos ideais da liberdade, passa a fazer palestras, publica artigos políticos e literários, assim como passa a incentivar, em Curitiba, a leitura do escritor Baudelaire, fato marcante para o surgimento do simbolismo no Brasil. Publicou seus primeiros poemas em O Dilúculo, de Curitiba, em 1883.
Mudou-se para São Paulo em 1885, onde fundou a Folha Literária, com Afonso de Carvalho, Carvalho Mourão e Edmundo Lins, em 1888. No mesmo ano publicou as obras poéticas Músicas, de versos parnasianos, a Carta à Condessa d’eu. Foi também diretor da Vida Semanária, com Olavo Bilac, e colaborador do Diário Popular e Gazeta de São Paulo.
Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1890. Lá, colaborou com vários periódicos e , em 1891, foi secretário da Folha Popular, na qual foram publicadas as manifestações inicias do movimento simbolista, assinados pelos poetas B. Lopes, Cruz e Sousa e Oscar Rosas.
De volta ao Paraná, criou a revista simbolista Victrix em 1902. Em 1913 publicou o poema livreto Papilio Innocentia, para a ópera do compositor suíço Léo Kessler, sobre o romance Inocência de Visconde de Taunay.
Sua obra poética inclui Ilusão (1911), no qual se faz presente a estética simbolista, Pena de Talião (1914), os póstumos Setembro (1934) e Poesias Completas (1945).
Pelo seu dinamismo e obras, foi homenageado por diversos contemporâneos, entre eles, Nestor Victor, Lima Barreto, Andrade Muricy. Tais homenagens aconteceram em vida e também após a sua morte, ocorrida no dia 21 de Janeiro de 1921 na pensão de Otoo Kröhne, na Rua XV de Novembro, 84.

Principais Obras
• Ilusão (poemas – 1991),
• Pena de Talião (1914),
• Setembro (poemas – 1934) (póstumo).
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Fontes:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/parana
http://livrosparatodos.net/biografias/emiliano-perneta.html
http://livrosparatodos.net/biografias/emiliano-perneta.html
http://br.geocities.com/poesiaeterna/poetas/brasil/emilianoperneta.htm

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