sexta-feira, 7 de março de 2008

Gabriel Garcia Marquez (1928)


Gabriel García Marquez (Aracataca, Magdalena, 6 de março de 1928) é um importante escritor colombiano, jornalista, editor e ativista político, que em 1982 recebeu o Nobel de literatura por sua obra, que entre outros livros inclui o aclamado cem anos de solidão. Foi responsável por criar o realismo mágico na literatura latino-americana.Viajou muito pela Europa e vive actualmente no México a lutar contra o cancro. É pai do realizador Rodrigo Garcia.

Gabriel García Márquez, também conhecido por Gabito, filho de Eligio Garcia e de Luiza Santiaga Márquez Iguaran, que tiveram onze filhos.Tinham uma pequena farmácia homeopática. E seu avô materno Nicolás Marquez, que era um veterano da Guerra dos Mil Dias, cujas histórias encantavam o menino, e sua avó materna Tranquilina Iguarán exerceram forte influência nas histórias do autor, um exemplo são personagens de cem anos de solidão.

Tinha 8 anos (1936) quando esse avô morreu. A família deixou então Aracataca, devido à crise da plantação bananeira, e Gabriel estudou em Barranquilla e no Liceu Nacional de Zipaquirá, passou a juventude ouvindo contos das Mil e Uma Noites; sua adolescência foi marcada por livros, em especial A Metamorfose, de Franz Kafka. Ao ler a primeira frase do livro, Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranqüilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso, pensou então eu posso fazer isso com as personagens? Criar situações impossíveis?. Em 1947 muda-se para Bogotá para estudar direito e ciências políticas na universidade nacional da Colômbia, mas abandonou antes da graduação. Em 1948 vai para Cartagena das Indias, Colômbia, e começa seu trabalho como jornalista.

Seu primeiro trabalho como jornalista foi para o jornal El Universal. Em 1949 vai para Barranquilha e trabalha como repórter para o jornal El Heraldo. Neste mesmo período participa de um grupo de escritores para estimular a literatura. Em 1954 passa a trabalhar no El Espectador como repórter e crítico.

Em 1958 trabalha como correspondente internacional na Europa, retorna a Barranquilha e casa-se com Mercedes Barcha com quem tem dois filhos, Rodrigo e Gonzalo.Em 1961 vai para Nova Iorque para trabalhar como correspondente internacional, mas suas críticas a exilados cubanos e suas ligações com Fidel Castro o fizeram ser perseguido pela CIA e com isso muda-se para o México. Em 1994 funda juntamente com seu irmão Jaime Abello a Fundação Neo Jornalismo Iberoamericano.

Teve como seu primeiro trabalho o romance "La Hojarasca" publicado em 1955. Em 1961 publica "Ninguém escreve ao coronel". A obra Relato de um náufrago, muitas vezes apontada como seu primeiro romance, conta a história verídica do naufrágio de Luis Alejandro Velasco e foi publicado primeiramente no "El Espectador", somente sendo publicada em formato de livro anos depois, sem que o autor soubesse .

O escritor colombiano possui obras de ficção e não ficção, tais como Crônica de uma morte anunciada e Amor nos tempos do cólera. Em 1967 publica Cem Anos de Solidão, livro que narra a história da família Buendía na cidade fictícia de Macondo, desde sua fundação até a sétima geração. Este livro foi considerado um marco da literatura latino-americana e exemplo único do estilo a partir de então denominado "Realismo Fantástico". Suas novelas e histórias curtas - fusões entre a realidade e a fantasia - o levaram ao Prêmio Nobel de literatura em 1982.Em 2002 publicou sua autobiografia Viver para contar, logo após ter sido diagnosticado um câncer linfático.

Têm simpatia por movimentos revolucionários da América Latina. Em 2006 apoiou juntamente com outras figuras públicas a independência de Porto Rico. Em algumas ocasiões foi mediador entre governo colombiano e as guerrilhas.

Tem interesse por cinema e trabalha principalmente como diretor.Em 1950 estudou no Centro experimental de cinema em Roma.Participou diretamente de alguns filmes tais como Juego peligroso,Presságio, Erendira, entre outros.Em 1986 funda Escola Internacional de Cinema e Televisão em Cuba, para apoiar a carreira de jovens da América Latina, Caribe, Ásia e África. Em 1990 conhece Woody Allen e Akira Kurosawa, diretores pelos quais tem admiração.

Obras

La Hojarasca - 1954
Memória dos prazeres
Relato de um náufrago
A sesta de terça-feira
Ninguém escreve ao coronel
Os funerais da mamãe grande
O enterro do diabo:A revoada
Má hora: o veneno da madrugada
Cem anos de solidão
A última viagem do navio fantasma
Entre amigos
A incrível e triste história de Cândida Eréndira e sua avó desalmada
Um senhor muito velho com umas asas enormes
Olhos de cão azul
O outono do Patriarca
Como contar um conto (1947-1972)
Crônica de uma morte anunciada
Textos do caribe
Cheiro de goiaba
O verão feliz da senhora Forbes
O Amor nos tempos do cólera
A aventura de Miguel Littín Clandestino no Chile
O general em seu labirinto
Doze contos peregrinos
Do amor e outros demônios
Notícia de um seqüestro
Textos Andinos
Da Europa e América
Viver para contar
Memórias de minhas putas tristes
Crónicas, 1961-1984

Prémios e condecorações

Premio de Novela ESSO por "má hora:o veneno da madrugada" (1961)
Doutor Honoris Causa da Universidade de Columbia em Nova Iorque (1971)
Medalha da Legião Francesa em Paris (1981)
Condecoração Águila Azteca no México (1982)
Prémio Nobel de Literatura (1982)
Prémio quarenta anos do Circulo de jornalistas de Bogotá (1985)
Membro honorário do Instituto Caro y Cuervo em Bogotá (1993)
Doutor Honoris Causa da Universidade de Cádiz (1994)

Fonte:

Gabriel García Márquez (O avião da bela adormecida)

Era ela, elástica, com uma pele suave da cor do pão e olhos de amêndoas verdes, e tinha o cabelo liso e negro e longo até as costas, e uma aura de antiguidade que tanto podia ser da Indonésia como dos Andes. Estava vestida com um gosto sutil: jaqueta de lince, blusa de seda natural com flores muito tênues, calças de linho cru, e uns sapatos rasos da cor das buganvílias. "Esta é a mulher mais bela que vi na vida", pensei, quando a vi passar com seus sigilosos passos de leoa, enquanto eu fazia fila para abordar o avião para Nova York no aeroporto Charles de Gaulle de Paris. Foi uma aparição sobrenatural que existiu um só instante e desapareceu na multidão do saguão.

Eram nove da manhã. Estava nevando desde a noite anterior, e o trânsito era mais denso que de costume nas ruas da cidade, e mais lento ainda na estrada, e havia caminhões de carga alinhados nas margens, e automóveis fumegantes na neve. No saguão do aeroporto, porém, a vida continuava em primavera.

Eu estava na fila atrás de uma anciã holandesa que demorou quase uma hora discutindo o peso de suas onze malas. Começava a me aborrecer quando vi a aparição instantânea que me deixou sem respiração, e por isso não soube como terminou a polêmica, até que a funcionária me baixou das nuvens chamando minha atenção pela distração. À guisa de desculpa, perguntei se ela acreditava nos amores à primeira vista. "Claro que sim", respondeu. "Os impossíveis são os outros" Continuou com os olhos fixos na tela do computador, e me perguntou que assento eu preferia: fumante ou não-fumante.

— Dá na mesma — disse categórico — desde que não seja ao lado das onze malas.

Ela agradeceu com um sorriso comercial sem afastar a vista da tela fosforescente.

— Escolha um número — me disse. — Três, quatro ou sete.

— Quatro.

Seu sorriso teve um fulgor triunfal.

— Nos quinze anos em que estou aqui — disse —, é o primeiro que não escolhe o sete.

Marcou no cartão de embarque o número do assento e me entregou com o resto de meus papéis, olhando-me pela primeira vez com uns olhos cor de uva que me serviram de consolo enquanto via a bela de novo. Só então me avisou que o aeroporto acabava de ser fechado e todos os vôos estavam adiados.

— Até quando?

— Só Deus sabe — disse com seu sorriso. O rádio avisou esta manhã que será a maior nevada do ano.

Enganou-se: foi a maior do século. Mas na sala de espera da primeira classe a primavera era tão real que havia rosas vivas nos vasos e até a música enlatada parecia tão sublime e sedante como queriam seus criadores. De repente pensei que aquele era um refúgio adequado para a bela, e procurei-a nos outros salões, estremecido pela minha própria audácia. Mas na maioria eram homens da vida real que liam jornais em inglês enquanto suas mulheres pensavam em outros, contemplando os aviões mortos na neve através das janelas panorâmicas, contemplando as fábricas glaciais, as vastas plantações de Roissy devastadas pelos leões. Depois do meio-dia não havia um espaço disponível, e o calor tinha-se tornado tão insuportável que escapei para respirar.

Lá fora encontrei um espetáculo assustador. Gente de todo tipo havia transbordado as salas de espera e estava acampada nos corredores sufocantes, e até nas escadas, estendida pelo chão com seus animais e suas crianças, e seus trastes de viagem. Pois também a comunicação com a cidade estava interrompida, e o palácio de plástico transparente parecia uma imensa cápsula espacial encalhada na tormenta. Não pude evitar a idéia de que também a bela deveria estar em algum lugar no meio daquelas hordas mansas, e essa fantasia me deu novos ânimos para esperar.

Na hora do almoço havíamos assumido nossa consciência de náufragos. As filas tornaram-se intermináveis diante dos sete restaurantes, as cafeterias, os bares abarrotados, e em menos de três horas tiveram de fechar tudo porque não havia nada para comer ou beber. As crianças, que por um momento pareciam ser todas as do mundo, puseram-se a chorar ao mesmo tempo, e começou a se erguer da multidão um cheiro de rebanho. Era o tempo dos instintos. A única coisa que consegui comer no meio daquela rapina foram os dois últimos copinhos de sorvete de creme numa lanchonete infantil. Tomei-os pouco a pouco no balcão, enquanto os garçons punham as cadeiras sobre as mesas na medida em que elas se desocupavam, olhando-me no espelho do fundo, com o último copinho de papelão e a última colherzinha de papelão, e com o pensamento na bela.

O vôo para Nova York, previsto para as onze da manhã, saiu às oito da noite. Quando finalmente consegui embarcar, os passageiros da primeira classe já estavam em seus lugares, e uma aeromoça me conduziu ao meu. Perdi a respiração. Na poltrona vizinha, junto da janela, a bela estava tomando posse de seu espaço com o domínio dos viajantes experientes. "Se alguma vez eu escrever isto, ninguém vai acreditar", pensei. E tentei de leve em minha meia língua um cumprimento indeciso que ela não percebeu.

Instalou-se como se fosse morar ali muitos anos, pondo cada coisa em seu lugar e em sua ordem, até que o local ficou tão bem-arrumado como a casa ideal, onde tudo estava ao alcance da mão. Enquanto fazia isso, o comissário trouxe-nos o champanha de boas-vindas. Peguei uma taça para oferecer a ela, mas me arrependi a tempo. Pois quis apenas um copo d'água, e pediu ao comissário, primeiro num francês inacessível e depois num inglês um pouco mais fácil, que não a despertasse por nenhum motivo durante o vôo. Sua voz grave e morna arrastava uma tristeza oriental.

Quando levaram a água, ela abriu sobre os joelhos uma caixinha de toucador com esquinas de cobre, como os baús das avós, e tirou duas pastilhas douradas de um estojinho onde levava outras de cores diversas. Fazia tudo de um modo metódico e parcimonioso, como se não houvesse nada que não estivesse previsto para ela desde seu nascimento. Por último baixou a cortina da janela, estendeu a poltrona ao máximo, cobriu-se com a manta até a cintura sem tirar os sapatos, pôs a máscara de dormir, deitou-se de lado na poltrona, de costas para mim, e dormiu sem uma única pausa, sem um suspiro, sem uma mudança mínima de posição, durante as oito horas eternas e os doze minutos de sobra que o vôo de Nova York durou.

Foi uma viagem intensa. Sempre acreditei que não há nada mais belo na natureza que uma mulher bela, de maneira que foi impossível para mim escapar um só instante do feitiço daquela criatura de fábula que dormia ao meu lado. O comissário havia desaparecido assim que decolamos, e foi substituído por uma aeromoça cartesiana que tentou despertar a bela para dar-lhe o estojo de maquiagem e os auriculares para a música. Repeti a advertência que a bela havia feito ao comissário, mas a aeromoça insistiu para ouvir de sua própria voz que tampouco queria jantar. Foi preciso que o comissário confirmasse, e ainda assim a aeromoça me repreendeu porque a bela não havia colocado no pescoço o cartãozinho com a ordem de não ser despertada.

Fiz um jantar solitário, dizendo-me em silêncio tudo que teria dito a ela, se estivesse acordada. Seu sono era tão estável que em certo momento tive a inquietude que aquelas pastilhas não fossem para dormir e sim para morrer. Antes de cada gole, levantava a taça e brindava.

— À tua saúde, bela.

Terminado o jantar, apagaram as luzes, mostraram um filme para ninguém, e nós dois ficamos sozinhos na penumbra do mundo. A maior tormenta do século havia passado, e a noite do Atlântico era imensa e límpida, e o avião parecia imóvel entre as estrelas. Então contemplei-a palmo a palmo durante várias horas, e o único sinal de vida que pude perceber foram as sombras dos sonhos que passavam por sua fronte como as nuvens na água. Tinha no pescoço uma corrente tão fina que era quase invisível sobre sua pele de ouro, as orelhas perfeitas sem os furinhos para brincos, as unhas rosadas da boa saúde e um anel liso na mão esquerda. Como não parecia ter mais de vinte anos, me consolei com a idéia de que não fosse a aliança de um casamento e sim de um namoro efêmero. "Saber que você dorme, certa, segura, leito fiel de abandono, linha pura, tão perto de meus braços atados", pensei, repetindo na crista de espuma de champanha o so neto magistral de Gerardo Diego.

Em seguida estendi a poltrona na altura da sua, e ficamos deitados mais próximos que numa cama de casal. O clima de sua respiração era o mesmo da voz, e sua pele exalava um hálito tênue que só podia ser o próprio cheiro de sua beleza. Eu achava incrível: na primavera anterior havia lido um bonito romance de Yasumari Kawabata sobre os anciões burgueses de Kyoto que pagavam somas enormes para passar a noite contemplando as moças mais bonitas da cidade, nuas e narcotizadas, enquanto eles agonizavam de amor na mesma cama. Não podiam despertá-las, nem tocá-las, e nem tentavam, porque a essência do prazer era vê-las dormir. Naquela noite, velando o sono da bela, não apenas entendi aquele refinamento senil, como o vivi na plenitude.

— Quem iria acreditar — me disse, com o amor-próprio exacerbado pelo champanha. — Eu, ancião japonês a estas alturas.

Acho que dormi várias horas, vencido pelo champanha e os clarões mudos do filme, e despertei com a cabeça aos cacos. Fui ao banheiro. Dois lugares atrás do meu, jazia a anciã das onze maletas esparramada mal-acomodada na poltrona. Parecia um morto esquecido no campo de batalha. No chão, no meio do corredor, estavam seus óculos de leitura com o colar de contas coloridas, e por um instante desfrutei da felicidade mesquinha de não os recolher.

Depois de desafogar-me dos excessos de champanha me surpreendi no espelho, indigno e feio, e me assombrei por serem tão terríveis os estragos do amor. De repente o avião foi a pique, ajeitou-se como pôde, e prosseguiu voando a galope. A ordem de voltar ao assento acendeu. Saí em disparada, com a ilusão de que somente as turbulências de Deus despertariam a bela, e que teria de se refugiar em meus braços fugindo do terror. Na pressa estive a ponto de pisar nos óculos da holandesa, e teria me alegrado. Mas voltei sobre meus passos, os recolhi, os coloquei em seu regaço, agradecido de repente por ela não ter escolhido antes de mim o assento número quatro.

O sono da bela era invencível. Quando o avião se estabilizou, tive que resistir à tentação de sacudi-la com um pretexto qualquer, porque a única coisa que desejava naquela última hora de vôo era vê-la acordada, mesmo que estivesse enfurecida, para que eu pudesse recobrar minha liberdade e talvez minha juventude. Mas não fui capaz. "Que merda", disse a mim mesmo, com um grande desprezo. "Por que não nasci Touro?" Despertou sem ajuda no instante em que os anúncios de aterrissagem se acenderam, e estava tão bela e louçã como se tivesse dormido num roseiral. Só então percebi que os vizinhos de assento nos aviões, como os casais velhos, não se dizem bom-dia ao despertar. Ela também não.

Tirou a máscara, abriu os olhos radiantes, endireitou a poltrona, pôs a manta de lado, sacudiu as melenas que se penteavam sozinhas com seu próprio peso, tornou a pôr a caixinha nos joelhos, e fez uma maquiagem rápida e supérflua, o suficiente para não olhar para mim até que a porta foi aberta. Então pôs a jaqueta de lince, passou quase que por cima de mim com uma desculpa convencional em puro castelhano das Américas, e foi sem nem ao menos se despedir, sem ao menos me agradecer o muito que fiz por nossa noite feliz, e desapareceu até o sol de hoje na amazônia de Nova York.

Fonte:
http://www.releituras.com

Expressões gaudérias (Domínio Público)




• Afiado como navalha de barbeiro caprichoso.
• Agarrado como carrapato em culhão de touro.
• Apertado como rato em guampa.
• Assanhada como solteirona em festa de casamento.
• Atirado como interesse de viúva.
• Aumentar como barriga de prenha.
• Bater mais que brigadiano na mulher.
• Brilhar como ouro de libra.
• Bueno como namoro no começo.
• Buliçoso que nem mico de viúva.
• Cair bem como chuva em roça de milho.
• Calmo que nem água de poço.
• Cara amarrada como pacote de despacho.
• Causar alvoroço que nem mata-mosquito em convento.
• Chiar como uma locomotiva no cio.
• Cobiçada como anca de viúva nova e bonita.
• Comer mais que remorso.
• Como tosa de porco: muito grito e pouca lã.
• Contente como cusco de cozinheira.
• Contrariado como gato a cabresto.
• Dá mais que pereba em moleque.
• De boca aberta que nem burro que comeu urtiga.
• Devagar como enterro de a pé.
• Dormir atirado que nem lagarto.
• Dormir que nem sapo morto estirado nos arreios.
• Encardido como peleia de caudilho.
• Encordoado como teta de porca.
• Enfeitado como bidê de china.
• Engraçado como gorda botando as calça.
• Esfarrapado que nem poncho de gaudério.
• Espalhar-se como pó de mangueira em pé de vento.
• Esparramado como dedo de pé que nunca entrou em bota.
• Esperto que nem gringo de venda.
• Extraviado que nem chinelo de bêbado.
• Faceiro como mosca em rolha de xarope.
• Feia como mulher de cego.
• Feliz que nem lambari de sanga.
• Firme que nem prego em polenta.
• Furioso como gato embretado em cano de bota.
• Gordo e lustroso como gato de bolicheiro.
• Gosmento como cuspida de bêbado.
• Grosso como rolha pra poço.
• Grudado como bosta em tamanco.
• Judiado como filhote de passarinho em mão de piá.
• Louco como galinha agarrada pelo rabo.
• Mais à vontade que bugio em mato de boa fruta.
• Mais alto que cavalo de oficial.
• Mais amontoado que uva em cacho.
• Mais angustiado que barata de ponta-cabeça.
• Mais apertado que nó de soga em dia de chuva.
• Mais apressado que cavalo de carteiro.
• Mais arisca do que china que não quer dar.
• Mais assustado que véia em canoa.
• Mais atirado pra trás que pica-pau em tronqueira.
• Mais atirado que alpargata em cancha de bocha.
• Mais atrasado que bola de porco.
• Mais baixo que vôo de marreca choca.
• Mais bonita que laranja de amostra.
• Mais branco que perna de freira.
• Mais caro que argentina nova na zona.
• Mais ciumenta que mulher de tenente.
• Mais complicado que receita de creme Assis Brasil.
• Mais comprido que esperança de pobre.
• Mais comprido que suspiro em velório.
• Mais conhecido que a reza do padre-nosso.
• Mais conhecido que parteira de campanha.
• Mais curto que coice de porco.
• Mais delgado que cachaço emprestado.
• Mais demorado que enterro de rico.
• Mais desconfiado que cego que tem amante.
• Mais difícil que nadar de poncho.
• Mais duro que pau de preso.
• Mais eficiente que japonês na roça.
• Mais encolhido que tripa grossa na brasa.
• Mais enfeitado que burro de cigano em festa.
• Mais engraxado que telefone de açougueiro.
• Mais enrolado que lingüiça de venda.
• Mais entravado que carteira em bolso de sovina.
• Mais escandaloso que relincho de burro chorro.
• Mais faceiro que gordo de camiseta.
• Mais faceiro que guri de bombacha nova
• Mais fácil que fazer falar um rádio.
• Mais fechado que baú de solteirona.
• Mais fedorento que arroto de corvo.
• Mais feio que indigestão de torresmo.
• Mais fino que assobio de papudo.
• Mais firme que catarro em parede.
• Mais forte que peido de burro atolado.
• Mais gostoso que beijo de prima.
• Mais grosso que cintura de sapo.
• Mais importante que o irmão da rapariga do cabo.
• Mais inútil que buzina em avião.
• Mais ligado que rádio de preso.
• Mais ligeiro que tainha de açude.
• Mais linda que camisola de noiva.
• Mais magro que guri com solitária.
• Mais medroso que cascudo atravessando galinheiro.
• Mais metido que piolho em costura.
• Mais nervoso que anão em comício.
• Mais nojento que mocotó de ontem.
• Mais perdido que surdo em bingo.
• Mais perfumado que mão de barbeiro.
• Mais pesado que pastel de batata.
• Mais prestimosa que mãe de noiva.
• Mais triste que último dia de rodeio.
• Mais usado que pronome oblíquo em conversa de professor.
• Mais vaidoso que guri em chineiro.
• Pelado que nem sovaco de perneta.
• Pior que a filha casar com nordestino.
• Que nem carro de funebreiro: só leva.
• Que nem serra elétrica, não pode ver pau de pé.
• Quem revela a fonte é água mineral.
• Sofrer como joelho de freira na Semana Santa.
• Solito como galinha em gaiola de engorde.
• Tranqüilo e sereno que nem baile de moreno.
• Virar-se mais que minhoca na cinza.
• Vivo como cavalo de contrabandista.

Fonte:
http://www.releituras.com

quarta-feira, 5 de março de 2008

Joacir Zen Ranieri (Sete Quedas)


Nesta hora de sol ardente,
Águas correntes
Arco-íris sob águas
Serenos
Brisas geladas,
Emoções!

Eu ouço o canto das águas,
Das Sete Quedas
(As quedas mais lindas do mundo!)
- As Sete Quedas de Guaíra.

Eu ouço o tropel das águas,
Batendo nas pedras nuas,
Serenando uma brisa fria,
Molhando a relva verde
E iluminando esta manhã,
De bolhas e pingos verdes.

Eu ouço a grave melodia
Do correr forte das águas
Ao rolar nas cachoeiras,
Varrendo folhas, galhos, flores...

Nesta hora de lazer,
Quando desabrocha a manhã,
Vejo a corrente de águas,
Que lambe o barro das barrancas,
Varrendo folhas, galhos e flores...

Nesta hora de sol ardente,
Ouço as quedas de Guaíra,
Dando seu último adeus!

O Autor
Joacir é presidente da Associação dos Literatos de Ubiratã

Fonte:
XIII Coletânea de Poesias - Poesia Nossa de Cada Dia. Ubiratã: Associação dos Literatos de Ubiratã (ALIUBI), 2007.

Sete Quedas

O Salto de Sete Quedas (também chamado Guaíra) era a maior cachoeira do rio Paraná, que desapareceu com a construção do lago da Usina hidrelétrica de Itaipu. No entanto aparece resquícios dela quando o nível de água da usina está baixo.

Em 13 de outubro de 1982, o fechamento das comportas do Canal de Desvio de Itaipu começava a sepultar, com as águas barrentas do lago artificial, um dos maiores espetáculos da face da Terra: as Sete Quedas do Rio Paraná ou Saltos del Guairá.

Recordistas mundiais em volume d’água, as Sete Quedas eram o principal atrativo turístico de Guaíra, cidade que, à época, chegou a ter 60 mil habitantes, rivalizando em importância com Foz do Iguaçu.

Atualmente, a população da antiga cidade real espanhola é inferior a 30 mil.

Curiosamente, à exceção de Guaíra, a data não foi recordada na imprensa do Brasil ou do Paraguai.

As Sete Quedas aparecem na historia da regiao como Saltos do Canendiyu, foi o primeiro nome adotado por soldados castelhanos quando estes pela primeira vez avistaram as quedas. O nome foi dado em homenagem ao Cacique Canendiyu, lider dos Guaranis, que habitavam a margem direita do rio Paraná,`acima das cataratas. Saltos del Guayrá foi o segundo nome, adotado por Domingos Martinez Irala, Governador de Assunção, em homenagem ao Cacique Guayrá, por sua ajuda na expulsão dos intrusos Tupis. O nome Sete Quedas apareceu pela primeira vez no Tratado de Limites assinado em 1872 entre o Brasil, representado pelo Barão de Cotegipe, e o Paraguai, representado por Carlos Loisaga. Não se sabe a razão do nome "Sete Quedas", havendo diversas versões. Umas delas diz que Sete foi usado por ser algarismo mistico, que demonstra grandeza. Segundo outra versão, quando os navegantes se aproximam das quedas avistam sete colunas de vapor, que delas emergem. Há ainda uma outra interpretação, em que se acredita que as águas se precipitam em sete degraus. A versão mais correta, porém, é que o nome é derivado do fato de as quedas serem formadas por sete conjuntos de saltos, cachoeiras e corredeiras.

Fontes:
http://www.psg.com/~walter/guaira.html
http://pt.wikipedia.org

José Feldman (Tempo de Magia)

(Dedicado a Luciano Pavarotti)
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Não há ninguém na velha rua suja!

Havia magia no ar
Entre as árvores quentes e sussurantes

Em um rio de sons
Através do espelho
A magia da música
Ilumina o caminho
Projetando nossas imagens
No espaço e no tempo,
A música tocando nossa alma...
A música do espírito.

Beber sonhos
Nos córregos,
Andar sobre o arco-íris
Como os duendes!

Está na hora
De abrir asas e voar
Viajar para algum lugar
Distante, bem longe
Levado pelo vento
Numa estrela cadente
Como uma borboleta
Solta no alto -
Espírito errante!

Adriano Macedo

Adriano Macedo é jornalista, escritor, produtor e gestor cultural, nascido em Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais. Começou na poesia, durante a convivência com os grêmios estudantis, onde participou de festivais escolares. Num deles, aos quinze anos, ficou em primeiro lugar com o poema “Sem Anos de Abolição, Sem Anos de Liberdade”, em homenagem ao centenário da abolição da escravatura no Brasil. Mas rompeu com a poesia aos 17 anos, quando começou a militar no jornalismo ao lançar um jornal de bairro, o “Flash Local”, e descobrir outra linguagem. Na imprensa, desenvolveu e implantou projetos gráficos e editoriais. Trabalhou como editor da Gazeta Mercantil, de 1996 a 2002 e, desde então, é diretor-executivo do Salão do Livro de Minas Gerais, além de realizar projetos culturais. A produção ficcional é praticamente inédita, com publicação de contos na revista eletrônica Tanto, entre eles “Folha Seca”. No segundo semestre de 2004, lança a antologia “O Retrato da Dama”. Atualmente, está envolvido na produção do romance “O Beco dos Sinos”, na pesquisa de dois ensaios literários sobre Ouro Preto e Paris, além de finalizar o livro de contos “As Viúvas da Liberdade”.

Fonte:
http://triplov.com/contos/adriano_macedo/

Adriano Macedo (O Velório das Fotos ... Defunto Velado)

Os olhos vividos acompanhavam cumprimentos consternados, sorrisos escassos, rostos disformes, sentimentos divididos e solidários, cenas típicas de um velório comum. Mas aquele não era como outro qualquer para o tio Aristides. O ambiente ganhava um ar diferente ao chegar com a máquina a tiracolo e o álbum com as fotos do encontro no ano anterior, o enterro do primo Alberto. As imagens provocavam alegre nostalgia nos familiares, especialmente quando se detinham em algum retrato onde estivesse tia Joaquina. Enquanto o semblante gélido da tia causava consternação na câmara mortuária, as fotos incitavam recordações de outros velórios, quando Joaquina, como a parenta mais velha da família, assumia a responsabilidade de consolar irmãos, sobrinhos e primos.

Franzino, careca, de comportamento delgado e pensamento robusto, tio Aristides, ao contrário de todos, sentia íntima satisfação nos velórios da família, raras oportunidades de rever os parentes. Tirava fotos dos sobrinhos - alguns com a rebeldia estampada no rosto -, dos primos de feições dilapidadas pelo consumo excessivo de bebida, das cunhadas a tricotarem experiências reveladas em novos fios brancos na cabeça, e dos agregados que regavam a paciência com benevolente apatia para tolerar as birutices da tia Nazaré.

O ritual se repetia a cada velório. Com uma única regra: o corpo não podia ser fotografado. Para Aristides, as últimas lembranças do parente deveriam ser apenas as fotos batidas em ocasiões anteriores. Daí a importância dada aos álbuns de fotografia levados por Aristides. No entanto, a norma para não fotografar o corpo existia por uma questão técnica. “Foto de defunto dá azar, vela o filme inteiro”, dizia com a autoridade de quem perdeu todas as chapas na primeira e única vez a infringir a lei. Aconteceu no velório de tia Honorina. Ao buscar as fotos no laboratório, o moço do balcão deu a notícia com a mesma frieza dos mortos:

- O filme velou.

- Como velou?

- Não sei, deve ter sido o espírito de porco do laboratorista de segunda-feira.

- O sujeito estraga o meu filme e você vem com gracinha pra cima de mim?

- Sinto muito, mas não posso fazer nada.

- Me chama o Joaquim!

O máximo que tio Aristides conseguiu com o proprietário foi um novo filme, as fotos ficaram no esquecimento. “Deve ter sido praga da tia Honorina”, presumiu. Aristides era jovem naquela ocasião e tia Honorina, irmã do pai, era uma das poucas da família a repudiarem as fotografias em cemitério.

Quando começou a fotografar os velórios da família, Aristides, com apenas dezessete anos, provocou um escândalo. A primeira vez foi no Cemitério do Bonfim, com a Rolleiflex que um tio lhe dera de presente. Era o enterro do avô Geraldo, que cedeu à cirrose. Ao chegar em casa, Aristides levou algumas varadas de bambu e ainda teve o filme retirado à força da máquina.

- Isso é uma falta de respeito, Aristides. Onde já se viu reunir parentes pra fazer foto num velório?

- É uma recordação pra posteridade...

- Não me responda, Aristides.

E toma varada de bambu. Aristides ficou tão indignado com a incompreensão que pensou inúmeras formas de vingar a humilhação sofrida pelo pai. O que mais incomodou não foi a surra recebida e sim uma espécie de dor moral, como se o pai tivesse arrancado de dentro dele um sonho oculto e jogado no lixo, junto com o filme, uma íntima esperança de imortalizar os familiares. Mas Aristides nem precisou executar qualquer plano porque o próximo enterro foi o do progenitor, atropelado na avenida Afonso Pena. Lá estava ele, no mesmo Cemitério do Bonfim, tirando fotos da família. A mãe sofreu tanto com o falecido que nem se preocupou com o filho. Com o tempo, os parentes não estranharam mais a atitude de Aristides, agora tio de quase vinte sobrinhos. Os irmãos censuraram no começo, hoje se divertem ao comparar fotografias antigas com as mais recentes.

- Tides, ela tava tão bem no velório do Zé. Manda uma cópia pra mim? – pediu a irmã Antônia, ao ver a foto de Joaquina no álbum, tirada três anos antes.

. Flashes digitais .

A novidade no velório de Joaquina era a máquina digital. Depois de quase cinqüenta anos fazendo fotos com a Rolleiflex alemã de estimação, Aristides se modernizou, economizou mais de um ano de aposentadoria para comprar o último modelo de uma Canon digital. Não porque fosse tecnicamente melhor, apenas para mostrar as imagens em alta resolução aos familiares quase no mesmo instante em que as batesse, antes de copiá-las em papel fotográfico.

- Ainda continuo bonita, hein Tides? – brincou Nazaré, ao ver as imagens no visor da nova máquina.

- Formosa e gostosa, Naná – cochichou Aristides no ouvido da cunhada, mulher do Olavo.

- Me respeita, Aristides!

- Você que insinuou.

Em mais de quatro décadas de registros fotográficos, Aristides gastou quase cinco mil chapas e tem em casa pelo menos trinta álbuns com fotos de velórios da família. Talvez pudesse até entrar para o Guinness Book, idéia sugerida pelo amigo Zacarias. Porém, tio Aristides nunca quis saber de recordes e sim de recordações. Era curioso como ele se afeiçoava mais aos parentes mortos que vivos. “Parentes que convivem muito tempo tornam-se assassinos da relação. Toda relação é uma relação de poder e o poder corrompe completamente, prefiro sentir saudade por quem partiu a me ver invadido pela apatia da onipresença”, explicava com aparente frieza aos curiosos de plantão.

Último filho a nascer em um lar de oito crianças, Aristides foi criado pelos irmãos, em especial o Olavo, oito anos mais velho e que costumava inventar histórias de fantasmas antes de dormir. Ao invés de assustado, Aristides ficava fascinado com as narrativas, tecia aventuras no além-mundo com os fios da imaginação. Olavo dormia e ele ficava ainda um bom tempo acordado tentando ver alma penada para ter o que contar ao irmão no dia seguinte. Sentia enorme prazer nessas brincadeiras, talvez para compensar a realidade de uma educação rígida e repressora, numa família em que o pai era ausente de afeto, um comerciante beberrão que, sóbrio, tentava impor aos filhos severa disciplina. A mãe não podia trabalhar, não só porque o marido a proibia, mas por causa do excesso de atividades em casa.

- Ontem eu vi uma alma penada na sua cama, Olavo.

- Que bobagem, Tides. Fantasma gosta de atazanar os adultos.

- Você que pensa. Ele até roncou no seu ouvido.

- Aristides, se você continuar inventando essas coisas vou parar de contar história de noite.

- Se você não quer acreditar tudo bem, só que ele tá dormindo no seu armário.

- Que idéia besta é essa agora?

- Eu vi. Alma penada adora lugar escuro e meia de criança porque o chulé não sai de jeito nenhum. Lembra daquela meia furada na semana passada? O fantasma que comeu.

Afoito, Olavo correu até o armário. Sabia que o irmão tinha aprontado mais uma travessura. Constatou o estrago em mais um par de meias da escola. Para se vingar de Aristides, fez greve de silêncio o dia inteiro e preparou o contra-ataque. Nada de brincadeiras e histórias de fantasmas naquela noite. Foi se deitar. Assim que Aristides dormiu, levantou-se da cama e iniciou a ofensiva. Acendeu uma vela e a colocou no chão, ao lado da cama de Aristides, que se encontrava de bruços, com o rosto voltado para a parede. Olavo subiu numa cadeira, colocada no meio do quarto e cobriu-se com um lençol branco, deixando apenas uma das mãos livres. Com ela, arremessou um travesseiro na direção da cabeça de Aristides, que acordou atordoado ao ouvir, em seguida, o grito do irmão.

Aristides e Olavo conviveram com histórias e brincadeiras desse tipo durante quase toda a infância, até o dia em que Aristides cortou uma das meias prediletas do pai, colocadas, por engano, no armário de Olavo.

- Foi o fantasma que comeu, papai.

- Que estupidez é essa moleque?

Aristides recebeu varadas de bambu e ficou de castigo uma semana. Nada de bola ou brincadeira na rua. Só voltou a pensar no mundo dos mortos lá pelos dezessete anos, quando tio Higino lhe deu de presente a Rolleiflex. Desde criança, Aristides fantasiava invenções engenhosas; certa vez sonhou criar uma máquina para fotografar fantasmas. Agora, com a câmera na mão, voltou a pensar no assunto. Não tinha convicção se existia vida após a morte, mas gastou mais de um ano em visitas freqüentes a cemitérios - de dia e de noite - na tentativa de flagrar algum fantasma errante. Depois do resultado previsível, Aristides encontrou o que buscava nos velórios da família.

Desabafo .

Introspectivo, tio Aristides, solteirão não tão convicto, mas sozinho por força das circunstâncias – tentou duas vezes, no entanto não conseguiu compartilhar o mesmo teto com outra pessoa -, convivia pouco com os familiares. Consumia o tempo entre o serviço público e a fotografia. Aposentado, passou a se dedicar mais a este ofício e aos poucos, porém fiéis amigos, com quem dividia as angústias numa cantina italiana perto de casa.

Nos últimos anos, Aristides passava algumas horas diárias em conversas existenciais com o Roberto, amigo trinta anos mais novo, conhecido, curiosamente, num cemitério. Enquanto fotografava mais um velório da família, Roberto acompanhava, a meia distância, os movimentos de Aristides, até resolver se aproximar.

- O senhor trabalha em algum jornal?

- Não. Por quê?

- Fotógrafo só aparece em cemitério quando é enterro de gente importante... pra sair no jornal.

- Os enterros na minha família são sempre importantes.

- Desculpa. Não foi isso que quis dizer... Meu nome é Roberto, sou jornalista.

Roberto ficou fascinado com a história de Aristides e, aos poucos, ganhou a confiança do amigo. Assim que deixava a redação do jornal no início da noite, passava na casa de Aristides, no bairro Floresta. Quando conheceu, pela primeira vez, o acervo de fotos, ficou impressionado com a diversidade de imagens. Roberto passou a admirar Aristides e a maneira inusitada de o amigo estar próximo dos parentes. Certa ocasião, Roberto quis saber quem era a moça bonita de cabelos pretos, olhos escuros e calça boca de sino.

- É minha irmã Teresa – disse Aristides, que selecionou outras vinte e cinco fotos que batera dela no correr dos anos.

Instigado pelos inúmeros retratos de Teresa, Roberto colocou as imagens lado a lado e constatou como o tempo escapou das garras daquela mulher, hoje de cabelos grisalhos, pés de galinha, rugas e óculos, porém com o mesmo sorriso cativante. As roupas denunciavam, ao mesmo tempo, uma moda fugaz e cíclica. O jornalista percebeu que o amigo era fonte de boas histórias, no entanto Aristides era avesso à notoriedade. “Depois que eu morrer você conta o que quiser”. Os encontros cada vez mais freqüentes terminavam na mesa da cantina, onde, naquela noite, foi comemorado o aniversário de setenta anos de Aristides entre meia dúzia de amigos.

Roberto reparou que Aristides bebia mais que o normal. Sabia que aquela cerveja era para aliviar um outro tipo de sede, uma singular aventura para tentar congelar o tempo e dispersar o futuro, carregado de esperança quando distante, porém retraído, indiferente e desiludido ao se aproximar do presente. Depois do quinto copo, uma câmara escura dentro de Aristides parecia ampliar um difuso estado de felicidade, revelado em sinceros sorrisos compartilhados com os amigos.

Do outro lado da mesa, o jornalista focava uma íntima preocupação. No dia anterior àquela comemoração, Roberto percebera, ao visitar Aristides, o cenho pesado e o abatimento do amigo, mais introspectivo que o habitual. Aristides acabara de remexer papéis e fotos. Os retratos dos parentes mortos preenchiam quase a metade do acervo. “O tempo passa, a fila diminui e a nossa vez vai chegando”. Pela primeira vez se deu conta de que o fantasma, em pouco tempo, seria ele mesmo. O desabafo de Aristides deixou Roberto pensativo.

- Quem vai continuar a fotografar depois que eu morrer?

Na manhã seguinte ao aniversário, Aristides foi encontrado estirado na porta de casa, distante deste mundo. Os amigos se sentiram culpados, acharam que a morte fora provocada pela bebida. Aristides morreu mesmo foi do coração, um ataque fulminante, disse o médico da família. Para homenagear o amigo, Roberto publicou, um dia depois, uma reportagem especial sobre Aristides. Jornalistas de outros veículos, estudiosos e colecionadores se interessaram não só pela história de Aristides como pelo destino das fotografias.

O jornalista, porém, respeitou a última vontade do amigo, já que nenhum familiar se habilitou a perpetuar o ofício. “Todo velório exige um enterro”, dizia Aristides. As fotos dos parentes mortos, já velados e enterrados, foram entregues aos familiares. O restante cumpriu o destino desejado por Aristides. “Não quero velas nem flores no meu enterro, cubra o meu corpo somente com os retratos de quem estiver vivo para eu me lembrar dos que ficaram”.

Fonte:
http://triplov.com/contos/adriano_macedo/

terça-feira, 4 de março de 2008

Dorothy Jansson Moretti (Trovas ao Vento)


Tecendo trovas ao vento
nascidas do coração,
num pouco de luz e alento,
Eu disfarço a solidão.
***
Que bela seria a vida
se, acima de ódios mortais,
uma ponte fosse erguida
unindo margens rivais!
***
Ora eloqüente, ora mudo,
teu olhar é uma charada:
promessa sutil de tudo,
no fútil revés de um Nada.
***
Somos tão bem afinados,
que, em termos gramatical,
podíamos ser chamados
"encontro consonantal"!
***
Meus pobres sonhos, tão fracos,
a vida em escombros fez,
mas, teimosa, eu junto os cacos...
e eis-me sonhando outra vez!
***
"Para sempre!" Será mesmo?
Não importa a duração;
é promessa feita a esmo,
mas aquece o coração.
***
A lua, em passo indeciso,
muda o andante da sonata,
pondo pausas de improviso
nas pentagramas de prata.
***
Em bando sutil, as garças,
pontilhando o lamaçal,
são quais pérolas esparsas,
adornando o pantanal.
***
A brisa afasta a cortina,
e uma nesga de luar,
fugindo à fria neblina,
vem aos meus pés se abrigar.
***
Chá da tarde, requintado...
Mas, em teus gestos, servindo...
Com jeitinho e com agrado
Tu me descartas, sorrindo
***
Os erros que fiz na vida
Quero apagar sem alarde
Mas, a consciência revida
E, aos brados, me diz: é tarde!
***
Em cada tarde a cair,
Vejo a vida em agonia,
Aos poucos se despedir
Na morte de mais um dia.
***
Eu me faço de blindado
Amor? Bobagem... Pieguice...
Meu medo é que, apaixonado
Eu me envolva na tolice.
***
O amor ao término da vida
Deixa na pauta apagada
Uma só nota sentida
Canto do cisne, mais nada.
***
A existência é definida
Não por azar, mas por sorte
Quanto mais cheios da vida
Mais perto estamos da morte.
***
Do coveiro, a noiva, rente
É tão magra o estrupício
Que ele diz, literalmente:
Casei com os ossos do ofício.
***
Na taça de cada dia,
a transbordar de amargura,
cai um pingo de alegria,
e o fel se torna doçura.
***
Do que agitou nossas almas
restam sonhos calcinados,
cingindo as crateras calmas
de dois vulcões apagados.
***
Nossa terra e a terra lusa,
Na doce língua que as liga,
São cordas nas mãos da musa,
Cantando a mesma cantiga.
***
O alto-falante anunciava
a valsa de um "querer-bem",
e o parque inteiro aguardava
ouvir seu nome, também.
***

(Centenário de Mário Quintana)
Marotinho, molecote
Irriquieto e turbulento
Parece um mini Quixote
Perseguindo um cata-vento.
***
Trem-de-ferro, o teu apito
lembra-me um sino plangente:
tanta mágoa no seu grito,
Tanta saudade na gente!
***

Trovas Infantis

Por que é que eu te chamo, Nei,
de 'porquinho' ... faz favor?
É que ainda eu não cheguei
ao tamanho do senhor...
***
"Que tanto estudas, Leal?"
"Geografia, Seu Garcês."
"Humm... e onde está Portugal?"
"Na página cento e três."
***
"Ao céu vai o bem dotado.
E o criminoso aonde vai?"
Diz o filho do advogado:
"Não sei... isso é com meu pai..."
***
"O canivete, meu bem",
diz ao garoto o vizinho,
"é teu! Vai ver o que tem
dentro do teu tamborzinho!"
***
Pancada de chave inglesa
amontoou o Garcês,
que para a própria surpresa,
acordou falando inglês!
***
Guri do boné virado,
estilingue... palavrão...,
hoje, vigário ordenado:
- Pax vobiscum, meu irmão!
***
"Vovô, feche os olhos já!
Vi papai dizendo à Guida
que quando você fechá,
vamo ficá bem de vida!"

Fontes:
Ruy Albuquerque. Chá da Tarde com Dorothy . 16 agosto 2006
http://www.bomdiasorocaba.com.br/

José Ouverney. Trovas de todos os recantos.
http://www.falandodetrova.com.br/

http://sorocult.com/el/talentos/djm.htm

Folclore Brasileiro (Sertão do Boi Santo)

Vindo de Juazeiro, apareceu pelos sertões o beato Zebedeu. Preto, alto, muito esperto, conduzia um boi, tendo atrás penitentes, retirantes, mulheres e crianças.

O boi era zebu e estava enfeitado de fitas e flores.

Excitado e majestoso, igual a um Moisés caboclo, conduzindo seu povo, o beato preto avançava pelas caatingas, tangendo com sua vara santa o boi santo, já de fama afamado.

Ao subir encostas, Zebedeu fazia parar seu bando, deitando falação ao povo:

-Foi num tempo de seca barba; o verdor dos pastos havia desaparecido e eu fui dar a esse boi uma ração roubada dos pastos de meu padrinho Padre Cícero. Roubei o capim porque via que o meu boi sofria, mascando a língua com fome. Corri para furtar um capim mais mimoso, daqueles que só os veados comem, na manga particular do meu padrinho, a única, que nesse tempo tinha capim verde. De noite peguei um feixe e quando na manhã seguinte fui oferecer a ração ao boi, ele a recusou, batendo os cascos e balançando a cabeça. Parecia dizer que não comia capim roubado, ainda mais sendo dos pastos do seu dono. Desde então eu nas virtudes milagreiras desse boi acreditei...

Entusiasmado, continuava:

-Houve outra e desta feita, o meu boi santo mostrou que era mesmo de natureza casta e abençoada. Botei ele no pasto pra cobrir a vaca Mordaça, de raça, que era pra se tirar um bom cruzamento. Pois o boi, solto no pasto, recusou no cheiro e no curral, a cobertura dessa vaca. Desde aí acreditei nele, acreditando que meu boi santo, chamado Mansinho, como então o batizei, não nascera pra safadeza de pasto. Era um boi de manjedoura santa, mugindo a comer flores, ouvindo os lamentos dos meus penitentes.

Apressa-se logo, explicando:

- Não que esse boi seja castrado; ele é inteiro, conforme os irmãos podem olhar pra seus bagos caídos, todos enfeitados de rosas vermelhas, escolhidas pelas minhas beatas, dentre as quais se destaca a Maria Urubu, sempre abraçada com um urubu-rei, de cabeça vermelha. Ela ajuda no preparo do altar sagrado, mudando flores, a enfeitar os bagos do animal com rosas vermelhas.

Mais adiante o bando, por entre serras, descobriu uma chapada, onde baixou. Inspirado, o beato Zebedeu botou profecia:

-Aqui será minha morada. Riacho do Sangue será meu nome. Aqui correrá muito sangue, de inocente e pecador, tudo nas misturas. Quando vires o sol escuro, amole a faca para comer do couro do boi do futuro.

No alto, falando por entre tochas acesas que seus penitentes acendiam, já que a noite baixava pelas quebradas, Zebedeu, iluminado, atroava:

"Intentos grandes haverão, porém, na era de 1922, antes e depois, verás coisas mil no mês mais vizinho de abril. Quando vires o sol escuro, amola a faca pra comeres do couro do boi do futuro. Que o Século Vinte verá rebanhos de vinte mil, sob o comando do meu padim Padre Cícero, que me mandou na frente pra pregar o verbo Divino. Aqui ficarei, trazendo meu povo-camelo pro Egito, pras as Babilônias das necessidades. Tudo há de acontecer, arder e depois florescer, porque Deus quer e eu sei por ser assim que está escrito."

Assim a fama desse beato negro, Chamado Zebedeu com seu boi santo Mansinho espalhou-se pelos sertões de quatro Estados. Vieram mil romeiros, conduzindo cabras, jumentos, criações de pequena monta. Todos atrás dos milagres propagados. Colocaram o boi numa manjedoura, passando a adorá-lo como a um santo. O excremento do boi era vendido e dos seus chifres eram tirados lascas para se fazer chá. Do excremento do boi o povo dizia:

- É remédio divino, remédio que cura ligeiro.

Da sua urina, porções eram guardadas em garrafas, relíquia de valor, pela qual as mulheres brigavam, pedindo as garrafadas pelo "Santo Amor".

Improvisaram-se cantorias e, de longe, vieram famosos violeiros, que em versos famosos, cantaram o beato e o boi, sua aparição e seu encantamento no sertão.


EXALTAÇÃO DO BOI

Do Boi só não se aproveita o "berro" e embora tenha sido de vital importância, no período colonial, a criação de gado era considerada uma atividade secundária.

Mas, para os que viviam no sertão, a vida era muito difícil. Abundância mesmo só de carne e leite, fornecida pelo rebanho. O vaqueiro dessa época viveu a "Era do Boi", pois dele tudo era feito. Era de couro tudo o que os cercava: a porta das cabanas, leitos, cordas, cantil, alforje, mochila, bainhas de faca e até as roupas com que enfrentavam a caatinga.

Portanto, nada mais justo de considerar o boi um animal sagrado. O Pseudo-Dionísio Aeropagita resumiu bem o simbolismo místico do boi:

"A figura do boi marca a força e o poder, o poder de rasgar sulcos intelectuais para receber as chuvas fecundas do céu, ao passo que os chifres simbolizam a força conservadora e invencível".

Os chifres tem sentido de eminência ou elevação, e evoca a inviolabilidade, o origem divina e espiritual, oposta ao poder temporal. O chifre é ainda, sinal de comunicação com forças naturais ou superiores; se os artistas da Idade Média representavam os heróis ou os personagens bíblicos com chifres, não era para indicar alguma natureza diabólica, mas para mostrar sua comunicação direta com as forças divinas.

O boi no Brasil foi a alma engenhos e o folclore brasileiro é enriquecido com sua presença. São muitas as festas de exaltação ao boi: Bumba-meu-boi, Boi-Bumbá, etc. O bumba-meu-boi é um auto popular que gira em torno da morte e da ressurreição do boi. Junta-se ao bumba-meu-boi o batuque e outras brincadeiras.

Mas o boi brasileiro tem muitos sotaques, estilos e variedades. Tem o boi de zabumba, de matraca, de orquestra, de barrica, da ilha, de Pindaré, de Baixada. Todos Maravilhosos!

Aqui o boi freqüenta o natal, o carnaval e outros festejos com o seu animado cotejo, suas orquestras e toadas, reafirmando a força da cultura e da arte popular.

Fonte:
http://www.rosanevolpatto.trd.br/

segunda-feira, 3 de março de 2008

Paulo Tortello (1952 - 2000)

Nascido em Sorocaba, no dia 02 de julho de 1952, Paulo Fernando Nóbrega Tortello ou simplesmente Paulo Tortello, era o primeiro dos cinco filhos do também professor João Tortello e de Maria Helena Nóbrega Tortello, sempre teve a língua portuguesa como uma paixão.

Consultando alguns arquivos como o livro “Nossa Arte à Meia Luz” (1996) de Werinton Kermes, temos os seguintes dados:

Paulo Tortello: Poeta, apaixonado pela língua portuguesa. Formado em Letras e em Ciências Sociais, foi professor desde 1979, tendo lecionado e organizado cursos de Português e Redação em varias escolas e instituições da cidade, região e capital. Membro-fundador da Academia Sorocabana de Letras e membro do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba.

Um dos fundadores da Academia Sorocabana de Letras (ASL), da qual era sócio emérito, Tortello, comenta o presidente da entidade Geraldo Bonadio, "transitava com desenvoltura por todos os estilos literários".

- Traduziu o livro “Esquemas para a Interpretação da Realidade”, de Gregório Uriarte, 1986, livro que é autor da quarta parte (sobre o Brasil).

- Primeiro lugar na Bienal do Livro de 1984, com a monografia sobre o tema ”O Livro na Sociedade Competitiva”. Prêmio Alceu Amororso Lima, da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo.

- Monitor de Língua Portuguesa da SEC. Coordenador do Projeto “Poesia em Debate”, da Biblioteca Municipal de Sorocaba. Primeiro lugar no concurso literário da UNISO/93, entre outros.

- Tortello foi cronista do jornal Diário de Sorocaba. Dedicou-se ao ensino da língua portuguesa e apresentou na rádio Jovem Pan o quadro "A língua ao pé da letra", em que respondia dúvidas dos ouvintes a respeito do tema. No Cruzeiro do Sul escrevia a coluna semanal "Língua Portuguesa", aos domingos, no caderno Mais Cruzeiro.

- Tortello foi sociólogo, fato citado pelo amigo José Carlos de Campos Sobrinho, na homenagem póstuma feita em outubro/2000 no SENAC – Sorocaba:

... aconteceu um episódio curioso do qual eu participei. Um dia, ele me telefona à tarde - é o seguinte, vem comigo que hoje à noite nós vamos ter de receber uma pessoa que está chegando do Chile, um intelectual, um político que está querendo começar a fazer política após o período de exílio. Era na época do governo Figueiredo. E falei - vai, que beleza, quem era? Uma pessoa que você deve conhecer – o Professor Fernando Henrique Cardoso.

E a noite, eu e o Paulo recebemos o Professor, isto em 1977, logo em seguida foi candidato a Deputado, Senador, Governador e depois Presidente da República. Foi muito curioso”.

Paulo Tortello era marxista, não apenas no aspecto filosófico, era comunista e também cidadão dos mais revolucionários, isto nos anos 70.

Entrevistado por Marcelo Boraczynski, em junho de 2000, Tortello definiu o “Poesia em Debate” da seguinte forma:

...ele (Poesia em Debate) foi elaborado tendo em vista a reunião de quatro ou seis pessoas, no máximo, para fazermos uma orientação aos que pretendiam mostrar seus poemas ao público. Mas, hoje é um projeto que visa atingir o maior número de pessoas, indiferenciadamente, da comunidade e mesmo cidades próximas a Sorocaba.”

Questionado sobre o público do Poesia em Debate : ” São poetas profissionais ou amadores?” e Tortello respondeu: “ O Poesia em Debate visa atingir os poetas que podemos dizer amadores. São iniciantes em sua grande maioria, embora o projeto reúna também alguns escritores que já vem desenvolvendo seu trabalho há algum tempo.

Questionado sobre a Lingua Portuguesa, Tortello diz: "fechar os olhos à contribuição lingüística é querer negar as evidências históricas de qualquer idioma; já, por outro lado, expor a Língua à descaracterização indiscriminada é abrir-se imprudentemente à mais abjeta das dominações – que é a da cultura (porque é completa). Erram por isso os que pretendem impor decretos e regulamentos à expressão livre que mora na boca dos falantes de uma língua. Erram e em vão laboram. A língua vive da fala. Erram, não menos, os que pretendem ver nos esforços de preservação de nossa identidade cultural – consubstanciada, "in totum", em nosso idioma – o ranço do xenofobismo e até a excrescência da censura. Não ser xenófobo não implica ser xenófilo, vale dizer: não é por não ter horror à contribuição estrangeira que devo prostar-me perante o modo de falar dos poderosos, mais ainda se se trata de poderosos estrangeiros. Nem é censurar traduzir à linguagem que usamos falar palavras e expressões que nos venham de fora – de modo a adaptá-las às tradições de nossa história e ao desenvolvimento de nossa cultura. Creio ser obrigação dos brasileiros. Creio ser obrigação dos brasileiros – mais- um direito! O expressar-mo-nos em Português".

"Sua morte representa a perda de um dos maiores estudiosos locais de questões relativas à língua portuguesa", destacou Bonadio. Tortello trabalhou durante anos como redator de "O São Paulo", órgão informativo oficial da arquidiocese de São Paulo. Na época, cursava Ciências Sociais e se reportava diretamente ao cardeal Dom Paulo Evaristo Arns.

No começo da década de 90, o escritor ainda organizou dois volumes da coleção "O Pensamento Vivo de..", editado pela Martin Claret. Produziu os textos introdutórios com dados biográficos, cronológicos e a interpretação das obras de Marx e Lenin.

Após a morte de Paulo Tortello, foram feitas duas homenagens póstumas, sendo a primeira no SENAC e a segunda na UNISO. No funeral, D. Maria Nóbrega pede ao Marcelo: ”Não deixe o projeto do meu filho morrer”. No que Marcelo responde: ”Enquanto eu estiver vivo e morando em Sorocaba, não deixarei o Poesia em Debate morrer”. Promessa feita em 24 de setembro de 2000...Cumprida até hoje!

Fato que resultou na fundação do Instituto Literário Paulo Tortello – Poesia em Debate, em 05 de maio de 2005.

Fontes:
http://www.sorocult.com/
http://www.partes.com.br/
http://www.educlique.com.br/

Paulo Tortello (Poesias: Sonetinho Ridículo - Sonetilho todo teu)

SONETINHO RIDÍCULO

Eu te odeio, meu amor,
eu não gosto de você.
Pois, então, faça um favor:
se me esquece, sivuplê.

Eu odeio o meu amor
que eu não sinto por você.
Por isto eu não sinto dor:
eu nem ligo, pode crer.

Não é verdade que eu ame
quem não liga para mim.
Por isso, melhor não chame:

quer dizer... me chame, sim:
vou dizer que eu não te amo.
Se não me chamar eu chamo...

SONETILHO TODO TEU

Você está em tudo
que eu quero esquecer;
tudo está em você,
você é meu tudo.

Choro por escrito
sua ausência intensa
de presenças densa,
imenso infinito.

E declaro, imune
(que o Amor perdoa),
que eu não sofro à toa:

quem amou assume
sempre estar presente,
mesmo estando ausente.
Fonte:

domingo, 2 de março de 2008

Lendas do Japão (As origens de Maneki-Neko)

Atualmente conhecido em todo o mundo como talismã da sorte e, particularmente, como talismã que atrai fregueses para casas comerciais, o Maneki-neko, o gatinho sentado que tem a patinha levantada, tem diferentes lendas a respeito de sua origem, conforme região do Japão. Esta é uma das versões do lado leste do Lago Biwa, na região central do Japão.

Conta a lenda que quando o lorde guerreiro Ii Naotaka (1590~1659) voltava do cerco e tomada do Castelo de Osaka, após ter comandado 3,2 mil homens e se destacado na Batalha de Tennoji, em março de 1615, surpreendido por uma chuva repentina, abrigou-se em baixo de uma árvore próximo do Templo Gotokuji, em Setagaya.

Gotokuji, na época, era um templo decadente, com pouca freqüência de fiéis e, portanto, muito pobre. No templo, vivia um monge budista e uma gata de nome Tama. Solitário, o monge conversava com a gatinha lamentando quase sempre a situação de penúria do templo.

– A situação está cada vez pior. Hoje, nem temos arroz para comer. Bem que você podia dar uma ajuda para melhorar nossa situação, em vez de ficar dormindo o dia inteiro.

Esperando a chuva passar sob a árvore, Ii Naotaka olhou para o velho templo e viu um gato sentado sobre suas patas traseiras e acenando com a pata dianteira levantada. O samurai ficou encantado pela habilidade do bichinho e foi em direção do templo para ver de perto a façanha.

Quando Naotaka chegou junto ao templo, um raio fulminante atingiu a árvore exatamente no local em que ele estava encostado. O guerreiro imediatamente percebeu que aquele gesto do gato havia salvado sua vida. Então, entrou no templo para rezar em agradecimento à graça recebida.

No salão principal, havia várias goteiras, e todo o templo estava em condição lamentável. Naotaka fez oferenda de todo o dinheiro que carregava ao altar, comentando com o monge que a sabedoria de Buda iria usar aquele dinheiro para reformar o templo. Após esse episódio, Naotaka passou a freqüentar o Gotokuji, e o local tornou-se, então, o templo oficial da família de Ii Naotaka. Conseqüentemente, tornou-se um local próspero e visitado por todas as pessoas do feudo.

Para homenagear o gesto de Tama, que tanta sorte trouxe ao templo e salvou a vida de Naotaka, foi esculpido e colocado no local uma estátua da gata com a mão levantada. As réplicas em miniaturas da estátua, que eram distribuídas no Templo Gotokuji como lembrança, tornaram-se, mais tarde, amuleto da sorte, com o nome de Maneki-Neko.

Outra versão

História também bastante conhecida, surgida nos meados da Era Edo (1615~1868), conta que existiu, no bairro de Imado, em Edo (hoje Tóquio), uma velha senhora que tinha um gato de estimação. A velhinha estava em péssimas condições financeiras, porque, devido à idade avançada, não conseguia arranjar um trabalho para garantir seu sustento.

Numa determinada ocasião, a situação ficou tão crítica, que ela não tinha mais como alimentar seu gatinho. Então, conversando com o bichinho, disse:

– É com o coração partido que terei de abandonar você. Devido à minha condição de extrema pobreza, não tenho como continuar lhe alimentando.

Depois, com lágrimas nos olhos e barriga roncando, a velhinha foi dormir. Em seu sonho, o gato apareceu e disse:

– Molde minha imagem em barro, que trará muita sorte a você.

No dia seguinte, ela resolveu fazer uma estatueta do gato, conforme o sonho havia sugerido. Enquanto ela moldava o barro, o gato estava “lavando a cara” com gestos exagerados e, achando engraçado, a velhinha resolveu moldar o bichinho com a pata levantada. Nisso, passou uma pessoa em frente de sua casa e, achando interessante, quis comprar a estatueta. Como estava dias sem comer, a velhinha vendeu a estatueta e comprou comida para ela e o gato. Assim, de barriga cheia, resolveu fazer outra estatueta para deixar como talismã da sorte. Porém, apareceu outra pessoa e comprou a segunda estatueta

Quanto mais a velhinha fazia estatuetas, mais aparecia gente para comprá-las. Com isso, ela mudou de vida e nunca mais passou necessidades. E a estatueta da sorte passou a ser conhecida como Maneki-Neko.

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Lendas do Japão (O cavalo dos sonhos e as sete berinjelas)

No Japão, existe um ditado que diz: “Se ama seu filho, deixe que ele viaje”. O imigrante japonês no Brasil conhece bem o sentido dessa frase.
Há muitos e muitos anos, numa aldeia rural do Japão, viviam dois inseparáveis amigos. Eisuke era filho do chefe da aldeia, uma família abastada, dona das terras daquela região. Goro era filho de pobres lavradores, que trabalhavam nas terras do pai de Eisuke. Apesar da diferença social e econômica das famílias de ambos, eles viviam sempre juntos, desde quando pequeninos.

Certa ocasião, os dois, cansados de viverem dentro dos limites da aldeia, resolveram conhecer outras paragens e ganharam a estrada.

Caminhavam alegremente, ora cantando, ora tirando músicas assoprando folhas de bambu esticadas nos lábios. Prosseguiam a viagem despreocupados.

Dias depois, na travessia de uma montanha, perderam-se no meio da mata. A noite caiu, e a floresta transformou-se em completa escuridão. Apesar do medo, continuaram caminhando, pois permanecer ali parecia por demais perigoso. De repente, avistaram uma luz no meio da mata. Os dois rumaram apressados em direção à luz, pois devia, com certeza, ser uma casa. Por sorte, era uma hospedaria. Os meninos ficaram aliviados e pediram uma pousada para a velha dona da pensão. Cansados que estavam, Eisuke logo adormeceu. Goro, que nunca tinha dormido numa hospedaria, apesar de exausto, não conseguia pegar no sono.

De repente, percebeu que alguém estava abrindo o shoji (parede móvel de papel), então fechou os olhos e fingiu que estava dormindo. De olhos semi-serrados, viu que a dona da pensão olhou para dentro do quarto e, vendo que os dois estavam dormindo, deu uma risada horripilante e se afastou corredor. Goro ficou arrepiado de medo, aquela não era uma situação normal.

Da porta corrediça que a velha deixou semi-aberta, Goro podia vê-la na sala no fim do corredor. A velha sentou-se perto do irori (fogareiro), mexeu as cinzas com dois palitos de ferro e acendeu o fogo assoprando as brasas no centro do irori. Em seguida, depositou algumas sementes nas cinzas. Goro não estava entendendo nada do que estava acontecendo.

Para a surpresa do menino, as sementes plantadas começaram a brotar e a crescer em segundos. As folhas finas e compridas denunciavam que eram pés de arroz, que incrivelmente começaram a soltar cachos, que ,carregados, fizeram as hastes curvarem. Segundos depois, os cachos pendentes ficaram amarelos e prontos para ser colhidos.

A velha colheu o arroz, tirou a casca esfregando-o em uma peneira de bambu e cozinhou-o no fogareiro. Depois, amassou-o num pequeno pilão e fez quatro motis (bolinhos de arroz glutinoso). Goro, que assistiu a tudo, pensou em contar para o amigo, mas, vendo Eisuke roncando, resolveu deixar para o dia seguinte. Cansado, Goro também acabou pegando no sono.

No dia seguinte, quando Goro despertou, o sol já estava alto. Olhou para o leito ao lado e viu que Eisuke já havia se levantado. Então, levantou-se depressa e correu para a sala. A dona da hospedaria estava oferecendo os bolinhos para Eisuke. Goro gritou para que ele não comesse aquele moti, porém, era tarde. Eisike havia posto o bolinho na boca e degustou-o com satisfação.

– Nossa, que bolinho gostoso. Quero mais.

– Sim, coma! – disse a dona da pensão.

– Não coma! – gritou Goro.

Mas era tarde. Eisuke botou as mãos sobre a barriga, começou a se contorcer e, por mais incrível que possa parecer, transformou-se num cavalo. Um cavalo bonito, mas diferente de todos os cavalos que o menino tinha visto até então. Um cavalo todo colorido, como se fosse um cavalo de sonhos. Goro ficou paralisado de susto. Compreendeu que a velha dona da pensão era, na verdade, uma Yamanbá (bruxa da montanha), que transforma todos os viajantes que ali se hospedam em cavalos de sonhos. Já havia ouvido qualquer coisa a respeito, mas não acreditou que pudesse ser verdade. No entanto, seu amigo Eisuke era agora um cavalo de sonhos, com colorido impressionantemente belo e maluco.

– É sua vez. Coma os motis, garoto – disse a velha, esticando o prato com dois bolinhos ao garoto.

Goro estava paralisado de medo, mas, numa reação desesperada, derrubou o prato dos bolinhos com a mão e saiu correndo da casa. Correu desesperadamente, sem rumo, até que avistou uma casa de lavrador no vale.

Quando Goro abriu os olhos, estava estirado sobre um tatame (esteira de palha) na casa do vale. Um velhinho com barba e cabelos compridos, que aguardava pelo seu despertar, sorriu e disse:

– Vejo que está melhor. Você bateu na minha porta e desmaiou de canseira.

– Estou com sede. Muita sede – disse Goro, percebendo que estava diante de um Sennin (sábio imortal), e que só ele poderia ajudá-lo a salvar seu amigo.

Depois que tomou várias tigelas de água, Goro contou o ocorrido ao bom velhinho e pediu ajuda para salvar seu amigo. O ancião ensinou, então, que o único modo de salvar Eisuke era fazer ele comer sete berinjelas de um mesmo pé.

– Só assim seu amigo voltará a ser humano. Em seguida, o velho fez um mapa ensinando onde o menino poderia encontrar uma grande plantação de berinjelas e como chegar de volta à casa da Yamanbá. Assim, Goro, agradecendo ao velhinho, seguiu o que indicava o mapa.

A plantação de berinjela era enorme. Goro saiu contando pé por pé quantas berinjelas tinha cada um. Depois de várias horas, finalmente achou um pé com as sete berinjelas. Então, arrancou o arbusto e foi em direção à casa da Yamanbá.

O cavalo estava amarrado em uma árvore ao lado da “hospedaria”. Goro aproximou-se sorrateiramente, desamarrou a corda e disse:

– Eisuke, escute, sou eu, Goro.

O cavalo olhou-o como se reconhecesse o amigo e balançou a cabeça no sentido vertical.

– Olha, você tem que comer estas sete berinjelas. Assim que as comer, o encanto se quebrará, e você voltará a ser gente – o cavalo fez movimento horizontal com a cabeça, como quem desaprova a idéia.

– Puxa, agora lembrei que você não gosta de berinjelas. Sua mãe vive dizendo para você comer berinjelas, mas você as detesta. Só que, desta vez, você vai ter de comer as sete, se não quiser continuar cavalo para o resto da vida. Essas berinjelas foram sugeridas por um Sennin, não tem erro.

Assim, fazendo cara de poucos amigos, o cavalo começou a comer as berinjelas. Depois, ao digerir a última, como num passe de mágica, voltou a ser Eisuke. Os dois se abraçaram de alegria e trataram de fugir do local o mais rápido possível. De volta à aldeia, cada um foi para sua casa e, durante bom tempo, tiveram histórias para contar. Anos depois, tornaram-se sócios em plantação de berinjelas e continuaram bons amigos para sempre.

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Lendas do Japão (O legendário Hidesato)

Tawara Touda Hidesato, historicamente Fujiwara-no-Hidesato, foi um guerreiro da Era Heian (794~1185) que se tornou conhecido por combater na rebelião de Taira-no-Masakado na província de Hitachi, matando seu líder na batalha de Kojima, em 940. Esta foi a primeira e a principal rebelião da classe dos guerreiros contra o governo imperial. Muitas histórias fantasiosas nasceram em torno de Hidesato, que ficou conhecido popularmente como Tawara Touda.

Entre as legendárias histórias atribuídas a Hidesato, a mais conhecida é aquela na qual ele enfrenta uma lacraia gigante.

Tudo começou quando Hidesato atravessava a Ponte Seta-no-Karashi, no Lago Biwa, a maior lagoa do Japão. No meio da ponte, havia um dragão adormecido, obstruindo a passagem. Sem se incomodar, Hidesato passou por cima do rabo do dragão e seguiu seu caminho. Depois que deu alguns passos, ouviu uma voz feminina chamando por ele. O guerreiro virou-se e deparou-se com uma linda donzela que o chamava.

– Sou a filha do rei Dragão, que tem um palácio no meio deste lago. Há dias que estou aqui na ponte na forma de um tenebroso dragão, tentando encontrar alguém corajoso que não tenha medo de monstros. Todas as pessoas chegavam até a ponte e, quando me viam, saíam correndo. O senhor foi o único que seguiu seu caminho por cima de meu corpo.

– Se isso é um elogio, eu agradeço – disse Hidesato.

– Queria lhe pedir um grande favor.

– Se estiver ao meu alcance, terei prazer em atendê-la.

– A pedido de meu pai, estava a procura de um guerreiro corajoso e acho que finalmente o encontrei. Uma lacraia gigante desce do Monte Mikami e está devorando todos os membros da minha família. Um a um estão sendo vitimados pelo monstro, que fez de nós, do palácio de Dragão, seu alimento. Creio que serei a próxima vítima, pois minhas irmãs foram todas devoradas pela criatura gigante.

Hidesato, que nada temia e adorava aventuras, concordou prontamente em ajudá-la. Assim, ele seguiu a donzela e foram para o palácio do rei Dragão.

Lá chegando, conheceu o rei Dragão, que havia preparado uma grande festa para lhe dar boas-vindas. Foi um grandioso banquete com muitas iguarias deliciosas, regadas com fino saquê (vinho de arroz). Todos da corte dançavam e cantavam como não faziam há muito tempo, pois estavam esperançosos de que havia chegado o salvador. Em plena festa, o dia começou a escurecer e uma bateria de trovões ribombou nas nuvens.

Hidesato correu para a varanda do segundo andar com arco e flecha em punho. O Monte Mikami estava irreconhecível. Envolta em neblina, dava para perceber uma forma espiral com mil pernas, enrolando completamente a montanha. A lacraia gigante tinha uma enorme cabeça com duas bolas de fogo no lugar dos olhos.

O guerreiro preparou a flecha no arco e retesou a corda o quanto pôde. A flecha partiu em direção ao brilho dos olhos do monstro e acertou-o no meio da testa. Porém, o gigantesco inseto continuou avançando em direção ao palácio, como se nada tivesse acontecido.

Imediatamente, Hidesato colocou outra flecha no arco e disparou. E mais uma vez nada aconteceu. Só lhe restou uma flecha das três que ele levara para a varanda. A lacraia gigante estava bem perto. A princesa e o rei Dragão estavam apavorados e tremendo de medo. Ao colocar a última flecha no arco, o guerreiro lembrou que as crianças brincavam cuspindo em centopéias, pois diziam que a saliva humana era mortal para esse tipo de inseto. Então, colocou, por um momento, a flecha na sua boca, lubrificou-a com saliva e mirou-a na testa do monstro. Quando atirou a flecha, um grito horrível ecoou no palácio. Trovões ribombaram, relâmpagos cortaram o ar, e o palácio parecia desmoronar. Em seguida, as bolas de fogo apagaram-se e começou a cair uma chuva torrencial.

Todas as pessoas do palácio estavam prostradas no chão, tamanho o susto. A tempestade assustadora atravessou a noite, clareando ao amanhecer.

No dia seguinte, o céu estava claro. O sol brilhou radiante. Na superfície do Lago Biwa, boiava o corpo sem vida da lacraia gigante. O rei Dragão e toda a corte festejaram com euforia o fim do pesadelo. Hidesato foi festejado como o grande herói do Lago Biwa.

Quando Hidesato foi se despedir do rei Dragão para continuar suas andanças pelo Japão, recebeu deste alguns presentes: um saco de arroz, um rolo de seda, dois sinos e uma caçarola.

– São lembranças simples, mas de todo o coração.

Uma comitiva liderada pela bela princesa Dragão carregou os presentes até a ponte, onde se despediram do herói.

Quando chegou em casa, Hidesato descobriu que os presentes não eram nada comuns. O rolo de seda, quando se cortava um pedaço para fazer quimonos, aumentava automaticamente na mesma proporção, portanto, nunca acabava. Da mesma forma, o saco de arroz, à medida que era esvaziado, tornava a se encher. Era inesgotável. Então, quando a vizinhança ficou sabendo disso, passaram a chamá-lo de Tawara Touda, ou seja, senhor saco de arroz.

Por sua vez, a caçarola cozinhava mesmo sem fogo, e os sinos, cujo som ecoava até os limites da província Oomi (atual Shiga), foram doados ao Templo de Mii para serem tocados em horas determinadas, servindo de marcador de horas para toda a população.

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Lendas do Japão (O gato assombrado de Nabeshima)

As folhas de momiji (acer), que da cor verde passaram para o amarelo e depois para o laranja, agora ganhavam uma cor vermelho vivo. Não só as árvores como o chão, forrado de folhas caídas, davam a impressão de que todo o jardim do castelo de Nabeshima havia pegado fogo. Era final de outono no Japão.

O príncipe de Hizen, um membro da família honrada de Nabeshima, tinha como sua concubina favorita uma mulher charmosa, cujo nome era Otoyo. Certa ocasião, os amantes passeavam no jardim do castelo e permaneceram apreciando as flores até o pôr-do-sol. No retorno, sem que eles percebessem, foram seguidos por um enorme gato negro.

Otoyo dirigiu-se para o seu quarto e sentiu uma inesperada indisposição. Tentou manter-se acordada, mas logo dormiu. À meia-noite, foi despertada por uma estranha sensação e viu dois olhos enormes que a fixavam brilhando na escuridão. Prestando bastante atenção, percebeu que se tratava de um enorme gato negro. Porém, antes que ela pudesse gritar pedindo ajuda, o animal saltou em sua garganta e mordeu-a profundamente, estraçalhando seu pescoço até a morte. O gato, então, foi lambendo o sangue da moça e adquirindo forma humana, ficando igual a sua vítima. Então, arrastou Otoyo para baixo do assoalho e enterrou o corpo sob a varanda.

O príncipe, que de nada sabia, não desconfiou nem um pouco da bela mulher que naquela noite o procurou para fazer amor. Assim, nos dias seguintes, como um ritual, ela o procurava no meio da noite e ia sugando seu sangue sem que a vítima percebesse. Em poucos dias, o príncipe de Hizen perdeu toda a força e seu rosto estava mais pálido que uma vela. Permanecia o dia todo deitado, pois já não tinha força para se levantar.

Os médicos do palácio prescreveram vários medicamentos, mas nenhum fez o efeito desejado. Suspeitaram então que alguém estava envenenando o príncipe.

Vários samurais montaram guarda ao redor de seu quarto. Porém, quando chegou o meio da noite, todos pegaram no sono e só acordaram na manhã seguinte. Nas noites que se seguiram, as mesmas coisas aconteceram. Nenhum soldado conseguia ficar acordado.

Os conselheiros concluíram que alguma força estranha, de poder sobrenatural, estava agindo naquela alcova. Chamaram monges budistas e sacerdotes xintoístas para fazer exorcismo no quarto, já que a saúde do príncipe ia piorando dia a dia. Foram semanas de orações e rituais diversos, mas de nada adiantou, a saúde do príncipe de Hizen ia de mal a pior.

Naquela ocasião, um samurai de nome Ito Soda, que serviu na infantaria de Nabeshima, atravessou o jardim de inverno e invadiu as proximidades do quarto do príncipe. Ele solicitou aos conselheiros que permitissem a ele permanecer escondido no quarto do enfermo, para desvendar como agia o espírito maligno que estava prejudicando seu senhor.

Seu pedido foi prontamente aceito, já que todas as tentativas tinham se mostrado infrutíferas. Ito ficou firme em seu posto, no entanto, como aconteceu com os guardas que o antecederam, a partir das dez horas, começou a sentir um sono irresistível. Para espantar seu sono, espetou sua faca profundamente em sua coxa, de modo que a dor aguda o mantivesse acordado.

De repente, as portas deslizantes do quarto do príncipe abriram-se, e uma linda mulher entrou e dirigiu-se ao leito. Ela agachou na cabeceira do príncipe e esticou o pescoço como quem vai beijar o adormecido. Porém, a mulher, pressentindo a presença de mais alguém no quarto, virou a cabeça e, com olhos brilhantes, disse:

– Tem alguém aí?

Ito permaneceu escondido e em silêncio, espiando pela fresta da porta do quarto ao lado. Percebendo que alguém a observava, ela levantou e saiu do quarto às pressas.

Na noite seguinte, a cena se repetiu. Assim, por não ter sido subjugado por duas noites seguidas enquanto dormia, a saúde do príncipe melhorou consideravelmente. Para Ito Soda, ficou claro que Otoyo era alguma entidade maligna tentando acabar com a vida do príncipe de Hizen. Diante disso, traçou um plano para acabar com ela.

Fingindo ser um mensageiro do príncipe, foi até o quarto dela, para entregar um bilhete que sua alteza lhe enviara. Ao aproximar-se da falsa Otoyo para entregar o suposto bilhete, Ito sacou da espada e desferiu um golpe na direção dela. Porém, com percepção felina, ela esquivou-se da lâmina pulando para trás. Na seqüência, assumiu a forma de um gato preto e saltou pela janela. Ganhou o telhado do castelo e, segundos depois, fugia em direção à montanha.

Esse gato que gostava de lamber sangue humano passou a incomodar os habitantes da montanha. Tempos depois, o príncipe de Hizen, completamente recuperado, organizou uma caçada ao gato maldito de Nabeshima. Um exército com milhares de samurais vasculhou a montanha. Somente no oitavo dia, finalmente, o gato maldito foi liquidado e a paz voltou à região.
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Comentário:
Os primeiros gatos foram introduzidos no Japão por Fujiwara-no-Sanesuke, um nobre da corte do imperador Ichijo (987–1011). Trazidos da China, esses animais de estimação eram vistos com reserva pelos japoneses. Além de não serem obedientes como os cachorros, eram considerados destrutivos por natureza, por rasgarem tatami de palhas (tablado que servia de assoalho) e fazerem furos no shoji (parede de papel) para apanhar insetos que vinham as casas atraídos pelas lamparinas. Na época, a iluminação das casas era à base de lamparina a óleo, e os gatos gostavam de lamber esse óleo combustível, muitas vezes causando incêndio.

Assim como a raposa, o texugo e a serpente, o gato era considerado um animal assombrado no antigo Japão.

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Lendas do Japão (Hariko Inu, o cão-guardião)

Os cães são protetores naturais dos homens, são fiéis aos seus donos e estão sempre ao seu lado, com a incrível capacidade de detectar situações perigosas às quais estão sujeitos no cotidiano. Antigamente, os japoneses acreditavam que os cães tinham faro para identificar os oni (demônios), que, muitas vezes, se disfarçavam em forma humana para infiltrar-se em povoados e praticar o mal. A crença popular nipônica conta que os cachorros são associados à proteção de crianças, por isso existe um talismã antigo, que até hoje é muito popular, chamado Hariko Inu; trata-se de um cachorrinho feito de papel machê e pintado com cores fortes. Dizem que esse talismã traz sorte, saúde e proteção. Por isso, as mães, quando vão ganhar um filho, ou quando a família tem bebê em casa, deixam o Hariko Inu enfeitando o quarto, para que a criança cresça com saúde e esteja sempre protegida dos demônios.

Existem algumas versões sobre a origem do Hariko Inu, mas esta é particularmente interessante, porque envolve o grande mestre Kukai (nascido no Ano do Tigre de Madeira – 774) que ficou conhecido, após a sua morte, como Kobo Daishi, o fundador da seita budista Shingon.

Durante sua peregrinação na ilha de Shikoku, o monge Kukai passou a noite na cabana de um lavrador. O dono da casa era um senhor muito amável e o hospedou com grande alegria e cordialidade. Kukai, então, disse que gostaria de recompensá-los pela hospedagem e pediu que dissessem como ou quanto deveria pagar.

O lavrador recusou pagamento, mas, devido à insistência do monge, disse que gostaria de receber um amuleto e justificou:

- Nós não tivemos sorte com o tempo nesses últimos anos. Nossa plantação de arroz tem sido devastada por javalis selvagens e, quando os cachos de arroz estão madurando, são devorados pelos pássaros. Sem dizer que, às vezes, existem secas em época de crescimento ou enchentes antes da colheita.

O monge, então, rabiscou alguma coisa em um pedaço de papel, depois dobrou-o cuidadosamente em forma de envelope. Essa dobradura foi pregada na porta do celeiro.

Naquele ano, a colheita foi normal, nenhuma intempérie veio a prejudicar a boa safra. No ano seguinte, a mesma felicidade. Os agricultores festejaram a boa colheita com um festival de tambores e danças. No terceiro ano, a mesma coisa.

O agricultor e a esposa estavam muito felizes com a simpatia que o monge Kukai havia lhes presenteado. Porém, durante os três anos a curiosidade foi crescendo, crescendo e até que, não agüentando mais, abriram o papel para ver o que o monge havia rabiscado ali.

Não deu tempo de o casal ver o que estava escrito no papel. Bastou começar abrir a dobradura e um cachorro pulou para fora do papel. O cachorro sumiu, nunca mais voltou, e ninguém sabe para onde ele foi. O papel estava em branco, mas o lavrador e sua esposa haviam visto Kukai rabiscar alguma coisa nele. Desde então, a colheita não foi mais boa. Como se houvesse perdido a proteção divina, a plantação de arroz passou por toda sorte de dificuldades, até mesmo ataque de insetos.

O pessoal da aldeia raciocinou que o cachorro estava protegendo a casa e a plantação de arroz. E, desde então, passaram a confeccionar pequenos cachorros de papel machê, para ficar de guarda, protegendo a casa e as crianças enquanto os pais trabalhavam na roça.

Restou a curiosidade do povo. Alguns disseram que o monge teria escrito simplesmente a palavra inu (cão); outros disseram que ele fez desenho de um cachorro, pois, além de monge, calígrafo e poeta, era excelente desenhista. Há também estudiosos de seitas que afirmam que Kukai escreveu Inukami, que pode ser traduzido como “deus cão” (inu=cão e kami = deus). Uma vez que papel também é kami em japonês, quando o casal abriu a dobradura, a palavra ganhou vida e materializou-se em animal.

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Lendas do Japão (O cachorro de Michinaga)

No Japão, existem várias lendas que contam façanhas de cachorros. E todas elas testemunham que ele é o melhor amigo do homem. A julgar pelas descrições das lendas, elas foram acontecendo ao longo do tempo, até chegar a grande quantidade que hoje existem. A lenda que escolhemos para esta edição aconteceu na Era Heian (794~1192), envolvendo o ministro plenipotenciário Fujiwara-no-Michinaga (966~1027).

Em 1022, Mizunoe Inudoshi (Ano do Cachorro de Água-Yin), Michinaga mandou construir, em Quioto, o Templo Hojoji, tendo ao redor o “Jardim da Terra Pura”. Contam os historiadores que ele gostou tanto do jardim, que deixava seu palácio para visitar o templo diariamente e sempre levava consigo seu fiel cachorrinho branco.

Certa ocasião, naquele mesmo ano, quando o carro de boi que levava Michinaga aproximou-se do templo, o cachorrinho correu na frente, parou na entrada e latiu tanto, que impediu a carruagem de continuar. Michinaga desceu da carruagem, ficou observando o comportamento do animal e concluiu, pela reação do cachorro, que havia algo de errado. Então, mandou um de seus criados chamar Abe-no-Seimei, o astrólogo e adivinho da Corte.

Não tardou muito, e Seimei chegou ao local. Michinaga queria saber o que o cachorrinho estava querendo dizer com seu estranho comportamento. Seimei andou para frente, mas o cachorro não tentou impedi-lo. Pediu, então, que um dos criados fosse em direção ao templo, mas, igualmente, o cachorro não esboçou reação. Quando Michinaga tentou andar para frente, o cachorro começou a latir e a impedir sua passagem. Então, Seimei concluiu:

– Em algum lugar desta estrada existe um feitiço enterrado. Essa mandinga foi elaborada com o objetivo de prejudicá-lo. Se Vossa Excelência pisar o local em que ela está enterrada poderá ser acometido por uma terrível doença. Ainda bem que seu cachorro farejou esse instrumento do mal.

– Sabe me dizer onde o feitiço está enterrado? – perguntou o regente Michinaga.

– Ali – disse Seimei, fazendo gesto mágico e atirando um guiso no ar.

O local onde o guiso caiu foi cavado pelos criados de Michinaga. Foram encontradas duas tigelas unidas pelas bocas e amarradas em cruz com um fitilho amarelado.

– Conheço esse tipo de magia, acho que é obra do mago Doman Ashiya, meu desafeto.

Abe-no-Seimei pegou um pedaço de papel e fez origami em forma de tsuru (garça grou). Sacudiu o tsuru no ar e disse palavras sagradas. A dobradura de garça transformou-se em garça de verdade e voou na direção sul. Seimei ordenou que dois fortes criados de Michinaga seguissem a garça para ver onde ela pousaria.

Pouco tempo depois, os dois criados voltaram trazendo um velho monge à força. O regente Fujiwara-no-Michinaga fez questão de interrogá-lo pessoalmente. Interrogado por tão ilustre figura, o monge confessou que Akimitsu, o ministro da esquerda, ordenou que ele fizesse um feitiço para impregnar o regente de praga.

Michinaga tirou o cargo de Akimitsu e o exilou na distante Harima. Dizem que Akimitsu maldisse o regente pelo resto de sua vida. E, ao falecer, teria se transformado em um fantasma vingativo que andava assombrando Michinaga.

O cachorrinho que salvou a vida de Michinaga foi tratado como nobre pela criadagem de seu senhor e viveu como um rei para o resto de sua vida.

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