quarta-feira, 7 de maio de 2008

Concurso Nacional de Poesias da ALIUBI

ALIUBI - ASSOCIAÇÃO DOS LITERATOS DE UBIRATÃ
CNPJ: 80.881.592/0001-37
Rua Duque de Caxias 657 -
Cx. Postal 24 - Centro
CEP: 85.440-000 - Ubiratã - Paraná
E-mail: aliubinet@ig.com.br - Site: www.aliubi.hpg.com.br
Fones: (44) 3543-5939
Cel: (44) 99964-8380


4º. PRÊMIO “ DINA DI MARTINI” DE POESIAS - CONCURSO NACIONAL DE POESIAS

Organização e Promoção: Associação dos Literatos de Ubiratã - ALIUBI
Apoio Cultural: Secretaria Municipal de Educação e Cultura
Colaboração: Divisão Municipal de Cultura

REGULAMENTO:
A Associação dos Literatos de Ubiratã - ALIUBI, institui o seu quarto concurso de Poesia, intitulado “Prêmio DINA DI MARTINI”, com a finalidade de incentivar as produções literárias na área da poesia, homenageando a a nossa inesquecível poetisa ubiratanense Dina Di Lurdes Martini.

DO AUTOR:
1- O concurso será aberto a qualquer pessoa residente no Brasil.

2- Cada autor poderá participar com uma (1) poesia inédita, com no máximo quarenta (40) linhas média, digitadas em seis (6) vias de um só lado.

3- O tema do concurso é livre.

4- A autoria deverá ser exclusivamente individual, não será aceita inscrição de co-autores.

DA INSCRIÇÃO:
1- As inscrições estarão abertas até o dia 15/06/2008, sendo que a remessa dos originais à ALIUBI constituirá, por si só, em inscrição no concurso. 2- As poesias deverão ser enviadas para: Associação dos Literatos de Ubiratã, 4º. Prêmio Dina Di Martini de Poesias, Caixa Postal 24, Cep: 85.440-000 - Ubiratã-PR.

Obs. Anexar cópia do Rg e CPF junto à Inscrição.

Obs: quando menor, anexar Rg e CPF do responsável.

DOS ORIGINAIS:
1- Nos originais deverão figurar apenas o titulo da poesia.

DA SELEÇÃO:
1- A comissão julgadora, constituída por representantes culturais e educacionais, escolherá as cinqüenta (50) melhores poesias.

DA PREMIAÇÃO:
Serão classificadas cinqüenta (50) poesias, que, terão assegurada a inclusão na antologia “Poesia Nossa de Cada Dia” publicada anualmente pela Aliubi.
1º. Colocado: Troféu Dina Di Martini e duzentos (200) exemplares da antologia.
2º. Colocado: Troféu Dina Di Martini e cem (100) exemplares da antologia.
3º. Colocado: Troféu Dina Di Martini e cinqüenta (50) exemplares da antologia.
4º. Colocado: Troféu Dina Di Martini e trinta (30) exemplares da antologia.
5º.Colocado: Troféu Dina Di Martini e vinte (20) exemplares da antologia.
6º ao 50º colocados:Certificado Especial Dina Di Martini e cinco (2) exemplares da antologia.

DISPOSIÇÕES GERAIS:
1- A divulgação dos resultados será feita através dos veículos de comunicação do município e a cada classificado através de e-mail. Obs: na falta de e-mail o participante será comunicado através de correspondência postal.

2- A entrega dos prêmios será realizada em Ubiratã, com a presença dos classificados com local e data a serem divulgados junto à comunicação de classificação.

3- As decisões da comissão julgadora são irrecorríveis.

4- Ao se inscrever, o autor cede, automaticamente, os direitos autorais de sua obra para a edição mencionada e a ALIUBI fica isenta de fazer devolução dos originais não procurados junto à secretaria da associação até sessenta (60) dias da realização do concurso.

5- Os casos omissos serão resolvidos pela comissão organizadora do evento.

6- É permitida a tiragem de cópias deste regulamento para efeito de inscrição e divulgação.

Joacir Zen Ranieri
Presidente

MODELO DE FICHA DE INSCRIÇÃO

4º. CONCURSO DE POESIAS “ DINA DI MARTINI”

NOME: .............................

CPF:............................. RG: ........................................

FONE: (...).....................................................................

ENDEREÇO: ..............................................................

CIDADE:............................. UF:....................... CEP: ....................

E-MAIL:........................... MSN: ........................................

TITULO DA POESIA: .......................................................

Assinatura do autor .......................................................

Assinatura do responsável quando menor ...........................

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Gonçalves Dias (1823 - 1864)

Gonçalves Dias (Antônio G. D.), poeta, professor, crítico de história, etnólogo, nasceu em Caxias, MA, em 10 de agosto de 1823, e faleceu em naufrágio, no baixio dos Atins, MA, em 3 de novembro de 1864. É o patrono da Cadeira n. 15, por escolha do fundador Olavo Bilac.

Era filho de João Manuel Gonçalves Dias, comerciante português, natural de Trás-os-Montes, e de Vicência Ferreira, mestiça. Perseguido pelas exaltações nativistas, o pai refugiara-se com a companheira perto de Caxias, onde nasceu o futuro poeta. Casado em 1825 com outra mulher, o pai levou-o consigo, deu-lhe instrução e trabalho e matriculou-o no curso de latim, francês e filosofia do prof. Ricardo Leão Sabino. Em 1838 Gonçalves Dias embarcaria para Portugal, para prosseguir nos estudos, quando faleceu-lhe o pai. Com a ajuda da madrasta pôde viajar e matricular-se no curso de Direito em Coimbra. A situação financeira da família tornou-se difícil em Caxias, por efeito da Balaiada, e a madrasta pediu-lhe que voltasse, mas ele prosseguiu nos estudos graças ao auxílio de colegas, formando-se em 1845. Em Coimbra, ligou-se Gonçalves Dias ao grupo dos poetas que Fidelino de Figueiredo chamou de "medievalistas". À influência dos portugueses virá juntar-se a dos românticos franceses, ingleses, espanhóis e alemães. Em 1843 surge a "Canção do exílio", um das mais conhecidas poesias da língua portuguesa.

Regressando ao Brasil em 1845, passou rapidamente pelo Maranhão e, em meados de 1846, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde morou até 1854, fazendo apenas uma rápida viagem ao norte em 1851. Em 46, havia composto o drama Leonor de Mendonça, que o Conservatório do Rio de Janeiro impediu de representar a pretexto de ser incorreto na linguagem; em 47 saíram os Primeiros cantos, com as "Poesias americanas", que mereceram artigo encomiástico de Alexandre Herculano; no ano seguinte, publicou os Segundos cantos e, para vingar-se dos seus gratuitos censores, conforme registram os historiadores, escreveu as Sextilhas de frei Antão, em que a intenção aparente de demonstrar conhecimento da língua o levou a escrever um "ensaio filológico", num poema escrito em idioma misto de todas as épocas por que passara a língua portuguesa até então. Em 1849, foi nomeado professor de Latim e História do Colégio Pedro II e fundou a revista Guanabara, com Macedo e Porto Alegre. Em 51, publicou os Últimos cantos, encerrando a fase mais importante de sua poesia.

A melhor parte da lírica dos Cantos inspira-se ora da natureza, ora da religião, mas sobretudo de seu caráter e temperamento. Sua poesia é eminentemente autobiográfica. A consciência da inferioridade de origem, a saúde precária, tudo lhe era motivo de tristezas. Foram elas atribuídas ao infortúnio amoroso pelos críticos, esquecidos estes de que a grande paixão do Poeta ocorreu depois da publicação dos Últimos cantos. Em 1851, partiu Gonçalves Dias para o Norte em missão oficial e no intuito de desposar Ana Amélia Ferreira do Vale, de 14 anos, o grande amor de sua vida, cuja mãe não concordou por motivos de sua origem bastarda e mestiça. Frustrado, casou-se no Rio, em 1852, com Olímpia Carolina da Costa. Foi um casamento de conveniência, origem de grandes desventuras para o Poeta, devidas ao gênio da esposa, da qual se separou em 1856. Tiveram uma filha, falecida na primeira infância.

Nomeado para a Secretaria dos Negócios Estrangeiros, permaneceu na Europa de 1854 a 1858, em missão oficial de estudos e pesquisa. Em 56, viajou para a Alemanha e, na passagem por Leipzig, em 57, o livreiro-editor Brockhaus editou os Cantos, os primeiros quatro cantos de Os Timbiras, compostos dez anos antes, e o Dicionário da língua tupi. Voltou ao Brasil e, em 1861 e 62, viajou pelo Norte, pelos rios Madeira e Negro, como membro da Comissão Científica de Exploração. Voltou ao Rio de Janeiro em 1862, seguindo logo para a Europa, em tratamento de saúde, bastante abalada, e buscando estações de cura em várias cidades européias. Em 25 de outubro de 63, embarcou em Bordéus para Lisboa, onde concluiu a tradução de A noiva de Messina, de Schiller. Voltando a Paris, passou em estações de cura em Aix-les-Bains, Allevard e Ems. Em 10 de setembro de 1864, embarcou para o Brasil no Havre no navio Ville de Boulogne, que naufragou, no baixio de Atins, nas costas do Maranhão, tendo o poeta perecido no camarote, sendo a única vítima do desastre, aos 41 anos de idade.

Todas as suas obras literárias, compreendendo os Cantos, as Sextilhas, a Meditação e as peças de teatro (Patkul, Beatriz Cenci e Leonor de Mendonça), foram escritas até 1854, de maneira que, seguindo Sílvio Romero, se tivesse desaparecido naquele ano, aos 31 anos, "teríamos o nosso Gonçalves Dias completo". O período final, em que dominam os pendores eruditos, favorecidos pelas comissões oficiais e as viagens à Europa, compreende o Dicionário da língua tupi, os relatórios científicos, as traduções do alemão, a epopéia Os Timbiras, cujos trechos iniciais, que são os melhores, datam do período anterior.

Sua obra poética, lírica ou épica, enquadrou-se na temática "americana", isto é, de incorporação dos assuntos e paisagens brasileiros na literatura nacional, fazendo-a voltar-se para a terra natal, marcando assim a nossa independência em relação a Portugal. Ao lado da natureza local, recorreu aos temas em torno do indígena, o homem americano primitivo, tomado como o protótipo de brasileiro, desenvolvendo, com José de Alencar na ficção, o movimento do "Indianismo". Os indígenas, com suas lendas e mitos, seus dramas e conflitos, suas lutas e amores, sua fusão com o branco, ofereceram-lhe um mundo rico de significação simbólica. Embora não tenha sido o primeiro a buscar na temática indígena recursos para o abrasileiramento da literatura, Gonçalves Dias foi o que mais alto elevou o Indianismo. A obra indianista está contida nas "Poesias americanas" dos Primeiros cantos, nos Segundos cantos e Últimos cantos, sobretudo nos poemas "Marabá", "Leito de folhas verdes", "Canto do piaga", "Canto do tamoio", "Canto do guerreiro" e "I-Juca-Pirama", este talvez o ponto mais alto da poesia indianista. É uma das obras-primas da poesia brasileira, graças ao conteúdo emocional e lírico, à força dramática, ao argumento, à linguagem, ao ritmo rico e variado, aos múltiplos sentimentos, à fusão do poético, do sublime, do narrativo, do diálogo, culminando na grandeza da maldição do pai ao filho que chorou na presença da morte.

Pela obra lírica e indianista, Gonçalves Dias é um dos mais típicos representantes do Romantismo brasileiro e forma com José de Alencar na prosa a dupla que conferiu caráter nacional à literatura brasileira.

Obras: Primeiros contos, poesia (1846); Leonor de Mendonça, teatro (1847); Segundos cantos e Sextilhas de Frei Antão, poesia (1848); Últimos cantos (1851); Cantos, poesia (1857); Os Timbiras, poesia (1857); Dicionário da língua tupi (1858); Obras póstumas, poesia e teatro (1868-69); Obras poéticas, org. de Manuel Bandeira (1944); Poesias completas e prosa escolhida, org. de Antonio Houaiss (1959); Teatro completo (1979).

Fontes:
http://www.secrel.com.br/
http://www.algumapoesia.com.br/ (retrato)

Gonçalves Dias (Canção do Exílio)

Kennst Du das Land, wo die Zitronen blühen,
im dunkel die Gold Orangen glühen,
kennst Due es wohl?
Dahin, dahin möchte Ich ziehen!
-- Goethe

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques tem mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Coimbra - Julho 1843.
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Nota:
Graças a colaboração de nossa leitora, Vânia Serra, a tradução das palavras de Goethe são:

Conheces a terra onde os limões brotam,
as laranjas douradas brilham no escuro,
conheces tu bem?
Para lá, para lá eu desejo me mudar (Goethe)

Fontes:

www.bibvirt.futuro.usp.br
http://georgeyk.wordpress.com (imagem)

Vânia Serra, por e-mail

Cruz e Sousa (1861 - 1898)

João da Cruz e Sousa (Nossa Senhora do Desterro [atual Florianópolis], 24 de novembro de 1861 — Estação do Sítio, 19 de março de 1898) foi um poeta brasileiro, alcunhado Dante Negro e Cisne Negro. Foi um dos precursores do simbolismo no Brasil.

Filho de negros alforriados, desde pequeno recebeu a tutela e uma educação refinada de seu ex-senhor, o Marechal Guilherme Xavier de Sousa - de quem adotou o nome de família. Aprendeu francês, latim e grego, além de ter sido discípulo do alemão Fritz Müller, com quem aprendeu Matemática e Ciências Naturais.

Em 1881, dirigiu o jornal Tribuna Popular, no qual combateu a escravidão e o preconceito racial. Em 1883, foi recusado como promotor de Laguna por ser negro. Em 1885 lançou o primeiro livro, Tropos e Fantasias em parceria com Virgílio Várzea. Cinco anos depois foi para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como arquivista na Estrada de Ferro Central do Brasil, colaborando também com o jornal Folha Popular. Em Fevereiro de 1893, publica Missal (prosa poética) e em agosto, Broquéis (poesia), dando início ao Simbolismo no Brasil que estende-se até 1922. Em novembro desse mesmo ano casou-se com Gavita Gonçalves, também negra, com quem tem quatro filhos, todos mortos prematuramente por tuberculose, levando-a à loucura.

Faleceu a 19 de Março de 1898 no município mineiro de Antônio Carlos, num povoado chamado Estação do Sítio, para onde fôra transportado às pressas vencido pela tuberculose. Teve o seu corpo transportado para o Rio de Janeiro em um vagão destinado ao transporte de cavalos. Ao chegar, foi sepultado no Cemitério de São Francisco Xavier por seus amigos, dentre eles José do Patrocínio, onde permanece até hoje.

Foi integrante da Academia Catarinense de Letras, de cuja cadeira 15 é patrono.

Análise da obra

Seus poemas são marcados pela musicalidade (uso constante de aliterações), pelo individualismo, pelo sensualismo, às vezes pelo desespero, às vezes pelo apaziguamento, além de uma obsessão pela cor branca. É certo que encontram-se inúmeras referências à cor branca, assim como à transparência, à translucidez, à nebulosidade e aos brilhos, e a muitas outras cores, todas sempre presentes em seus versos.

Embora quase metade da população brasileira seja negra, poucos foram nossos escritores negros e mulatos. E, entre eles, poucos foram os que escreveram em favor da causa negra. Cruz e Souza, por exemplo, é acusado de ter-se omitido quanto a questões referentes à condição negra. Mesmo tendo sido filho de escravos e recebido a alcunha de "Cisne Negro", o poeta João da Cruz e Souza não conseguiu escapar das acusações de indiferença pela causa abolicionista. A acusação, porém, não precede, pois, apesar de a poesia social não fazer parte do projeto poético do Simbolismo nem de seu projeto particular, o autor, em alguns poemas, retratou metaforicamente a condição do escravo. Cruz e Souza militou, sim, contra a escravidão. Tanto da forma mais corriqueira, fundando jornais e proferindo palestras por exemplo, participando, curiosamente, da campanha antiescravista promovida pela sociedade carnavalesca Diabo a quatro, quanto nos seus textos abolicionistas, demonstrando desgosto com a condução do movimento pela família imperial.

Quando Cruz e Souza diz "brancura", é preciso recorrer aos mais altos significados desta palavra, muito além da cor em si.

No aspecto de influências do simbolismo, nota-se uma amálgama que conflui águas do satanismo de Baudelaire ao espiritualismo (e dentro desse, idéias budistas e espíritas) ligados tanto a tendências estéticas vigentes como a fases na vida do autor.

Livros

Broquéis (1893, poesia) Faróis (1900, poesia) Últimos Sonetos (1905, poesia) Tropos e Fanfarras (1885, prosa - em conjunto com Virgílio Várezea) Missal (1893, poema em prosa) Evocações (1898, poemas em prosa)

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
http://www.arnaldogodoy.com.br/ (retrato)

Cruz e Souza (Luz da Natureza)

Luz que eu adoro, grande Luz que eu amo,
Movimento vital da Natureza,
Ensina-me os segredos da Beleza
E de todas as vozes por quem chamo.

Mostra-me a Raça, o peregrino Ramo
Dos Fortes e dos Justos da Grandeza,
Ilumina e suaviza esta rudeza
Da vida humana, onde combato e clamo.

Desta minh'alma a solidão de prantos
Cerca com os teus leões de brava crença,
Defende com so teus gládios sacrossantos.

Dá-me enlevos, deslumbra-me, da imensa
Porta esferal, dos constelados mantos
Onde a Fé do meu Sonho se condensa!

Carlos Drummond de Andrade (Mãos Dadas)

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

Fontes:
http://www.colegiosaofrancisco.com.br/
http://www.eja.org.br/ (imagem)

Augusto dos Anjos (O Caixão Fantástico)

Célere ia o caixão, e, nele, inclusas,
Cinzas, caixas cranianas, cartilagens
Oriundas, como os sonhos dos selvagens,
De aberratórias abstrações abstrusas!

Nesse caixão iam, talvez as Musas,
Talvez meu Pai! Hoffmânnicas visagens
Enchiam meu encéfalo de imagens
As mais contraditórias e confusas!

A energia monística do Mundo,
À meia-noite, penetrava fundo
No meu fenomenal cérebro cheio...

Era tarde! Fazia multo frio.
Na rua apenas o caixão sombrio
Ia continuando o seu passeio!

Artur de Azevedo (As Asneiras do Guedes)

Não é precisamente um conto o que hoje vou escrever.

Voltou do seu passeio a São Paulo o Guedes - o Guedes sabem? - o maior asneirão que o sol cobre, aquele mesmo que respondeu aqui há tempos quando numa roda lhe perguntaram se tinha filhos:

- Tenho uma filha já adúltera.

- Adúltera?!

- Sim, senhor, adúltera; vai fazer 17 anos.

- Adulta quer o senhor dizer...

- Ou isso. E uma boa menina; só tem um defeito: é muito luxuriosa.

- Luxuriosa?!

- Sim, senhor, luxuriosa: gosta muito de luxar.

- Ah!

- Mas lá está minha mulher para lhe dar bons conselhos... sim, porque minha mulher é muito sensual.

- Sensual?!

- Sim, senhor, sensual: tem muito bom senso.

Pois é como lhes digo: tive o prazer de encontrar ontem esse precioso Guedes, cujas asneiras, colecionadas, dariam um volume de trezentas páginas, ou mais.

Eu estava num armarinho da rua do Ouvidor, onde entrava para cumprimentar a minha espirituosa amiga D. Henriqueta, que andava, como sempre, fazendo compras, enchendo-se de caixinhas e pequeninos embrulhos, adquiridos aqui e ali:

O Guedes, mal que me viu, correu a dar-me um abraço, dizendo:

- Li no "O País" a notícia do seu aniversario...

E recuando dois passos, tomou uma atitude solene, deixou cair as pálpebras, e acrescentou:

- Faço votos para que você tenha um futuro tão brilhante como o que passou.

Agradeci comovido essa manifestação de apreço envolvida num disparate, e apresentei o Guedes à minha espirituosa amiga D. Henriqueta, que mordia os lábios para não rir.

- Apresento-lhe, minha senhora, o mais extraordinário reformador da língua portuguesa: o Guedes, o grande Guedes, que acaba de chegar de São Paulo, onde esteve a passeio.

- Era tempo de fazer uma viagem! - explicou ele. - Foi a primeira vez que saí do Rio de Janeiro.

- Eu também não saí ainda desta cidade senão para ir uma vez a Petrópolis e duas a Niterói - disse D. Henriqueta.

- Vejo então que a senhora é cortesã... - acudiu o Guedes curvando os lábios no mais amável dos seus sorrisos.

- Cortesã?!

- Cortesã, sim... filha da Corte...

- Oh! Guedes! - observei baixinho. - Pois você não vê que está dizendo uma inconveniência?

- Tem razão... Atualmente não se deve falar em Corte...

E emendou:

- Vejo então que a senhora é capitalista federalista.

D. Henriqueta desta vez riu-se a perder. É provável que ao leitor não aconteça o mesmo. Paciência.

- Ó Guedes! Vamos lá! Diga-me! Que impressões trouxe de São Paulo?

- Muito boas! Aquilo é uma grande terra!

- Dizem que há lá muita sociabilidade.

- Como?

- Muita convivência...

- Isso há... As famílias visitam-se... Ou moços coabitam tom as moças.

- Ora essa!

- Que entende você por "coabitar"?

- E... é...

- É uma indecência... uma inconveniência... uma coisa que não se diz!...

O Guedes inflamou-se:

- Está você muito enganado... "Coabitar" é...

E voltando-se para um dos caixeiros do armarinho:

- O senhor tem aí um dicionário que me empreste?

- Pois não?

E daí a dois minutos o Guedes tinha nas mãos os dois volumes do Aulete.

- Muito bem! - disse eu. - Procure "coabitar".

Depois de folhear em vão o dicionário durante um ror de tempo, o teimoso exclamou:

- Não dá! Não dá! Vejam...

- Perdão: você está procurando com u: deve ser com o!

- Tem razão, tem razão... Onde estava eu com a cabeça?

E o Guedes pôs-se de novo a folhear o Aulete.

- Não dá! Também não dá com o! Veja: de coa para coação! Não dá com u nem com o!

Valha-o Deus, Guedes, valha-o Deus! Você está procurando sem h? Dê cá o dicionário!

E com um sorriso de triunfo mostrei ao Guedes a significação da palavra.

- Olhe, leia: "Coabitar, habitar, viver conjuntamente".

- Mas isso...

- Agora veja o que o Aulete acrescenta entre parênteses:

"Diz-se particularmente de duas pessoas de diferente sexo".

- Perdão! - bradou o Guedes furioso. - Perdão! Eu não disse particularmente, mas alto e bom som, e só não me ouviu quem não me quis ouvir!

E batendo com a mão espalmada sobre o balcão:

- Eu não sou homem que diga as coisas particularmente!

Fonte:
http://www.biblio.com.br

Jorge Amado (Capitães de Areia)

Em Capitães de Areia temos a "cidade alta" como cenário principal. Pedro Bala é o chefe de um grupo de jovens arruaceiros que roubam para sobreviver. Nunca ninguém havia mencionado em literatura este bando de jovens que engenhosamente desafia as autoridades, roubando a classe privilegiada e dividindo o produto do roubo entre os seus camaradas subnutridos.

Embora claramente uma obra de protesto "Capitães da Areia" não se vale de ocas figuras centrais que se limitem a expor determinadas filosofias, tampouco marcas negativas. Ao contrário todas principais personagens, como as secundárias mais significativas, são bem desenvolvidas, ainda que um tanto sentimentalmente capazes mesmo de combater com excessivo preconceito do narrador onisciente.

Os personagens são em sua maioria masculinos, e dentre eles, Pedro Bala, cuja agilidade sugerida pelo apelido, merece especial atenção - Sem Perna, Pirulito, O Professor são os mais destacados: Ainda temos no grupo João Grande, Volta Seca, Boa Vida muito bem configurados pelos seus apelidos baseados na aparência física.

Dora é a única figura feminina merecedora de destaque, pois ela passa a assumir o referencial feminino da família, a mãe.

Para alguns ela é uma mãe, para outros uma irmã, e para Pedro Bala uma namorada. Voltando a Pedro Bala, suas valentes façanhas de jovem capitão de enjeitados a organizador comunista dão margem a uma curiosa interpretação.

Ele e seu bando vivem e agem como muitos jovens nas mesmas circunstâncias. Estes jovens enfrentam o Governo, moram escondidos e garantem o Pão roubado dos ricos.


Os Capitães da Areia se mostram bastantes envolvidos e respeitadores do folclore e religião da Bahia.

Ao mesmo tempo que eles se relacionam bem com o padre José Pedro, eles se dão bem com a Mãe de Santo D. Aninha. Envolviam-se no candomblé, capoeira e respeitavam a igreja.


A justiça se mostrava indiferente ao Capitães da Areia só se preocupando com eles quando roubavam alguém importante! Aí eles eram perseguidos.


A igreja também não se mostrava preocupada com os Capitães da Areia. Apenas o padre José Pedro se interessava em ajudá-los.

A impressa fazia o papel de porta-voz de problemas relacionados aos Capitães da Areia; mas o espaço era sempre e mais destacados quando o material era para acusá-los.

Personagens

Pedro Bala
Era um jovem loiro de 15 anos, que tinha um corte no rosto. Era o chefe dos Capitães da Areia, ágil, esperto, respeitador e sabia respeitar a todos. Saiu do grupo para comandar e organizar os Índios Maloqueiros em Aracaju, desejando com líder do grupo Barandão. Depois disso ficou muito conhecido por organizar várias greves, como perigoso inimigo da ordem estabelecida.

Professor
Era um garoto magro, inteligente, calmo e o único que sabia ler no grupo. O professor era quem planejava os roubos dos Capitães da Areia. Depois de muito tempo aceitou um convite e foi pintar no Rio de Janeiro.

Gato
Era o mais bonito e mais elegante da turma. Tinha em caso com Dalva mulher das noites que todo o dia ia vê-la. Participava dos planos mais arriscados e era muito malandro e esperto. Tempos depois foi embora para Ilheús tentar a sorte.

Sem Pernas
Era um garoto pequeno para sua idade, coxo de uma perna, agressivo, individualista. Era quem penetrava nas casas de família fingindo ser um pobre órgão com o objetivo de descobrir os lugares da casa, onde ficavam os objetos de valor depois fugia e os Capitães da Areia assaltavam a casa. Seu destino foi suicidar-se atirando-se do parapeito do elevador Lacerda, pelo ódio que nutria pela polícia baiana.

João Grande
Era um negro alto, forte e burro. Era também o defensor dos menino pequenos do grupo. Era figura importante no grupo, e realizava os mais audaciosos furtos ao lado de Bala, seu destino foi se mandar como ajudante num navio.

Pirulito
Era magro e muito alto, um cara seca, meio amarelado, olhos fundos, boca rasgada e pouco risonha. Era o único do grupo que tinha vocação religiosa apesar de pertencer ao Capitães da Areia. Quando parou de roubar, para sobreviver vendia jornais, seu destino foi ajudar o padre José Pedro numa paróquia distante.

Boa Vida
Era mulato troncudo e feio, o mais malandro do grupo, e sabia tocar violão, também participava dos principais roubos do grupo. Seu destino foi virar um verdadeiro malandro, que vivia a correr pelos morros compondo sambas.

Volta Seca
Era um mulato sertanejo, afilhado de Lampião que odiava a polícia. Seu destino foi ir para o Nordeste na rabada de um trem, até entrar no grupo de Lampião e virar um cangaceiro destinado.

Dora
Tinha treze para quatorze anos, era a única mulher do grupo e se adaptou bem a ele. Era uma menina muito simples, dócil, bonita, simpática e meiga. Conquistou facilmente o grupo com seus cabelos lisos. Seus pais haviam morrido de alastrine e ela ficou sozinha no mundo com seu irmão pequeno. Tentou arrumar emprego, mais ninguém queria empregar filha de bexiguento. Aí ela encontrou João Grande e professor que a chamaram para morar no Trapiche, e logo ela já era considerada por todos como uma mãe, irmã e para Bala uma noiva. Ela participava dos roubos com os outros meninos. Morreu queimando de febre.

Espaço
A narrativa se desenrola no Trapiche (hoje Solar do Unhão e o Museu de Arte Moderna); no Terreiro de Jesus (na época era lugar de destaque comercial de Salvador); onde os meninos circulavam na esperança de conseguirem dinheiro e comida devido ao trânsito de pessoas que trabalhavam lá e passavam por lá; no Corredor da Vitória área nobre de Salvador, local visado pelo pelo grupo porque lá habitavam as pessoas da alta sociedade baiana, como o comendador mencionado no início da narrativa.

Tempo
A obra apresenta tempo cronológico demarcado pelos dias, meses, anos e horas conforme exemplificam os fragmentos: "É aqui também que mora o chefe dos Capitães da Areia, Pedro Bala. Desde cedo foi chamado assim, desde seus 5 anos. Hoje tem 15 anos. Há dez anos que vagabundeia nas ruas da Bahia."
O tempo psicológico correspondente às lembranças e recordações constantes na narrativa.
A fala de Zé Fuinha (...) "Quando terminaram, o preto bateu as mãos uma na outra, falou:
- Teu irmão disse que a mãe de você morreu de bexiga...
- Papai também...
- Lá também morreu um...
- Teu pai?
- Não. Foi Almiro um do grupo
."

Foco Narrativo
A obra "Capitães da Areia" é narrada na terceira pessoa, sendo o autor, Jorge Amado, o narrador apenas o expectador. Ele se comporta, durante todo o desenvolvimento do tema, de maneira indiferente, criando e narrando os acontecimentos sem se envolver diretamente com eles.

Fontes:
http://www.detetivez.hpg.ig.com.br/literatura/resumo_livro/capitaesdaareia.htm
http://www.iep.uminho.pt/ (imagem)

domingo, 4 de maio de 2008

Moisés Neto

O primeiro poema de Moisés Neto foi publicado em março de 1980, no Jornal do Commercio e sua estréia em teatro como ator se deu quatro meses depois, com o espetáculo infantil "Dona Patinha vai ser Miss", dirigido por Buarque de Aquino. Outra peça infantil se seguiu : "Mudanças no Galinheiro, Mudam as Coisas por Inteiro", sob a direção de Manoel Constantino. Em 1981, integrou o elenco de "Muito pelo Contrário", peça de João Falcão, sucesso que ficou um ano em cartaz e percorreu a maioria das capitais brasileiras, participando também de diversos festivais. Naquela época Moisés cursava Antropologia na UFPE. O teatro falou mais alto e nos anos 80 recebeu de Moisés uma dedicação quase que exclusiva, desviada somente por sua segunda maior paixão: A Literatura.

Foram inúmeras peças como ator: "Romeu e Julieta" (direção José Francisco Filho), "Punhal", do dramaturgo pernambucano Henrique Amaral sob a direção de Carlos Carvalho; "A Noite dos Assassinos" do cubano José Triana, vencedor do prêmio Casa de las Americas; "Viva o Cordão Encarnado", de Luiz Marinho, com direção de Luís Mendonça (o mesmo diretor que lançou as atrizes cantoras Elba Ramalho e Tânia Alves);e "Hamlet", interpretando o personagem título da peça de Shakespeare em adaptação musical-pop, entre muitos outros espetáculos.

Em 1983, editou seu primeiro romance "A Incrível Noite", uma história de humor negro passada no Recife. Em 85 estreou como autor teatral com a peça "Verdades e Mentiras - O Diário secreto de Janis Joplin" . Seguiram-se "Draculin e o Circo no Espaço", "Um Certo Delmiro Gouveia" (prêmio de melhor texto dramático, dado pelo Governo de Pernambuco em 1985), "Cleópatra" (prêmio de Melhor Comédia no concurso "Exponha- se"), "Prazeres da Revolução"(1986), "Com a Víbora no Seio" (que contou com a presença do hoje cineasta Heitor Dhalia no elenco), "Um Tostão para Isabelita", "O Bolo", "O Horror de Frankenstein"(1989) e "A Maior Bagunça de Todos os Tempos"(espetáculo infantil). Além disso, Moisés produziu, através da Ilusionistas Corporação Artística, vários shows e um curioso teatro alternativo nos anos 80 no Recife, sempre na companhia de Simone Figueiredo, sua atriz favorita e musa. Escreveu roteiros para espetáculos experimentais de dança contemporânea para a bailarina Beth Marinho( profissional de formação clássica que participou por muitos anos do Balé Stagium de São Paulo). O resultado foi a construção de "Comunhão" e "Orgasmo" (1987) , "Coração Bandido" (1989) e "Ketchup Opera" (1990).Em 1999, seu texto "Para 1 Amor no Recife" foi encenado sob a batuta do experiente diretor Carlos Bartolomeu e recebeu da Associação de Produtores os prêmios de Melhor Diretor, Melhor Ator (Gustavo Lago), Melhor Iluminação e Melhor Trilha Sonora ( DJ Dolores).

Formado em Letras e Pós-Graduado em Literatura Brasileira, Moisés continua desenvolvendo trabalho com as Letras e vivendo no Recife. Publica regularmente contos, crônicas, críticas e artigos em jornais e revistas.


Moisés teve a sorte de conhecer pessoalmente alguns de seus autores preferidos, como Ionesco - que visitou o Recife em 1982 e a quem Moisés perguntou se valia a pena publicar um livro num lugar como Recife, no caso seu romance "A Incrível Noite", ao que o dramaturgo respondeu :"Sempre, sempre" -, Ariano Suassuna, Raimundo Carrero, Gore Vidal, Fernando Gabeira ( sobre quem Moisés já desenvolveu pesquisa) Plínio Marcos, Ignácio de Loyola Brandão, Roberto Freire e Moacyr Scliar, entre outros.

Participando de diversos encontros nacionais sobre Literatura e Teatro ou mesmo viajando pelo mundo, a sua vida é um aprendizado constante

A praia do Janga, litoral norte de Pernambuco, serve de moradia e inspiração para Moisés desde 96. Lá ele escreve a maior parte de sua obra.

Ele acaba de dirigir O Rico Avarento de Ariano Suassuna e escreveu uma adaptação em forma de musical para Quincas Borba, de Machado de Assis.

Moisés Neto ensina Literatura Brasileira desde 1990 em dois grandes colégios do Recife. Ao concluir o Mestrado em Teoria da Literatura pela UFPE, pôde se dedicar melhor à revisão dos livros que pensa em publicar em breve. Escreveu e dirigiu o musical infantil Sonho de Primavera.

Fonte:
http://www.moisesneto.com.br

Peças infantis vistas por Moisés Neto

Emocionantes e supergostosas, desde os anos 70, as peças infantis levam adultos e crianças ao teatro no Brasil. Não precisam ser didáticas, basta que entretenham sadiamente os cidadãos de amanhã. Eis as peças infantis.

O teatro para crianças versus texto-educação: é a ficção que está em cena.

UM POUCO DE HISTÓRIA: Desde a China do século III AC, havia teatro de bonecos para crianças e mulheres ricas.

E se avançarmos mais no tempo, veremos que a Commedia dell´ Arte (século XV a XVII) com seu teatro profissional, também é raiz do teatro para criança. Estes tais comediantes pediam dinheiro ao público depois do espetáculo. Viviam disso. Eram ambulantes. Aprimoraram sua arte assim. Eram improvisos e acrobacias em cima de um roteiro que inspiraram artistas de teatro dos séculos seguintes (XVIII e XIX). Deboche, modos grosseiros, temperamento insolente e desrespeito às instituições, eram características de personagens como Polichinelo (ou João Redondo, em português, ou o Punch, inglês).

A violência na literatura infantil se justifica, se pensarmos que antigamente não havia literatura feita especificamente para criança (os medos, as ansiedades geram reações violentas que se unem a instintos violentos).

Na França do século XIX, um personagem virou estilo: o Guignol, meio Polichinelo, ele era cheio de exageros, mas agradava bastante, mas deixou de satisfazer certos interesses quando o teatro ficou moralizante.

O teatro de sombras de Seraphin foi o primeiro dirigido às crianças. Ele morreu em 1800.
A Bélgica tem tradição em teatro de bonecos. Dom Bosco (1815-1888), fundador da Ordem dos Salesianos, cuidou de fazer teatro (encenação, música, biblioteca dramática, cenários, figurino, etc.) educando com qualidade técnica através da cena. No século XX, Maria Montessori, respeitando a criança, criou móveis em tamanhos e observou as necessidades específicas da infância.

Andersen, Grimm e Maeterlinck são escritores que dedicaram bastante atenção aos “pequenos”. E na URSS surge em 1918 (um ano depois da Revolução) tinha supervisão de um comitê de educadores e artistas, formado por cidadãos socialistas tudo também em tamanho reduzido (à altura dos baixinhos): poltronas, banheiros, etc., estimulando deste modo, a autonomia das crianças. Além de jogos, havia peças de caráter fantástico e representações do folclore russo.

Após a segunda guerra mundial surgem vários espetáculos par criança na Europa. O teatro é indicado então como instrumento educativo.

Aparece a dramaturgia especializada e profissionalização das companhias.

Na Austrália de 1938, havia o Theatre for children, com temas como escola e família. Na Finlândia também houve algo similar (o Teatro de Turku). No México em 1947 houve a montagem de Dom Quixote para crianças. Em Londres, 1946, vários grupos se dedicaram a montagens assim.

Alguns acham que neste teatro deve haver luz na platéia para a criança ver os outros espectadores e ter assim o conforto e sensação de experiência em comum. Realiza-se então o 1º Congresso Internacional de Teatro Infantil (Brasil, Cuba, Bélgica, África do Sul, EUA, Dinamarca, França, Bélgica, Itália, Noruega, Reino Unido, Suécia e Suíça) em Paris de 7 a 9 de abril de 1952. Assuntos como formação de platéia e reciclagem dos artistas foram objetos de discussão.

NO BRASIL: a origem do teatro para a infância em terras brasileiras está ligada aos bonecos. No século XVIII, um homem só com armação nos ombros manipulava fantoches, rodava o chapéu depois. Às vezes os bonecos se exibiam nas janelas ou nas portas abertas pela metade. Mas é já no século XX que se pode falar de teatro infantil por aqui: Coelho Neto e Olavo Bilac são pioneiros, mas pecam pelo didatismo de suas obras. Durante um bom tempo, vemos as crianças sendo tratadas como adultos em miniaturas, mas condenadas à passividade e falta de iniciativa. Olavo Barros mostra espetáculos como “A gata borralheira”, um texto cheio de moralismos. Valdemar de Oliveira, no Recife lança suas idéias. O governo começa a apoiar tais iniciativas e surgem outras idéias.

“A revolta dos brinquedos” (1949) é um marco de Pernambuco de Oliveira, “Pluft”, de Maria Clara Machado (1955) é outro.

Em muitos casos surgem narradores e outros recursos da narrativa oral. Mas sempre o mal sendo castigado, ou se convertendo, às vezes apelando para soluções sobrenaturais como fadas, por exemplo.

Em 1950, no Rio de Janeiro, surge o 1º Concurso Nacional de dramaturgia infantil. Em 1951 o 1º Congresso Brasileiro de Teatro lança as bases psicológicas, técnicas e estéticas de forma repensada. Destacava-se o subconsciente das crianças. Júlio Gouveia, numa palestra, disse: “teatro para criança e adolescente, só pode ser pensado como educativo (...) o treino das emoções (...) sempre mediante ingresso adquirido” (LOMARD 1994:48). Dá vontade de rir destes detratores da bilheteria que dizem que o aspecto comercial deve ser ignorado e só se deve pensar na moral. Para eles uma peça infantil sem “ensinamentos” seria de má qualidade. Criança tem que ficar ligada, calada na platéia e bitolada.

Em 1951, Maria Clara Machado funda o Tablado, sua escola de teatro. Ela, autora e diretora, especializou-se em textos infantis. Geralmente suas tramas giram em torno de recuperar “algo que se perdeu”, como diz a crítica Flora Sussekind (ibid. 53). Outro destaque na área infantil é a dramaturgia de Oscar von Pful (“Dom Chicote Mula Manca”), Tatiana Belinki (“A Sopa de Pedra”) e Stella Leonardos. Estes tentam romper o tom explicativo de um narrador. Um bom texto, hoje, tem que valorizar aas diferenças e não as convenções, como no caso do pernambucano “Hipopocaré”, do psicanalista Antônio Guinho, montado em Recife nos anos 80/90.
Eu mesmo tive três textos infanto-juvenis de minha autoria encenados no Recife: “Draculin e o Circo no Espaço”, “A Maior Bagunça de Todos os Tempos” (ambos com direção de Buarque de Aquino) e “A Ilha do Tesouro” (direção de Carlos Bartolomeu) e tendo como co-produtora Simone Figueiredo, nos três os heróis titubeiam entre o convencional e a contravenção. Alguns críticos ficam irados com tal atitude, mas fiquei firme e os três tiveram ótimos públicos, ficando em cartaz durante meses e meses. Abaixo os pseudo-maniqueísmos!

Em 1962, o Serviço Nacional de Teatro (SNT), inaugura o curso de teatro infantil, em Porto Alegre também.

A partir de 1970 o prêmio Molière, pra os melhores no teatro no Rio de Janeiro e São Paulo, passa a ser entregue também ao teatro infantil. A partir de 79 a Fundação Teatro Guairá, de Curitiba, promove o Encontro Nacional de Teatro Infantil. Artistas e outros profissionais se reúnem para debater.

Vladimir Capela, Ilo Krugli, Ronaldo Ciambroni são outros autores que fizeram história no teatro infantil brasileiro. Em Pernambuco destacamos o trabalho de José Francisco Filho, Paulo de Castro e Marco Camarotti.

TEORIAS: Em arte-educação há duas fortes correntes:

1)Arte para atingir outros fins (não artísticos): Contextualismo.
2)Arte em função de si mesma: Esencialismo (como faz Viola Spolin).

Outra questão importante é a participação da platéia. Por exemplo: quanto tempo deve durar um espetáculo que não “inquiete” os baixinhos? Resposta: 50 minutos, de acordo com o professor Camarotti (UFPE).

Há também que se considerar que a classe média alta forma em grosso o público do teatro convencional, a não ser que haja um trabalho de responsabilidade social, que é imprescindível hoje em dia e foi feito na Ilha do Tesouro, por exemplo. Outro fator que devemos analisar brevemente é o tal “projeto escola”, desenvolvido no Recife há 20 anos por Paulo André: crianças são levadas às centenas, da escola para o teatro, sem a família. Isto arruína as temporadas de fim de semana das outras companhias, mas tem é claro, ou deve ter, algum aspecto positivo. Porém, perde-se o hábito de debater com os pais.

Questões que poderiam aparecer em peças infantis hoje: o tema do meio ambiente, relacionamento de família, mídia.

O lúdico é outra questão a ser resolvida, já que criança exige o jogo, constantemente.

Mas teatro para criança tem que ser sempre divertido? A maioria dos intelectuais diz que sim. E emocionante, ágil. Temos que contar com as crianças mais “antenadas” que querem mais do que histórias com bichinhos e ternurinhas.

Ousadias. Uma tal de Adriana Maia, eixo Rio-São Paulo, já apresentou um espetáculo chamado “Cabaré Infantil” (ibid. p. 85). Algo bem difícil de se conceber se imaginarmos que a produção para crianças está ligada a instituições como escola e família.

A criança é um ser de linguagem, leis próprias e específicas que devem ser trabalhados com cuidado tanto a forma quanto o conteúdo, um “duplo inseparável e inerente à historicidade do fenômeno artístico”, como afirma Sonia Khéde.

A recepção do público, o marketing, a percepção da criança na sociedade brasileira/ recifense, são outras questões que abordaremos posteriormente.

Gostaríamos de destacar artistas recifenses como Ulisses Dornelas (Palhaço Chocolate), José Francisco Filho, Marco Camarotti, Buarque de Aquino, José Manuel, Manuel Constantino que a partir dos anos 70, deram, de modos diversos, suas contribuições ao espetáculo feito para crianças. Alguns foram um pouco anacrônicos em seus posicionamentos, é claro e outros não apresentavam a “cor local”.

Se o Modernismo decretou a morte do sujeito, os anos 90 trouxeram de volta o respeito às diferenças.

LINGUAGEM PRÓPRIA: A comunicação com a criança poderá ser feita através de associações, personagens com os quais ela se identifique. “Um personagem poderá se apresentar fragmentariamente porque representa a crise de identidade, a busca de um (novo) papel, o desconcerto diante de valores velhos e novos” (KHÉDE, 1986: p. 56), sem que seja mal construído, é claro.

O lúdico, o humor e o nonsense se entrelaçam num intercâmbio entre conotação e denotação, buscando driblar o autoritarismo, tão presente na cultura brasileira como a malandragem (e na relação adulto-criança a questão do autoritarismo é de fundamental importância). Por isso um personagem que quer mandar na brincadeira deve, por exemplo, ser mostrado como um chato.

É bom lembrar a criança que ela pode pelo menos tentar mudar as situações que lhe são impostas no mundo. Ela pode interferir.

Devemos fazer o espectador, criança ou não, avaliar sua identidade no confronto com
outras vozes e começar o intercâmbio com o universo da arte.

Quanto aos pais e professores, é bom que não mergulhem muito na nostalgia ou na idealização da infância. Como já dissemos, os espetáculos devem se distanciar do pedagogismo e do moralismo.

Deseroicizar os personagens é uma saída.

VIOLÊNCIA: E falar do amor e da violência? Primeiro colocando os verbos no presente, sempre que possível. Mostrar que a solidariedade é fundamental para o ser humano. A cooperação, a justiça social (sem clichês!).
Os filmes americanos que exaltam a violência devem ser evitados, com seu lucrativo comércio de armas e de guerras “criando o hábito da violência (...) técnicas de eliminação da vida (...) torturas”, como sugere Antonieta Moraes.

“Muitos intelectuais, principalmente aqueles dedicados à produção cultural para a criança e jovens, não assumem posição definida e proclamam que não existe literatura para adulto, para criança, pra jovem; a literatura é uma só: não ensina nem informa” (op. cit. p. 85).

“Não se pode fazer boa literatura com maus sentimentos”, dizia Sartre. Isso não significa entronizar os detentores do poder que exploram os trabalhadores ou os pais que tratam os filhos com grosserias ou vice-versa.
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Fonte:

Moisés Neto (Ode ao Livro)

Luar solidificado, fogo congelado, dor que murmuro
Barcos em estranhos mares de vinho escuro
Que me fazem Deus no quarto e me crucificam na sala
Maravilhas e perigo: loucura breve
Com água de serpente ou com sangue se escreve
A teia de homens, truques da alma em animal e flor
Sonho da vida de sonho-monstro feito de olhos e dor
Paperback, pulp fiction, luxo: melodia que não posso traduzir
Que me leva de volta às fontes e ao porvir
Velho-moço aprendendo e errando
Corvo e pomba branca casando
Senti-lo sem lê-lo, tateá-lo penetrando-o
Buquê jogado no espaço, vento despetalando-o
Fantasma atravessando meu último recôndito
Cascavel celestial que me deixa atônito
Papel, tinta, luz na minha memória
Vários dias e noites numa só história
Que faz os vencedores se curvarem
Paraísos de leite e mel, secarem
Pavão perder suas cores, desnudando-se até a essência
Necessário pecado, nossa arrependida convivência
Tentativa e erro, retorno à pátria e desterro
Que me faz sombra e candeeiro
Sonho em claro labirinto-frio ou quente
Espelho temeroso, livre metáfora, inverdade
Alusão às inatingíveis estrelas no fim da tarde
Inrrompível cadeia (criação/ imitação)
On line ou na minha mão...

Moisés Neto (João Cabral de Melo Neto: 60 anos de poesia)

Nascido em Recife, João Cabral (1920-1999) descende de senhores de engenho, onde passou a infância e recebeu grande influência. No Recife, jogou pelo time Santa Cruz. É primo de Gilberto Freyre e de Manuel Bandeira. Foi para o Rio de Janeiro em 1942 e em 45 ingressou na carreira diplomática.

Seu primeiro livro Pedra do Sono foi publicado em Recife e é composto por poemas curtos em versos regulares e brancos. “Pedra” simboliza sua obsessão pela ordem e clareza. “Sono” é conotação para a poesia que o escritor quer transformar em objeto numa linguagem despretensiosa, coloquial, irônica. Há neste lançamento influência das vanguardas (surrealismo, cubismo, semana de 22,etc.), como detectamos no poema “Noturno”: “o mar soprava sinos/ os sinos secavam as flores/ as flores eram cabeças de santos/ minha memória cheia de palavras/ meus pensamentos procurando fantasmas/ meus pesadelos atrasados de muitas noites”.

Em 45, publica O Engenheiro, poemas (“máquina de comover”) com projeto geométrico de construção, rigor. Dedica-o a Drummond e faz referências a Miró, Picasso, Mondrian. Além de metapoesia, há limpidez na linguagem, preocupação com a disposição gráfica das estrofes.

Em 47, surge Psicologia da Composição (com “Fábula de Anfion” e “Antiode”). A “fábula” é poema narrativo onde o anti-herói livra-se da emoção. Anfion construiu ao som de sua lira, a muralha de Tebas.

Em 1950: O Cão sem Plumas, escrito em Barcelona, denuncia a realidade nordestina também no poema “O Rio”(em 1ª pessoa,com técnica dos romanceiros ibéricos) onde o eu-lírico é o próprio rio. Engenhos, usinas, trem, afluentes, misturam-se na viagem do sertão ao mar.

Morte e Vida Severina é de 1956: o narrador em primeira pessoa nos conta (em forma de auto de natal-pernambucano) sua trajetória de desilusão e desgraça do sertão pernambucano até o Recife. Sua condição severina (severa, vulgar) cujo único consolo é o nascimento de uma criança (que presencia no final do poema).

Em Paisagem com Figuras (56), compara o norte da Espanha com a paisagem nordestina.

Quaderna (60) é antilírico e composto por quartetos rimados.

Dois Parlamentos (61) parodia a gratuidade e a recorrência da fala dos políticos institucionais, distanciados da realidade (“Congresso no Polígono das Secas” e "Festa na Casa Grande”).

Em Serial (“Terceira Feira”), de 1961, encontramos poemas compostos em série, ultrapassando o lirismo e a musicalidade. Como característica: busca da forma, e lucidez severa da composição.

Educação pela Pedra (66) é coletânea que expõe a “depuração” atingida pelo poeta num processo rigoroso e sistemático, comparável à resistência/ consistência da pedra.

Museu de Tudo (76) é composto por poemas que diferem da simetria habitual do autor (por isso seu rigor eliminou tais poemas dos livros anteriores).

Escola das Facas (80) “poemas pernambucanos”, Cabral retoma a preferência pela simetria. Há notas memorialistas e a 1ª pessoa (sem despersonalização, eis a diferença).

Em 82, publica Poesia Crítica, cujo tema é a criação poética. É o artista a refletir sobre a própria arte.

Em 84 surge O Auto do Frade, um poema para vozes. Como Morte e Vida Severina, este também é para ser lido em voz alta. O tema é Frei Caneca, mentor da Confederação do Equador (movimento republicano em Pernambuco), executado em 1825, por ordem de Pedro I. O poema retoma o último dia do líder carmelita. O povo o vê caminhando para a morte:

“-Ei-lo que vem descendo a escada, degrau a degrau.Como vem calmo.

-Crê no mundo,e quis conserta-lo.

-E ainda crê, já condenado?

-Sabe que não o consertará.

-Mas que virão para imita-lo.”

Em 85 e 87, respectivamente são publicados Agrestes e Crime na Calle Relator.


Ficou o senso de medida e a expressão sem excessos ou derramamentos, a despoetização do poema que, longe da retórica, concentra a emoção dando à palavra espessura, concretude. Mais qualidade do que quantidade. Cada uma com o máximo de conotação possível. Emoção passando pelo crivo da precisão, humanitariamente: a presença do humor numa “concepção objectualista”. Um verso substantivo e despojado, que nos deu uma nova perspectiva do discurso lírico.

Até hoje, a nos seguir, está o cão sem plumas(=pêlos) arrastando ainda detritos das casas grandes & senzalas. Prosaico, lírico, polirrítmico, severo e pícaro. Violentando o horizonte nordestino com sua forma dura. A palo seco: sem guitarra, sem mais nada. Só a lâmina da voz, sem tempero ou ajuda. Com sua chama nua sobre o fio de cobre. Ferro contra pedra. Ferro contra ferro.

O rio como um cão vivo.

“O que vive não entorpece/ o que vive fere(...)viver é ir entre o que vive...”

Ariano disse que João Cabral é parte da formação e manutenção da identidade nacional. Haroldo de Campos o considera um dos maiores poetas do Brasil. A Espanha e os EUA já o reverenciaram. Cabral resmunga: “Me considero um marginal na poesia luso-brasileira. Como foram Sousândrade e Augusto dos Anjos.” Nosso poeta resgatou o homem,como o Barroco resgatou Deus. Numa literatura que busca o “engajamento”.

Em 1968, assumiu a cadeira deixada por Assis Chateaubriand na Academia Brasileira de Letras. Em 53, acusado de comunista, passou algum tempo afastado da carreira diplomática.

Cabral negou a experiência de 22. Augusto de Campos disse que ele não tinha “antecedentes”( só “conseqüentes”).

“A poesia concreta não depende de mim”, sentenciou Cabral do alto dos seus oito livros de poemas e dois autos dramáticos. Em prosa, lançou estudo sobre Juan Miró.

“Plantas franzinas em ambiente de rapina”, foi como descreveu os camponeses da zona da mata pernambucana.

O nordestino é marcado pela paisagem.
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Sobre o Autor do Artigo
Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco).

Fonte:
http://www.moisesneto.com.br/

sábado, 3 de maio de 2008

Sandra M. Julio (Um meio de caminho)

Ainda existe um meio de caminho, a ser desvendado ...
Não o esqueça na memória do tempo, nem em versos jamais escritos.
Cuida do que é preciso, depois se faça mistério revelado,
Para que os sonhos galguem estrelas na mansuetude dos desejos.

Faremos de cada final um eterno começo, sem rotas
Entreabriremos portais em antigos horizontes,
Para, numa manjedoura, embalar nossos sonhos, presentes
Em cada primavera, no esbater de cada flor, em sons e notas.

Ainda existe um meio de caminho... Um hino adormecido,
Sussurros tecidos em ninhos, acordando amores em festa...
Um rio, um mar... Entre parcéis, um beijo incontido,
Fantasia, loucura, um arrebol sem arestas.

Renasça, reviva, ressurja...
Ignore cores, dores, amores,
Se faça veneno e cura.

Depois... Adormeça em prece,
Conduza a luz...
Faça d'outrora, agora.

Pois ainda existe, um meio de caminho.
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Dados sobre a autora postados dia 02/04/08
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Fonte:
Colaboração de Douglas Lara in http://www.sorocaba.com.br/acontece

Revolução dos Cravos (25 de Abril)

A sala virtual 'Lira dos Poetas', de portugueses e brasileiros, juntou-se às comemorações do 25 de abril, com muita poesia, música e comentários dos participantes, festejando mais um aniversário (34º) da 'Revolução dos Cravos'

25 de abril: cravos, música e poesia.

Emociona-me constatar que nessa Revolução contra a ditadura do Salazar, o povo e os militares usaram muito mais a força da poesia, da música e das flores do que a força das armas.

Como narra a história, um grupo de militares, comandados por Otelo Saraiva de Carvalho, no dia 24 de abril de 1974, instalou, secretamente, o posto de comando do movimento golpista no quartel da Pontinha, em Lisboa.

Nesse mesmo dia, às 22 horas e 55 minutos, pelos Emissores Associados de Lisboa, emitida por Luis Felipe Costa, foi transmitida a canção E depois do adeus (letra de José Niza e música de José Calvário, na voz de Paulo de Carvalho). Este foi um dos sinais previamente combinados pelos golpistas e que desencadeou a tomada de posições da primeira fase do golpe de Estado.

Diz a poesia da canção: 'Quis saber quem sou/ o que faço aqui/ quem me abandonou/ de quem me esqueci/ perguntei por mim/ quis saber de nós/ mas o mar não me traz tua voz.../' Etc...

Aos vinte minutos do dia seguinte (25 de abril), foi dada a senha definitiva, quando foi transmitida a gravação da primeira estrofe da canção 'Grândola vila morena', ( 'Grândola, vila morena/ Terra da fraternidade/ o povo é quem mais ordena/ dentro de ti, ó cidade'), letra e música de José Afonso. Depois da gravação, foi transmitida, integralmente, a canção e a repetição da quadra inicial, no programa independente 'Limite', da Radio Renascença, confirmando, assim, o golpe e marcando o início das operações, em todo País, com o avanço das forças sobre seus objetivos.

Em seguida foram lidos dois poemas do jornalista Carlos Albino ('Geografia' e Revolução Solar'), um dos responsáveis pelo programa juntamente com Manuel Tomás e o poeta moçambicano Leite de Vasconcelos, que era, normalmente, quem gravava as poesias. E para finalizar, foi tocada a canção 'Coro da Primavera'.

No norte, uma força do CICA 1 (Centro de Instrução e Condução Auto 1), liderada pelo Tenente-Coronel Carlos Azeredo tomou o Quartel-General da Região Militar do Porto.

A Escola Prática de Cavalaria, comandada pelo então Capitão Salgueiro Maia, coube o papel mais importante: a ocupação do Terreiro do Paço. De todo movimento que foi a Revolução dos Cravos, destaca-se sem duvida alguma, o seu heroísmo, ao sair de Santarém, rumo a Lisboa, comandando uma coluna de carros blindados e forçando a rendição de Marcelo Caetano. Era o principio do fim da ditadura.

O cravo tornou-se símbolo da Revolução e existem várias versões sobre como eles apareceram. Uma delas conta que uma florista contratada para levar cravos para a abertura de um hotel, foi vista por um soldado que pôs um cravo na espingarda e, em seguida, todos os outros fizeram o mesmo.

Entretanto, para alguns portugueses, como o Coronel Joaquim Evónio, poeta e escritor, que foi preso por delito de opinião, junto com mais 180 militares:

'O 25 de Abril de 74, tecnicamente, não foi revolução. Foi um golpe de estado a que se seguiu uma revolução que os militares do MFA não controlaram, o que era previsível quando se colaram aos partidos, sem conseguir ou querer manter a Unidade.

O 25 de Novembro foi uma vitória da maçonaria sobre o PCP, com a ajuda dos Comandos bem-intencionados. Ainda não houve a vitória do Povo sobre todos os nepotismos, clientelismos, corrupção e 'obediências'. Parece que todos se esqueceram de tudo, mas sem instaurar um clima de real amnistia que continua ausente e a propiciar a escalada dos que nada se interessam que Portugal exista ou acabe. E pode muito bem acabar: é um país exíguo...

Portugal ainda não foi libertado. A Pátria continua à espera.'

No Brasil, naquela época, também vivíamos sob a ditadura militar e a repressão era muito grande. A Revolução Portuguesa ganhou logo a atenção do governo, dos intelectuais e da opinião pública. Os opositores da ditadura festejaram, como se a vitória fosse nossa. Glauber Rocha, cineasta, dirigiu um documentário, Sebastião Salgado fez fotos, tanto da Revolução como da guerra civil na África, mas foi, talvez, a partir das músicas de Chico Buarque de Holanda que, para nós, o Portugal pós 25 de abril ficou mais conhecido.

'Fado tropical', escrita em parceria com Rui Guerra, um pouco antes da queda do Salazarismo, foi proibida no Brasil, porque os militares acharam a letra provocativa à ditadura: 'Oh musa do meu fado/ oh minha mãe gentil,/ te deixo consternado/ no primeiro abril/ mas não sê tão ingrata/ não esquece quem te amou/ e em tua densa mata/ se perdeu e se encontrou/ ai esta terra ainda vai cumprir seu ideal/ ainda vai tornar-se um imenso Portugal/'.

A música 'Tanto mar', composta intencionalmente para a Revolução dos cravos, logo proibida pela censura da ditadura, fez com que o entusiasmo e a adesão dos brasileiros ficassem mais evidentes: '... Sei que há léguas a nos separar/ tanto mar, tanto mar/ sei também quanto é preciso, pá/ navegar, navegar/'.

O Brasil tomou uma posição em relação à Revolução Portuguesa que não era o que se esperava: em 27 de abril reconheceu, formalmente, o novo regime português e foi o 1º País a fazê-lo, oferecendo asilo político ao Presidente da República Américo Tomáz e ao Presidente do Conselho de Ministros Marcello Caetano, que veio a falecer no Brasil, seis anos depois.

Fontes
Colaboração de Douglas Lara, In
http://www.sorocaba.com.br/acontece
http://desabafus.blogs.sapo.pt (imagem)

A Poesia entre o Surrealismo e a Poesia (Diálogo entre Claudio Willer e Floriano Martins)

Cláudio Willer

CW - Oswald de Andrade, você se refere bem criticamente a ele, neste livro e em outros lugares. Recentemente, tive acessos de prazer com a releitura de Memórias sentimentais de João Miramar e de Serafim Ponte Grande. Aquelas metonímias todas de Memórias, ninguém fazia aquilo, ninguém fez, foi o que houve de mais moderno e transgressivo naquele momento. Serafim, então, aqueles manifestos anarquistas… E a própria idéia de Antropofagia, nela havia lugar para Surrealismo, para uma incorporação de Surrealismo que não foi levada adiante, nem por Oswald, que preferiu ser, em suas palavras, "casaca de ferro do Partido Comunista", nem por mais ninguém. Poeta bem oswaldiano, para mim, é o Piva, bem mais que marioandradino. Antropófago e, mais notadamente em Coxas, repleto de alusões que ainda não foram percebidas a essas duas narrativas em prosa de Oswald. E em passagens como Exu comeu tarobá de Quizumba, que você colocou em O Começo da Busca, onde cita Jorge de Lima, mas refere-se a esse aspecto do nosso modernismo. Não se trata, nisso que estou apontando, do "surrealismo à brasileira" de Murilo, mas de uma ampliação da subversão. Vejo sementes disso dentro dessa obra múltipla, fragmentária, desigual, dando tiros em todas as direções, trocando temas e tratamentos literários (Miramar, p. ex., pedia tratamento realista, pelo que ele relata, história de crise burguesa), porém inquieta e subversiva de Oswald.

FM - Oswald propiciou inúmeras polêmicas. A busca das "fontes puras do primitivismo", ele entendia como possibilidade única de despir a arte de "convencionalismos e sofisticações". Tento entender a idéia de convencional, mas penso a que tipo de sofisticação nos teria levado o Futurismo tão cultuado por ele e Mário de Andrade. Claro que fazia média quando dizia dos poetas que o sucederam: "são todos superiores a mim". E a própria escritura paródica que perseguia na poesia implicava ao menos em uma busca de sofisticação estilística. Reconheço uma certa aproximação no lance de imagens de Quizumba (RP, 1983), como afirmas, mas podemos pensar, com o próprio Roberto Piva, naquela "experiência alquímico-futurística da cidade" que aproxima Paulicéia Desvairada (MA, 1922) e Paranóia (RP, 1964). Nos dois casos são aproximações parciais. A poesia de Oswald e Mário está aquém dos desdobramentos imagéticos e sintáticos alcançados por Piva, sem falar que a vertente anárquica deste último está mais ligada a Dadá, de onde inclusive surgiu a noção de um canibalismo que depois seria absorvida pela Antropofagia. Tampouco creio que houvesse espaço para Surrealismo ali, pois já a Semana de 22 era fruto das afinidades de Mário e Oswald com Marinetti, ou seja, já se desenhava, dentre outros equívocos, uma idéia de nacionalismo que iria dar em extremistas como Plínio Salgado. Curioso é observar que, nos anos 50, despertavam a atenção de Oswald novos poetas como Thiago de Mello e Geir Campos - o mesmo Oswald que considerava Ledo Ivo "um caso típico do soldado do Exército do Pará". Acho que o Franklin de Oliveira tem razão naquela observação de que "todo mau poeta é mau pensador". Oswald era um polemista sem sustentação alguma. Evidente que aqui não nos interessa essa ingenuidade do Murilo de um "surrealismo à brasileira". Mas se vamos separar afirmações e atos que denunciam o caráter de um autor e a própria obra, mesmo aí não vejo em Oswald, no construtivismo frustrado de uma poética, nada que o aproxime do Surrealismo. Basta ler Os dentes do dragão (1990), recolha de entrevistas, para compreender melhor obsessões e oscilações estéticas deste poeta.

CW - É. Em Oswald há o melhor e o pior, e nem um nem outro tem continuidade, ambos são fragmentários. Nas apreciações críticas de seus contemporâneos, está o pior dele. E o capítulo do que o Modernismo ignorou, ou do que passou por cima, ou ao lado, é extenso. Inclusive do que já havia de inovador e transgressivo acontecendo aqui, entre simbolistas, por exemplo. Futurismo, a ideologia da modernidade enquanto tal, o moderno adotado como valor, é claro que são coisas que não há como aceitar, mas os manifestos iniciais do Futurismo são de uma irreverência colossal. Se ao menos houvessem adotado isso para valer, já seria algo. Agora, sobre Surrealismo no Brasil, na primeira metade do século XX, enxergo duas, como diria - ...visões? leituras? histórias? Uma, de que não houve Surrealismo, ou quase não houve, quer fosse por inadequação (Antonio Candido, José Paulo Paes), ou por causa de um ambiente cultural tacanho, provinciano, católico, positivista, de um nacionalismo estreito, etc. A outra, mais explícita no que Sérgio Lima publicou em Órganon e em Surrealismo e Novo Mundo, e em certa medida em Valentim Facciolli, é de que houve Surrealismo, sim, mas não foi incorporado à História, não foi adequadamente registrado - também porque o ambiente cultural era tacanho, provinciano, católico, positivista, de um nacionalismo estreito, etc… Sem poupar ambiente cultural, parece-me que em O Começo da Busca você não chega a adotar nem bem uma, nem bem a outra dessas versões ou interpretações.

FM - Talvez caiba dizer que a grande obra do Futurismo são os manifestos. Marcel Duchamp foi quem mencionou que o Futurismo era "um impressionismo do mundo mecânico", ou seja, aquela coisa da retina funcionar como "uma inesgotável fonte de prazer" que, no dizer de Max Ernst, caracterizava o Impressionismo, vale para o Futurismo, desde que pensemos que os futuristas tinham olhos apenas para um mundo mecânico ("Escutar os motores e reproduzir seus discursos"). Agora, também o Mário de Andrade foi um notável autor de manifestos, não? Tanto em um caso como no outro, quanto se adotou pra valer, em termos de fazer coincidir com a ação o discurso dos manifestos? Mas pensemos nessa relação entre Modernismo e Surrealismo, observando, por exemplo, que Breton e Mário de Andrade tinham pensamentos opostos acerca da analogia. O que em um era pleno exercício de liberdade, no outro não passava de mera substituição da "coisa vista pela imagem evocada", constituindo-se assim em "um dos maiores perigos da poesia modernista". Mário manifestou-se acerca da beleza apenas compreendendo a distinção existente entre o "belo artístico" e a "beleza da natureza", jamais percebendo a condição convulsiva que lhe indicaria Breton. Havia um certo acanhamento em nossa ruptura, em nossa transgressão. Claro que o ambiente era pautado por essa mescla de provincianismo, catolicismo exacerbado, nacionalismo limitador etc. Mas cabe ao poeta romper com isso, não? Ele não pode ser a medida do ambiente em que circula. E nossos modernistas, de alguma maneira, mais se acomodaram ao ambiente do que propriamente romperam com ele. Vi um documentário na TV, sobre o Modernismo, onde se dizia que nossos rapazes haviam recuperado o barroco. É um duplo equívoco, seja porque não havia barroco algum a ser recuperado como sobretudo porque o barroco não se manifestou nas obras modernistas. Um bando de intelectuais levando Blaise Cendrars para conhecer as cidades mineiras (Ouro Preto e cercanias) não é recuperação do barroco, francamente. As versões de existência e inexistência de Surrealismo no Brasil são complementares, ou melhor, frutos de uma mesma falha de visão. O Surrealismo entranhou-se em toda a criação artística que melhor expressa o século XX. O Brasil não lhe ficou alheio. Mas havia uma rejeição enorme, sobretudo provocada pelo que tu mesmo já chamaste de "caipirismo brasileiro disfarçado de nacionalismo", aspecto que, por sinal, possui uma dimensão muito mais abarcadora, no tempo e no espaço, do que se possa imaginar. Por outro lado, ao tentar recuperar as pistas de circulação do Surrealismo entre nós não posso sair a afirmar que tudo é Surrealismo. A história do Brasil é o registro colossal de um acúmulo de farsas. Caberá recuperá-la a partir de uma leitura lúcida dos acontecimentos, não transferindo aos mesmos nossos desejos ou preconceitos.

CW - Em suma, em matéria de reconstituição de Surrealismo no Brasil, ainda há muito a ser feito. E procedendo-se, antes, ao resgate do que é excêntrico, do que ficou à margem. Por exemplo, Rosário Fusco, ou, tomando um autor mais recente, Campos de Carvalho. “Surrealismo à brasileira” - se estivesse falando em vez de escrever, diria que estou pensando em voz alta - se tomarmos o que é discrepante hoje - por exemplo, esse estranhíssimo Jarbas Medeiros de Minas Gerais, que assina Mafalda Cataraz - ou então, o R. Roldan-Roldan de Campinas - tipos realmente estranhos - teríamos mais componentes de uma subversão à brasileira, base, quem sabe, de um “surrealismo à brasileira”, na mesma medida em que houve uma subversão francesa, preexistente ao surrealismo, pois, conforme já observei em outras ocasiões, a loucura campeava na Belle époque, e o que o surrealismo fez foi procurar sistematizá-la, dar-lhe sentido político. Eu queria voltar ao nosso Modernismo, e ao que ele deixou de enxergar, ao que não viu, ou viu de modo disfarçado, não-declarado: literatura licenciosa brasileira do século XIX, como a de Bernardo Guimarães (em Oswald de Miramar e Serafim dá para perceber que sim, que ele viu isso); não gostaram do anti-beletrismo de Lima Barreto (e vice-versa) - nem do que havia de mais excêntrico em nosso Simbolismo - além de não haverem reparado em Souzândrade, etc. Enfim, é a isto que eu queria chegar: aqui não houve a “correia de transmissão” de que fala Breton com relação ao que o Simbolismo tinha de mais subversivo. Até que ponto, pergunto, você consegue enxergar essas correias de transmissão nos surrealismos de outros países latino-americanos? Inclusive com relação a uma ramificação importante e influente do Simbolismo, que vem a ser o modernismo de Rubén Darío? Será que estou sendo claro em minha pergunta? Aliás, reconhecendo que fazer isso, reconstituir correias de transmissão com relação a subversões locais, nesse ou naquele país, é uma tarefa ciclópica. Sabendo, ainda, que quem fez isso, em parte, e de modo bem parcial, conforme você aponta, foi Octavio Paz.

FM - A leitura do excêntrico permite certa mitificação, tanto maquiando o que se resgata, superestimando-o, quanto deixando escapar o que foge a essa tipificação. Basta pensar que a pesquisa na criação artística, que Mário de Andrade situa como uma das contribuições centrais do Modernismo, já vinha sendo feita por um Alberto Nepomuceno, músico que seguramente teria participado da Semana de Arte Moderna se acaso não tivesse morrido dois anos antes. Pois bem, as pesquisas de Nepomuceno foram deixadas para trás e o nome de Villa-Lobos - um excêntrico, independente da qualidade de sua música - acabou sendo a grande referência de nossa entrada da modernidade. A opção pelo excêntrico nos leva a uma leitura caricatural da cultura. Acho interessante que o R. Roldan-Roldan refira-se à arte como "um grito de libertação", lembrando que a mesma "não é racional", e que o Jarbas Medeiros situe o progresso como uma "mentira vital", ambos aparando certos vícios conceituais. A ficção do primeiro está por merecer uma leitura que não ponha à margem a condição erótica. O segundo interessa sobretudo pelas abordagens críticas, mas lembrando que uma antevisão dessa "degradação da identidade", que Roldan-Roldan menciona como sendo "uma das mais deploráveis características de nossa época" já a encontramos nos romances de ficção científica. E coloco isto aqui reafirmando essa condição da arte de antecipar a história. Me atrai quando falas que os modernistas "viram de modo disfarçado, não-declarado". Sei que mencionas apenas a literatura licenciosa, mas essa maneira de olhar cabe para muitos outros aspectos. Às tuas referências podemos acrescentar a ficção de um Adolfo Caminha. Fato é que essa "correia de transmissão" não ocorreu entre nós. O argentino Francisco Madariaga tem uma distinção entre Surrealismo na Europa e na América Latina que me parece fundamental mencionar aqui. Diz ele que o Surrealismo sempre lhe foi uma boda e não um protesto: "não me serviu para rejeitar o mundo, mas sim para celebrá-lo". E diz ainda: "a realidade americana, com seus excessos, já cumpre com a rebelião que os europeus deveriam levar adiante através de seus ataques ao racionalismo". Tal celebração, no entanto, deve ser observada criteriosamente. No caso do Chile, por exemplo, o grande pai da modernidade que é Pablo de Rokha deu à poesia chilena seus melhores e piores versos, como se costuma dizer. Logo em seguida teríamos Huidobro, Rosamel del Valle, Neruda e Díaz-Casanueva. No entanto, o grupo surrealista Mandrágora não estabelecia vínculos de espécie alguma com essa tradição. No Peru havia ainda um gesto mais exacerbado de ruptura. E ficaríamos aqui enumerando situações idênticas. Octavio Paz é de uma geração posterior à dos primeiros poetas surrealistas. O chileno Ludwig Zeller chamou a atenção para a poesia de Rosamel del Valle, seu fundamental aporte surrealista. Chegou a publicar livros do mesmo. Paz não foi parcial, mas antes discricionário. Minimiza a presença do Surrealismo no grupo Contemporâneos e estabelece falsas conexões, sempre com interesses políticos que visavam mantê-lo na pauta do dia. As conexões que mencionas não existem intencionalmente, não foram buscadas. Por uma análise histórica podemos localizá-las, como o faz Stefan Baciu, por vezes até inventando antecedentes para o Surrealismo na América Hispânica, como situa o argentino Girondo e sobretudo o chileno Huidobro. Dessas conexões vistas a posteriori são exemplos o venezuelano José Antonio Ramos Sucre e o peruano José María Eguren. Se entendi bem tua colocação, ela diz respeito a um diálogo entre Surrealismo e um passado local, subversões marginalizadas, prenunciações etc. Um exemplo solto: Blaise Cendras vir ao Brasil e nos apresentar a riqueza subversiva de um Príncipe do Fogo.

CW - Que beleza! Com essas observações, você está continuando e detalhando o ensaio de O Começo da Busca, talvez iniciando o estudo que falta sobre movimentos poéticos na América Latina, examinando-os no detalhe, e não só no atacado ou em forma de diagrama, como no restante da bibliografia. Que coisa estranha - chilenos, e muitos outros latino-americanos embeberam-se de geração 27 espanhola, que, por sua vez, naquele momento, havia assimilado, sim, imagética surrealista - e acho que Ángel Pariente registrou isso corretamente. E, ao mesmo tempo os surrealistas latino-americanos propriamente ditos não tinham nada a ver com isso, fizeram outro tipo de conexão…! Sou contra um tipo de visão meio religiosa de surrealismo, apenas como realização de princípios ou fundamentos. Sempre, e isso vale para os surrealismos (é, assim mesmo, no plural) ibero-americanos e para esse colossal Surrealismo português à margem do Surrealismo, relacionaram-se com um contexto, não no sentido de o expressarem (o que seria determinismo), mas de interagir, reagir, adotar posturas críticas com relação a isso ou aquilo. A essa historicidade dos surrealismos correspondem grandes momentos de lucidez. Reconstitui-los isso é trazer algo de importante ao conhecimento da relação entre literatura e sociedade, e da relação de cada movimento ou manifestação com os seus particulares contextos literários e sociais. Ah sim, gostei de você estar sabendo do Jarbas e do Roldan-Roldan. Antenadíssimo. Precisamos dedicar futuramente algumas linhas a cada um deles. Mas prossigamos nessa questão da diversidade de histórias e situações dos surrealismos. À frente, ainda quero entrar na diversidade da expressão propriamente literária, na pluralidade das escritas surrealistas, bem tratada em sua antologia.

FM - O roteiro dessas conexões a serem revistas - na maior parte delas, anotadas pela primeira vez - é algo fundamental e que tem escapado à nossa historiografia. Aliás, eu me pergunto se o verbo é este mesmo. Veja o caso da biblioteca do Mário de Andrade, com inúmeros exemplares de livros hispano-americanos devidamente autografados, ao mesmo tempo em que ele jamais se manifestou a respeito dessa literatura. E não é verdade que o desinteresse era mútuo. Nos anos 50, por exemplo, o grupo Poesía Buenos Aires estava interessado no Brasil, através de Raúl Gustavo Aguirre e principalmente de Rodolfo Alonso, e publicaram na revista homônima poemas de Drummond, Murilo Mendes, Jorge de Lima. Agora, eu acho até natural a existência de uma relação entre Espanha e América Hispânica - o que não ocorreu entre Brasil e Portugal. Já nos anos 20, havia uma interação, envolvendo nomes de um lado e outro, tais como César Vallejo, Vicente Huidobro, Juan Larrea e Gerardo Diego. Poetas como Juan Ramón Jiménez, Luis Cernuda e Federico García Lorca influenciaram largamente a poesia hispano-americana. Contudo, esta poesia soube renovar-se, o que não ocorreu com a espanhola. Recorde que Breton não falava espanhol - nem demonstrou nenhum interesse em aprendê-lo -, vindo daí uma completa falta de visão acerca do que se passava com a poesia em toda a extensão do idioma. Aliás, essas conexões com outras culturas foram feitas em grande parte graças ao Benjamin Péret. Também sou contra todo tipo de inquestionabilidade. E cabe mencionar que justamente o Surrealismo se fez mais forte naqueles artistas que souberam adotar uma postura crítica, assim possibilitando desdobramentos que enriquecem o assunto. Interessa aí traçar uma distinção entre visão crítica e rejeição a priori. Enrique Molina diz que "a poesia deve nascer, não de idéias intelectuais mas sim de vivências profundas". Tal observação nos permite uma releitura de Lugones e Borges, por exemplo. Ou como o próprio Molina sugere: uma distinção entre Baudelaire e Mallarmé. Complementares? Sim, desde que percebamos as distinções. Outra estranheza envolvendo o Surrealismo relaciona-se com o realismo mágico da prosa de ficção hispano-americana. É uma tolice pensar que essa ficção tenha representado uma rejeição ao realismo sem influência do Surrealismo. Não chega a ser um desdobramento pelo simples fato de que isoladamente a perspectiva estética não interessa ao Surrealismo. E em termos de compromissos existenciais bem sabemos a querela que envolve autores ligados a essa tendência. Há, contudo, uma presença marcante na literatura latino-americana que diz respeito à prosa poética. Somente uma cegueira crítica muito particular não permite a leitura de José Antonio Ramos Sucre, cuja obra poética foi toda escrita em prosa. E há ainda outro aspecto, o do verso de corte longo, que extravasa a linha e segue praticamente em busca do infinito, imprimindo um ritmo bem distinto da ruptura já provocada pela inserção do verso livre. Pois bem, essa medida do verso, que hoje encontramos em um José Kozer, caberia observá-la à luz da poesia do chileno Pablo de Rokha ou do argentino Enrique Molina, por exemplo. Não quero dizer, claro, que esses aspectos todos estejam ligados ao Surrealismo. Minha preocupação é bem outra: que sejam discutidos sem preconceito algum.

CW - O que vejo nesses seus comentários, onde acabamos abarcando desde Jarbas Medeiros até José Antonio Ramos Sucre, passando por Adolfo Caminha, não é apenas uma possibilidade de ampliação do estudo sobre Surrealismo. É algo maior, diria até de dimensões enciclopédicas, o levantamento e o estudo do excêntrico em literatura, do insuficientemente lido, daquilo ainda não incorporado ao repertório dos críticos e aos cardápios dos estudos literários. De certo modo, isso é feito em Agulha, e de modo mais sistemático na Banda Hispânica. O último comentário que eu teria, então, assim completando minha participação nessa nossa conversa, é sobre a diversidade da poesia surrealista, evidentemente por confundir-se ou sobrepor-se em parte a esse continente do que está à margem, do não-catalogado, portanto do diverso. Dessa diversidade faz parte o pathos, a intensidade passional evidente em César Moro, sem dúvida um hiper-romântico, assim como, no pólo oposto, a ironia e a vocação até satírica de Juan Calzadilla. Ou então, a combinação de furor, lirismo e sarcasmo em Piva. E também, indo ao detalhe, algo como o Retorno de Nietzsche de Raúl Henao (belo poeta, por sinal - fica evidente, por essa seleção, que todos eles mereciam ter mais obras publicadas aqui…), ampliando o que se pode entender por “surrealismo”. Isso que chamo de diversidade dentro do Surrealismo ficaria mais evidente ainda se houvesse sido possível incluir alguém como o venezuelano Pérez Perdomo, um sui generis por excelência. Enfim, todos são poetas surrealistas, e, ao mesmo tempo, poetas com personalidade própria - talvez por isso mesmo, por terem personalidade própria, acabaram estabelecendo vínculos - distintos em cada caso - com o Surrealismo.

FM - O que estamos fazendo na Agulha não tem equivalente em nossa imprensa cultural. Não se trata simplesmente de recolher matérias interessantes e publicá-las. Estamos sistematizando possibilidades de leituras críticas acerca de nossa realidade, de uma maneira ampla e sem vício ou acomodação de ordem alguma. E sobretudo estamos buscando temas e colaboradores que, além da consistência indispensável, constituam um repertório não percebido por críticos, editores e jornalistas de uma maneira geral. No caso da Banda Hispânica, ali se encontra particularizada uma ambientação hispano-americana, centrada na poesia e no ensaio. Já observei que futuramente o material que se encontra disponível pode ser convertido em livros múltiplos, de ensaios, entrevistas, depoimentos etc., inclusive volumes monotemáticos sobre determinados autores. Trata-se de um vasto material crítico que vem sendo disponibilizado com atualizações bimestrais e que bem poderia já estar sendo utilizado por professores de literatura em nossas universidades. Também já poderia contar com o apoio, em termos de difusão, da parte da imprensa impressa, amparando a complexa tarefa de refazer todo um país de um estado de mendicância cultural. Quanto à diversidade do Surrealismo, a partir do que se pode perceber nas páginas de O Começo da Busca, sim, há um amplo espectro que o livro apenas ajuda a descortinar. Evidente que se pode pensar em novas edições ampliadas ou mesmo em um segundo volume, sem dúvida, aí incluindo a possibilidade de antologias pessoais. Poetas como o equatoriano César Dávila Andrade, os dominicanos Domingo Moreno Jiménes e Franklin Mieses Burgos, este venezuelano tão bem evocado por ti, Francisco Pérez Perdomo - cujo livro Los venenos fieles (1963) necessita ser recuperado -, o guatemalteco Luis Cardoza y Aragón, os argentinos Carlos Latorre e Olga Orozco, dentre inúmeros outros, não nos deixando de fora uma vez mais, são exemplos dessa diversidade que mencionas. Inclusive caberia observar, sem os costumeiros prejuízos de escolas ou mesmo igrejas literárias, as saudáveis influências do Surrealismo na obra de outros tantos (José Lezama Lima, Jorge Gaitán Durán, Blanca Varela). Como essas aproximações ou recuperações não foram feitas até hoje, e isto em âmbito continental, é natural que nos ressintamos de muitas ausências. De qualquer forma, confirma-se o mais importante: a inexistência de um segmento irreflexo do Surrealismo na América Latina. Nenhum desses poetas disse amém cegamente às origens parisienses do movimento. Souberam fazer uma inestimável leitura, mantendo particularidades essenciais à defesa estética de cada um, o que, a rigor, amplia e mantém aceso o ânimo surrealista.

Fonte:
Revista Agulha # 23, Fortaleza/São Paulo, abril de 2002
http://www.triplov.com/surreal/index.html

Machado de Assis (A última receita)

A viúva Lemos adoecera; uns dizem que dos nervos, outros que de saudades do marido.

Fosse o que fosse, a verdade é que adoecera, em certa noite de setembro, ao regressar de um baile. Morava então no Andaraí, em companhia de uma tia surda e devota. A doença não parecia coisa de cuidado; todavia era necessário fazer alguma coisa. Que coisa seria? Na opinião da tia um cozimento de altéia e um rosário a não sei que santo do céu eram remédios infalíveis. D. Paula (a viúva) não contestava a eficácia dos remédios da tia, mas opinava por um médico.

Chamou-se um médico.

Havia justamente na vizinhança um médico, formado de pouco, e recente morador na localidade. Era o dr. Avelar, sujeito de boa presença, assaz elegante e médico feliz. Veio o dr. Avelar na manhã seguinte, pouco depois das oito horas. Examinou a doente e reconheceu que a moléstia não passava de uma constipação grave. Teve entretanto a prudência de não dizer o que era, como aquele médico da anedota do bicho no ouvido, anedota que o povo conta, e que eu contaria também, se me sobrasse papel.

O dr. Avelar limitou-se a torcer o nariz quando examinou a enferma, e a receitar dois ou três remédios, dos quais só um era útil; o resto figurava no fundo do quadro.

D. Paula tomou os remédios como quem não queria deixar a vida. Havia razão. Apenas dois anos fora casada, e contava apenas vinte e quatro anos. Havia já treze meses que lhe morrera o marido. Apenas entrara no pórtico do matrimônio.

A esta circunstância é justo acrescentar mais duas; era bonita e tinha alguma coisa de seu. Três razões para agarrar-se à vida como o náufrago a uma tábua de salvação.

Uma única razão haveria para que ela aborrecesse o mundo: era se tivesse realmente saudades do marido. Mas não tinha. O casamento fora um arranjo de família e dele próprio; Paula aceitou o arranjo sem murmurar. Honrou o casamento, mas não deu ao marido nem estima nem amor. Viúva dois anos depois, e ainda moça, é claro que a vida para ela começava apenas. A idéia de morrer seria para ela não só a maior de todas as calamidades, mas também a mais desastrada de todas as tolices.

Não quis morrer nem o caso era de morte.

Os remédios foram tomados pontualmente; o médico mostrou-se assíduo; dentro de poucos dias, três a quatro, estava restabelecida a interessante enferma.

De todo? Não.

Quando o médico voltou no quinto dia, achou-a sentada na sala, envolvida em grande roupão, com os pés numa almofada, o rosto extremamente pálido, e muito mais ainda por causa da pouca luz.

O estado era natural em quem se levantava da cama; mas a viuvinha alegou ainda umas dores de cabeça, a que o médico chamou nevralgia, e uns tremores, que foram classificados no capítulo dos nervos.
— Serão graves moléstias? perguntou ela.
— Oh! não, minha senhora, respondeu Avelar, são achaques aborrecidos, mas não graves, e geralmente próprios de doentes formosas.

Paula sorriu com um ar tão triste que fazia duvidar do prazer com que ouviu estas palavras do médico.
— Dá-me porém remédios, não? perguntou ela.
— Sem dúvida.

Avelar receitou efetivamente alguma coisa e prometeu voltar no dia seguinte.

A tia era surda, como sabemos, não ouvia nada da conversa entre os dois. Mas não era tola; começou a reparar que a sobrinha ficava mais doente quando se aproximava a chegada do médico. Além disso nutria dúvidas sérias acerca da aplicação exata dos remédios. O certo é porém que Paula, tão amiga de bailes e passeios, parecia realmente doente porque não saía de casa.

Notou igualmente a tia que, pouco antes da hora do médico, a sobrinha fazia uma aplicação mais copiosa de pó-de-arroz. Paula era morena; ficava muito branca. A meia luz da sala, os xales, o ar mórbido tornavam-lhe a palidez extremamente verossímil.

A tia não parou nesse ponto; foi ainda além. Não era médico o Avelar? Naturalmente devia saber se realmente estava enferma a viúva. Interrogado o médico, asseverou que a viúva estava muito mal, e prescreveu-lhe o mais absoluto repouso.

Tal era a situação da enferma e do facultativo.

Um dia em que este entrou achou-a folheando um livro. Estava com a palidez de costume e o mesmo ar abatido.
— Como vai a minha doente? disse familiarmente o dr. Avelar.
— Mal.
— Mal? — Horrorosamente mal... Que lhe parece o pulso? Avelar examinou-lhe o pulso.
— Regular, disse ele. A tez está um tanto pálida, mas os olhos parecem bons... Houve algum ataque? — Não; mas sinto-me desfalecida.
— Deu o passeio que lhe aconselhei? — Não tive ânimo.
— Fez mal. Não passeou e está lendo...
— Um livro inocente.
— Inocente? O médico pegou no livro e examinou-lhe a lombada.
— Um livro diabólico! disse ele atirando-o para cima da mesa.
— Por quê? — Livro de poeta, livro para namorados, minha senhora, que é uma casta de doentes terríveis. Não se curam eles; ou raramente se curam; mas há pior, que é adoecerem os sãos. Peço-lhe licença para confiscar o livro.
— Uma distração! murmurou Paula com uma doçura capaz de vencer um tirano.

Mas o médico mostrou-se firme.
— Uma perversão, minha senhora! Em ficando boa pode ler se quiser todos os poetas do século; antes, não.

Paula ouviu esta palavra com singular, mas disfarçada alegria.
— Parece-lhe então que estou muito doente? disse ela.
— Muito, não digo; tem ainda um resto de abalo que só pode desaparecer com o tempo e um regime severo.
— Severo demais.
— Mas necessário...
— Duas coisas lastimo sobre todas.
— Quais? — A pimenta e o café.
— Oh! — É o que lhe digo. Não tomar café nem pimenta é o limite da paciência humana. Quinze dias mais deste regime ou desobedeço ou expiro.
— Nesse caso, expire, disse Avelar sorrindo.
— Acha melhor? — Acho igualmente mau. O remorso, porém, será meu só, enquanto que se V. Excia.
desobedecer terá os seus últimos instantes amargurados por um tardio arrependimento.

Melhor é morrer vítima que culpada.
— Melhor é não morrer nem culpada nem vítima.
— Nesse caso não tome pimenta nem café.

A leitora que acaba de ler esta conversa, admirar-se-ia muito se visse a nossa doente nesse mesmo dia ao jantar: teve pimenta à farta e bebeu excelente café no fim. Não admira porque era o seu costume. A tia admirava-se com razão de uma doença que consentia tais liberdades; a sobrinha não se explicava cabalmente a este respeito.

Choviam convites de jantares e bailes. A viuvinha recusava-os todos por causa do seu mau estado de saúde.

Foi uma verdadeira calamidade.

Entraram a chover as visitas e bilhetes. Muitas pessoas achavam que a doença devia ser interna, muito interna, profundamente interna, visto que lhe não apareciam sinais no rosto.

Os nervos (eternos caluniados!) foram a explicação que geralmente se deu à singular moléstia da moça.

Três meses correram assim, sem que a doença de Paula cedesse uma linha aos esforços do médico. Os esforços do médico não podiam ser maiores; de dois em dois dias uma receita. Se a doente se esquecia do seu estado e entrava a falar e a corar como quem tinha saúde, o médico era o primeiro a lembrar-lhe o perigo, e ela obedecia logo entregando-se à mais prudente inação.

Às vezes zangava-se.
— Todos os senhores são uns bárbaros, dizia ela.
— Uns bárbaros... necessários, respondia Avelar sorrindo.

E acrescentava: — Eu não direi o que são as doentes.
— Diga sempre.
— Não digo.
— Caprichosas? — Mais.
— Rebeldes? — Menos.
— Impertinentes? — Sim. Algumas são impertinentes e amáveis.
— Como eu.
— Naturalmente.
— Já o esperava, dizia a viúva Lemos sorrindo. Sabe por que razão lhe perdôo tudo? É porque é médico. Um médico tem carta branca para gracejar conosco; isso mesmo nos dá saúde.

Neste ponto levantou-se.
— Parece-me até que já estou melhor.
— Parece e está... quero dizer, está muito mal.
— Muito mal? — Não, muito mal, não; não está boa...
— Meteu-me um susto! Seria realmente zombar do leitor o explicar-lhe que a doente e o médico estavam a pender um para o outro; que a doente sofria tanto como o Corcovado, e que o médico conhecia cabalmente a sua perfeita saúde. Gostavam um do outro sem se atreverem a dizer a verdade, simplesmente pelo receio de se enganarem. O meio de se falarem todos os dias era aquele.

Mas gostavam eles já antes da fatal constipação do baile? Não. Até então ignoravam a existência um do outro. A doença favoreceu o encontro; o encontro o coração; o coração favorecia desde logo o casamento, se tivessem caminhado em linha reta, em vez dos rodeios em que andavam.

Quando Paula ficou boa da constipação adoeceu do coração; não tendo outro recurso fingiu-se doente. O médico, que pela sua parte desejava isso mesmo, exagerou ainda as invenções da suposta enferma.

A tia, sendo surda, assistia inutilmente aos diálogos da doente com o médico. Um dia escreveu a este pedindo-lhe que apressasse a cura da sobrinha. Avelar desconfiou da carta a princípio. Seria uma despedida? Podia ser pelo menos uma desconfiança.

Respondeu que a moléstia de D. Paula era aparentemente insignificante, mas podia tornar-se grave sem um regime severo, que ele lhe recomendava sempre.

A situação, entretanto, prolongava-se. A doente estava cansada da doença, e o médico da medicina. Ambos eles começaram a desconfiar que não eram mal aceitos. O negócio entretanto não caminhava muito.

Um dia Avelar entrou triste em casa da viúva.
— Jesus! exclamou sorrindo a viúva; ninguém dirá que é o médico. Parece o doente.
— Doente de lástima, disse Avelar abanando a cabeça; por outros termos, é a lástima que me dá este ar enfermo.
— Lástima de quê? — De V. Excia.
— De mim? — É verdade.

A moça riu-se consigo mesma; todavia esperou a explicação.

Houve um silêncio.

No fim dele: — Sabe, disse o médico, sabe que está muito mal? — Eu? Avelar fez um gesto afirmativo.
— Já o sabia, suspirou a doente.
— Não digo que tudo esteja perdido, continuou o médico, mas nada se perde em prevenir.
— Então...
— Coragem! — Fale.
— Mande chamar o padre.
— Aconselha-me a confissão? — É indispensável.
— Perderam-se todas as esperanças? — Todas. Confissão e banhos.

A viúva soltou uma risada.
— E banhos? — Banhos de igreja.

Outra risada.
— Aconselha-me então o casamento.
— Justo.
— Imagino que está gracejando.
— Estou falando muito sério. O remédio não é novo nem desprezível. Todas as semanas lá vão muitos enfermos, e dão-se bem alguns deles. É um específico inventado desde muitos séculos e que provavelmente só acabará no último dia do mundo. Pela minha parte nada mais tenho que fazer.

Quando a viuvinha menos esperava, Avelar levantou-se e saiu. Falava sério ou gracejava? Dois dias se passaram sem que o médico voltasse. A doente estava triste; a tia aflita; houve idéia de mandar chamar outro médico. Recusou-a a doente.
— Então só um médico acertou com a tua moléstia? — Talvez.

No fim de três dias recebeu a viúva Lemos uma carta do médico.

Abriu-a.

Dizia assim: É absolutamente impossível esconder por mais tempo o que sinto por V. Excia. Amo-a.

Sua moléstia precisa de uma última receita, verdadeiro remédio para quem ama — sim, porque V. Excia. também me ama. Que razão obrigaria a negá-lo? Se a sua resposta for afirmativa haverá mais dois entes felizes neste mundo.

Se negativa...

Adeus! A carta foi lida com explosão de entusiasmo; o médico foi chamado a toda a pressa, para receber e dar saúde. Casaram-se os dois daí a quarenta dias.

Tal é a história da Última receita.

Fonte:
http://www.dominiopublico.gov.br