quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Joel Rogério Furtado (Para você que sabe sonhar a intransferível tarefa dos poetas)

Os poetas haverão de chorar
todas as mágoas do mundo
porque compartem
a obra de Deus.
Ao perceberem o ar
em movimento
os poetas traçarão
o horóscopo das almas
que andam perdidas
penando na ausência
de todos os amores.
Será por isso
que querem tanto?
Será por isso
que sofrem assim?
Será por isso
que entendem melhor o mundo?
Os poetas vivenciam melhor os dias –
suportam melhor os embates –
superam mais facilmente os obstáculos
porque vêem com os olhos da alma.
Eis aí porque os poetas serão capazes
De enfrentar e chorar
Todas as mágoas do mundo
(além das suas).

Fonte:
Caderno de Leitura O Binóculo. Fortaleza, CE: ano X – n.81 – abril 2008.

O Moderno Romance Brasileiro

Vertentes

Toda a ficção da literatura brasileira pós-Alencar segue uma das duas vertentes, que nascem com a narrativa do autor de Senhora e que correm paralelamente. Essas vertentes paralelas são a corrente regionalista e a corrente psicológica.

O homem e sua relação com o meio é a matéria-prima do regionalismo que, por sua vez, tem aqui um conceito nada redutivo. Entendemos como regionalista tanto a literatura que tem como temática o meio rural, campesino, quanto a que tem como temática as grandes capitais e as zonas suburbanas, sendo, por isso, nossa ficção, em sua maioria, regionalista: Aluísio de Azevedo, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Herberto Sales, João Ubaldo Ribeiro, Antônio Torres.

Na outra margem, a corrente psicológica se ocupa de analisar o comportamento do homem diante dele mesmo e em face aos outros: Machado de Assis, Raul Pompéia, Adelino Magalhães, Érico Veríssimo, Clarice Lispector, Lígia Fagundes Teles, Rubem Fonseca.

Toda a ficção nacional é de motivação, de temática, de ambiente, de linguagem brasileira, preocupando-se e ocupando-se nossos ficcionistas com o gênero humano. No romance e no conto brasileiros, em suas duas vertentes, há momentos em que se entrelaçam, se justapõem as duas vertentes ficcionistas, como, por exemplo, na obra de Graciliano Ramos. O Modernismo não fugiu à regra, continuando na incorporação da matéria-prima local, que é o Brasil.

A ficção brasileira tem fisionomia e comunicação verbal próprias: o povo, a paisagem, os costumes, os tipos e patologias sociais, os problemas, tudo e todos integrantes de um mundo brasileiro, mas não por isso menos universal.

Nesta exploração de motivos regionais, ao olhar para si e suas circunstâncias, no tratar da sua gente e dos seus costumes, ao mostrar sua terra e sua cultura, nossa ficção encontra os valores universais no mundo humano regional, pois, como disse Tolstoi, para ser universal deve-se cantar a sua aldeia.

A nossa história começa com a chegada de um homem vindo da Sibéria, quando nível do mar baixou, e o Estreito de Bering era terra firme, pouco antes de 20.000 a.C. Depois de milhares de anos de vida seminômade, experimenta a agricultura, adquirindo um desenvolvimento econômico, cultural, social e político que não pode ser desprezado, como o foi desde a época da colonização. Mas estamos às portas de um novo século, de um novo milênio e não podemos incorrer em sectarismos.

O brasileiro é um povo mesclado, um povo mestiço, um misto de etnias diferentes: índios, negros, brancos com sensibilidade própria, com uma concepção própria da vida. A ficção nacional deve ser compreendida como um todo, que prossegue com um desenrolar-se contínuo, que parte de mananciais brasileiros, de elementos do folclore, da tradição oral, de um imaginário e um fabulário populares que geram os componentes da nossa narrativa; que partem desse complexo cultural. Nossas constantes literárias – o indianismo, o abolicionismo, o sertanismo, o urbanismo – são provenientes da oralidade advinda da formação, da fomentação social brasileira. Essa marcante oralidade prenuncia o futuro gosto dos nossos ficcionistas pelo documentário em suas narrativas calcadas, sobretudo, na sensibilidade e no inconsciente populares somados ao tratamento e aos elementos literários que lhes irão conferir validade estética.

A ficção irá predominar em uma nova fase do Modernismo brasileiro, desencadeada por A Bagaceira, de José de Américo de Almeida e por Macunaíma, de Mário de Andrade. Neste momento, as duas direções da narrativa brasileira – a regionalista e a psicológica – são marcadas por um veemente caráter de brasilidade e de renovação. Depois do realismo e do impressionismo, ativadas ainda pelo experimentalismo, essas duas direções amadureciam para gerar a época de ouro da ficção modernista, uma das mais altas da nossa literatura, dos anos de 1930 e 1945.

Nesta época de inquietações sociais originadas com a crise econômica de 1929, a literatura brasileira trilhou novos rumos à esquerda, com um enfoque novo do realismo, que veio a influenciar profundamente a ficção social portuguesa da década de 40, através das narrativas de Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado. Esses ficcionistas têm a terra como elemento constitutivo de seus contos e romances. Outra característica de certos autores desse período é apresentar uma obra de cunho documental, o que ocasiona algumas dúvidas quanto ao valor dessa ficção e a relação entre o romance – do ponto de vista estético – e o seu sentido social. Mas esses ficcionistas, com uma expressão artística atualizada, redefiniram o romance regionalista tradicional. Suas narrativas, ainda que ambientadas numa determinada região, possuem uma dimensão que poderia compreender o conjunto de todo o Brasil, sobretudo pela visão crítica convergindo para o caráter social. Eles não estavam a representar os problemas específicos de uma determinada região e sim, problemas nacionais.

A literatura brasileira desse período procura retratar o que ocorria efetivamente, de modo realista, com um sentido bastante engajado, visando a transformar a realidade em suas estruturas sociais. O percurso do romance social de 30 estende-se nas décadas posteriores, em que se procurava enxergar o país a partir de setores marginalizados, incluindo-se, também, seus registros de fala, como acontece, por exemplo, na ficção de Jorge Amado.

A ficção amadiana está envolvida por toda uma reflexão crítica dos problemas sociais do Brasil, e procura conscientizar o leitor dos verdadeiros problemas do seu tempo. Nesse período é predominante o romance de intervenção social, sendo para seus autores a ficção um espaço de crítica ou de denúncia social, numa tentativa de encontrar solução para aqueles problemas mesmo diante do poder de pressão exercido por Getúlio Vargas sobre os órgãos de comunicação.

O Modernismo, nos seus primeiros tempos, retoma o espírito de liberdade e o sentimento de orgulho em ser brasileiro, fazendo uma releitura dos valores românticos. O desejo de liberdade modernista reflete-se sobretudo na linguagem, que vai procurar transcrever o coloquial nos diálogos da nossa ficção, alcançando seu ponto alto na obra de Jorge Amado.

Dentro de toda esta profusão de anseio pelo novo, pelo movimento, pelo futuro, surge a geração de 45, a procurar impor ordem, disciplina ao que, para ela, seria o caos. A geração de 45, num certo retorno parnasiano, tenta apurar o estilo ficcional brasileiro valorizando a linguagem acima de tudo, tendo seu ponto máximo na obra revolucionária de Guimarães Rosa, cuja força épica e poder onírico de sua narrativa abalaram a consciência literária brasileira, desde a publicação de Sagarana, em 1946. Na ficção rosiana, a revolução se dá principalmente na linguagem: primeiro, na construção da frase, passando, posteriormente, para o rebuscamento vocabular, desencavando arcaísmos mineiros, como um verdadeiro filólogo amador, criando ousados neologismos.

O romance de 45, todavia, não deixa de ter, como a ficção de 30, um teor documental.

Fonte:

Herberto Sales (Pareceres do Tempo)

Herberto Sales (Andaraí, Ba., 1917-) surge no panorama literário brasileiro, em 1944, com o seu primeiro romance, Cascalho, a nos apresentar os crimes e lutas inerentes aos garimpos, num contexto de violência e aventura, numa moderna retomada da temática de Lindolfo Rocha, regionalista do princípio do século XX. Quarenta anos depois de Cascalho, precedidos pela publicação de contos e outros romances do autor, surgem Os Pareceres do Tempo, “romance de duas velhas famílias que se enredam em episódios vividos por uns tantos membros dela: os Golfões e os Rumecões, na antiga região denominada Cuia d’Água.” O cenário principal de Os Pareceres do Tempo é a Bahia do final do século XVIII.

O romance tem como ponto de partida a vinda para o Brasil do português Antônio José Pedro Policarpo Golfão – “mais crescido nos prenomes, que no sobrenome” (LIVRO I, p. 11) – que recebe uma sesmaria no município de Cachoeira, como reconhecimento do rei de Portugal por seu pai, um fidalgo, cujo nome não nos é dado a conhecer, ter morrido ainda no mar, indo para a Índia, em missão portuguesa. Ou numa

outra versão da morte do fidalgo: a que ele, entre os da família do tão célebre apelido Golfão, o mais antigo ancestral na tradição referido, encontrou a morte, não no mar, mas na batalha de Alcácer-Quibir, batendo-se contra o gentio, no elevado propósito de no incréu incutir a Fé, com a ajuda eficaz da Espada; isso, sob o comando superior e piedoso de El-Rei D. Sebastião, que ali, desgraçadamente, também pereceu”.

Este é, pois, fato cuja veracidade é incerta:

Conquanto não haja documentos que indiquem, sob a grave proteção dos arquivos, haver existido em qualquer tempo esse fidalgo, não ousamos pôr em dúvida tão respeitável versão, que até nos chegou sem discrepância, robustecida por mais de dois séculos de tradição local”. (LIVRO I, p.11)

E, como está nos REGISTROS FINAIS (p. 409), segundo o narrador:

Estes registros fizemo-los depois de visitarmos em Cuia d’Água a antiga fazenda do capitão Policarpo, já praticamente em ruínas. Braulino José foi o nosso principal informante. Levou-nos até ao cemitério da fazenda, em parte já invadido pelo mato”.

O enredo de Os Pareceres do Tempo é construído com base na tradição oral interna da obra, através do depoimento do filho de Policarpo – Braulino José, aos 132 anos de idade – dado ao narrador; depoimento este aliado à dinâmica do panorama da Bahia dos anos de setecentos. Mas

a dualidade de versões do óbito infortunado fidalgo e – já agora, por que não dizer? – também possível guerreiro, de quem em linha direta descendia Policarpo Golfão, não alterou o desfecho do reconhecimento póstumo que por justiça a pátria lhe tributou, aquinhoando, como de fato aquinhoou, o seu filho único e legítimo com a já competentemente citada sesmaria no alto serão da Bahia, então sede do governo colonial do Brasil”. (LIVRO I, p. 13)

Eram, portanto, as terras do Brasil de quem aqui chegasse munido de documento de doação concedido pelo rei de Portugal.

Desde Cascalho, verificamos esse gosto do autor pela oralidade popular:

Nos barulho do Coxó
Briga até as lagartixa
- Os calango de combléia
E elas de manulicha...”
(p. 47).

Viva Santa Rita,
Que é Santa mulher,
No céu e na terra,
Ela faz o que quer
!” (p.78).

Em Os Pareceres do Tempo, a construção da vida de Policarpo, refletida no seu estado de espírito, nos vai sendo apresentada pela ótica popular, em pequenos versos:

Lá vai Policarpo Golfão
No seu cavalo alazão
”. (LIVRO XVII, p. 94)

Lá vai Policarpo Golfão
No seu cavalo alazão
Com Liberata no coração
”. (LIVRO XLIX, p. 350)

Lá vai Policarpo Golfão
No seu cavalo alazão
De volta da sua vingança
Com Liberata na lembrança
(LIVRO LII, p. 372)

Lá vai Policarpo Golfão
No seu cavalo alazão
Levando com devoção
A sua igreja no coração
”. (LIVRO LIV, p. 398)

Conta-nos o narrador – tão ironicamente distanciado do autor no prefácio – como as três raças que compõem a mestiçagem brasileira conviviam, mas não se misturavam, procurando conservar suas características sociais e culturais.

E foram todos, depois, para a mesa, com o Fidalgo sentado à cabeceira, e Policarpo a seu lado. O padre Gumercindo e o padre Salgado, e mais o Quincas Alçada, ocuparam os outros lugares. Isto no corpo principal da mesa; porque, continuando-a, no seu desdobramento festivo, democraticamente franqueado aos principais auxiliares de Policarpo na fundação da fazenda e na edificação da casa-grande, outros lugares havia, reservados ao mestre-de-obras Dinis e a seu filho Serafim, e ao capitão-do-mato José do Vale e ao seu auxiliar Bertoldo. E abriram-se garrafas de vinho, e com generosidade o serviram, as garrafas transitando na mesa e esvaziando-se no degustado e comovido suceder dos goles, que o vinho, a todos apetecendo, também lhes lembrava, no enlevo de seus vapores, o tão distante quanto amado Portugal. (...)
(...) Os escravos e os índios comiam à parte, servindo-se duns fumegantes caldeirões comandados pelo índio Nicodemus (ex-Sinimu), disso encarregado por Quincas Alçada. (...)
” (LIVRO XXIII, p. 134-5)

Ainda neste almoço, os escravos cantaram e dançaram:

Taratatara kundê / Ogum de lê / Oyá jamba / Maion gangê / Kawô / Kawô / Oyá ajô

E comenta o narrador:

Ninguém entendia o que diziam, o que cantavam eles; mas as palavras, os sons da cantoria deles impressionavam pela tristeza profunda e doce, pela dorida melancolia que comunicavam, ao mesmo tempo em que eram carregados duma aspereza de imprecações dramáticas”.

E diz mais o narrador:

Ao contrário dos negros, os índios conservavam-se em silêncio, no mesmo lugar onde desde o começo estavam. Trocavam entre si, às vezes, um olhar, mas, entre si, não se falavam. Ou falavam entre si com os olhos.” (LIVRO XXIII, p. 135-6)

Essa reação dos índios de não se deixarem dominar nem aculturar é-nos mostrada mais à frente da narrativa de modo decisivo:

Policarpo reconheceu-o:
- Gonçalo!
- Não sou Gonçalo! – respondeu o índio, evidentemente zangado. Meu nome é Icurê. Gonçalo foi o nome que padre botou em índio. Gonçalo é nome de branco. Icurê não é branco. Índio é índio. Meu nome é Icurê.”
(LIVRO I, p. 358)

Nessa narrativa nós, leitores, somos conduzidos pelos passos do tentacular Policarpo – “consta que era alto, e corpulento; era branco, e louro, com viçoso bigode e barba farta, emparelhados com basta cabeleira cacheada. Um homem bonito; um soberbo varão, segundo registro da mais fundamentada tradição oral.” (LIVRO I, p. 12) – até a cruel realidade de um contexto onde “o levar ou o trazer escravos assim acorrentados e amarrados, (...) era fato assaz corriqueiro naqueles tempos, nas ruas da Bahia; ninguém lhes prestava atenção, ou quase ninguém”. (LIVRO XI, p. 58).

Nesse mundo antiético, onde o caos e o cotidiano se justapõem – o vai-e-vem de escravos acorrentados, estranhos transeuntes traficados da África nas ruas da Bahia, a esbarrarem-se com as famílias portuguesas que, se por um lado mostravam religiosidade, temor a Deus, por outro, faziam tráfico de escravos, na sua maioria:

Explicou, ainda, o Almeidão a Policarpo Golfão que, tendo em vista que a hospedaria não lhe proporcionava a ele satisfatórios lucros, resolvera, para não ter de resignar-se ao ganho dum sustento sem futuro, buscar em outra atividade a necessária complementação de renda. E que a escolha dessa atividade recaíra no tráfico de escravos, por ser ela, além de lucrativa, de muita respeitabilidade na Bahia. Ademais, quase todos que a ela se entregavam eram portugueses, não os de inferior condição, mas, ao contrário, os de mais representação na colônia; e, tanto isto era verdade, que os portugueses traficantes de escravos tinham mesmo a sua Irmandade própria, que cuidava dos seus interesses deles na sociedade civil e no Foro; e que constituía a dita Irmandade, em suma, uma respeitabilíssima entidade sócio-jurídica, que se organizara sob a grave invocação de São José. Enfim, a ninguém repugnava – fosse português o sujeito, fosse ele até mesmo brasileiro – a ninguém repugnava traficar com escravos, visto ser esta atividade, no comércio baiano, quiçá do Brasil, um dos ramos mais lucrativos.” (LIVRO III, p. 20)

O tráfico de escravos praticado pelo padre Salviano Rumecão é por ele cinicamente narrado ao seu amigo Quincas Alçada; justificando-se:

A propagação da fé, dos ensinamentos da Igreja; o empenho em manter os fiéis à salvaguarda do Demônio, pregando-lhes a palavra de Jesus, e ensinando-lhes a serem justos uns para com os outros: o piedoso pastoreio das almas, para manter em fervorosa união o rebanho de Deus – se, de fato, todas essas altas atribuições dignificavam e elevavam a missão do sacerdote, não havia, na prática, como preterir, no exercício delas, a pecúnia, a remuneração, o santo e rico dinheirinho (...) E os mártires, como se sabia, tendiam, com o progresso, a desaparecer de todo.” (LIVRO V, p. 27-8)

Tudo a transcorrer dissimuladamente, num misto de profanação e religiosidade, compondo o decoro hipócrita de uma sociedade impudentemente barroca.

Os Pareceres do Tempo são também uma história de amor. Duas mulheres amam Policarpo: Liberata Rumecão e a escrava Gertrudes. Mas o triângulo amoroso não se consolida de fato, em nenhum momento da narrativa, talvez por preconceito ou por ser Poli carpo realmente fiel ao seu amor por Liberata, até mesmo depois da morte dela. Em determinado momento ele diz à Gertrudes:

“- Sabes que podias ter tido um filho meu? – perguntou-lhe Policarpo, olhando-a com ternura.
Ela baixou a cabeça. Ele, com um sorriso embaraçado:
- Esquece o que te disse. Hoje somos compadres. Hoje somos apenas amigos. De resto, Liberata te estimava muito, e sabia que eu te estimava. Esquece o que te disse. Liberata estará sempre entre mim e ti”.
(LIVRO LIV, p. 393)

E é pelo amor de Liberata que Policarpo se enche de vigor, de coragem, de energia para realizar todos os seus empreendimentos, para viver. Liberata vivia no Solar dos Sete Candeeiros e a sua presença, com seus “cabelos muito negros” que “caíam-lhe em tranças sobre o busto, emoldurando-lhe o rosto gracioso” (LIVRO VI, p. 32) é sempre, para Policarpo, a luz que ilumina a áspera realidade daquele contexto

uma formosa jovem que, mostrando-se ao sol, e tendo por ele realçada a sua beleza (...) pareceu-lhe ela a Policarpo Golfão como se fora uma flor, ou uma luz, porque era luzente como uma estrela a sua figura gentil.” (LIVRO VI, p. 32)

E, no decorrer da narrativa:

Era a donzela Liberata que entrava. Então, a nave acendeu-se em ouro e púrpura, e em ouro acesa iluminou nos altares os crisântemos, no teto a fímbria das cornijas, na capela-mor os tocheiros perfilados. (...)
- Liberata... As letras daquele mágico nome: forma e cor e luz saindo ordenados dum resplandecente maço de emoções que uma fita desatasse”
(LIVRO XXVIII, p. 172-3).

Como uma luz que na sombra de repente se acendesse.” (LIVRO XXXVIII, p. 250)

Herberto Sales incorpora ao seu romance a figura de mestre Manuel, do saveiro Viajante Sem Porto – personagem de Jorge Amado

- “que nasceu em saveiro e morou sempre em saveiro, aparenta trinta anos, ninguém lhe dá os cinqüenta que traz no costado, todo ele é de uma cor só, um bronze escuro, e é tão difícil dizer se é branco, negro ou mulato; é um marinheiro que raramente fala e que é respeitado em toda a zona do cais do porto da Bahia e em todos os pequenos portos onde pára seu saveiro.”

Configura-se, aqui, uma personagem mítica, alegórica, semelhando-se, em alguns aspectos, a Caronte, o barqueiro que transportava as almas para o Hades, o inferno grego.

Em Os Pareceres do Tempo, mestre Manuel, num diálogo com Policarpo, explica a origem do nome do seu barco:

“- Mas, Manuel, que te deu na telha para batizares o teu barco com o nome de Viajante Sem Porto? Olha que estranhei esse nome! Então não tens tu um porto para ti e o teu barco? – tornou Policarpo Golfão, sorrindo e fazendo sorrir também o Almeidão e Quincas Alçada.

- É que esse nome foi dum barco do meu pai – disse mestre Manuel. Enfim, se isto é verdade, também verdade é que vivo de porto em porto com o meu barco, como se porto não tivéssemos ele e eu: quando chego a um, já tenho que partir para outro. Não me parece mau esse nome Viajante Sem Porto. Não o acho nada estranho. E só espero é que o Manuelzito, meu único filho homem, quando mais tarde lhe houver chegado a vez de me substituir, que seja também um mestre e que tenha também o seu Viajante Sem Porto, que haverá de tomar o lugar do meu.
” (LIVRO X, p. 55)

E comenta o narrador de Os Pareceres do Tempo, numa clara referência a Jorge Amado:

Praza a Deus que, em dias que hão de vir, encontre essa bela região do Recôncavo baiano um escritor que a descreva num livro tão belo quanto ela, que corra o Brasil e o próprio mundo; e que, captando toda a poesia que docemente a impregna, fale dos seus saveiros e da sua gente, talvez dum novo Viajante Sem Porto, talvez dum novo mestre Manuel”. (LIVRO XII, p. 66)

Conclusão

Os Pareceres do Tempo são uma obra de ficção, cujo contexto narrativo é a Bahia do final do século XVIII. O enredo deste romance é tecido aliando ficção e realidade; uma ficção construída com base na tradição oral interna da obra.

Os Pareceres do Tempo conta-nos histórias de amor, de dominação, mas, sobretudo, a história da formação de um povo; da construção de um país, do Brasil.

Herberto Sales, em Os Pareceres do Tempo, através da humanidade de suas figuras, apresenta-nos uma história cheia de força, vigorosamente atual, numa expressão e linguagem tão equilibradas, que fazem deste romance uma síntese da narrativa genuinamente brasileira.

Fonte:

Machado de Assis (Contos Escolhidos)

Dona Benedita é narrado em 3ª pessoa, versa sobre a psicologia feminina. A personagem é elaborada a partir do sentido do termo veleidade, que, no entanto, só será revelado ao leitor nas últimas linhas do conto. A personalidade fugaz da protagonista é contaminada pelo vírus da indecisão. Com breves pinceladas, à maneira de um pintor, surgem a hesitação, a volubilidade, a inconstância no eterno vai, não vai; casa, não casa; viaja, não viaja. D. Benedita é lapidada com tamanha perfeição que quase pode ser tocada, pressentida pelo leitor em suas pequenas ações.

Veleidade: esta personagem alegórica define a personalidade da protagonista: mulher de vontade fraca, hesitante, inconstante.

Missa do Galo: Conceição vai crescendo no decorrer da narrativa, assumindo a leveza das grandes personagens, a sabedoria das deusas e a essência das mulheres fatais. Torna-se envolvente, sensual, iluminada. A revelação da personagem é captada através de um flagrante de vida real - um jovem à espera da missa do galo na Corte.

É focalizado o insólito de uma situação, misto de conversa, de aconchego, de sensualidade e de insinuações. A densidade psicológica capaz de driar uma atmosfera voltada para o inusitado deve ser anotada como supremo ato da criação machadiana. A elasticidade temporal também é uma das marcas da genialidade do escritor, pois a marcação do tempo psicológico transcorre independente do tempo cronológico e o leitor se vê envolvido em um clima hipnótico que só se desfaz nas linhas finais. O conto é narrado em 1ª pessoa.

O Espelho é Inicialmente narrado em 3ª pessoa, há o relato teórico que revolve a essência humana através da investigação metafísica, antecipada no subtítulo "esboço de uma nova teoria da alma humana". Jacobina, personagem central do conto, toma a palavra e em 1ª pessoa revela como descobriu sua verdadeira essência, isto é, como reconheceu sua própria identidade ao vestir uma farda de alferes. Para reforçar a idéia das duas almas, Machado utiliza a imagem de duas metades de uma mesma laranja que constituem, em última instância, as duas almas humanas - a interior e a exterior - e a laranja, como a alma, só estará completa quando as duas metades estiverem física e metafisicamente unidas.

Sereníssima República é em 1ª pessoa, faz uma inquirição a respeito da alma exterior do homem. Através de uma alegoria política sob a forma de uma conferência, Machado discursa a respeito do homem e da sociedade que ele constrói.

Quanto ao homem, ser de múltiplas faces, cabe buscar a perfeição, tentar driblar a própria natureza. Para tanto, não importam os outros; importa, sim, seu interesse pessoal e com uma eterna malícia ele vai construindo arapucas que desembocam em um espiral crescente. E quanto a sociedade? Com, é melhor esperar com paciência... Recomenda-se a leitura cuidadosa do articulado processo político que está sendo construído, principalmente quando o narrador lança mão do recurso lingüístico que lhe permite as mais audaciosas interpretações.

O Segredo do Bonzo: Narrado em 1ª pessoa, tem como subtítulo "capítulo inédito de Fernão Mendes Pinto". Para a perfeita compreensão do texto, faz-se necessário ler a nota 25 da página 41. O conto surge da narração de um fato absurdo, mas que possui um profundo sentido: a virtude e o saber tem duas existências paralelas: uma no sujeito possuidor; outra, no espírito de quem ouve ou contempla, pois "não há espetáculo sem espectador".

Segundo o narrador, "uma coisa pode existir na opinião sem existir na realidade" e vice-versa. Por isso, "não nos cabe inculcar aos outros uma opinião que não temos, e sim a opinião de uma qualidade que não possuímos". O conto analisa a capacidade que alguns homens têm de persuadir o próximo.

Nota 25 página 41: Fernão Mendes Pinto (1510-1583) viajante e escritor português de vida bastante acidentada. No livro póstumo - Peregrinações - deixou registradas as aventuras e as observações das viagens que fez pelo Extremo Oriente. Suas narrativas foram consideradas, durante muito tempo, puras invencionices, inspirando o trocadilho Fernão, mentes? - Minto.

Entre Santos: Em 1ª pessoa, narra a experiência de um capelão que ouvir a conversa de santos da igreja que assumiram a forma humana. Entre eles estavam S. Francisco de Paula, S. João Batista e S. Francisco de Sales. A conversa girava em torno das observações que os santos faziam dos fiéis, quando eles lhes confessavam os pecado. S. Francisco de Sales tomou a palavra a relatou o caso de um homem avaro que estava perdendo a mulher, acometida de uma doença fatal.

Mas a avareza, sua própria e humana essência, não lhe permitiu prometer mais do que rezas em profusão, não conseguindo superar seu maior problema. O homem perdoa-se e escapa de suas problemáticas buscando os mais diferentes artifícios.

A Causa Secreta: É um dos melhores contos da antologia. Em 3ª pessoa, o narrador onisciente constitui uma notável caracterização psicológica em que revela, ao fazer o estudo do personagem Fortunato, o ápice do prazer que é conseguido na contemplação da desgraça alheira. O motivo do conto é explicar o verdadeiro sentido do termo sadismo.

Fonte:
http://www.vestibular1.com.br

História do Português e da Literatura Brasileira

PORTUGUES

"Uma língua não nasce em dia e hora certa, nem evoluciona, num momento, de um estado a outro."Carolina Michëlis de Vasconcelos

O surgimento da Língua Portuguesa está profunda e inseparavelmente ligado ao processo de constituição da Nação Portuguesa.

Na região central da atual Itália, o Lácio, vivia um povo que falava latim. Nessa região, posteriormente foi fundada a cidade de Roma. Esse povo foi crescendo e anexando novas terras a seu domínio. Os romanos chegaram a possuir um grande império, o Império Romano. A cada conquista, impunham aos vencidos seus hábitos, suas instituições, os padrões de vida e a língua.

Existiam duas modalidades do latim: o latim vulgar (sermo vulgaris, rusticus, plebeius) e o latim clássico ( sermo litterarius, eruditus, urbanus). O latim vulgar era somente falado. Era a língua do cotidiano usada pelo povo analfabeto da região central da atual Itália e das províncias: soldados, marinheiros, artífices, agricultores, barbeiros, escravos, etc. Era a língua coloquial, viva, sujeita a alterações freqüentes. Apresentava diversas variações.

O latim clássico era a língua falada e escrita, apurada, artificial, rígida, era o instrumento literário usado pelos grandes poetas, prosadores, filósofos, retóricos... A modalidade do latim imposta aos povos vencidos era a vulgar. Os povos vencidos eram diversos e falavam línguas diferenciadas, por isso em cada região o latim vulgar sofreu alterações distintas o que resultou no surgimento dos diferentes romanços e posteriormente nas diferentes línguas neolatinas.

No século III a.C., os romanos invadiram a região da península ibérica, iniciou-se assim o longo processo de romanização da península. A dominação não era apenas territorial, mas também cultural. No decorrer dos séculos, os romanos abriram estradas ligando a colônia à metrópole, fundaram escolas, organizaram o comércio, levaram o cristianismo aos nativos. . . A ligação com a metrópole sustentava a unidade da língua evitando a expansão das tendências dialetais. Ao latim foram anexadas palavras e expressões das línguas dos nativos.

No século V da era cristã, a península sofreu invasão de povos bárbaros germânicos ( vândalos, suevos e visigodos). Como possuíam cultura pouco desenvolvida, os novos conquistadores aceitaram a cultura e língua peninsular. Influenciaram a língua local acrescentando a ela novos vocábulos e favorecendo sua dialetação já que cada povo bárbaro falava o latim de uma forma diferente.

Com a queda do Império Romano, as escolas foram fechadas e a nobreza desbancada, não havia mais os elementos unificadores da língua. O latim ficou livre para modificar-se.

As invasões não pararam por aí, no século VIII a península foi tomada pelos árabes. O domínio mouro foi mais intenso no sul da península. Formou-se então a cultura moçárabe, que serviu por longo tempo de intermediária entre o mundo cristão e o mundo muçulmano. Apesar de possuírem uma cultura muito desenvolvida, esta era muito diferente da cultura local o que gerou resistência por parte do povo. Sua religião, língua e hábitos eram completamente diferentes. O árabe foi falado ao mesmo tempo que o latim (romanço). As influências lingüísticas árabes se limitam ao léxico no qual os empréstimos são geralmente reconhecíveis pela sílaba inicial al- correspondente ao artigo árabe: alface, álcool, Alcorão, álgebra, alfândega... Outros: bairro, berinjela, café, califa, garrafa, quintal, xarope...

Embora bárbaros e árabes tenham permanecido muito tempo na península, a influência que exerceram na língua foi pequena, ficou restrita ao léxico, pois o processo de romanização foi muito intenso.

Os cristãos, principalmente do norte, nunca aceitaram o domínio muçulmano. Organizaram um movimento de expulsão dos árabes (a Reconquista). A guerra travada foi chamada de "santa" ou "cruzada". Isso ocorreu por volta do século XI. No século XV os árabes estavam completamente expulsos da península.

Durante a Guerra Santa, vários nobres lutaram para ajudar D. Afonso VI, rei de Leão e Castela. Um deles, D. Henrique, conde de Borgonha, destacou-se pelos serviços prestados à coroa e por recompensa recebeu a mão de D. Tareja, filha do rei. Como dote recebeu o Condado Portucalense. Continuou lutando contra os árabes e anexando novos territórios ao seu condado que foii tomando o contorno do que hoje é Portugal.

D. Afonso Henriques, filho do casal, funda a Nação Portuguesa que fica independente em 1143. A língua falada nessa parte ocidental da Península era o galego-português que com o tempo foi diferenciando-se: no sul, português, e no norte, galego, que foi sofrendo mais influência do castelhano pelo qual foi anexado. Em 1290, o rei D. Diniz funda a Escola de Direitos Gerais e obriga em decreto o uso oficial da Língua Portuguesa.

Literatura Brasileira

Ao analisarem a origem da literatura brasileira, a crítica e história literária têm adotado duas orientações básicas. Uma, de pressupostos historicistas, tende a vê-la como uma expressão da cultura que foi gerada no seio da tradição portuguesa. Sendo muito pequena, nos primórdios, as diferenças entre a literatura lusitana e a praticada no Brasil, essa corrente salienta o processo da formação literária brasileira a partir de uma multiplicidade de coincidências formais e temáticas.

O ponto de vista historicista encontra apoio no fato de ser a literatura considerada, por seu aspecto orgânico, como um conjunto de obras ligadas em sistema enquanto expressão do complexo histórico, social, geográfico e racial.

A outra corrente crítica, cujos critérios se inclinam à aferição predominantemente estética, assinala as divergências que se acumularam na psique do homem americano, desde o início, e influíram na composição das obras. Aqui, considerando-se que a situação do colono tinha de engendrar uma nova concepção da vida e das relações humanas, com uma correspondente visão dessa realidade, pretende-se valorizar o esforço pelo desenvolvimento das formas literárias no Brasil, em busca de uma expressão própria e, tanto quanto possível, original.

Estabelecer a autonomia literária é descobrir, portanto, os momentos em que as formas e artifícios da escrita serviram para fixar a nova visão estética dessa realidade nova. De tal modo, ao invés de conter-se em períodos cronológicos, a literatura deverá ser dividida de acordo com os estilos correspondentes às suas diversas fases: barroco, arcadismo, neoclassicismo, romantismo, realismo, naturalismo, parnasianismo, simbolismo, modernismo e concretismo.

Fonte:
http://www.trabalhoescolarurgente.hpg.ig.com.br/

Sinopse de Obras Literárias I

Roda Mundo 2008 - Antologia Internacional-(Lara, Douglas = organizador)
Em 2008, o Roda Mundo continua trilhando o seu caminho reunindo textos de várias autorias e assuntos, trazendo para o público um livro que pode ser apreciado por pessoas de várias idades e culturas. A obra é uma Antologia Internacional que tem um caráter globalizado por contar com a participação de autores dos cinco continentes, numa integração da comunidade lusófona e também espanhola. O livro reúne crônicas, contos, poemas, ensaios e textos em português, inglês, italiano e espanhol, montando assim um panorama dos diferentes estilos, tendências, culturas e maneiras de enxergar o mundo, por meio da palavra impressa. (318 páginas)

Rodamundinho 2008 (Moraes, Cintian e Lara, Douglas - organizadores).
O Rodamundinho é uma antologia infanto-juvenil que reúne textos de 25 jovens de sete a 15 anos. O lançamento ocorreu em 24 de julho de 2008 durante a quarta semana do escritor, na Fundec. (144 páginas)

A agenda de Ícaros (Ludlum, Robert)
Na empoeirada cidade árabe de Mascate, terroristas fanáticos invadem a embaixada americana e ameaçam fazer um verdadeiro massacre caso suas exigências não sejam cumpridas. Em Washington, um deputado do Colorado, conhecedor do mundo árabe, se oferece para negociar com os assassinos, desde que em rigoroso sigilo.

A estrada para Gandolfo (Ludlum, Robert)
A primeira tentativa do autor no gênero comédia. Conta as aventuras de dois patetas que seqüestram o Papa e pedem, como resgate, um dólar para cada católico do mundo.

O ultimato de Bourne (Ludlum, Robert)
Suspense, tensão e sobretudo muita ação, este livro reúne as melhores características de Robert Ludlum, envolvendo o leitor à medida que o cerco se aperta, a cada passo mortal dado pelos dois rivais.Apenas dois homens conhecem o segredo da verdadeira identidade de Jason Bourne, o homem do Serviço de Inteligência treinado no Vietnã, entre os matadores da organização chamada Medusa. Um terceiro homem nada sabe, mas tem uma obsessão: matá-lo. Não fosse ele o matador profissional mais procurado do mundo: Carlos, o Chacal.
Depois da guerra, Jason Bourne foi dado por morto para que seu verdadeiro eu – o professor David Webb – pudesse continuar vivendo. Agora, no entanto, Bourne tem que ressurgir. Através de uma cilada, Chacal mandou seu aviso. Ele sabe que seu poderoso rival está vivo. A caçada vai recomeçar. Um dos dois terá que morrer.

O rio do meio (Luft, Lya)
Lya Luft passa, com sua prosa delicada, em tom quase íntimo, das descobertas de uma criança intrigada com a vida e seus mistérios, ao amadurecimento do ser humano, com seus conflitos e alegrias, sua coragem e fracassos. A autora reúne nesse livro não só histórias realmente vividas, como as questões que lhe fazem nos freqüentes seminários e grandes debates com universitários e colegiais, grupos de mulheres ou psicanalistas ,ou ainda, as questões que ela mesma se faz. Por vezes são imaginadas e é onde ela joga com o leitor, que, aos poucos, se torna cúmplice de suas questões como a fragilidade das relações humanas, família, casamento, a busca de sentido da vida e da morte, e sobre perdas, reconstrução, solidão e angústia.

Entre dois mundos (Maalouf, Amin)
João Leão de Medici que viveu na Espanha, na Itália, no Egito e na Arábia, no final do século XV, conta sobre suas viagens, seus amores e suas aventuras.

O moço loiro (Macedo, Joaquim Manoel de)
O livro é um sensível retrato da sociedade burguesa da antiga capital federal, criticada discretamente pelo autor, que faz do romance um discurso sobre o amor idealizado e, assim sendo, livre do contato com a realidade. A trama, mesmo sendo um retrato social, não se aprofunda em questões políticas ou psicológicas. Seus personagens são superficiais com pequenos problemas éticos, com exceção para a viúva Lucrécia.

A moreninha (Macedo, Joaquim Manoel de)
História de amor de dois jovens que retrata a vida social, os costumes e a moral em meados do século XIX.

O príncipe (Machiavelli, Niccoló)
Defensor da tirania ou profeta da liberdade? Neste clássico da história e da teoria política, Nicolau Maquiavel apresenta ao leitor os elementos necessários para conhecer os mecanismos e arbitrariedades do poder e para compreender também, a realidade contemporânea.

Minhas vidas (MacLaine, Shirley)
Relato da autora sobre suas experiências com a mediunidade, o espiritualismo, a reencarnação e o seu encontro com uma nova filosofia de vida.

Sem minha filha não vou (Mahmoody, Betty)
Uma história verídica de medo e desespero, mas também de coragem e esperança. Esposa e mãe vulnerável, presa na armadilha do marido em quem confiava e acaba retida na terra dele, o Irã.

Aléxandros, o sonho de Olympias (Manfredi, Valerio Massimo)
O romance nos fala de um homem que foi considerado um deus por seus contemporâneos, conta seus sonhos ardentes e as violentas paixões que o consumiram até destruí-lo. Apresenta-nos uma Grécia que nunca vimos antes, uma civilização que, embora conhecida, nos parece agora longíqua e fascinante.

Os famintos e outras histórias (Mann, Thomas)
Contos. Conflitos emocionais, psicológicos, sociais e políticos de uma burguesia européia decadente.

O fio da navalha (Maugham, W. Somerset)
Profundamente marcado pela experiência da Primeira Guerra Mundial, jovem inglês abandona tudo e parte para Paris, depois Tibete, em busca do autoconhecimento. O choque entre suas aspirações e a cruel realidade social de uma Europa semi-destroçada é descrito com habilidade e requinte neste livro de primeiríssima qualidade, que emociona e obriga à reflexão.

Em busca de Cézanne (Mayle, Peter)
O fotógrafo André Kelly, contratado pela editora da revista DQ, Camilla Porter, depara durante seu trabalho com o furto de um Cézanne, avaliado em 30 milhões de dólares. A partir deste fato, começa uma verdadeira caçada em que humor e agilidade recebem o tempero competente do escritor.

Pássaros feridos (McCullough, Collen)
A trajetória de uma mulher decidida. Ela se apaixona por um padre atraente e ambicioso que deseja tornar-se papa.

Tim (McCullough, Collen)
A história de Mary Horton e Tim Melville. Ela, 40 anos, bem sucedida e solitária. Ele, um belíssimo rapaz, portador de uma leve deficiência mental. O amor que irá uni-los é puro, mas ambos tornam-se alvo de violentos preconceitos.

Boca do inferno (Miranda, Ana)
Salvador, final do século XVII. Nessa cidade de desmandos e devassidão, desenrola-se a trama de “Boca do Inferno”. Recriação de uma época turbulenta, centrada na feroz luta pelo poder que opôs o governador Antônio de Souza Menezes, o terrível Braço de Prata, à facção liderada por Bernardo Vieira Ravasco, da qual faziam parte o Padre Antonio Vieira e o poeta Gregório de Matos.

Aventuras de Hans Staden (Monteiro Lobato)
Hans Staden naufragou nas costas do Brasil, em 1553, tendo sido prisioneiro dos índios Tupinambá por oito meses. Dona Benta narra aos seus netos, as aventuras desse viajante alemão.

Fábulas (Monteiro Lobato)
Diversas fábulas integram essa antologia, entre as quais: A cigarra e as formigas, O velho, O menino e a mulinha, O galo que logrou a raposa, A morte e o lenhador, O burro e o juiz, entre outros.

Urupês (Monteiro Lobato)
Neste livro, onde aparece pela primeira vez a figura de Jeca Tatu, Lobato volta-se corajoso para o Brasil e os problemas de nossa terra, em um estilo bem brasileiro.

Chatô: o rei do Brasil (Morais, Fernando)
Biografia de Assis Chateaubriand, jornalista e dono de um verdadeiro império. História recente de nosso país.

Corações sujos (Morais, Fernando)
Com a rendição do Japão, em agosto de 1945, chega ao fim a II Guerra Mundial. Nascia, no Brasil uma organização secreta japonesa, a Shindo Renmei. A colônia japonesa no Brasil se divide, então entre os Kachigumi e os Kegumi, apelidados de “corações sujos”. A Shindo Renmei resolve fazer uma “limpeza ideológica” na colônia e muitos “corações sujos” são eliminados. O presidente da República decreta deportação para o Japão de 80 dirigentes e matadores da organização e sepulta assim, a seita que aterrorizou a colônia japonesa no Brasil.

A tempestade (Mota, Sonia Rodrigues)
Adaptação da peça escrita originalmente por Willian Shakespeare e representada para a Corte inglesa, em 1611, mas que mantém sua atualidade por tratar das paixões humanas, sobretudo quando o poder está em jogo.

Justino, o retirante (Mott, Odette de Barros)
Justino, um garoto de apenas 9 anos, decide abandonar a miséria causada pela seca e, juntamente com outros retirantes, tentar uma vida melhor. Conhece um violeiro cego que passa a ser seu parceiro no caminho até uma cidade maior onde finalmente encontra trabalho e a chance de realizar alguns de seus sonhos.

O livro de San Michele (Munthe, Axel)
Uma das biografias mais amadurecidas e emocionantes de nossa época. Narrado pelo autor Axel Munthe, que cuidadosamente descreveu fatos vividos com os personagens que fazem o livro San Michele. Munthe, médico septuagenário e quase cego, faz uma retrospectiva no seu retiro em Anacapri, na Itália. O solitário de San Michele nos leva assim, de Paris a Londres, a Suécia, as regiões isoladas da Laponia, a Alemanha e a Roma.

Baú de ossos: memórias I (Nava, Pedro)
Lembranças de um homem que viveu seu tempo, tendo travado relações com importantes figuras da arte e da política no Brasil. Biografia do autor.

Feliz ano velho (Paiva, Marcelo Rubens)
Autobiografia. O autor sofreu um acidente que tornou-o paralítico. No livro ele conta suas lutas, suas frustrações, seus sonhos e a solidariedade dos amigos e da família.

A hora da morte (Pearl, Jack)
Um esquiador é morto por um tiro, no alto de uma montanha. O livro conta o trabalho da polícia para desvendar o crime.

O ramo de hortências (Pecci, João Carlos)
História do relacionamento afetivo entre pessoas de diferentes níveis sociais, seus desejos, suas ansiedades, seus objetivos e suas frustrações.

Maria bonita (Peixoto, Júlio Afrânio)
História de amor passada no sertão, entre um rapaz de família rica e poderosa, e uma moça pobre, mas muito bonita, filha de agregados da fazenda.

Sinhazinha (Peixoto, Júlio Afrânio)
Uma história de amor e ódio, tendo como pano de fundo a luta entre clãs baianos, donos de um chão que não acaba mais e de idílios contrariados por homens aguerridos, que se interpunham entre jovens, movidos por um mero sentimento de vingança. Vivendo numa luta entra família, amor e ódio.

No coração do mar (Philbrick, Nathaniel)
O livro que originou o clássico Moby Dick de Melville. A história verídica trata sobre o baleeiro Essex que, em 1820, foi afundado por uma cachalote e a saga de seus tripulantes. Durante três meses amontoaram-se em três botes e enfrentaram a morte.

A casa vazia (Pilcher, Rosamunde)
Virgínia Keile teve a decepcionante experiência de um casamento com um homem esnobe e rico. Ela vive os anos de seu casamento reclusa em uma mansão na Escócia. Quando o marido morreu, Virgínia permitiu que a avó paterna e uma babá educassem seus filhos. A mais significativa experiência de sua vida começa quando retorna à pequena cidade de sua juventude e decide passar um mês na casa de uma amiga. Felicidade, alegria de viver, liberdade e coragem estão presentes em seu dia-a-dia como sensações há muito esquecidas. Disposta a enfrentar com coragem a sogra e a babá para trazer os filhos para junto de si, ela vai contar com o apoio de um amigo da juventude, que lhe estenderá a mão e abrirá o coração para auxiliá-la em sua nova etapa de vida.

Os catadores de conchas (Pilcher, Rosamunde)
A saga de Penélope Keeling, filha de um pintor vitoriano idoso e de uma jovem francesa, liberal e independente, cuja existência confunde-se com a de milhares de mulheres. O universo de uma criatura vigorosa, firme e bela.

Victória (Pilcher, Rosamunde)
Aos 18 anos, Victoria Bradshaw se apaixonou pelo autor teatral Oliver Dobbs, mas ele desapareceu de sua vida. Agora, anos depois, Dobbs já está viúvo e com um filho pequeno. Movida por sua grande paixão, Victoria o aceita de volta. A viagem que farão juntos para um castelo na Escócia poderá tornar-se uma odisséia de descobertas emocionais. Victória é um romance sobre relacionamentos tão reais quanto os que experimentamos.

A casa da mãe Joana (Pimenta, Reinaldo)
A história das palavras é a história do homem. Elas nascem e atravessam idiomas, mudando quase sempre na forma e muitas vezes no conteúdo. O livro é uma coleção de origens curiosas de palavras, frases e marcas. A apresentação, em ordem alfabética, pode induzir o leitor à idéia de estar diante de uma obra para ser consultada esporadicamente. Mas sua função primordial é ser lido e entreter. No entanto, é importante ressaltar que nenhuma das etimologias apresentadas foi inventada. Todas, sem exceção, resultaram de estudos com base em artigos e obras de autores especializados no assunto.

Um D. Quixote moderno (Powell, Richard)
Neste romance de ficção, você travará conhecimento com Arthur Peabody Goodpasture, um jovem de Boston, que entra para o Corpo da Paz e se intromete em uma revolução na República de San Marco, nas Caraíbas.
Será este um livro cômico? Haverá nele, sob o disfarce de comicidade e sátira, um estudo sério de moral, uma investigação dos modos pelos quais as boas intenções podem se deteriorar neste nosso universo?

Uma rua como aquela (Prado, Lucília Junqueira de Almeida)
O livro foi lançado em 1971, fazendo muito sucesso junto ao público infanto-juvenil. Reserva uma surpresa no final da história dos moradores de uma rua sem saída, onde vive um velho avarento.

O quarto K (Puzo, Mário)
Um novo Kennedy assume o governo dos Estados Unidos, mas após o seqüestro de sua filha e de outros acontecimentos chocantes, passa a agir como um ditador cruel. Somando a esta idéia intrigante os meandros da terrorismo internacional, a amoralidade do jogo político e a sofisticação dos serviços de segurança, Mario Puzo compôe uma história empolgante, aterradora e tão vigorosa como a vida real.

O siciliano (Puzo, Mário)
A vida de Salvatore Giuliano, o famoso personagem que lutou pelos humildes de sua terra (Sicília) contra os poderosos que a exploravam. Misto de guerrilheiro e bandido, ele se opôs às autoridades italianas e à Máfia.

Dora, Doralina (Queiroz, Rachel de)
A história de uma avassaladora paixão de uma viúva por um Comandante de navio, fica ainda mais intensa graças à simplicidade da autora.

Fonte:
http://www.vestibular1.com.br
Colaboração de Douglas Lara. http://www.sorocaba.com.br/acontece

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

O Escritor em Xeque (Entrevista com Nilto Maciel)

Nilto Maciel (à direita) ao lado do recém-falecido José Alcides Pinto

Em entrevista ao Vida e Arte Cultura, o escritor Nilto Maciel, autor de As Insolentes Patas do Cão, reflete sobre a literatura local e antecipa detalhes da nova versão de Panorama do Conto Cearense (Jornal O Povo, Fortaleza, Ceará, 15/6/2008)

O escritor argentino Julio Cortázar (1914-1984) costumava comparar a estrutura do conto a de uma bolha de sabão. Ele a descrevia como intrincada, concentrada e altamente volátil. De modo geral, sugere a pesquisadora Nádia Battella Gotilib em Teoria do conto, volume que integra a série Princípios, os bons autores partem do interior imponderável da bolha para uma exterioridade - a realidade - cuja estrutura também se articula de forma desordenada. Em seu livro, Nádia varre a história desse gênero controverso, porque cambiante, e a revira à procura das mais variadas explicações que já se deram na longa e mal-fadada busca por definições mais precisas de uma modalidade narrativa imprecisa. Escritor e editor da revista Literatura, Nilto Maciel, 63 anos, dedica parte do seu tempo ao exame da bolha de Cortázar. Em Panorama do Conto Cearense (2005), livro que ganhará versão ampliada e revista ainda neste ano, por meio do edital da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará -, Nilto inventaria contistas de ontem e de hoje. Conciso, o livro também traz uma síntese cronológica dos principais autores e também dos periódicos e grupos literários que marcaram a história das letras cearenses. Em entrevista a O POVO, Nilto fala sobre a escrita do livro, a experiência de O Saco e a ausência de uma crítica literária no Ceará. (Henrique Araújo, especial para O POVO)

O POVO - Publicado em 2005 e prestes a sair em uma nova edição, Panorama do Conto Cearense tem um caráter de apanhado ou apresentação breve da produção literária de contos ao longo da história. Como foi o processo de pesquisa para a escrita desse livro?

Nilto Maciel - Eu tinha conhecimento dos contistas antigos, Oliveira Paiva, Herman Lima e outros. E também dos contemporâneos, da minha geração: Airton Monte, Carlos Emílio Correia Lima, Gilmar de Carvalho... O pessoal que surgiu em torno da revista O Saco. Depois fui embora pra Brasília. Fiquei 25 anos lá. Começava minha carreira literária, com dois livros publicados. Mas acompanhava o pessoal daqui. Todo ano eu vinha pra cá. Sabia das novidades de cá, recebia muitos livros autografados. Alguns escritores eu não conhecia pessoalmente. Por exemplo, Francisco Carvalho e Moreira Campos. Este eu devo ter visto umas duas vezes. Depois comecei a conhecer os novos, Dimas Carvalho, Tércia Montenegro, Jorge Pieiro, Pedro Salgueiro. O Panorama surgiu dessas leituras. Escrevi vários artigos sobre contistas cearenses. E aí, conversando com amigos em um bar, porque essas idéias sempre surgem em bar, a idéia surgiu. O Pedro (Salgueiro) perguntou: “Por que tu não escreves sobre o conto cearense?” Sânzio (de Azevedo, professor de literatura cearense da UFC) publicou um ensaio sobre o gênero. Braga Montenegro também. Eu fiquei instigado com as observações do Pedro Salgueiro. Passei então a ler e reler todo mundo, tanto os velhos como os novos, e passei dois anos escrevendo. Fui reler todos os contos do Juarez Barroso, do Moreira Campos, de todos. Ainda neste ano vai sair uma edição ampliada dele, aprovada em edital da Secult. Tem 300 páginas. Nele, eu coloquei um conto de cada grande autor analisado. Vai ter 25 contos. Por exemplo, junto à análise dos contos de Rachel de Queiroz ou Caio Porfírio Carneiro virá um conto deles. O título talvez seja Da Quinzena ao Caos, por sugestão do Sânzio de Azevedo. Eu queria Da Padaria ao Caos, mas A Quinzena, jornal de um grupo literário importante, é anterior à Padaria Espiritual. Espécie de ensaio da Padaria. Muitos dos autores padeiros estiveram n’A Quinzena.

OP - Quem foram os primeiros cultores da narrativa curta no Ceará?

Nilto - Oliveira Paiva e Adolfo Caminha. Os dois escreviam e publicavam nos jornais da época. Existiram outros contistas bons, mas que não se tornaram nomes nacionais. O Juvenal Galeno ficou mais conhecido como poeta. O Araripe Júnior não é tido como um bom contista. Esses foram os autores que marcaram o século XIX. No século seguinte, Gustavo Barroso e Herman Lima são dois nomes importantes.

OP - Que momentos da literatura cearense o livro alcança?

Nilto - Ele começa no século XIX, com Juvenal Galeno e outros, vai, sem se deter muito, até os anos de 1970. Passa por Rachel de Queiroz, Moreira Campos. Depois o livro se concentra nas gerações que deram origem ao O Clã, O Saco e Siriará. Passa por Airton Monte, Gilmar de Carvalho, Natércia Campos. Enfim, caminha até os anos 1990, quando surgem Pedro Salgueiro, Jorge Pieiro, Carlos D’Alge, Dimas Carvalho, Paulo de Tarso Pardal, Ronaldo Correia de Brito, Rinaldo de Fernandes, Tércia Montenegro e outros. Panorama do Conto Cearense vai até os primeiros anos do século XXI.

OP - Quais as diferenças existentes entre o seu livro e “Evolução e natureza do conto cearense”, do Braga Montenegro, ambos voltados exclusivamente para o conto produzido aqui?

Nilto - O trabalho do Braga Montenegro é mais crítico. Ele começa falando do conto mais amplamente, contextualiza bastante. Vai avaliando, mas fala pouco dos autores. Procurei fazer como uma enciclopédia. Não que o meu seja melhor. Posso chamá-lo de trabalho jornalístico, de um leitor curioso. Não me considero crítico. Sou apenas um leitor curioso, que cutuca os autores.

OP - No Ceará, os escritores parecem surgir a partir de revistas e de agremiações. Por que isso costuma acontecer?

Nilto - Acho que isso era comum. E continua um pouco. Menos hoje, com a internet. Com ela, pouca gente se atreve a criar revista impressa. Todo mundo cria revista na internet. Muita gente me procura, pede contos. Mas as revistas impressas são poucas.

OP - Ela acaba contribuindo para que menos revistas literárias circulem?

Nilto - Eu acho que contribui, sim. Mas tem mais gente escrevendo do que lendo. Só na área da literatura, é impossível acompanhar tudo que surge. Tem muito veículo, mas está faltando leitor. Por exemplo, surgiu em Porto Alegre a Bestiário. Eu nem conhecia o editor, que me pediu ajuda. Então mandei uns 500 contos de gente do Ceará e do resto do país. Boa parte foi publicada.

OP - Por falar em revistas, fala um pouquinho sobre a criação de O Saco.

Nilto - Foi assim. Na ditadura, quando a repressão começou a ficar muito forte, os diretórios acadêmicos foram fechando. Os jovens estudantes se aproveitaram dos mimeógrafos para fazer jornais literários. Saíram de cena os jornais contra a ditadura e vieram esses outros. Foi nesse tempo que fiz Intercâmbio, jornal que dialogava com gente de todo canto. Carlos Emílio Correia Lima perguntou por que a gente não fazia uma revista mais bonita, com um cuidado maior. Os suplementos tinham desaparecido. Os dois jornais que ainda tinham suplementos publicavam apenas os consagrados, os escritores mais conhecidos. A gente sentia muita dificuldade para publicar. Aí surgiu a pergunta: quem vai bancar a revista? Procuramos o Manoel Coelho Raposo. Eu e Carlos Emílio à frente. Apresentamos o projeto pra ele.

OP - Como era a revista?

Nilto - A revista era solta, sem grampos, dentro de um saco. Apenas quatro cadernos: poesia, contos, jornalismo e imagens. Começou com 7 mil exemplares. Coube ao Raposo ser o carro-chefe. Ele tinha dinheiro e conhecia os negociantes. A cada mês saía um número. No número 7, a crise se instalou. Houve um problema com a Superbancas, a empresa que fazia a distribuição em todo o País. Eles disseram que não iam poder mais distribuir porque não valia a pena, a tiragem era pequena. Muita gente achou ter sido a censura a causa do fim da revista.

OP - Esteticamente, quais eram as grandes preocupações de vocês?

Nilto - A minha geração tinha uma grande preocupação com a forma e em não ser regional. De ser mais universal, sem esquecer o regional. Não queríamos ser regionalistas. Queríamos uma linguagem mais universal.

OP - Voltando aos cânones da narrativa curta cearense. Que lugar ocupa, por exemplo, Moreira Campos?

Nilto - O de maior contista da história cearense. Ele se dedicou àquilo. Algumas pessoas dizem que ele é bom porque se dedicou só ao conto. Mas não é isso. Eu o considero o maior contista cearense. E acho difícil aparecer outro durante um bom tempo. Moreira Campos continua sendo o melhor. Mas gosto também do Dimas Carvalho. É um dos melhores da nossa terra. Bom contista e bom poeta. E cito também o Jorge Pieiro, que lembra muito o Gilmar de Carvalho. Pedro Salgueiro, Tércia Montenegro, Carmélia Aragão. Luciano Bonfim é mais revolucionário do que todo mundo. A Natércia Campos também é muito boa.

OP - Como você avalia essa produção mais contemporânea?

Nilto - A maioria dos contistas de hoje tem uma vontade de chocar maior. Mas cadê a preocupação com a linguagem, com o tema? Eu sou muito preocupado com a linguagem, a forma... A frase mal-construída. Falando especificamente do conto, se tem alguma novidade nele, se não é uma simples história, isso me agrada. Gosto dos contistas que fogem dos modelos. Aí eu anoto.

OP - Anota?

Nilto - Sim. Eu leio para encontrar defeitos. Eu sempre li e gostei de julgar o livro que leio. Leio sempre anotando. E ninguém vai querer o livro, porque está todo anotado. Tenho mais de 200 artigos sobre livros. Quando leio Machado de Assis, eu não risco nada. Leio por prazer. É assim com todos os clássicos. Mas quando o Pedro Salgueiro, por exemplo, me manda um livro, eu risco. Não costumo ler por prazer.

OP - Mas tem um prazer nesse tipo de leitura, certo?

Nilto - Tem, sim. Um prazer sádico (risos).

OP - E o que você lê hoje?

Nilto - O que é de hoje. Já li todos os clássicos. Posso até reler, mas por gosto. Tenho dez livros novos aqui em cima da mesa. Eu vou ler, esculhambar e elogiar. As pessoas me pedem pra fazer isso. Me mandam os livros. Eu pergunto: Você quer mesmo que eu comente? Não vai se zangar? Uma vez eu estava em um bar lá em Brasília. Uma moça me entregou os poemas dela e me pediu pra dar uma opinião sobre eles. Queria que eu lesse lá mesmo. Eu li. Ela disse: “E aí?” Eu respondi: “Sinceramente, não publicaria”.

OP - Voltando à questão dos “novos”. Em termos de conteúdo e forma, o que muda entre a geração atual e as que vieram antes?

Nilto - O Braga Montenegro fala de evolução do conto. Não acho que seja isso. Cada geração fala de um jeito. Na geração do Fran Martins os contos eram de dez, quinze páginas. Nos anos 70, o que mudou foi a linguagem. A linguagem do Pluralia Tantum, do Gilmar de Carvalho, é revolucionária. A estrutura frasal, a composição do conto, se você ler o Gilmar você diz que não é conto. Não tem enredo.

OP - Nos anos de 1970, ao lado do poeta satírico Glauco Mattoso, você organizou uma coletânea chamada Queda de braço: uma antologia do conto marginal. De onde partiu essa idéia?

Nilto - Na época, todo mundo se considerava marginal. Porque era todo mundo novo, sem dinheiro, desconhecido e sem condições de poder publicar. Pensei em organizar uma antologia do conto marginal aqui em Fortaleza. Na época, o Glauco andava querendo a mesma coisa. Não lembro se ele veio para cá ou se a idéia chegou até ele, em São Paulo. Mas o Glauco ficou sabendo e propôs: vamos fazer isso juntos. Você cuida do Norte e eu cuido do Sul. Não concordei com essa divisão e a gente reorganizou tudo. Queda de braço saiu em 1977. O título foi dado pelo próprio Glauco. Reuni contos de uns amigos e mandei pra ele. Foram publicados Carlos Emílio, Rosemberg Cariry, Airton Monte e outros.

OP - Pra finalizar, Nilto, como você avalia a crítica literária feita no Ceará?

Nilto - No Ceará, atualmente, não há crítica literária. O Sânzio é historiador, o Linhares é mais da academia. O Dimas Macedo elogia todo mundo. Críticos são F.S. Nascimento e Braga Montenegro. Existe a resenha, que é um artigo curto que fala bem de um livro para ser vendido. A crítica é para avaliar.
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Nota do Blog: Panorama do Conto Cearense está sendo postado periodicamente, devido ao grande numero de paginas em seu conteúdo.
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Fontes:
Jornal O Povo. Fortaleza, CE. 15 de junho de 2008.
http://literaturasemfronteiras.blogspot.com/

Nilto Maciel (A Revista O Saco e o Grupo Siriará)

A história da Literatura Cearense é rica em movimentos e grupos literários, desde os primeiros tempos. E assim permanece. Depois do grupo Clã, foi a vez dos concretistas e, em sequência, a criação do grupo Sin de Literatura, composto de poetas ensaístas, como Barros Pinho, Linhares Filho, Roberto Pontes, Horácio Dídimo, Pedro Lyra, Rogério Bessa e outros. No final dos anos 1970, com o fim dos suplementos literários nos jornais de Fortaleza, os novos escritores também se reuniram, não em grupo fechado, mas com o objetivo de publicar seus poemas e contos, principalmente. Surgia a revista O Saco.

Um dos mais substanciosos estudos sobre a revista O Saco é de Alexandre Barbalho: Cultura e Imprensa Alternativa: a revista de cultura O Saco (Editora da Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2000). Outros escritores também se manifestaram sobre este assunto em artigos.

Em 1976 um grupo de escritores criou O Saco, “revista mensal de cultura”. A partir do nº 5 tornou-se “uma revista nordestina de cultura”, apesar de, desde o primeiro número, publicar colaborações de escritores de todo o Brasil e até do exterior.

A Revista apareceu como novidade, não somente no Ceará, mas no Brasil. Diferente das outras, as de então e as do passado. Porém não tínhamos pretensão de fazer escola, de ser anti-acadêmicos ou revolucionários. Pois escritores mais velhos, com livros editados também foram publicados.

O Saco não surgiu por acaso. A idéia de uma revista literária apareceu muito antes de 1976. Queríamos publicar nossas obras. Onde iríamos editá-las? Para as editoras do Rio de Janeiro e de São Paulo não existíamos. Dois anos antes um grupo de escritores, entre eles Renato Saldanha, Carlos Emílio e eu, trocava idéias sobre como resolver o problema da falta de espaço na imprensa para a publicação de poemas e contos dos jovens. Decidiu-se organizar e publicar uma coletânea de contos dos novos escritores cearenses.

Seis meses se passaram e a idéia não se concretizava. Por que não uma revista literária? Proclamou-se, então, em Fortaleza uma reunião de escritores. Comparecem somente três: Carlos Emílio, Roberto Sérgio, que faleceu pouco depois, e eu. Seria preciso uma convocação pela imprensa. Emílio escreveu um artigo, “Chamada Geral”, publicado na Gazeta de Notícias de 6/7/1975: “Foi iniciado um movimento que revitalizará nossa literatura”. Mais adiante argumenta: “Precisamos fundar uma revista, não só de um grupo de amigos, mas sim de todos nós” (...) Citava alguns nomes, que depois participaram de O Saco. À primeira reunião compareceram cerca de 70 pessoas. A maioria desejava a realização de um show no Teatro José de Alencar. Espécie de feira de arte, com música, teatro, exposição de artesanato, cordel, fotografia, desenho, livros.

Sucederam-se outras reuniões, e sempre a mesma torre de babel. A revista não vingou nem o show se realizou. Decepcionado, resolvi agir sozinho. Criei o jornal Intercâmbio. Sem recursos financeiros, imprimi o primeiro número em mimeógrafo. Iniciava-se uma fase de intensa troca de idéias e impressos com pessoas de todo o Brasil.

Nas grandes e médias cidades havia pelo menos um jornalzinho cultural ou literário mimeografado, herança do movimento estudantil de 1968. Em pouco tempo eu me correspondia com escritores de todo o país.

A idéia de uma coletânea de contos ressurgiu. Vivia-se o chamado boom do conto. Não mais uma antologia cearense, mas nacional. Uma antologia do conto marginal. Quase todos os jovens escritores eram marginais, independentes, e os jornais nanicos. Por coincidência, na mesma ocasião, no Rio de Janeiro, outro marginal, Glauco Mattoso, anunciava um projeto semelhante ao meu. Decidimos unir as forças para a organização da antologia, a seleção dos contos.

Divulgamos notícias na imprensa (a nanica e a grande) de todo o país. Em pouco tempo tínhamos em mão milhares de páginas de contos, semicontos, anticontos. Feita a seleção, Glauco cuidou da edição do livro: Queda de Braço – Uma Antologia do Conto Marginal, publicado somente em 1977, após o fechamento de O Saco.

Mesmo com o fracasso das grandes reuniões, Carlos Emílio não desistia da idéia de uma revista impressa em off-set e de circulação nacional. Intercâmbio não passava de um reles jornalzinho mimeografado, de distribuição restrita, sem a menor importância. Quem financiaria, então, projeto tão caro? Manoel Coelho Raposo e Jackson Sampaio, livreiros e escritores. Carlos os conhecia, eu não.

Realizadas algumas reuniões, decidimos criar uma editora e a revista. A capa seria um saco plástico ou de papel e dentro dele viriam textos impressos em folhas, folhetos de cordel, fotografias, o diabo-a-quatro, tudo solto. Achei a coisa horrível. Finalmente chegamos a um consenso: em vez de um saco, um envelope de papel amarelo, como capa; em vez de tudo solto, quatro cadernos (poemas, contos, artigos e desenhos) impressos, embora não colados, costurados ou grampeados. E o nome da revista? O Saco. Imaginei saco de gatos, riram, mas não me levaram a sério.

Nunca gostei das principais características da revista: a comercial, empresarial, e a relativa ao formato. Ficção, do Rio de Janeiro, seria um bom modelo. Eu pensava uma revista simples, alternativa, feita por escritores novos e sem vez no mercado editorial. Tanto insisti nessa idéia que mais tarde, em 1991, criei Literatura.

E a tarefa de cada um em O Saco? A Raposo caberia a administração financeira. Eu e Carlos Emílio nos encarregaríamos da correspondência com escritores e da coleta de colaborações. Carlos e Jackson cuidariam da seleção final, entrevistas, viagens para contatos, etc.

O nome Saco tinha um sentido amplo ou um sentido de amplitude. No entanto, não se tratava de um movimento ou de um grupo com idéias de movimento literário. Nossa pretensão era uma só: editar uma revista. Sem muitas restrições. Nada de bairrismo, regionalismo, nacionalismo. Nenhum ismo. Não queríamos um grupo, uma igrejinha, uma coisa regional. Um saco onde coubesse tudo ou quase tudo, todas as manifestações culturais e artísticas. Em razão disso, criou-se um caderno de desenhos, poesia visual, crítica literária, jornalismo cultural.

No dia 2 de abril de 1976 saiu às bancas o primeiro número. Falou-se em sucesso. Inúmeros jornais de todo o Brasil e até do exterior noticiaram o aparecimento da Revista. A festa, no entanto, duraria pouco. O último número, o sétimo, é de fevereiro de 1977. Ao deixar de circular, a Revista largou sementes no chão. De início, sabíamos que sem publicidade a revista não sobreviveria. E nunca conseguimos grandes anunciantes. Nossa revista não atingira os milhares de leitores dos jornais diários. O primeiro número teve distribuição precária. Houve encalhe. A partir do segundo conseguimos chegar às bancas das principais cidades do País. Como se fez isso, se a tiragem era de seis mil exemplares? Eis aí a razão principal do nosso fracasso. O Saco não podia ter distribuição nacional. Por que não concentramos nossas atividades no Ceará ou mesmo no Nordeste?

Dois anos depois do fechamento de O Saco surgiu o “Grupo Siriará”. No dia 14 de julho de 1979 publicou-se o “Manifesto Siriará”.

Explica-nos João Brígido que “a palavra primitiva ouvida ao índio era ciri-ará.” E esmiuça a formação da palavra: “Ciri, na língua guarani, quer dizer andar para trás e o selvagem, fazendo dum fato uma substância, chamou a todo câncer marítimo ou caranguejo-ciri.” E mais adiante: “ará é adjetivo significando claro, branco, alvacento, etc, etc.” O "C" primitivo de ciri transmudou-se depois no "S" de siriará para, em seguida, por síncope, dar Siará. Uma revanche fonética trouxe de volta o "C" e deu Ciará. E, por último, Ceará, apesar de o povo continuar a pronunciar Ciará.

Siriará foi um grito novo contra muita coisa. E, logicamente, a favor de outras tantas. Por exemplo: “contra a ritualística de um passado literário que formal e conteudisticamente não mais representa a realidade nordestina do momento”. Não se tratava, evidentemente, de uma nova semana de 22. Era um grito a favor da democracia, entendendo-se como tal a prática dos direitos nacionais e regionais, individuais e de classe. Não um berro regio¬nalista, um aboio para ser ouvido no Sul e lá fora, como um exotismo. “Somente dentro dessa roupagem nos permitem lançar nacionalmente nossa 'mercadoria'”, está no manifesto.

As idéias básicas do Movimento eram, segundo o Manifesto:
1) Contra a ritualística de um passado que formal e conteudisticamente não mais representa a realidade nordestina do momento. Viva Graciliano, José Américo, Zé Lins do Rego, O Quinze de Rachel, João Cabral, Grupo Clã... Viva. Como lição, roteiro, experiência. Superação, não supressão. A seca e o sonho continuam. A favor de um texto terra (conteúdo); de um texto mestiço (forma); de um texto Siriará (intenção e linguagem).

2) Contra o colonialismo interno do sul e a condenação regionalista da literatura nordestina. A favor de uma literatura sem vassalagem, nordestinagem, inferioridade. Pensar e sentir o Nordeste e ter o direito de perguntar pelo Brasil. E não somente o Nordeste, território à parte.

3) Contra modelos e formas de pensar e escrever importados – impostados, impostos – pastagem alienante da culturália tupiniquim mal pensante. A favor de uma literatura brasileira brasílica. Autóctone. Sem totens nem tabus. Sem “fervor reverencial” à cultura da solene mamãe Europa e adjacências e/ou do executivo caubói do Arizona. O universo situado a partir de um discurso e uma linguagem crítica que reflitam a nossa própria situação/condição histórica. Pensar e sentir o Brasil no mundo. E o mundo no Brasil. A favor de uma escritura nordestina/brasileira, brasileira/planetária. Força centrípeta e centrífuga da linguagem. Da literatura. Da História. Da sabedoria cosmo-nativa.

4) Contra toda forma de opressão, de repressão política e/ou cultural. Fora, fuuu – a máscara policialesca da moral e dos bons costumes (literários). Fora a censura planaltina. Fora, fuuu – todas as patrulhas. E todos os pulhas ideológicos e literários. Queremos a verdade e a sinceridade. Ainda que tarde. Pra tudo rimar com Liberdade. A favor de uma literatura de combate, de questionamento, de indagação. De si mesma. Do indivíduo. Da sociedade. Do Brasil D. R. isto é, Depois de Rosa. Aqui e sempre. AVE, PALAVRA.”

Assinaram o Manifesto os seguintes escritores: Adriano Spínola, Airton Monte, Antonio Rodrigues de Sousa, Batista de Lima, Carlos Emílio Correa Lima, Eugênio Leandro, Fernanda Teixeira Gurgel do Amaral, Floriano Martins, Geraldo Markan Ferreira, Jackson Sampaio, Joyce Cavalcante, Lydia Teles, Márcio Catunda, Maryse Sales Silveira, Marly Vasconcelos, Natalício Barroso Filho, Nilto Maciel, Nirton Venâncio, Oswald Barroso, Paulo Barbosa, Paulo Véras, Rogaciano Leite Filho, Rosemberg Cariry e Sílvio Barreira.

Além do manifesto, vastamente publicado, o movimento editou livros; promoveu um seminário, com a leitura e discussão de textos dos seus membros; participou de encontros com estudantes; publicou uma revista-antologia e um suplemento especial no jornal O Povo, edição de mais de vinte mil exemplares, criteriosamente elaborado, com fotografias, biografias, depoimentos e textos de todos os seus integrantes, além do manifesto; encenou peças. Surgiram propostas como a veiculação de um jornal e a organização de uma antologia de escritores cearenses.

Na opinião de Dimas Macedo, no ensaio “Literatura e Escritores Cearenses” (Crítica Imperfeita, Imprensa Universitária, Fortaleza, 2001), o Grupo Siriará não deixou “uma contribuição significativa, enquanto movimento de renovação estética e literária. Foi uma atitude muito mais do que um grupo literário com disposição de aglutinar uma proposta concreta de ação ou coisa que o valha. Mas é indiscutível também que do Siriará provêm alguns dos melhores escritores cearenses da década de 1980, com raízes num período bem anterior, que remonta à criação da revista O Saco, uma das mais originais publicações brasileiras das últimas décadas.”
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Sobre Nilto Maciel = postagem em 14 de abril de 2008
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Fonte:
Revista Feira do Sebo. Fortaleza, CE: fevereiro de 2008.
Colaboração de Nilto Maciel.

Rafael Castellar das Neves (Homem-boneco)

Sou boneco de massa,
Modelado pela criação, em forma de Davi, para exibição.

Sou boneco de pano,
Confeccionado com estilo pela arrogância para ser fonte da inveja.

Sou boneco de vidro,
Moldado pela avareza para ser objeto de decoração em uma redoma de cristal.

Sou boneco de ferro,
Forjado pela prepotência para um plano de vida que nunca vi.

Sou boneco de pedra,
Lapidado pela mediocridade, impermeável, impenetrável, exemplar.

Mas sou boneco de gesso,
Quebro, trinco e, quando choro, esfarelo – me jogam fora.

Fonte:
http://descemaisuma.blogspot.com/

Artur Eduardo Benevides (Elegia Cearense - Soneto Inglês - Soneto de Mágoa e Esperança )

Elegia Cearense

1
Longo é o estio.
Longos os caminhos para os pés dos homens.
Longo o silêncio sobre os campos. Longo
o olhar que ama o que perdeu.
Já não vêm as auroras no bico das aves
nem se ouve a canção de amor
dos tangerinos.
A morte nos abóia. Exaustos, resistimos.
Se se acaso caímos os nossos dedos
começam a replantar a rosa da esperança.
Ai Ceará
teu nome está em nós como um sinal
de sangue, sonho e sol.
Chão de lírios e espadas flamejantes,
território que Deus arranca dos demônios,
mulher dos andarilhos, dálida da canícula,
em nós tu mil rorejas. Pousas. És canção.

2.
Para cantar-te me banho em tua memória
e ouço a voz enternecida
diante de esfinges soluçando.
Oh! ver-te apunhalada — e o sol
roubando tua frágil adolescência
e ponto em tua face o esgar
de quem se sente, súbito, perdido.
Teus pobres rios secam
os galhos perdem os frutos
as aves bicam o céu
fogem as nuvens.
Então ficamos escravizados
à tua sede austera, ao teu desejo
de um dia seres bela igual às noivas
que se casam no fim dos teus invernos.

3.
Triste é ver as crianças finando-se nos braços
de mães alucinadas que vendo-as à morte
inda cantam de amor canções do tempo antigo.
E ficas desesperada vendo os filhos
ao longo das estradas onde há pouco
trabalhadores cantavam an entardecer.
Mudas a voz, então: és cantochão
és réquiem crescendo à sombra dos degredos
és rouca como presos que murmuram
palavras dos dias em que foram
jovens e felizes.
Para cantar-te, Bem-Amada telúrica,
seria feliz se vez de vãs palavras
tivesse em minha boca chuvas e sementes.
Ai, viúva do inverno, flor violentada,
teu sol não brilha: queima. Mas um luar
renasce sempre no olhar
dos homens.
Ó grande olhar de pedra, sede e solstício:
te dessem um novo reino e nunca aceitarias!

4.
Belos são os teus frutos porque difíceis.
Em cada sepultura nasce uma rosa.
Em cada filho teu o amor é como o inverno.
Jamais tu morrerás. Não seríamos fortes
se por ti não estivéssemos em vigílias cruéis, ó mãe!
Mas se as chuvas te querem
como louco partimos
para o amanho da terra.
Os campos então ficam maduros
qual ventre de mulher,
e as bocas
— tranqüilas e felizes —
gritam
palavras de amor
que erguem
primaveras.

Soneto inglês


Esse teu ar de estrela e de mulher,
Esse jeito de flor e de mistério,
Esse lume que tens, imenso, etéreo,
Esse vasto querer que ora me quer;
Esse olhar que me fere mas não mata,
Esse sorrir de brisa matinal,
Essa imagem de verso provençal,
Esse segredo que ninguém desata;
Esse estilo de vida, esse teu dom,
Esse estado de graça e de leveza,
Essa clara verdade, essa beleza,
Esse gesto de amor em sobretom


Fazem-te grande, sendo pequenina,
Dando à mulher encanto de menina.

Soneto de mágoa e de esperança


Por que de mim te alongas ou te afastas?
Será que em ti perdi meu gesto e rosto?
As minhas horas todas já são gastas
Em sonhar-te ditosa ou sem desgosto.


És glória, luz e amor. E eu? Sol-posto.
Mas, fugindo de mim, tu me vergastas
E deixas-me ferido, e pobre, exposto
Às vinganças do tempo, iconoclastas.


Para agradar-te, finjo que sou jovem.
Busco enganar-te, a ver se te comovem
As palavras que oferto, de afeição,


A fim de que, qual dádiva, me olhes
Com toda a tua graça e não desfolhes
As pétalas da última ilusão.
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Sobre o Autor:
Artur Eduardo Benevides (Pacatuba, Ceará, 1923) é poeta, ensaísta e contista brasileiro, com mais de quarenta livros publicados.
Foi eleito, em 1985, o Príncipe dos Poetas Cearenses, título já detido pelo Padre Antônio Tomás, por Cruz Filho e por Jáder de Carvalho. Bacharel em Direito e em Letras, foi professor titular da Universidade Federal do Ceará.
É membro da Academia Cearense de Letras, tendo sido seu presidente entre 1995 e 2005); da Academia Cearense de Língua Portuguesa e da Academia Fortalezense de Letras, integrante, também, do Grupo Clã. Em 2000 foi derrotado em eleição para a Academia Brasileira de Letras pelo escritor Ivan Junqueira.
Artur Eduardo Benevides é vencedor de mais de trinta prêmios literários, destacando-se a Bienal Nestlé de Literatura, em 1988.
Para comemorar os 80 anos do poeta, em 2003, o escritor José Luís Lira escreveu o livro "O Poeta do Ceará - Artur Eduardo Benevides", com sua biografia e trechos principais de sua obra. O livro saiu com o selo da Academia Fortalezense de Letras, da qual José Lira é fundador juntamente com Matusahila Santiago e Artur Eduardo Benevides o Presidente de Honra.
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Fontes:
Jornal de Poesia. http://www.secrel.com.br/poesia
http://pt.wikipedia.org/

Cândido Meireles (Kinamuiu)

Quando o meu corpo for, amada esposa,
Matéria inerte, pede aos meus amigos
Que não lhe dêem túmulo nem lousa,
No cemitério, entre os demais jazigos.

Não porque eu tenha medo à cova escura,
Nem as famintas larvas sepulcrais,
Quando minha alma já mais leve e pura,
Para acima dos lados mundanais.

Não porque fuja as vozes doloridas,
Dos esguios ciprestes gemedores,
Onde, segundo velhas crenças idas,
Penam almas de antigos trovadores.

Não porque odeio a eterna solidade
Do campo santo, à noite, às horas mortas
Eu que pressinto a eterna claridade,
Que brilha atrás dessas sombrias portas.

Não! Amo, sim, a luz da natureza,
E, a respeito de toda a inanidade
Da vil matéria fria e sem beleza,
Quero o meu corpo em plena liberdade.

Assim, quando o letárgico momento
Cheguem, em que esta minha alma redimida,
Não for que a forma do meu pensamento,
Livre no espaço, à luz de uma outra vida...

Que levem, pois, meu corpo, e em doce calma,
À, sobre aquele bloco de granito,
Dessa Kinamuiu que o vento ensalma,
Deixem-me então fazer sob o infinito.

Deixem-no junto ao colossal madeiro,
Que o padre – cura mandou por – sagrado!
Dos ecos no voraz desfiladeiro,
A marcar mais um século tomado.

Deixem-no lá, ao sol, à chuva, ao vento.
Dividido, mudo, abandonado ao ermo...
Sem dores, sem tristezas, sem lamentos.
Meu velho e gasto corpo de astafermo..

Deixem-no lá, da lajem na aspereza,
Abandonado as mutações impuras,
Que aves do céu virão, tenho certeza,
Meu coração levar para as alturas.

Porque do poeta, o coração amado,
Deus não consente apodrecer no lodo,
Fica no espaço em luz embalsamado,
Novo astro a luzir no Imenso – todo.

E tu, Kinamuiu – eterna e linda.
Catedral de almas ritos singulares.
Guarda o corpo do vate, que se finda,
No silêncio aromal dos teus altares.

Tu, que as Eras afrontas altaneira,
Ungida à luz dos fulgos arrebóis,
Se dos meus restos a era derradeira,
Banhada assim de aromas e de sois.
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Sobre o autor:
Cândido Meireles, Poeta e prosador tauaense, Patrono da Cadeira de N. 40 da Acacemia Tauaense de Letras. Nasceu em Tauá, aos 16 de dezembro de 1895, filho do Promotor de Justiça Dr. Gervásio Meireles e de Dona Aurelina Cândido Meireles. Aos 16 anos ingressou no Seminário, de onde foi afastado, dois anos depois por motivo de doença. Concluiu Odontologia na Faculdade de Odontologia e Farmácia do Ceará em Fortaleza, na turma de 1918. Fez parte do Recreio Literário Soriano Albuquerque (1919), em cujo órgão oficial – A Conquista, escrevia constantemente. Exerceu por algum tempo, o cargo de Inspetor-chefe do Serviço Odontológico Escolar. Colaborou em quase todos os jornais e revistas de Fortaleza da Época, com trabalhos em prosa e verso. Sócio efetivo da Associação Cearense de Imprensa. Poeta consagrado foi Membro da Academia Cearense de Letras.

Fontes:

O Sertão - Jornal da Academa Tauaense de Letras. 2007. http://www.antonioviana.com.br/
Academia Tauaense de Letras. http://academiatauaense.blogspot.com/

Caio Porfírio Carneiro (O orador)

Sempre que eu passava por aquela praça lá estava ele, sozinho no palanque, gestos teatrais, falando e falando para a multidão silenciosa. Semelhante aos tantos outros que na cidade, no Estado, no País, em palanques, rádios e televisões, faziam promessas há tantos anos. E anos a fora quantos e quantos continuavam a ouvi-los.

Aquele, porém, persistia, diariamente, sob o sol ou sob a chuva, no surrado terno preto, erguendo os braços para a amplidão, gesticulando, mãos trêmulas, aos que o ouviam à frente, à direita e à esquerda. Uma ampla saia de cabeças. E ampliava a voz, quase aos gritos, aos que passavam ao largo metidos nas suas vidas.

Pelo tipo, pelos gestos, só lhe faltava uma bíblia na mão. E ele não tinha bíblia. Aquela persistência, aquele mesmo público quieto e silencioso, intrigaram-me e me despertaram a curiosidade.

Saí rompendo a multidão para aproximar-me o mais possível:

– Com licença. Com licença.

Vi-me bem próximo daquela figura hipnótica, palavras vibrantes que diferiam dos tantos outros da cidade, do Estado, do País. Fui descobrindo, em meio à chuva de perdigotos, que tudo que lhe saía da boca nada prometia desta vida e da outra. Não falava de Deus nem dos homens. Não se referia à cidade, ao Estado e ao País. Ou ao mundo. Seu olhar fuzilava, inquietava, martirizava, e suas acusações, dedo em riste, queimavam, humilhavam, feriam.

Feriram-me.

Integrei-me à multidão e, guardando o mesmo silêncio de todos, contrito, fiquei a escutá-lo, esquecido do tempo.
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Sobre o autor
Caio Porfírio Carneiro é natural de Fortaleza (1º de julho de 1928), tendo se radicado em São Paulo em 1955. Tem cultivado o conto com regularidade. Sua estréia no gênero se deu em 1961, com o elogiadíssimo Trapiá. Seguiram-se Os Meninos e o Agreste (1969), O Casarão (1975), Chuva – Os Dez Cavaleiros (1977), O Contra-Espelho (1981), Viagem sem Volta (1985), Os Dedos e os Dados (1989), A Partida e a Chegada (1995) e Maiores e Menores (2003). Seus romances são O Sal da Terra (1965) e Uma Luz no Sertão (1973). Publicou as novelas Bala de Rifle (1965), Três Caminhos, Dias sem Sol e A Oportunidade, estas em 1988. É autor também de ensaios, como Do Cantochão à Bossa Nova (ensaio sobre música popular brasileira), literatura juvenil (Profissão: esperança, Quando o Sertão Virou Mar..., Da Terra Para o Mar, do Mar Para a Terra, Cajueiro Sem Sombra), poesia (Rastro Impreciso), reminiscências (Primeira Peregrinação, Mesa de Bar, Perfis de Memoráveis). Tem recebido diversos prêmios, como o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1975. [2007]
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Fonte:
Jornal de Poesia. http://www.secrel.com.br/poesia

Caio Porfírio Carneiro (Um cronista na vida)

A eterna discussão se a crônica é ou não gênero literário nunca teve, para mim, maior sentido. Será literária se o talento de quem a escreveu pode levá-la à arte da escrita. A discussão surge porque, na maioria das vezes, o gênero tende ao circunstancial. Então a crônica pode refletir um simples acontecimento do dia-a-dia ou sublimar-se em pagina do melhor lavor literário. Em citação única e ligeira, para ficar nesta, lembro a crônica de Machado de Assis sobre a morte do velho Garnier, proprietário da famosa editora que levava o seu nome. Partiu-me e, ainda hoje, ao relê-la, parte o coração.

A crônica, pelo contrário, não é gênero de feitura fácil. Não são muitos os nossos bons cronistas. Numerosos são os que a praticam, mas não lhe sabem dar alma. Podem ser dadas noticias de um crime hediondo numa “crônica”, como se pode, através de uma crônica verdadeira, falar apenas de um poste.

Vem-me a relevo este curto e pálido comentário ao ler estas crônicas de Cyro de Mattos, reunidas em livro – Alma mais que tudo. Dentro da versatilidade temática própria do gênero, o autor se volta, de coração pulsante, em grande parte dos textos, às reminiscências do passado, seja da infância na terra natal, na juventude estudantil na capital do seu Estado ou na vida jornalística, no Rio de Janeiro. Mas, como todo cronista que se preza, aborda um universo de temas variados, analisa-os e dá o seu ponto de vista, se necessário. “Direis” que qualquer um procede assim. Não procede, não. O cronista verdadeiro domina o gênero, como domina um poldro bravo, e o conduz àquela dignidade, só dela, que lhe dá um todo inconsútil.

Então as crônicas, como aqui, levam o leitor a lê-las e senti-las como corrente de um elo só. Eis que há mais no cronista: sabe dizer, como dizer, e analisar com aguda sabedoria de observação, de vida e de arte literária, para além da jornalística.

E nos vem à lembrança o velho truísmo: ser simples sem ser fácil. Quaisquer destes textos são de uma leveza estilística notável. Tudo é elíptico e rápido. E nem poderia ser diferente, dada à dimensão de cada texto, todos praticamente do mesmo tamanho, por imposição provável do espaço em que foram publicados. Acontece que o autor encontra nos temas pontos nodais ou detalhes subjacentes, que trazem ao vivo riqueza não revelada deles, e os “ampliam” para além do que está escrito. Tal como a arte implícita do conto.

Como destacar os melhores trabalhos aqui reunidos? Por mais que se faça uma eleição pessoal muitos ficarão de fora. O que dizer de O Rio? Uma crônica poética? E de Quintais? Uma crônica - reminiscência? Salvador da Bahia? Uma viagem ao passado da cidade e ao próprio passado perdido do autor? Terras da Morte... O que dizer desta pagina? Haverá dimensão maior para a morte do que na curiosidade e aflição de um menino?

Para que mais citações... O livro todo nasceu do talento notável de um escritor, de um poeta do primeiro plano da poesia brasileira, de um senhor do como dizer na arte de escrever.

Cyro de Mattos dispensa apresentação. Tudo o que escreve e tudo o que publica trazem sua marca personalíssima. O seu estilo nunca sofre lesões que desnivelem a sobriedade e o ritmo cristalino da frase, sempre essencial e sem arestas.

Estes trabalhos são, em parte, um espelho da alma do autor, e em parte sua ótica de observação humana e critica do mundo que o cerca e, por extensão, do nosso próprio mundo, com alguns sinais sensíveis, sublimes em quantos desconsertos e precariedades.

Lê-se o livro de uma corrida.

Depois? Depois relê-lo, que não é obra para uma leitura só.

Fonte:
Jornal de Poesia. http://www.secrel.com.br/poesia