sábado, 6 de dezembro de 2008

Emiliano Perneta (1866-1921)



VENCIDOS

Nós ficaremos, como os menestréis da rua,
Uns infames reais, mendigos por incúria,
Agoureiros da Treva, adivinhos da Lua,
Desferindo ao luar cantigas de penúria?

Nossa cantiga irá conduzir-nos à tua
Maldição, ó Roland? ... E, mortos pela injúria,
Mortos, bem mortos, e, mudos, a fronte nua,
Dormiremos ouvindo uma estranha lamúria?

Seja. Os grandes um dia hão de cair de bruço ....
Hão de os grandes rolar dos palácios infetos!
E gloria à fome dos vermes concupiscentes!

Embora, nós também, nós, num rouco soluço,
Corda a corda, o violão dos nervos inquietos
Partamos! inquietando as estrelas dormentes!

Ilusão (1911)
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GLÓRIA

Ao I. Serro Azul

Quando um dia eu descer às margens desse lago
Estígio, onde Caron, mediante uma parca
Moeda de estanho vil 0ll cobre, que eu lhe pago,
Há de me transportar numa sombria barca ...

Quando sem um sinal, sem uma prova ou marca
De afeição, eu me for por esse abismo vago,
Vendo que sobre mim funebremente se arca
O céu, e junto a mim esse Caron pressago ...

E envolvido na mais completa obscuridade,
Abandonado, e só, e triste, e silencioso,
Sem a sombra sequer do orgulho e da vaidade,

Eu tiver de rolar no olvido, que me espera,
Que ao menos possa ver o palácio radioso,
Feito de louro e sol e mirto e ramis de hera!

Ilusão (1911)
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DOR

Ao Andrade Muricy

Noite. O céu, como um peixe, o turbilhão desova
De estrelas e fulgir. Desponta a lua nova.

Um silêncio espectral, um silêncio profundo
Dentro de uma mortalha imensa envolve o mundo

Humilde, no meu canto, ao pé dessa janela,
Pensava, oh! Solidão, como tu eras bela,

Quando do seio nu, do aveludado seio
Da noite, que baixou, a Dor sombria veio.

Toda de preto. Traz uma mantilha rica;
E por onde ela passa, o ar se purifica.

De invisível caçoila o incenso trescala,
E o fumo sobe, ondeia, invade toda a sala.

Ao vê-la aparecer, tudo se transfigura,
Como que resplandece a própria noite escura.

É a claridade em flor da lua, quando nasce,
São horas de sofrer. Que a dor me despedace.

Que se feche em redor todo o vasto horizonte,
E eu ponha a mão no rosto, e curve triste a fonte.

Que ela me leve, sem que eu saiba onde me leva,
Que me cubra de horror, e me vista de treva.
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METAMORFOSES

A Mme. Georgine Mongruel.

Sei que há muita nudez e sei que há muito frio,
E uma voracidade horrível, um furor
Tão desmedido que, quando eu acaso rio,
Quantos não estarão torcendo-se de dor.

Conheço tudo, sim, apalpo, indago, espio...
Tenho a certeza que vá eu para onde for,
Como o escaravelho, hei de o ódio sombrio
Ver enodoar até o seio de uma flor.

Mas sei também que há mil aspirações estranhas,
Que havemos de subir montanhas e montanhas,
Que a Natureza avança e o Homem faz-se luz...

Que a Vida, como o sol, um alquimista louro,
Tem o dom de poder mudar a lama em ouro,
E em límpidos cristais esses rochedos nus!
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CORRE MAIS QUE UMA VELA...

Corre mais que uma vela, mais depressa,
Ainda mais depressa do que o vento,
Corre como se fosse a treva espessa
Do tenebroso véu do esquecimento.

Eu não sei de corrida igual a essa:
São anos e parece que é um momento;
Corre, não cessa de correr, não cessa,
Corre mais do que a luz e o pensamento...

É uma corrida doida essa corrida,
Mais furiosa do que a própria vida,
Mais veloz que as notícias infernais...

Corre mais fatalmente do que a sorte,
Corre para a desgraça e para a morte...
Mas que queria que corresse mais!
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SÚCUBO

Desde que te amo, vê, quase infalivelmente,
Todas as noites vens aqui. E às minhas cegas
Paixões, e ao teu furor, ninfa concupiscente,
Como um súcubo, assim, de fato, tu te entregas...

Longe que estejas, pois, tenho-te aqui presente.
Como tu vens, não sei. Eu te invoco e tu chegas.
Trazes sobre a nudez, flutuando docemente,
Uma túnica azul, como as túnicas gregas...

E de leve, em redor do meu leito flutuas,
Ó Demônio ideal, de uma beleza louca,
De umas palpitações radiantemente nuas!

Até, até que enfim, em carícias felinas,
O teu busto gentil ligeiramente inclinas,
E te enrolas em mim, e me mordes a boca!
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O BRIGUE
.
Num porto quase estranho, o mar de um morto aspecto,
Esse brigue veleiro, e de formas bizarras,
Flutua há muito sobre as ondas, inquieto,
À espera, apenas, que lhe afrouxem as amarras ...

Na aparência, a apatia amortece-lhe o esforço;
Se uma brisa, porém, ao passar, o embalsama,
Ei-lo em sonho, a partir e, então, empina o dorso,
Bamboleia-se mais gentil do que uma dama ...

Dentro a maruja acorda ao mínimo ruído,
Deita velas ao mar, à gávea sonda, o ouvido
Alerta, o coração batendo, o olhar aceso ...

Mas a nau continua oscilando, oscilando ...
Ó quando eu poderei, também, partir, ó, quando?
Eu que não sou da Terra e que à Terra estou preso?
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DAMAS

Ânsia de te querer que já não tem mais fim,
Meu espírito vai, meu coração caminha,
Como uma estrela, como um sol, como um clarim,
Mas tudo em vão, sei eu! Tu és uma rainha! ...

És a constelação maravilhosa, a minha
Aspiração, de luz magnífica, ai de mim!
A nudez, o clarão, a formosura, a linha,
O espelho ideal! Ó Torre de Marfim!

Nunca me hás de querer, batendo-me por ti,
Pomo duma discórdia infrutífera, beijo
Todo em fogo, e a arder, assim como um rubi...

Mas é por isso que eu, ó desesperação,
Amo-te com furor, com ódio te desejo,
E mordo-te, Ideal, e adoro-te, Ilusão!
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HÉRCULES

Homem, acorda! O sol, como um fruto de Outubro,
Acaba de explodir no seio de uma flor.
Mais alacre, porém, mais ardente e mais rubro,
Com toques de clarim, com rufos de tambor...

Tudo acordou, a abelha, o plátano e a rosa,
A folha, a brisa, o lago azul, a estremecer.
Ao fogo dessa boca, ideal, voluptuosa,
Como se a terra fosse, ó sol, uma mulher...

Nos espelhos do mar, de grande voz sonora,
Nesta manhã sutil e de um louro saxão,
As naus, que vão partir por esse mundo fora,
Miram vaidosamente as caudas de pavão...

Homem, levanta e vem para a campanha rude,
Ergue-te para a luz, ergue-te para o bem,
Tu que inda sentes n'alma o ardor da juventude,
A sede desse azul, a fome desse além...

Homem, levanta! Esquece a perfídia medonha,
O desígnio feroz de Juno, quanto quis
No teu sangue inocente a baba e a peçonha,
Um dia inocular, de monstros e reptis...

Homem forte, homem são, homem rude e diverso
Dos outros, vem mostrar que tu tens ideais;
Vem carregar aqui o peso do Universo
Sobre esses ombros nus, rijos e colossais...
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ORAÇÃO DA MANHÃ

Amanheceu. A luz de um claro e puro brilho
Tem a frescura ideal de uma roseira em flor :
Antes de tudo o mais, ajoelha-te, meu filho,
Ajoelha-te e bendize a obra do Criador.

Ajoelha-te aqui, e sorvendo esse aroma
De feno, e rosa, e musgo, e bálsamo sutil,
Que vem do seio azul dessa manhã, que assoma,
Na radiosa nitidez de uma manhã de Abril,

Bendize a força, a graça, a seiva, a juventude,
A hercúlea robustez daqueles pinheirais,
Que resistem, de pé, dentro da casca rude,
Aos mugidos do vento e aos rijos temporais.

Ama essa terra como um fauno que por entre
A silva agreste vive; ama tudo o que vês;
Todos somos irmãos, filhos do mesmo ventre,
Filhos do mesmo amor e da mesma embriaguez.

Abraça os troncos nus, beija esses ramos de ouro,
Ajoelha-te aos pés dos que te querem bem :
Que riqueza, Senhor, que límpido tesouro!
Que grande coração que o arvoredo tem!

Pede a Deus que conhece os bons e maus caminhos
Que conhece o passado e conhece o porvir,
Que te aponte de longe os cardos e os espinhos,
E que te estenda a mão, quando fores cair...
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PARA UM CORAÇÃO

Um dia, vi-te, assim, bailando,
E a uma pergunta, que te fiz,
Tu respondeste : "Eu amo, e quando,
E quando eu amo, eu sou feliz!"

Por uma noite perfumada,
Cantaste, sobre o teu balcão.
E eu disse, ouvindo a áurea balada :
- Ah! Que feliz é o coração!

Quanta felicidade, quanta,
Não há ninguém feliz assim :
Um dia baila e noutro canta,
Como se fosse um arlequim...

Eu disse .. Mas agora vejo,
Nesse silêncio tumular,
Que estás sofrendo, e o teu desejo
Já não é mais o de bailar...

Nem de bailar, e nem, de certo
De nada mais, de nada mais...
Que fazes, pois, triste deserto,
Que fazes pois, que não te vais?

Mas, choras, creio, choras? Onde?
Se viu chorar um Lucifer?
Pobre diabo, vamos, esconde
Essas fraquezas de mulher...
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SETEMBRO

Eu ontem vi chegar, quase que à noitezinha,
Apressada e sutil, a primeira andorinha...

É a primavera, pois, em flor, que se anuncia,
É setembro que vem, bêbedo de ambrosia.

Mãos doiradas, a rir, mãos leves e radiosas,
Semeando à luz e ao vento as papoulas e as rosas...

Como foi para nós de um esquisito gozo,
Ó minha alma! esse doce, esse breve repouso,

Que entre o nosso viver tumultuário e incerto
Surgiu como se fosse o oásis do deserto...
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Sobre o Poeta
Emiliano David Perneta (Curitiba, 3 de Janeiro de 1866 - 21 de Janeiro de 1921) foi um poeta brasileiro.
Nascido em um sítio de Pinhais, na zona rural de Curitiba, incorporando ao sobrenome um apelido de seu pai.
Considerado maior poeta paranaense, começou influenciado pelo parnasianismo. Republicano no Império, tanto que no dia 15 de novembro de 1889 formou-se em direito, sendo escolhido orador da turma, fez um discurso inflamado em defesa da República, sem saber que a mesma havia sido proclamada horas antes no Rio de Janeiro.
Foi abolicionista, continuando nos ideais da liberdade, passa a fazer palestras, publica artigos políticos e literários, assim como passa a incentivar, em Curitiba, a leitura do escritor Baudelaire, fato marcante para o surgimento do simbolismo no Brasil. Publicou seus primeiros poemas em O Dilúculo, de Curitiba, em 1883.
Mudou-se para São Paulo em 1885, onde fundou a Folha Literária, com Afonso de Carvalho, Carvalho Mourão e Edmundo Lins, em 1888. No mesmo ano publicou as obras poéticas Músicas, de versos parnasianos, a Carta à Condessa d’eu. Foi também diretor da Vida Semanária, com Olavo Bilac, e colaborador do Diário Popular e Gazeta de São Paulo.
Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1890. Lá, colaborou com vários periódicos e , em 1891, foi secretário da Folha Popular, na qual foram publicadas as manifestações inicias do movimento simbolista, assinados pelos poetas B. Lopes, Cruz e Sousa e Oscar Rosas.
De volta ao Paraná, criou a revista simbolista Victrix em 1902. Em 1913 publicou o poema livreto Papilio Innocentia, para a ópera do compositor suíço Léo Kessler, sobre o romance Inocência de Visconde de Taunay.
Sua obra poética inclui Ilusão (1911), no qual se faz presente a estética simbolista, Pena de Talião (1914), os póstumos Setembro (1934) e Poesias Completas (1945).
Pelo seu dinamismo e obras, foi homenageado por diversos contemporâneos, entre eles, Nestor Victor, Lima Barreto, Andrade Muricy. Tais homenagens aconteceram em vida e também após a sua morte, ocorrida no dia 21 de Janeiro de 1921 na pensão de Otoo Kröhne, na Rua XV de Novembro, 84.

Principais Obras
• Ilusão (poemas – 1991),
• Pena de Talião (1914),
• Setembro (poemas – 1934) (póstumo).
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Fontes:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/parana
http://livrosparatodos.net/biografias/emiliano-perneta.html
http://livrosparatodos.net/biografias/emiliano-perneta.html
http://br.geocities.com/poesiaeterna/poetas/brasil/emilianoperneta.htm

Julieta de Godoy Ladeira (Contos Brasileiros Contemporâneos)


Feliz Aniversário
Clarice Lispector

Postada à cabeceira da mesa, a senhora, que completa 89 anos, assiste a chegada de seus filhos e noras. Um a um vão sentando-se ao redor da mesa para a comemoração. A velha senhora, ressentida com a fraqueza de seus filhos, reflete na razão pela qual “os frutos foram tão diferentes árvore que os engendrou”. O único que lhe dá prazer é Rodrigo, neto de sete anos, de rosto viril e corajoso.

Depois de cantarem “Feliz Aniversário”, aumenta a indignação da aniversariante, que cospe ao lado da mesa, afrontando a todos, depois do que pede um copo de vinho, servido com ressalvas pela nora Dorothy: “Vovozinha, não vai lhe fazer mal?” - “Que vovozinha que nada! Que o diabo vos carregue, corja de maricas, cornos e vagabundas! Explode a aniversariante.”

À hora das despedidas, a nora mais nova, Cordélia, olha uma última vez para a sogra, sentada à cabeceira: “o punho mudo e severo, fechado sobre a mesa, dizia para a infeliz nora que sem remédio amava talvez pela última vez: É preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida é curta.”

Superado o momento das despedidas, resta a velha, “erecta, definitiva”, à cabeceira da mesa. “A morte era seu mistério”.

O caráter epifânico é uma das marcas registradas de Clarice Lispector. Em todos os seus relatos, os personagens vivenciam experiências que os despertam para determinadas verdades como que encobertas por um véu de mediocridade. A situação vivenciada por Dorothy em uma fração de segundo teve esse caráter. A atitude após a descoberta é que permanece uma incógnita.

Desvendando toda a hipocrisia que permeia as relações familiares, a autora também põe em relevo a situação na qual se encontra a aniversariante. Praticamente abandonada por todos os filhos, que reúnem-se em sua casa a cada aniversário, vivendo com Zilda, a filha solteira, espera a morte, inconformada com este tratamento.

Clínica de Repouso
Dalton Trevisan

Maria mora com a mãe, dona Candinha, que começa a implicar com a presença de um hóspede: João. Ao descobrir os dois aos beijos no sofá, e sendo informada que João é noivo da filha, pressiona a filha para mandá-lo embora. Assustado com a situação, João vai-se embora, e as brigas entre mãe e filha põem dona Candinha doente. Sob os cuidados da filha, sente-se bem, mas continua de cama, gostando do tratamento que está recebendo.

Com o passar dos dias, Maria decide internar a mãe no Asilo Nossa Sra. da Luz, entre doidos, epiléticos e alcoólatras, no qual um sistema de alto-falantes (o dr. Alô) ameaça com choques e injeções na espinha a quem reclamar. “D. Candinha sustentava-se a chá de mate e biscoito duro”.

Ressentida com o tratamento que a filha que criara lhe devota, a velha, internada no asilo, vê os dias passarem tratando uma mosca grande que, afeiçoada a ela, vem alimentar-se sobre sua mão.

Daton Trevisan consegue captar o poético a partir de textos extremamente objetivos. Dona Candinha, abandonada pela filha, encontra consolo em uma última companheira: a mosca. É importante perceber que a atmosfera construída pelo autor resgata o lirismo a partir de um final absolutamente insólito.

Os Músculos.
Ignácio de Loyola Brandão


(...) os fatos
Em uma manhã de domingo, ao passar o rastelo pelo terreno reduzido de sua horta de 4 metros quadrados, Danilo depara com um arame de fio de aço inoxidável entranhado na terra. Surpreso, escava e não encontra a origem da estranha “planta”. Aos poucos o arame cresce e toma conta de toda a horta, e a plantação de arame produz o suficiente para cercar casas, cidades e o país.

Acossado por acusações de vizinhos, perseguido por processos movidos por grandes casas do ramo, que o acusam de não recolher impostos pela produção de arame, que continua a crescer em seu quintal, o homem abre uma brecha por entre a floresta de arame buscando refúgio. Ninguém teria coragem de penetrar ali para buscá-lo, e ele se dá conta que os reflexos do sol reluzindo sobre os fios de arame formam desenhos inusitados; o vento soprando, produz sons agradáveis, agradáveis o suficiente para embalá-lo.

Sob o jugo da vida na cidade, os personagens das obras de Inácio de Loyola Brandão sujeitam-se ao isolamento que esta vida lhes impõem. Entretanto, no auge do desespero, surge uma saída: adentrar à “floresta de arame”, e tentar discernir o belo mesmo naquelas condições. Apercebendo-se dos desenhos e da música que o sol e o vento produzem, o personagem também encontra um refúgio para a vida opressiva que lhe é imposta.

Guardador
João Antônio

Jacarandá tenta ganhar a vida como guardador de carros. Mora (ou se esconde) no oco do tronco de uma árvore. Às vezes, bebendo, começa a pensar sobre os tipos de pessoas que dão esmola. São três: o primeiro - uns poucos - dá por entender o “misere”; o segundo, para ver-se livre do pedinte; o terceiro tipo, “otários de classe média”, dá esmola para não parecer “duro” - “Para eles, não ter cai mal”.

Domingo, saída de missa , ele pensa nos dois tipos de piedade: o de dentro e o de fora da igreja; “por quê resistem ao pagamento da gorjeta?”.
Volta e meia Jacarandá é preso. Umas duas semanas de cadeia, desintoxicado, volta ao trabalho. Agora é outro. Movimentos rápidos, o corpo magro, lembra o corpo do jovem passista que ele foi.. Mas não passa-se uma semana e ele volta à cachaça.

Certa noite, “um bacana enternado, banhado de novo” lhe estende uma moeda. Altaneiro no seu porre, Jacarandá recusa: “trabalho com dinheiro; com esse produto não, doutor.” O carro sai cantando pneus, “Xará, eu ganho mais que ele. É que não saio do botequim”.

Dedicando-se ao submundo daqueles que não têm nenhuma perspectiva, João Antônio desvenda a personalidade de uma figura deste ambiente. Jacarandá, o bêbado guardador de carros, consegue perceber as razões pelas quais os que lhe dão gorjetas o fazem. Não há espaço para ilusões neste mundo, mas o personagem principal encontra uma maneira de rebelar-se: o tratamento que dirige ao motorista nos sugere um homem que, mesmo em situação crítica, procura manter a dignidade.

Há que se perceber também o trabalho de linguagem. A gíria do guardador é utilizada ao longo do texto, em expressões como “uca, pé-de-cana, muquiras, chué”, que sugerem uma distância intransponível entre o guardador e aqueles a quem cobra seus serviços.

A Máquina Extraviada
José J. Veiga

Mandando notícias do sertão para seu compadre, o narrador fala do último grande acontecimento: a chegada de uma máquina descarregada defronte à Prefeitura.
Depois de montada, “a máquina ficou ao relento, sem que ninguém soubesse quem a encomendara nem para que servia”. As crianças, aos poucos, começam a brincar na máquina, tiram o encerado que a cobre, e pulam entre suas engrenagens.

Apesar de estar na cidade há tempos, a máquina continua causando sensação. Não há quem passe sem olhá-la; até mesmo as velhinhas que saem da igreja, ao passar pela máquina, fazem uma curvatura reverente.

Ninguém sabe quem a comprou, mas o prefeito designou um funcionário da prefeitura para zelar pela máquina. Ela tornou-se o orgulho da cidade. O antigo coreto, no qual realizavam-se as festividades foi abandonado. As festas são realizadas defronte à máquina, que ocupa cada vez um espaço maior na vida da cidade.

O único acidente ocorreu com um jovem bêbado, que, ao sair de uma serenata, decidiu dormir no alto da máquina. Rolou lá de cima, e com a queda, acionou algumas engrenagens que “comeram” sua perna. Hoje ele ajuda a zelar pelas partes baixas da máquina.

“Minha maior preocupação é alguém chegar aqui e dizer para que serve a máquina. Ao fazê-la funcionar, quebrar-se-á o encanto, e não existirá mais máquina”.

Traço importante deste conto é a ambientação em um contexto rural, no qual a máquina surge como elemento estranho aos poucos absorvido. José J. Veiga utiliza o episódio de forma a ilustrar a capacidade de o homem aceitar o estranho e respeitá-lo, enquanto estranho. Por isso, a explicação da serventia da máquina faria com que esta perdesse a magia capaz de suscitar o respeito.

A Caçada
Lygia Fagundes Telles

Em uma loja de antiguidades, um homem encontra uma grande tapeçaria, suspensa sobre a parede. Admirado, tenta lembrar-se de onde, ou em que tempo, já havia assistido àquela cena: um caçador de arco retesado, apontando para uma touceira espessa; outro caçador, este uma figura mais apagada, também espreitava a caça. “Teria sido uma personagem da tapeçaria? Mas qual? O caçador em primeiro plano? O outro?”

Tão viva é a gravura, que ele pressente o arquejar da caça escondida. Talvez tivesse sido o pintor da tapeçaria, “mas se detesto caçadas! Por quê tenho de estar aí dentro?”
Saindo da loja, a imagem não desaparece. Ao dormir, sonha com a tapeçaria, ele entrelaçado à paisagem. Apalpa o rosto, procurando a barba do primeiro caçador, mas ao invés disso, sente a viscosidade do sangue, e acorda com um grito.

Na manhã seguinte, volta à loja. Ao defrontar-se com a tapeçaria, vê a loja sumindo e a tapeçaria se alastrando pelo chão, até tomá-lo por inteiro. Agora estava dentro da tapeçaria. Era importante correr. Era a caça? O caçador? “Gritou e mergulhou em uma touceira. Ouviu o assovio da seta varando a folhagem, a dor! “Não ... - gemeu de joelhos. Tentou ainda agarrar-se à tapeçaria. E rolou encolhido, as mãos apertando o coração”.

Lygia Fagundes Teles é uma contista que prima por trabalhar o aspecto psicológico em suas obras. A angústia do personagem criado pela autora pode ser interpretada como a angústia despertada pela busca de si mesmo, processo que pode fazer com que o homem passe da situação de caça à de caçador em um instante.

Luz sob a porta
Luiz Vilela

Nélson está com alguns amigos bebendo chopp em uma festa. Preocupado com as horas, decide ir-se. É o aniversário de sua mãe e já são onze e vinte.

É com muita dificuldade que à consegue desvencilhar-se dos amigos, e ao chegar a casa de sua mãe já são cinco para a meia-noite. “Havia luz sob a porta, ela estava esperando-o”.

A recepção é triste. A mãe reclama da idade e do esquecimento a que foi relegada. Fala-lhe do medo que tinha que ele não viesse.
Desculpando-se por não haver trazido um presente, Nélson consola a mãe que chora.

Todo o conto é desenvolvido através de diálogos. A economia do autor é expressa de forma a criar situações nas quais o diálogo seja suficiente para evocar o almejado. Assim, à futilidade dos diálogos entre os amigos do bar ( “Imaginem só: me deu a maior cantada!” - Kafka? Estou lendo. O processo.”) sobrepõe-se a densidade do diálogo entre mãe e filho ( “Quer dizer que a senhora passou o dia sozinha?” - “Passei, mas não teve importância; arrumei uma costurinha pra fazer.”).

Ao mesmo tempo que explicita a dramaticidade do relato, esta estratégia também coloca o trabalho com a linguagem em um plano privilegiado.

A Moça Tecelã
Marina Colasanti

A cada amanhecer, a moça, com seu tear, passava os dias tecendo. “Linha clara para começar o dia.(...) Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava”.

Com o passar do tempo, sentindo-se sozinha, pensa que seria bom ter um marido a seu lado. “Com capricho de quem tenta uma coisa desconhecida” ela vai tecendo sua companhia. Ao fim do trabalho, batem a sua porta: “Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando na sua vida”.

Aos poucos, a moça vai tecendo a casa, que não basta ao marido. Ele agora quer um palácio, que toma meses de trabalho da tecelã. Na torre mais alta deste palácio fica a moça trabalhando, e com o passar do tempo, sente-se sozinha, tecendo as riquezas que o marido exige.

Uma noite, enquanto o marido dorme, ela levanta-se e desmancha todo o tapete, tornando a sua solidão.

Note-se que a autora coloca nas mãos da moça tecelã o poder de começar e romper a relação. É ela que “tece” o marido e engendra o meio familiar. Mas também é ela que “tece a própria solidão”. Tendo o universo feminino como fonte, Marina Colasanti desvela a alma da mulher que prefere, a uma relação que a subjuga, a antiga solidão.

No retiro da Figueira
Moacyr Scliar

Angustiada com a violência da cidade, uma família recebe pelo correio o prospecto de um condomínio fechado chamado Retiro da Figueira, “um dos últimos lugares onde você pode ouvir um bem-te-vi cantar”.

Holofotes, cerca eletrificada, vigilantes, sistema de alarmes, tudo remetia à idéia de segurança absoluta. A família mudou-se, e uma das primeiras exigências do chefe dos vigilantes foi uma lista de parentes e amigos dos moradores, “questão de segurança, para qualquer emergência”.

Uma segunda-feira, soa a sirene de emergência, e todos reúnem-se no salão de festas, onde são informados que a fuga de alguns presidiários impossibilitará a saída dos moradores do condomínio; “questão de segurança” informa-lhes o chefe dos vigilantes.
Quatro dias depois, o condomínio cercado, desce um jatinho no aeroporto do condomínio e uma mala cheia de dinheiro é entregue ao chefe de segurança, que decola com o dinheiro, acompanhado de sua equipe. “Nunca mais vimos o chefe e seus homens, mas estou certo que estão gozando o dinheiro pago por nosso resgate”.

O isolamento a que se sujeita o homem que se cerca é tratado ironicamente pelo autor gaúcho. As cercas que tornam o espaço seguro, também distanciam o homem, e o absurdo da situação torna ainda mais cômico um final inesperado: aqueles responsáveis pela segurança tornam-se os algozes dos que preferiram o ambiente cercado.

Botão-de Rosa
Murilo Rubião

Numa segunda-feira de março, todas as mulheres da cidade amanhecem grávidas, e o músico Botão-de-Rosa é acusado. Ouve a chegada da multidão: “vinham pegá-lo”. Ao sair à janela para deixar clara sua intenção de entregar-se é apedrejado.
Escoltado, segue até a prisão onde José Inácio é designado seu defensor. Todo o processo, repleto de falhas é analisado, e a resignação do acusado, negando-se a declarar sua inocência, colocam o advogado em uma situação delicada.

À acusação de sevícia, soma-se a de tráfico de entorpecentes, e Botão-de-Rosa continua impassível, enquanto José Inácio, pressionado pelo povo da cidade, tem uma atuação medíocre na defesa, o que colabora para a sentença de morte do acusado.
A produção de Murilo Rubião caracteriza-se pela exploração de um recurso desenvolvido por diversos autores latino-americanos: o Realismo-Mágico. Botão-de-Rosa abre mão da oportunidade de defender-se por saber-se condenado de antemão. Sua situação marginal (músico em uma cidade pequena) é que sofre a condenação.

A atitude adotada pelo advogado José Inácio cristaliza esta situação. Sua atuação é medíocre por que entre indispor-se com as autoridades comprometendo seu futuro e permitir a condenação do músico, escolhe a segunda alternativa.

Noivado
Osman Lins

Giselda e Mendonça conversam sobre as perspectivas deste último, que está prestes a aposentar-se de seu trabalho na repartição pública. Namorados há vinte e oito anos, Giselda já habituou-se a manter nas malas seu enxoval, enquanto recebe periodicamente a visita dos antigos “Mendonça”. Seu preferido é o Mendonça sensível, aos dezessete anos, muito diferente daquele aos trinta e nove anos que abriu mão dos sonhos para mergulhar em uma vida medíocre de funcionário público.

Conversando com o noivo sob o olhar silencioso dos dois outros “Mendonça”, a noiva comenta, em tom de despedida: “um homem, para ser saqueado, precisa abrir as portas”, referindo-se à entrega do amante à vida de burocrata.
“Passa por mim, com seu barulho de correntes arrastadas, de arame farpado rasgando couro de bois.”

Noivado é trabalhado de forma que possamos perceber as três perspectivas: a do noivo, da noiva, e dos momentos a dois. Esta diversidade de focos narrativos faz com que saibamos o que se passa com cada um dos interlocutores, e é uma maneira que nos coloca imersos no relato, como parte atuante.

Giselda sabe que o afastamento entre ela e o noivo ocorreu há muito tempo atrás, e todo o questionamento a que se propõe Mendonça é incapaz de resgatar o homem que já existiu onde hoje há um funcionário público.

Circuito Fechado
Ricardo Ramos

Circuito Fechado - 1 -

Trabalhando exclusivamente com substantivos (Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água.) Ricardo Ramos foca o despertar do homem no ambiente urbano completamente tomado pela rotina. Preso ao relógio, este homem não consegue romper o circuito, que fecha-se com a volta aos chinelos: (Chinelo. Coberta, cama travesseiro.)

Circuito Fechado - 2 -

Fechado em sua “memória intermediária” (“não a de muito longe, nem a de ontem”), o personagem sente o desbotar que ocorre com o passar dos anos refletido no retrato. Vem dessa memória intermediária a sensação de perda. “Os dias, não as noites, são o que mais ficou perdido”.)

Circuito Fechado - 3 -

Em um monólogo apressado, no qual inferimos respostas monossilábicas de diversos interlocutores, o autor expõe o isolamento ao qual o personagem vai se sujeitando, na medida que aumenta sua insensibilidade.

Tudo nos sugere uma distância intransponível, e os diálogos impessoais mantidos com secretárias e atendentes, repete-se com a esposa: “Vamos dormir? É, leia que é bom. Ainda agosto e esse calor. Me acorde cedo amanhã, viu?”.

Circuito Fechado - 4 -

Tematizando o sentimento de posse (“Ter, haver”) o autor demonstra como este sentimento de posse apropria-se do personagem, e como este, objeto dessa sensação, torna-se incapaz de fugir ao círculo vicioso. “Uma prisão que segura” e ao mesmo tempo evoca as diversas lembranças de infância, na qual não havia este tipo de preocupação.

Circuito Fechado - 5 -

Retornando à rotina evocada em Circuito Fechado - 1 - , o autor condensa o sentimento de impotência expresso nos outros episódios. Perceba-se o caráter pessimista desde o começo do texto, iniciado com uma negativa, “Não. Não foi o belo” .

Aos poucos, aprofundando-se em muitas outras negativas, o texto nos suscita a sensação da perda absoluta de concretude, de inversão total de valores, culminando com a constatação do erro de avaliação na inversão desses valores: “Não foi sempre, nem faltou, foi mais às vezes. Não foi o que, foi como e onde, e quando. Não, não foi.

Composição II
Sérgio Sant’Anna

Uma Sala.
Descrevendo a sala (paredes, mesa, sofá, gramofone e televisão, na qual a imagem de uma moça anunciando uma televisão idêntica repete-se infinitamente), um homem albino sentado na sala em posição de ioga segura uma guitarra elétrica, “apontada para o observador como se fosse uma metralhadora (...) mas da ponta da metralhadora - ou guitarra - saem balas de confeitaria e escorre, fracamente, um líquido amarelado”.

Duas mãos rompem o papel celofane que envolve toda a cena, retirando um disco e colocando-o em um toca-discos em uma outra sala, nova e bem organizada. “Desliga-se a televisão e apaga-se a luz”. E ouve-se a letra da canção: “Estou farto de tudo e vou tomar o ônibus vinte e sete e viajar para outra galáxia”.

Como uma cena, o universo do artista impassível é maculado pela mão que rompe o celofane para ouvir a música do disco. É importante perceber os dois ambientes (uma sala desarrumada coberta por papel celofane na qual o guitarrista medita e a outra, extremamente organizada na qual o disco será reproduzido),como que ilustrando dois ambientes diversos e incomunicáveis.

Nunca é Tarde, Sempre é Tarde
Sílvio Fiorani

Su acorda-se e maquia-se para o trabalho. Olha-se apressadamente no espelho, não se preocupando com beleza, “Beleza é pra fim de semana”. Ao colocar a mão na maçaneta, ouve o ruído da campainha de seu relógio Westclox, “e se deu conta de que sequer havia-se levantado. Tudo por fazer”. Repete os mesmos gestos mecanicamente, e a situação torna a acontecer: novo despertar com a campainha do relógio. Decide apelar para a mãe que, “envolta pelos vapores da cozinha”, promete à filha acordá-la.

Submetida à rotina que torna todos seus gestos automáticos, Su necessita de alguém que a desperte. É importante perceber que o auxílio de outra pessoa é necessário para “acordar” a personagem de um sonho que teima em acontecer e que a desgasta.

Fonte:
http://www.pvsinos.com.br/jornal/edicao99_1/ed99_1_contos_br_contemporaneos.htm

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Membro fundador da Academia é o mais novo Patrono do Instituto Histórico de Sorocaba



Membro fundador da Academia é o mais novo Patrono do Instituto Histórico. Membro Efetivo Fundador da Academia Sorocabana de Letras e seu ex-Presidente, o escritor Armando Oliveira Lima foi escolhido pelo novo integrante do quadro de Sócios Efetivos do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba, advogado Anderson Santos, como seu Patrono naquele silogeu.

Nascido em Sorocaba, em 30 de outubro de 1934, Armando Oliveira Lima é funcionário público aposentado da Justiça do Trabalho.

Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Sorocaba, exerceu o magistério superior na Faculdade de Comunicação Social de Itapetininga (FKB) e na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Tatuí.

Membro da Associação Sorocabana de Imprensa, foi um dos 14 membros efetivos fundadores da Academia Sorocabana de Letras e seu presidente no biênio 1993/1995. Coincidentemente, presidiu o Conselho Municipal de Cultura.

No período, a Academia co-editou, com o Conselho Municipal de Cultura, o Fundo de Assistência à Cultura e à Educação (Faced) e a OSE, vários opúsculos, entre os quais Tudo começou na Escola Profissional, de Afonso Celso de Oliveira (1995), Estórias populares de São Paulo (Piracicaba – Sorocaba – Botucatu), de Waldemar Iglésias Fernandes, com prefácio de Hernâni Donato (1994) e Sorocaba, urgente! (1995), de Valter Luiz da Silva.

Armando Oliveira Lima presidiu o Gabinete de Leitura Sorocabano (1979/1981), numa das mais dinâmicas gestões da centenária instituição cultural. Na ocasião, coordenou, juntamente com o advogado Antônio R. Figueiredo e o jornalista Geraldo Bonadio, a “Semana das Liberdades”, promovida conjuntamente pelo Gabinete, Associação Sorocabana de Imprensa e Associação dos Advogados de Sorocaba que trouxe a Sorocaba personalidades como Fernando Moraes, Gianfrancesco Guarnieri, Hélio Bicudo e Fernando Henrique Cardoso.

É consultor do Núcleo de Cultura Afro-Brasileira, da Universidade de Sorocaba.

Colaborador assíduo da imprensa sorocabana foi durante vários anos cronista do Diário de Sorocaba.

Teve ativa participação no teatro amador sorocabano, como autor de várias peças, entre as quais “Espoletildo”; co-fundador do Teatro dos Três e presidente da Federação de Teatro Amador da Baixa Sorocabana (FETABAS).

Foi fundador e coordenador da Elu (Editora Literatura Universal), o mais bem sucedido clube do livro do mês de nossa cidade. Como editor, deu ênfase à publicação, por aquela casa, de autores sorocabanos como Messias P. de Paula (Histórias de 2000 anos) e Benedito Walter Marinho Martins (Praia da Banana), que obtiveram grande sucesso editorial. Em 1972, quando do Sesquicentenário da Independência, coordenou e foi um dos autores de A Luta pela Independência, também publica do por aquela casa editora.

Como escritor, publicou o livro de poemas Pés no chão (Elu, 1973); os opúsculos Ave, Cristo (1982); Pesquisa escolar (OSE, 1982), Emília no mundo dos livros (OSE, 1982) e Impróprios culturais (Academia Sorocabana de Letras, 1997).

É autor dos artigos “Escravidão na história e na literatura brasileira” (v. 9/1, 1983) e “Do espírito universitário” (v. 16/1, 1990), publicados na Revista de Estudos Universitários, da Uniso.

Atualmente preside o Instituto Darcy Ribeiro, de Sorocaba, que tem homenageado anualmente personalidades culturais importantes da cidade e da região.

Criou e organizadou do concurso de poesia “Depoesia” de Sorocaba que, sob sua direção, vem tendo edições anuais regulares.

Foi também co-fundador da Academia Sorocabana de Música e, por curto período, patrono, por eleição direta, do Centro Acadêmico da Faculdade de Filosofia de Sorocaba.

Foi co-fundador do MUE – Movimento Universitário Espírita e da Revista “A Fagulha”. Nessa época foi difusor do espiritismo, proferindo palestras e escrevendo artigos sobre o tema.

Recebeu da Câmara Municipal o título de Cidadão Emérito, a ele outorgado por indicação do saudoso vereador Horácio Blazeck.

Fonte
artigo de Geraldo Bonadio para Acontece em Sorocaba

Armando Oliveira Lima (Tropeiro Véio)



Na margem esquerda do rio Sorocaba, pertinho da ponte Nova, ali nos Pinheiros, moravam nhô Madô e nhá Carlota. Ele, tropeiro velho e aposentado e ela, mãe de muitos filhos, dona de casa, boa cozinheira.

Nhô Madô, apesar de não mais trabalhar com tropa, não tinha parado com os costu­mes das tropeadas. Quase todo dia encilhava seu burro bem cedinho, atravessava a ponte Nova, e nhá Carlota ficava na janela espiando o velho montado no burrico, sumir por detrás dos grandes tambores da Alcoléa. No alforje levava alguma velharia que, atraísse algum compadre interessado em fazer alguma 'breganha'.

Pois é, a barganha é a herança que o tropeirismo le­gou a Sorocaba, basta ver que esse costume é mais evidente nas cidades da rota dos tropeiros.

Era breganhado com alguma coisa que, por sua vez, era breganhada com outra.

Nhô Madô era um “breganheiro incorrigível” . Tudo o que lhe caía nas mãos era breganhado com alguma coisa que, por sua. vez, era breganhada com outra.

Assim, passaram por suas mãos partidas de batata, sacos de arroz, cebola, relógios, bombardino, botas, gaiolas, com e sem passarinhos, etc...

Todas essas breganhas traziam uma alegria momentânea à nhá Carlota: era uma chaleira, uma vassoura caipira, uma ratoeira... Mas tudo tinha seu dia de chegada e seu dia de partida. Nada esquentava lugar... Até mesmo o gramofone, que animou baile de casamento de uma de suas filhas, teve sua despedida.

Nhá Carlota disse, então, ao nhô Madô, quando da 'transferência' do gramofone:

- Intão num vô vê mais a Patativa?

Indiferente, nha Madô levou o gramofone e os discos do Vicente Celestino, tudo em cima do Pingo.

Pingo era o nome do burrinho de estimação de nha Madô. Muitas coisas Nhô Madô tinha breganhado: muitos cavalos, muitas vacas, burros, mas a velha calçado tropeiro e o burrinho Pingo continuavam com ele, resistindo, até que porque Madô não era homem de voltar sem calças para calça. Além do mais, cada vez que saía, Madô ouvia de Nhá Carlota :

- Nhô! Pode breganhá o que quisé, menos o Pingo!

Nhá Carlota, afinal, tinha seus motivos. Pingo era um animal tão dócil que até ela conseguia atrelar o bichinho numa charretinha feita só para ele e, sem muitas dificuldades, ia até a Campos Sales buscar alfafa pras vaquinhas e, às vezes, até se aventurava em ir nos Rosas buscar milho para as galinhas.

Naquela manhã de inverno, nhô Madô, como de costume, tomou seu cafezinho na beira do fogão, apanhou uma pata botadeira e partiu, com o Pingo escorregando no barro, não sem antes ouvir, como sempre, de Nhá Carlota :

-O Pingo não!

E lá vai ela cumprir seus afazeres domésticos durante o dia todo. À tardinha quando o sol já começa a ser no horizonte,pintando o céu daquele avermelhado de todos os dias, nhá carlota começa a demonstrar uma dosezinha de preocupação.

- Por que será que o véio tá demorando?...

Já de há muito não se sentia o cheirinho de feijão se espalhando pela casa. Nhá Carlota se dirige à cachoeira de onde pode ver as duas bandas do rio e nada...Nem sombra do Nhô!

Quase à noitinha, o sol se despedindo pra dar lugar à lua, aparece nhô Madô, com uma espingarda nas mãos, uma gaiola com um avinhado e a sela do burrico nas costas. Antes que Nhá Carlota possa fazer qualquer coisa, ele vai dizendo :

- É ...o Pingo já foi...

Fonte:
http://sorocult.com/el/colunistas/arm/tv.htm
Pintura = http://www.klepsidra.net/

Rita Rosa Bertelli (A Herança de nossas vidas)



Próximo das comemorações dos 400 anos de Itu, a cidade ganha um livro que conta a história de uma família ituana desconhecida. É justamente esta a riqueza da obra: falar de pessoas que não são celebridades: seus hábitos, costumes, crendices e até preconceitos de ituanos, alguns do sítio e outros da cidade. São alegrias e discórdias entre as personagens da própria família, dificuldades, coragem e fraqueza; enfim, o dia-a-dia de ituanos comuns. O livro descreve situações dramáticas e engraçadas, conservando a linguagem regional.

"A Herança de nossas vidas" é de autoria de Rita Rosa Bertelli, ituana que morou muitos anos na Vila Ianni e retrata em sua obra passagens que ocorreram em seu bairro, com fatos verídicos e alguns traços autobiográficos.

No mesmo dia será aberta a Exposição "Mãe Natureza", da própria autora do livro, que também é artista plástica e professora de Artes da rede pública de ensino. O evento contará ainda com a apresentação dos músicos Bruna Barbosa, Roni Rosa e Douglas Gimenez.

O lançamento será no dia 13 de dezembro, às 19 horas, na Biblioteca Comunitária Prof. Waldir de Souza Lima, que fica à Rua Floriano Peixoto, 238 – Centro – Itu/SP. Para mais informações e reserva de livros, ligue (11) 7599-7848 ou envie e-mail para bibliotecacomunitariaitu@gmail.com . A entrada para o evento é gratuita.

SERVIÇO
Lançamento do livro "A Herança de Nossas Vidas", de Rita Rosa Bertelli
Abertura da exposição "Mãe Natureza", de Rita Rosa Bertelli
Quando: 13 de dezembro de 2008, às 19 horas
Quanto: entrada gratuita
Local: Biblioteca Comunitária Prof. Waldir de Souza Lima
Rua Floriano Peixoto, 238 – Centro – Itu/SP
Contato: (11) 7599-7848 (Nathalia) / (11) 8445-6122 (Renato)
E-mail: bibliotecacomunitariaitu@gmail.com
Blog: http://bibliotecacomunitaria.wordpress.com

Fonte:
Colaboração da Biblioteca Comunitária Prof. Waldir de Souza Lima

Sandra M. Júlio (Você tem o dom de brincar com o meu coração... )


Você tem o dom de brincar com o meu coração...

Não sabe quão tolo ele é, acredita nas rimas dos seus versos, e passeia sereno por doces lembranças, lascivas ondas beijando areias de solidão...

Apesar da distância, o magnetismo do seu olhar entreabre devaneios, quimeras que não me pertencem, porém encobrem o perfume da minha nudez.

Quando as entrelinhas dos seus poemas florescem sonhos, acredito meus, seus desejos. Então acendem-se fantasias onde me faço princesa d'um conto sem final.

Neste compasso pulsa sua ausência, caminha entre os ecos do seu olhar e da ilusão, onde deságuo órfãos versos que negam a verdade de só a você pertencer.

É, você tem o dom de brincar com meu coração...

Quando seu profano olhar entreabre os lábios do tempo para pousar em reticentes sonhos, derrama a noite no veludo da memória seu abraço, iluminando hesitantes e tímidas estrelas.

Num ritmo de saudade e espera, à mercê das horas, pulsa solitário e triste este inquieto coração ouvindo no grito do silêncio, palavras nunca ditas mas que, no sereno desvario da noite ecoa em minh'alma seu nome.

Fonte:
Colaboração de Douglas Lara.
http://www.sorocaba.com.br/acontece

Fábio Pestana Ramos (Por mares nunca dantes navegados)

A árdua conquista dos mares. Há mais de quinhentos anos, os portugueses iniciaram um processo que mudaria a face do mundo: lançaram-se à empreitada marítima. A coragem de desbravar e encontrar novas rotas era marca dos aventureiros portugueses, que se lan

A árdua conquista dos mares. Há mais de quinhentos anos, os portugueses iniciaram um processo que mudaria a face do mundo: lançaram-se à empreitada marítima. A coragem de desbravar e encontrar novas rotas era marca dos aventureiros portugueses, que se lançaram em águas tão inóspitas quanto as terras que descobriram nos séculos XV, XVI e XVII. A Editora Contexto iça as velas da história e apresenta o livro Por mares nunca dantes navegados: a aventura dos Descobrimentos, escrito pelo historiador Fábio Pestana Ramos. Ele leva o leitor a uma fantástica viagem pelos oceanos, a bordo de naus e caravelas, passeando ao lado de passageiros e marujos, prostitutas e religiosos, oficiais e degredados, comerciantes e escravos. Portanto, Ramos buscou documentação manuscrita inédita, coletada nos arquivos portugueses.

O que os motivava? Como era o cotidiano a bordo? O que encontraram no trajeto? Chegariam? Realizariam seus sonhos? Em Por mares nunca dantes navegados, o leitor acompanhará os dramas pessoais e coletivos da gente embarcada nos navios lusitanos, no tempo dos Descobrimentos e das Grandes Navegações. Conhecerá as ambições de Portugal e dos portugueses, explicadas dentro do contexto da época.

O inferno podia se instalar durante tempestades, calmarias e naufrágios. Mas o inferno também podia se instalar dentro das embarcações. O 'marinheiro' convidado a ler esse livro sentirá na pele, dos outros, as privações, os perigos e os invariáveis conflitos sociais enfrentados em alto mar. As doenças, provindas da falta de higiene e a alimentação, quase sempre insuficiente para todo o trajeto, eram constantes. Mulheres e crianças embarcadas muitas vezes não escapavam da 'sede' dos marujos, já que violações eram práticas comuns. As leis da terra não eram empregadas no mar. Os oficias faziam vistas grossas para os abusos, isso quando não participavam deles.

E se a travessia marítima não era fácil, o desembarque, na África, na Ásia ou na América, também podia reservar surpresas e situações perigosas. Deparando-se com realidades totalmente diversas da vivida no Velho Mundo, esses viajantes tornaram-se os principais protagonistas de encontros e desencontros culturais, violências e conflitos com nativos, em cenários de destruição, exploração e extermínio. E ao mesmo tempo em que foram desenvolvidas relações comerciais, surgiram povoados e cidades, e a paisagem foi modificada.

A paisagem brasileira começou a ser modificada oficialmente em 1500, mas hoje quase ninguém contesta a presença portuguesa antes dessa data. Entre os navegadores Bartolomeu Dias (1488) e Vasco da Gama (1497) existem diversas possibilidades de um possível Descobrimento ou 'achamento' como preferem alguns, que só não foi anunciado porque havia um entrave diplomático entre Espanha e Portugal. Fábio Pestana Ramos conta em detalhes a manobra política feita para garantir tal feito. Com a parte jurídica acertada, coube a Pedro Álvares Cabral oficializar o 'achado', antes de cumprir a sua verdadeira missão: acertar um tratado de paz com os governos indianos. Com o Brasil oficialmente descoberto, Cabral partiu para as Índias, onde não obteve muito sucesso, o que acabou frustrando toda a missão e o rei D. Manuel. Depois disso, nunca mais esse fidalgo comandou sequer um navio.

Indicada a todos os interessados em embarcar nesta jornada recheada de aventuras, a obra é uma leitura divertida e muito bem fundamentada historicamente. Paraíso ou inferno? É o que veremos em Por mares nunca dantes navegados. Todos a bordo!
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Fábio Pestana Ramos possui Bacharelado e Licenciatura Plena em Filosofia pela Universidade de São Paulo e Doutorado em Ciências (História Social) também pela USP, onde foi orientado pela profa. Dra. Mary Del Priore. Já atuou como docente no curso de história da PUC de Campinas e como professor titular na Uniban, onde, além de lecionar nos cursos de história, pedagogia e administração de empresas, entre outros, exerceu o cargo de coordenador dos cursos de letras e pedagogia e fez parte do corpo docente do mestrado em educação; tendo também exercido atividade de ensino em outras grandes universidades particulares e como pesquisador da FAPESP. Atualmente é professor, na graduação e especialização, em universidades privadas como colaborador e docente concursado na autarquia municipal Fundação Santo André. Tem experiência docente na área de Educação, História, Filosofia, Sociologia e Antropologia; com intensa atividade de pesquisa e passagens por arquivos históricos no Brasil e em Portugal, tal como a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, o Arquivo Público do Estado da Bahia, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Histórico Ultramarino, Biblioteca Nacional de Lisboa e Biblioteca Central da Marinha Portuguesa. Já recebeu pelos seus trabalhos de pesquisa uma menção honrosa da USP e, na qualidade de co-autor, o prêmio Jabuti e o prêmio Casa Grande e Senzala. Possui farto volume de publicações, em revistas Acadêmicas e na mídia impressa de grande circulação, tal como Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e as Revistas Superinteressante e Aventuras na História; participou, como co-autor, de vários livros, como, por exemplo, a obra clássica História das Crianças no Brasil ; é autor dos livros "Por mares nunca dantes navegados", "No tempo das Especiarias" e "Naufrágios e Obstáculos", amplamente citados pela mídia e utilizados como material didático em nível superior.

Fonte:
Colaboração de Douglas Lara. http://www.sorocaba.com.br/acontece
Curriculo Lattes.

Pedro Du Bois (Poemas: Desfalecer - Ninhos)

DESFALECER

Desfaleço em abandono: o ruído
da rua
cerca a casa.

O horror de ser encontrado
junto à janela espia o espírito
recolhido em esquecimentos.

Devia ter ido embora: o suceder
dos passos ressoam
pedras repisadas.
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NINHOS

Ao contrário
do pássaro

joão

desfaço ninhos
e espalho o barro
pelo caminho

colho pegadas
identificadas
ao tempo.
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Fonte:
Colaboração do autor.

Ana Rita Martins (Para ler poesia)

Atividades de oralidade com poemas auxiliam turmas de 4º e 5º anos a descobrir a beleza da linguagem e a recitar com fluência e entonação

"A poesia tende a chamar a atenção da criança para as surpresas escondidas na língua." A frase, do poeta José Paulo Paes (1926-1998), ilustra o potencial do gênero para despertar o gosto pelo uso da linguagem com fins estéticos. Por isso, nada mais natural do que explorar as brincadeiras sonoras desse tipo de texto, certo? Pode ser natural, mas não é usual. "Na maioria das vezes, as escolas lêem poemas apenas para buscar informações", afirma Cláudio Bazzoni, selecionador do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10. Muitas esquecem que incentivar a turma a ler poemas em voz alta é uma ótima estratégia para trabalhar conteúdos da oralidade, como sonoridade, rimas e ritmo (leia mais no quadro ao lado).

Por onde começar? Do 1º ao 3º ano, a sugestão é apresentar poemas divertidos que explorem o som das palavras, com onomatopéias (vocábulos que imitam barulhos) ou trava-línguas (versos difíceis de pronunciar). A partir do 4º ano, é possível usar textos mais complexos, aprofundando a relação entre o escrito e o falado e entre a forma e o conteúdo.

O que ensinar

Rondó dos Cavalinhos
Manuel Bandeira

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo
Tua beleza, Esmeralda
Acabou me enlouquecendo

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo...
O sol tão claro lá fora
E em minhalma — anoitecendo!

Os cavalinhos correndo
E nós, cavalões comendo...
Alfonso Reys partindo
E tanta gente ficando...

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo...
A Itália falando grosso,
A Europa se avacalhando...

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo...
O Brasil politicando,
Nossa! A poesia morrendo...
O sol tão claro lá fora,
O sol tão claro, Esmeralda,
E em minhalma— anoitecendo!

- PONTUAÇÃO Cada sinal indica um tipo de pausa na leitura e uma intenção de quem escreveu
- RIMA Quando a repetição é terminal, a leitura precisa enfatizar as rimas para que elas apareçam.
- RITMO Marcar a leitura com palmas ajuda o aluno a manter a velocidade
- VOCABULÁRIO Entender o que se lê é essencial para encontrar o tom. Tire dúvidas antes de ler em voz alta (ex: avacalhando)
- LICENÇA POÉTICA Recursos como a contração conferem musicalidade aos versos, elemento típico da poesia (ex: minhalma)

A fala exprime sentimentos

A intervenção do professor deve ressaltar que a interpretação oral é essencial para transmitir o sentido adequado do poema. "Para que a leitura seja objeto de reflexão, o aluno precisa saber o porquê de estar lendo de determinada forma", diz Ana Flávia Alonço Castanho, também selecionadora do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10. A entonação, a pontuação e o ritmo podem indicar tristeza, alegria, questionamento ou indignação. Para que a garotada perceba essas escolhas, duas ações são importantes. A primeira, prévia à leitura em voz alta, é explorar o sentido do poema: o entendimento do texto é essencial para a interpretação oral. A segunda é ressaltar as especificidades da poesia, como as licenças poéticas e as falsas terminações (versos que encerram a idéia no verso seguinte e não devem ser lidos com pausa no final).

Outra recomendação é relacionar a compreensão do texto pelos alunos com a possível intenção do autor. Embora não seja uma questão de certo ou errado - a interpretação de um poema é, em grande medida, subjetiva -, é interessante comparar a leitura da turma com a do próprio poeta (leia à direita uma seqüência didática que utiliza essa estratégia). Além disso, levar os alunos a confrontar as próprias estratégias de leitura (pedindo para lerem mais de uma vez) e as dos colegas ilumina semelhanças e diferenças sobre qual tipo de sentimento cada um quis transmitir com seu tom de voz, por exemplo.

Ler e entender: forte ligação

O professor também pode alterar elementos na leitura. Experimente ler para a classe sem enfatizar as rimas - isso fará as repetições "sumirem", deixando claro que o jeito como se fala é essencial na poesia. De resto, é permitir que as crianças apreciem a beleza do gênero, atendendo ao apelo de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987): "O que eu pediria à escola era considerar a poesia primeiro como visão direta das coisas e depois como veículo de informação prática e teórica, preservando em cada aluno o fundo mágico, lúdico, intuitivo e criativo que se identifica basicamente com a sensibilidade poética".

Seqüência Didática
Do poeta ao aluno

-
Objetivos

Perceber as especificidades da linguagem poética.
Ler poemas ajustando a leitura ao texto escrito.

Conteúdos

Leitura.
Elementos da oralização das poesias: ritmo, rimas, entonação, falsas terminações etc.

Anos

4º e 5º.

Tempo estimado

Seis aulas.

Material necessário

Livro Manuel Bandeira - 50 Poemas Escolhidos pelo Autor e cópias xerocadas dos poemas que você escolher. Sugestões: Berimbau, Irene no Céu, Rondó dos Cavalinhos, Boca de Forno e Vou-me Embora pra Pasárgada.

Desenvolvimento

1ª ETAPA

Pergunte aos alunos se eles já viram alguém recitando poesias. O que uma pessoa precisa fazer para tornar esse texto bonito de ouvir? Estimule-os a refletir sobre essa questão distribuindo cópias das poesias de Manuel Bandeira e tocando o CD que vem com o livro. Deixe a turma ouvir algumas vezes, levantando idéias sobre os recursos da leitura. Registre as mais pertinentes em um cartaz, que servirá como material de consulta para o restante do trabalho.

2ª ETAPA

Explique aos alunos que agora você fará a leitura dos poemas. Peça que eles observem sua forma de interpretar. Chame a atenção para a cadência pedindo que a classe acompanhe o poema com palmas em diversos ritmos. Em qual velocidade a leitura ficou melhor? Por quê? Em seguida, varie a entonação e pergunte: que tipo de voz transmite melhor as emoções presentes no texto? Discuta as sensações que cada interpretação despertou, enfatizando que o poema é um dos gêneros literários que melhor exprimem sentimentos - e que a leitura pode reforçar ou diminuir o efeito pretendido.

3ª ETAPA

Organize as crianças em grupos de quatro alunos e entregue cópias de uma das poesias escolhidas. Explique que, enquanto um aluno lê a poesia para o seu grupo, os outros observam se a leitura segue as observações registradas no cartaz. Ao fim, o grupo deve discutir o que cada um deve melhorar para tornar a leitura mais envolvente.

Avaliação

Observe o desempenho da turma em relação a algumas questões. O aluno lê com fluência? Lê alto? Lê com entonação? Posiciona o texto adequadamente (sem cobrir o rosto) ao ler? Controla o ritmo da fala (nem muito rápido nem muito devagar)? Com base nos problemas encontrados, auxilie cada um nos aspectos que devem ser melhorados com a análise de boas referências (colegas ou CDs de poesias recitadas).

Fonte:
Revista Nova Escola. ano XXIII. n. 217. novembro de 2008. p.64-65.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Casa do Poeta de Canoas/RS (Convocação)


Convocamos os associados e colaboradores da Casa do Poeta de Canoas
para a reunião mensal, que realizar-se-á em:

5/12/2008 - sexta-feira, às 18h30min
na Fundação Cultural de Canoas
Av. Victor Barreto, 2301


Pauta:

Definição de regras mais rígidas para a manutenção das mensalidades
Acertos finais para o Sarau de Fim de Ano
Encerramento das atividades do Grupo de Teatro
Definição do calendário inicial para 2009
Assuntos Gerais

Contamos com a presença de todos.

Maria Rigo
Presidente da Casa do Poeta de Canoas

Mais informações pelos fones:
(51) 3476.4431 / 9669.4615
--------------------------------------------------------------------------------

COMUNICADO:
Solicitamos aos associados que possuem pendência relativa às mensalidades, que aproveitem a reunião para a regularização das mesmas, sob pena de exclusão do quadro associativo da Casa do Poeta de Canoas a partir deste mês.

Fonte:
E-mail recebido pela Casa do Poeta de Canoas

Homenagem a Antonio Roberto Fernandes


Antonio Roberto Fernandes (Falecimento)


Antônio nasceu na cidade de São Fidélis. Primogênito de uma família de oito irmãos. Aprendeu a ler em casa com o pai. Aos sete anos entrou na escola no interior, mas como era adiantado em relação aos colegas de classe, foi transferido para Escola Barão de Macaúbas no Centro de São Fidélis. Cursou o ensino fundamental e médio em sua cidade natal. Após passar no vestibular para a Faculdade de Medicina, mudou-se para Campos. Não exerceu a medicina porque passou num concurso e assumiu a postura de bancário para ajudar na criação dos irmãos.

Poeta, trovador e escritor, Antônio Roberto Fernandes foi membro da Academia Fidelense de Letras, da Academia Pedralva Letras e Artes, da Academia Campista de Letras e representante da União Brasileira de Trovadores (UBT) em Campos. Fundou a Academia Infantil de Letras de São Fidélis. Grande idealizador do Café Literário, em Campos e figura cativa dos eventos da Fundação Municipal Trianon, como o projeto Choro e Cia e o Grupo Boa Noite Amor, brindou o público com seu tradicional intervalo poético.

Exerceu diversas atividades públicas. Foi diretor da Biblioteca Municipal de São Fidélis, da Biblioteca Nilo Peçanha e atualmente diretor do departamento de Literatura da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL).

Faleceu em 20 de novembro de 2008.

Os versos de Antônio Roberto refletem a todos sua excelência de artista da vida.

Na bicicleta da vida pedalei tanto, meu Deus, mas no melhor da descida furaram-se os dois pneus!... Xepeiro, de olhos tristonhos, à noite, exausto e sozinho, cato no chão dos meus sonhos a xepa do teu carinho. Mamãe!... Não há quem exprima uma palavra mais bela, pois mesmo não tendo rima a vida rima com ela! Se no palco, a três por quatro, reina a farsa e a pacotilha, o nosso maior teatro é o do Congresso, em Brasília”.

TROVAS

Sou feliz! Não vivo ao lado
das estrelas na amplidão,
mas posso tr um punhado
de vaga-lumes na mão.

Na bicicleta da vida
pedalei tanto, meu Deus,
mas no melhor da descida
furaram-se os dois pneus!...

Xepeiro, de olhos tristonhos,
à noite, exausto e sozinho,
cato no chão dos meus sonhos
a xepa do teu carinho.

Mamãe!... Não há quem exprima
uma palavra mais bela,
pois mesmo não tendo rima
a vida rima com ela!

Se no palco, a três por quatro,
reina a farsa e a pacotilha,
o nosso maior teatro
é o do Congresso, em Brasília.

– Deixa que a ponte eu dou jeito!
– Mas rio aqui nóis num tem...
– Não tem, mas se eu for eleito,
eu faço o rio também!

Os Pratos da Vovó

A minha avó guardava, com alegria,
muitos pratos, lindíssimos, de louça
Que ganhou de presente, quando moça.
e que esperava usar quem sabe? um dia.

Mas a vida passando tão insossa
e nada de importante acontecia
e ninguém pra jantar aparecia
que compensasse abrir o guarda-louça.

Vovó morreu. Dos pratos coloridos
que hoje estão quebrados e perdidos
ela jamais usou sequer um só.

Assim também meus sonhos, tão guardados,
terão, por nunca serem realizados,
o mesmo fim dos pratos da vovó.

Fontes:
http://www.falandodetrova.com.br/
http://www.pointcultural.com.br/forum/index.php?topic=778.0
Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes - RJ. http://www.campos.rj.gov.br/noticia.php?id=16105

Antonio Roberto Fernandes (Carta a São Fidélis)

Igreja Matriz de São Fidélis/RJ
Cidade de São Fidélis,
universo pequenino
dos meus dias de menino,
minhas noites de rapaz.
Cidade daquele tempo,
o tempo não volta mais. . .

Cidade com seus desfiles,
da Banda com suas tubas,
o "Barão de Macaúbas"
meu doce grupo escolar.
Cidade, nos seus desfiles
não posso mais desfilar.

Cidade dos meus estudos,
- ''pois quem estuda é que vence'' -
o Ginásio Fidelense,
a mundo a nascer do giz.
Cidade, quem sabe muito
é sempre mais infeliz.

Cidade, o velho cinema,
o amendoim torradinho,
o revólver do mocinho
com mil balas no tambor.
Cidade dos velhos filmes,
meu filme não tem mais cor.

Cidade, as nossas peladas
pelos terrenos baldios,
as pipas presas nos fios,
as brigas monumentais. . .
Cidade, eu saí do time
e os ventos sopram demais

Cidade, leilão, retreta,
roupa nova, ladainhas,
foguetório e barraquinhas
no vinte e quatro de abril.
Cidade, acabou a festa
e o seu menino sumiu.

Cidade, quede as lagostas,
os robalos, os dourados,
os peixes mais variados
que o rio pródigo dá?
Cidade, suas lagostas
fugiram do meu puçá.

Cidade, o povo na missa
e o sol nos vitrais batendo
vai a igreja acendendo
nas manhãs dominicais.
Cidade, na sua missa
eu não me ajoelho mais.

Cidade, fim-de-semana,
o amor queimando por dentro,
as moças todas no centro,
rodando pelo jardim.
Cidade daquela moça
que nunca ligou pra mim.

Cidade que dorme à beira
do Paraíba macio
e transpõe o largo rio
na ponte de um carro só.
Cidade, o laço da vida
só vai acertando o nó.

Cidade das ruas retas
que à noite ficam tão mortas
e agora são ruas tortas
pois a cidade cresceu.
Cidade das ruas tortas,
mais torto é o destino meu.

Fidélis de Sigmaringa
guia meus passos incertos
e nos seus braços abertos,
lá do alto do Matriz,
traz, num milagre, de volta
o tempo em que eu fui feliz. . .
---
Fontes

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Antonio A. de Assis (Missa em Trovas)



Em 1970, em Maringá, como ato de abertura do II Festival Brasileiro de Trovadores, foi celebrada pela primeira vez no Brasil a Missa em trovas, com versos de autoria do poeta maringaense A. A. de Assis, tendo como celebrante o então pároco da Catedral-Basílica de Nossa Senhora da Glória, Monsenhor Sidney Luiz Zanetini. Os trovadores visitantes levaram cópias da Missa, e desde então ela passou a ser celebrada em numerosas festas de trovas, em todo o Brasil, de Porto Alegre a Belém do Pará, tendo recebido inclusive uma bênção especial do papa João Paulo II. Em anos mais recentes, a Missa em trovas tem sido presidida em Maringá pelo Monsenhor Júlio Antônio da Silva (Padre Julinho), pároco da Catedral.

Para dar uma idéia, transcrevemos a seguir a oração de abertura da Missa em trovas:

Deus, no princípio, descerra
o palco da criação:
cria o céu e cria a terra
e enche de luz a amplidão.

Cria as águas e as reparte
em rios, lagos e mares,
e com ternura e com arte
cria os bosques e os pomares.

Coloca milhões de estrelas
na abóbada imensa e nua,
e acende no meio delas
o sol e em seguida a lua.

Faz que as águas se povoem
de peixes – grandes, pequenos,
e manda que as aves voem
com seus festivos acenos.

Num outro gesto ele faz
aparecer sobre a terra
toda espécie de animais:
os da planície e os da serra.

E o paraíso está feito,
e tudo está muito bem:
um mundo lindo, perfeito
em tudo o que ele contém.

E é nessa alegre paisagem
que Deus finalmente lança
alguém que é a sua imagem,
sua própria semelhança.

“Façamos – diz o Senhor –
o homem, e a companheira
com quem partilhe o esplendor
e a graça da terra inteira!”

Cria-os Deus na excelência
da justiça e da verdade,
e dá-lhes a inteligência
e a vontade e a liberdade.

Dá-lhes a luz, o calor;
dá-lhes o ar, o alimento;
dá-lhes o aroma da flor,
e a chuva e o luar e o vento.

E lhes confere o poder
de ter o mundo nas mãos,
e a missão de conceber
um grande povo de irmãos.

Fontes:
VICTOR, Agenir Leonardo. A Trova: o canto do povo. Maringá: Fac. Maringá, 2003.

Osman Lins (Conto de circo)

O Circo (Alvaro Alves de Faria)
Ergueu a cabeça e contemplou o lugar onde tantas vezes se aprestara para os seus breves triunfos no trapézio. No dia seguinte, desarmariam o Circo - pensava; e na próxima cidade, quando o reerguessem, ele estaria longe. Nunca, porém, haveria de esquecer aquela frágil armação de lona e tabique, as cadeiras desconjuntadas, o quebra-luz sobre o espelho partido e o modo como os aplausos e a música chegavam ali.

Baixou os olhos, voltou a folhear a revista. Em algum ponto do corpo ou da alma, doía-lhe ver o lugar do qual se despedia e que lembrava, de certo modo, o aposento de um morto, semelhança esta que seria maior, não fosse a indiferença quase rancorosa que o rodeava; pois a despedida iminente, só ele sentia. Os colegas - o equilibrista, aqueles dois que conversavam em voz baixa, todos enfim - sabiam de sua história e não haviam preparado a mínima homenagem. Pelo contrário: fingiam desconhecer tudo, procuravam irritá-lo. Ainda há pouco, quando entrara no camarim dos homens, os que lá se encontravam tinham respondido friamente à saudação dele, como se fizessem um favor. Sentara-se então num banco, apanhara aquela velha revista e começara a folheá-la, sem interesse, para fugir ao contato dessas 'pessoas que já o haviam excluído de seu mundo e que, desde alguns dias, raramente lhe dirigiam a palavra - com uma simplicidade afetada, esforçando-se para dar a entender que sua ausência não seria sentida. Teriam inveja, talvez. Ou desprezo. Que lhe importava, porém? Não precisava delas.
*****
Entretanto, desejaria confessar-lhes que não era espontâneo aquele abandono; que a culpa era da vida ou, pelo menos, de Aline, para quem o nomadismo e o mistério do Circo, dois anos antes, quando fugira com ele e o desposara, conservavam a mesma auréola da infância. Infelizmente - diria, se quisessem escutá-lo e valesse a pena contar - as coisas que a imaginação da mulher tão imperfeitamente esboçara com o passar dos meses haviam perdido o encanto. Por discretas e hábeis alusões, evitando magoá-lo, dava a entender que as freqüentes viagens a cansavam e que o mistério desaparecera. Até que um dia, quando se ultimavam os preparativos para nova viagem, não fora mais possível conter-se: com o olhar distante, forçando tranqüilidade, fingindo ignorar a extrema importância de suas palavras, dissera haver recebido carta do pai e que este o convidara para assumir a gerência de uma loja.

- E eu quero tanto uma casa! - prosseguira. - Não tenho jeito para viver eternamente assim, fazendo e desfazendo malas. Acho que não tenho sangue. E estou cansada. De tudo. De ir de um lugar para outro, de ter medo. Tenho medo que lhe aconteça alguma coisa, que eu fique viúva. Principalmente agora, que vamos ter um filho. Acho que não tenho sangue.

Eram motivos justos, qualquer um reconheceria. E se não fossem, seria isso razão suficiente para que não a atendesse? Não tinha nenhuma importância a doçura com que se expressara?

Mesmo assim - era bom esclarecer isso - ele nem sequer respondera. A profissão alegrava-o, seus números eram apreciados. Logo passaria a ganhar mais. Quando começasse a cansar, a sentir que seus músculos já não eram os mesmos, aí então... E se morresse antes disso?

A pergunta o intrigara. Embora estivesse em forma, seguro de sua arte, não pudera deixar de impressionar-se ante a maneira simples como a esposa falara nisso. Para os que o censuravam, a menção não teria importância; não trabalhavam a mais de dez metros do solo, não zombavam de forças às quais é perigoso querer fugir. Ele, sim. Desafiava-as, desafio temerário. Como não pensar se haveria a mulher notado algum declínio em sua técnica? Ou alguma frieza do público?

Bem sabia quanto lhe custara convencer-se de que a observação não tinha valor, e como ficara surpreso, quando, cerca de um mês depois, ao saber que um seu colega fora acidentado, pusera-se a imaginar com desusada insistência como pudera acontecer aquilo. Não fazia um ano que o vira pela última vez, a mover-se no trapézio com a desenvoltura de quem pisava chão firme; por duas ou três vezes fingira falhar, isso fazia parte de seu número; e seria, talvez, o que o aniquilara: falseara um movimento qualquer e, ao procurar retificá-lo, era tarde demais. Não havia, portanto, que intranqüilizar-se. Não lhe aconteceria tal coisa.

No entanto, como prosseguir, se tivesse de narrar sua história? Como falar, sem parecer covarde, na incomum excitação que se apoderara dele, nas estranhas amarras que'.o haviam tolhido quando iniciara os exercícios na manhã seguinte? Como determinar a natureza daquela ameaça invisível, que parecia envolvê-lo?

Seria igualmente difícil relatar o que lhe sucedera, quando confessara a Aline a impossibilidade de praticar naquela manhã e ela indagara, quase com alegria:

- Você também está com medo?

Sem dar resposta, voltara colérico ao Circo, fizera as acrobacias do costume; no fim de tudo, ao se precipitar sobre a rede e, com um salto elástico, alcançar o solo, sentia-se livre - não sabia de que - mas livre outra vez.

Entretanto, o mesmo não acontecera à mulher. Um temor exaustivo, crescente, estragava seus nervos, devagar; ela começara a ter vertigens, pesadelos, a alimentar-se mal. Ia com freqüência ao Circo; olhava o trapézio, media a distância entre este e o chão e odiava aquelas barras e cordas que lhe disputavam o marido e que, quando menos se esperasse, poderiam traí-lo.

Tornara-se irritadiça, calada, com acessos de raiva e prostração, não ouvindo os argumentos de que tudo isso era nocivo a ambos: seu medo persistia, mais intenso, absorvente, mais forte, até que ele próprio se sentira incapaz de ajuizar qual dos dois tinha razão - e, mal grado sua resistência, terminara por se contagiar daquele temor.
*****
Agora, porém, que se aproximava o instante de sua última exibição, ele estava confiante. Chegara ao fim da aventura. Mais alguns minutos - e começaria outra vida, uma vida sólida, mais calma. Faria os desejos de Aline. Não iria ser vítima de um desastre naquela última noite.

Não era possível. Mas seria realmente outra vida?

Os homens que conversavam tinham saído. O equilibrista deu um último retoque na cabeleira ondulada, trocou um sinal com a mulher através do tabique, escutou sua resposta e seguiu-o. O camarim ficou deserto; e isso fez com que todas as coisas parecessem vivas e mais próximas. Essa impressão oprimiu-o. Ergueu-se, como que para afastá-la de si; atirou a revista sobre o banco no qual estivera sentado, olhou num gesto automático o relógio-pulseira e começou a vestir-se. Tinha que ser assim - pensava. Algum dia, teria que fazer aquilo pela última vez. Decerto, não esperava abandonar tão cedo o espaço e assentar os pés no chão, como qualquer um. Mas já que havia de ser...

Contemplou-se ao espelho. Considerou os membros bem desenvolvidos, o busto musculoso sob a camiseta alvíssima e lançou um olhar para o manto púrpura, com o qual entraria em cena e subiria ao trapézio, de onde o deixaria tombar. Apanhou-o, saiu do camarim. Através de um orifício existente na cortina que dava acesso ao picadeiro, olhou para o público, quase imóvel, a atenção presa no casal de equilibristas, enquanto a banda tocava em surdina.

Pouco depois, estrugiram palmas. Os equilibristas jogaram as bolas para o ar, fizeram uma reverência e retiraram-se correndo. Ele recuou para deixá-los passar; quando voltou a observar pelo orifício, dois palhaços macaqueavam-nos, diziam asneiras e trocavam tapas, enquanto um empregado preparava os trapézios. Quando terminassem, ele entraria. Faltava pouco; alguns segundos, apenas. O coração começou a bater, opresso por desalentada amargura. Tanto tempo, tantos anos de prática, de renúncias. E agora...

Dedos frios e trêmulos tocaram-no, prenderam seu braço. Não se voltou; sabia a quem pertenciam. Num segundo, recordou os finos cabelos de Aline à brisa da noite, a alegria sufocada, culposa, a ânsia de fugir, o'desejo de voltar, seu belo rosto ardente, as mãos frias... E se houvesse voltado? refletiu. Seu rosto ficaria guardado na lembrança, ela nunca me faria mal, não estaria me tirando esses... esses... Foi um erro, foi um erro que eu dei.

Engoliu um soluço. A mão afastou-se e novamente o prendeu, medrosa. Ele sabia que à altura de seu ombro os olhos fitavam-no (talvez houvesse qualquer coisa a dizer). Mas não queria vê-los, nem desejava escutá-la.

Com um aperto na garganta, viu o empresário dirigir-se ao centro do Circo e erguer os braços. Os rumores foram cessando, isolando-se. Fez-se um murmurante silêncio. A voz elevou-se, áspera, pausada, fazendo a apresentação. Por fim, os braços ergueram-se mais e logo caíram, amortecidos. A banda começou a tocar a "Ondas do Danúbio". Ele fechou os punhos, com um gesto rápido desvencilhou-se de Aline, atirou o manto sobre os ombros e dirigiu-se ao picadeiro. Queria acabar o mais depressa possível com aquilo.

A seus pés, junto à grande cortina, a mulher observava-o. Viu-o subir a escadinha, experimentar as cordas, contemplar a platéia, fazer um gesto característico com a cabeça e desfazer-se do manto, que se enfunou suavemente, revolveu-se como grande labareda e caiu. Olhou, instantes depois, para a massa que o aplaudia, enquanto passavam pela sua memória conturbadas histórias lidas em revistas, assistidas no cinema ou contadas por outrem, de domadores estraçalhados no último espetáculo, toureiros fracassados na última corrida... Isso podia acontecer com o esposo - temeu. Era o que toda aquela gente esperava. ~e ele morresse, se despencasse do alto, mergulharia num imenso grito de horror - mas também de prazer. E todos que ali estavam teriam, muitos anos depois, a estranha vaidade de contar que o haviam visto morrer.

Aplausos entusiásticos fizeram-na olhar para cima. Ele estava de pé, sobranceiro, olhando aquela multidão que logo mais o absorveria. A esse pensamento, ela estremeceu. Acabara de reconhecer, de forma vaga e, mesmo assim, inteligível, que também amava no marido a exceção que ele era. Dentro em pouco, quando este descesse do trapézio, estaria anulado; e ela sentia que o amaria menos por isso. Devia desistir de seu intento, permitir que ele cumprisse o seu destino. Aquela música, as luzes, os aplausos, a força que sustinha o corpo e que, por sua vez, dependia dele, deviam conter um fascínio que ela nunca poderia entender. Não era justo, pois, que cedesse aos próprios temores e desejos e arrebatasse ao esposo todas essas coisas de indeterminado e insubstituível valor.

Inesperadamente, os braços soltaram as cordas; o corpo arrancou para o chão e ficou pendente da barra, à qual se prendia pelos tornozelos. Era apenas uma fase de seu trabalho - ela bem o sabia. Sentiu porém violenta frieza no peito; e quando, retesando os músculos, ele se agarrou às cordas e ficou de pé outra vez, ela não mais se lembrava das considerações que interrompera. Desejava, apenas, com irreprimível intensidade, que o espetáculo findasse, quanto antes, para nunca repetir-se.

Ele tirara o lenço, enxugara-se e dera impulso ao trapézio para o número final. A música silenciara, para que se ouvisse outra vez o empresário, com sua entonação trêmula, fingir-se emocionado e tentar incutir nos espectadores a noção do perigo que presidiria o número a ser executado. Quando se calou, os tambores começaram a rufar. A oscilação do trapézio aumentara; ao chegar ao máximo, os tambores pararam, com um último estertor, como se fossem dotados de vida e repentina morte os aniquilasse. Ouvia-se agora, nitidamente, o ranger das cordas sobre o solene silêncio. Chegara o instante. Aline, ao termo de uma oscilação, viu-o projetar-se no espaço e girar um segundo - talvez menos - no ar e distender-se rápido, alva seta dirigida ao solo, com uma barra de metal que vinha ao seu encontro, lenta demais, para alcançá-lo.

Ele sentiu o contato que o restituía à segurança e escutou os aplausos que pareciam vir de muito longe, de um mundo perdido, enquanto se lembrava turvam ente que tudo estava acabado. Mas não! Por mais que o desejasse, não poderia descer naquele instante. Sentia um quase desesperado desejo de apegar-se à aquela glória e uma certeza obscura de que nada poderia vencê-lo. Era senhor de seus movimentos, de sua perícia, nunca o deteriam as forças que esperavam apanhá-lo. Não resistiu, nem procurou resistir à tentação de desafiá-las mais uma vez, zombar do inimigo, mostrar-se invencível. Tornou ao seu trapézio, deu lhe novo impulso e saltou.

Minutos depois, embora já nada tivesse a temer, a mulher, de pé a seu lado, não se animava a dirigir-lhe a palavra. Olhava a chuva. E como não trouxera agasalho, queixava-se intimamente por ter que ficar ali, presa daquele aguaceiro, sentindo que os minutos se tornavam cada vez mais insuportáveis e tristes, pois a recompensa de seu triunfo era apenas uma infinita consternação. Tinha o sereno e cruel sentimento de que o destruíra ou o mutilara, impressão que recrudescia quando escutava as gargalhadas do público, divertindo-se agora com a pontomima final. Era preciso ir embora - pensou; aquela indiferença feria-a e, sem dúvida, magoava-o igualmente: parecia dizer que seu pequeno reinado já começara a ser esquecido. Sim, era preciso ir embora. Aquelas gargalhadas doíam e a involuntária mudez que guardavam entre si aumentava a angústia.

- Seus saltos foram formidáveis - disse, fazendo um esforço. - Quem o viu, não esquecerá nunca.

Não houve resposta. Ela mordeu os lábios e, afastando-se um pouco, estendeu a mão. A chuva amainara.

- Vamos? - perguntou.

Ele continuou mudo, as mãos nos bolsos, o olhar imóvel, preso na noite. Ela tomou-lhe o braço e sentiu, nos músculos tão seus conhecidos, uma resistência que a assustou. Quis ignorar essa linguagem, tentou afastar-se com o homem. Ele permaneceu inabalável. E como se tudo fosse dito através daquele braço, que se fez mais rijo, teve umas contrações que faziam pensar em soluços e foi cedendo, tornando-se flácido, até repousar numa espécie de silêncio, ela compreendeu que a batalha terminara contra os seus desejos, quando já supunha ter a vitória nas mãos e que seria inútil insistir. Do âmago de sua cólera, do sentimento de derrota e quase de rejeição, ascendeu um inesperado orgulho. Calada, apoiou a cabeça no braço do marido, estendeu a mão para seu ombro, sentiu a sua força. Ele cerrou os olhos, atraiu-a a si e inclinou o rosto contra os seus cabelos.

Fontes:
SALES, Herberto (organizador). Antologia de Contos Brasileiros. São Paulo: Ediouro, 2005. p. 39-46.
Imagem = http://campodetrigocomcorvos.zip.net

Balaio de Trovas IV


Trovas inseridas em Letras de Músicas:

Fica comigo esta noite
e não te arrependerás...
Lá fora o frio é um açoite,
calor aqui tu terás!
Adelino Moreira

Eu nasci naquela serra,
num ranchinho à beira-chão,
todo cheio de buraco,
onde a lua faz clarão...
Angelino de Oliveira

Serenô, eu caio, eu caio;
serenô, deixa cair...
serenô da madrugada
não deixou meu bem dormir...
Antônio Almeida

O teu nome principia
na palma da minha mão,
e cabe bem direitinho
dentro do meu coração!
Ary Barroso

Não me dou com terra roxa,
com a seca larga pó...
Na baixada do areião,
eu sinto um prazer maió!
Athos Campos e Serrinha

Com a filha de João
Antônio ia se casar,
mas Pedro fugiu com a noiva
na hora de ir pro altar...
Benedito Lacerda

A gente apenas repete
tudo o que escuta e que vê.
Oi, gente grande, eu queria
ser igualzinho a você!
Billy Blanco

Por entre fotos e nomes,
sem livros e sem fuzil;
sem fome, sem telefone,
no coração do Brasil...
Caetano Veloso

Estava à toa na vida,
o meu amor me chamou
pra ver a banda passar
cantando coisas de amor...
Chico Buarque de Holanda

Minha voz enternecida
já dourou os teus brasões
na expressão mais comovida
das mais ardentes canções..
Davi Nasser

Segredos de um caminhão,
fronteiras por desvendar...
Não diga que eu me perdi,
não mande me procurar!
Dominguinhos e Manduka

Peguei um Ita no Norte
pra vim pro Rio morá...
Adeus, meu pai, minha mãe;
adeus, Belém do Pará!
Dorival Caymi

Dentre as manias que eu tenho,
uma é gostar de você.
Mania é coisa que a gente
tem mas não sabe por quê...
Flávio Cavalcante

Prepare o seu coração
pras coisas que eu vou contar.
Eu venho lá do sertão,
e posso não lhe agradar...
Geraldo Vandré

Minha mãezinha querida,
mãezinha do coração,
te adorarei toda a vida
com uma grande emoção!
Getúlio Macedo

As moças de Vila Bela
não têm mais ocupação
e só vivem na janela
namorando Lampião...
Hervê Cordovil

Só nós dois é que sabemos
quanto nos queremos bem...
Só nós dois é que sabemos,
só nós dois e mais ninguém!
Joaquim T. Pimentel

Minha casa, que tem tudo,
tanta coisa de valor,
minha casa não tem nada;
vive só, sem teu amor!
Joubert de Carvalho

Na alameda da poesia,
chora rimas o luar...
Madrugada... e Ana Maria
sonha sonhos cor do mar...
Juca Chaves

Este é o exemplo que damos
aos jovens recém-casados:
que é melhor se brigar juntos
do que chorar separados!
Lupicínio Rodrigues

Quando estou nos braços teus,
sinto o mundo bocejar...
Quando estás nos braços meus,
sinto a vida descansar!
Luiz Vieira

O nosso amor traduzia
felicidade, afeição,
suprema glória que um dia
tive ao alcance da mão!
Mário Rossi

Depois da curva da estrada
tem um pé de araçá...
Sinto vir água nos olhos
toda vez que passo lá!
Renato Teixeira

Não preciso nem dizer
tudo isto que lhe digo,
mas é muito bom saber
que você é meu amigo.
Roberto e Erasmo Carlos

Muita gente cai à toa,
outros caem com razão...
A saudade é uma garoa
caindo no coração.
Roberto Martins

Olho o sol findando lento,
sonho o sonho de um adulto:
minha voz na voz do vento
indo em busca do teu vulto...
Sérgio Bittencourt

Eis aqui este sambinha
feito de uma nota só...
Outras notas vão entrar,
mas a base é uma só...
Tom Jobim

Tomara que chova logo,
tomara, meu Deus, tomara...
Só deixo o meu cariri
no último pau-de-arara!
Venâncio Curumbá

Esta porta não se fecha,
tem o emblema de uma cruz.
Contra ela não há queixa:
são os braços de Jesus!
Vicente Celestino

Um velho calção de banho,
o dia pra vadear...
Um mar que não tem tamanho
e um arco-íris no ar!
Vinícius de Moraes
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Fonte:
VICTOR, Agenir Leonardo. A Trova: o canto do povo. Maringá: Fac. Maringá, 2003.