segunda-feira, 6 de abril de 2009

Flávio Rubens (Poesias Avulsas)


ESPANTO

O gato não estava em cima da mesa
na lã que a senhora, em sonho, enrolava.
sonho não estava em cima da mesa
na lã que a senhora o gato embalava.
A lã não estava em cima da mesa
no sonho de gato que a senhora sonhava.
Em cima da mesa a toalha bordada.
Velha senhora de rugas marcadas
que a lã desfibrada
em gato tornou.
Um gato de malha
de sonho moldado
tão novo
que o velho
da velha senhora
ressuscitou.
¨¨¨¨¨¨¨¨
PEREGRINO

Desperta! Desperta e vem ouvir
o hálito da manhã que se anuncia
Desperta! Desperta e vem receber, o sol
ombreando as matas, tingindo de dourado as esperanças
Desperta! Desperta e vem acalentar, a fuga da insentida noite
e observar a testemunha nua, calando abrigo no manto matinal
Desperta! Desperta e vem musicar, o teclado das alvíssaras do dia
onde a pauta das nuvens braços estendidos são, ao teu redor

Arruma tuas tralhas, e olha a vida que começa hoje

Sim. É por ali que nós vamos
Deixa estar aí nosso passado
ainda que tarde a fonte prateada

Não. Não pede nada
mataremos nossa sede
pela estrada

Coloca aqui e ali tuas lembranças
e escuta em tempo novo a prata do teu pranto
Vem!

Dá-me as mãos surgidas do descanso
e ergue o olhar à fria claridade

Vem! Ignora os fatos do passado
Pois passo a passo, ontem para hoje
em busca da Amanhã

Ao longe, a borboleta arpeja um ritmo gostoso
São sílabas, sinônimos, palavras
da natureza infinda
que ao compasso da aurora
delineiam serenatas
de uma noite linda

Bem perto, o colibri desvenda o mistério morto
inerente à tessitura simples do néctar das flores
derramando a madrugada em líquidos de amores

E ambos, em missões esquivas, apresentam a Deus
a terra promissora

Sim.
É por ali que nós vamos

É cinza a caminhada
e azul o nosso rumo

Apaga a voz do tempo
e ouve a eternidade

Pirilampos, lampejos
lantejoulas
Cálidos cálices de argamassas toscas nos esperam
na linha do horizonte

São presságios
de mormaços certos
São colóquios de venturas, redescobertos
Preciosismos tolo, de sonoridade múltipla
Que tornam a caminhada insinuante e crua

Desperta, então!
Sim, É por ali que nós vamos
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
QUEM SABE?

Quero terminar a ronda do destino sem fazer rodeios
sem construir frases

Quero terminar a ronda do destino sem mostrar protestos
sem deixar saudades

Quero terminar a ronda do destino entre coisas sem piedade

No mar

Onde o silêncio medita e há profundidade
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

SONETO PARA JOGAR FORA

Quando souberes que em tempo algum te amei
dirás, a quantos perguntarem, o impossível
sem saberes que satisfaço os meus desejos
além, muito além do que é possível

Não me importa saber se tenho ou curto
por alguém, alguma espécie de sentimento,
pois não consigo dominar, e nem quero,
deixar de completar o que sinto no momento

Uso teses, invoco Deus, e o Diabo em paralelo
nas palavras antropofágicas e, sem fracos argumentos,
prendo o corpo de forma mais abjeta, amando

O amor que uso são figuras falsas e bonitas
que me saem à mente promíscua e talentosa
como se fosse rosa o que falei babando
¨¨¨¨¨¨¨¨
UMA CANÇÃO DO OUTRO MUNDO

Quando a noite descer sobre teu leito, estarei
no parapeito, humilde
da janela

Quando a estrela aprender, dirá, sobre teu leito
o despeito orgulhoso que tem
da tua janela

Quando a tua janela se fechar, a noite e a estrela se confundirão
na mediocridade, álacre, da mediunidade

Estou, também, como os astros
e a passagem do sol, debruçado
em tua janela
para vê-la nua
Como se fosse lua, como se fosse espaço

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