quarta-feira, 13 de maio de 2009

Bruce Chatwin (13 maio 1940 – 18 janeiro 1989)


Nascido em Sheffield, Inglaterra a 13 de maio de 1940, e falecido em Nice, França, a 18 de janeiro de 1989,era um promissor especialista em arte moderna da Sotheby's de Londres quando decidiu abandonar a carreira para seguir uma vida nômade, em viagens e aventuras que relatou em vários livros. Morreu em 1989.

Bruce Chatwin, um escritor-viajante, numerava as páginas de cada caderno novo, escrevia seu nome e pelo menos dois endereços, e uma promessa de recompensa no caso de perda do seu Moleskine. “Perder meu passaporte era a menor das minhas preocupações, perder um caderno de anotações seria uma catástrofe”, dizia ele.

Chatwin, a moral em movimento
(Revista Bravo!, 01 de setembro de 2005)

É clichê dizer de um livro de não-ficção que tenha trama fluente e personagens marcantes que “se lê como romance”. Os romances do inglês Bruce Chatwin (1940-1989) se lêem como obras de não-ficção, como reportagens – de jornalismo literário, por certo – que se destacam pela quantidade e precisão das informações, pela sensação de realidade que dá ao que descreve. Isso fica muito evidente em Colina Negra, tradução de seu romance On the Black Hill, de 1983. Há um apuro visual na narrativa, uma curiosidade por todos os detalhes daquelas vidas, que um jornalista do porte de um Gay Talese assinaria com júbilo.

Não é o melhor romance de Chatwin, um especialista em arte da Sotheby’s que no início dos anos 70 abandonou seu status e, depois de também abandonar a faculdade de arqueologia, foi peregrinar pelas diversas culturas e escrever livros sobre elas, na maravilhosa tradição dos viajantes ingleses, de John Ruskin e Richard Burton, de Charles Darwin e Jan Morris, de estetas e naturalistas que fizeram da escrita seu passaporte sensível pelas fronteiras. Daí veio Na Patagônia, seu extraordinário livro sobre a busca dos fósseis de um brontossauro; O Vice-Rei de Uidá, sobre um comerciante de escravos brasileiros; e Utz, a história de um judeu em Praga que coleciona porcelanas – para citar seus três melhores livros, pela ordem de preferência, todos os quais já traduzidos pela Companhia das Letras.

Colina Negra é o relato de dois gêmeos, Lewis e Benjamin Jones, que vivem numa zona rural do País de Gales, fronteira com Inglaterra. Tal sinopse soa como um romance de Thomas Hardy, a quem, de fato, Chatwin cita, mas não espere pelos aprofundamentos psicológicos do genial autor de Tess d’Ubervilles. Chatwin percorre os 80 anos de vida dos irmãos quase como uma sucessão de vinhetas, em parágrafos curtos, sem tentar recriar diretamente os estados de ânimo, mas mostrando nas linhas e entrelinhas a influência da passagem do século sobre a vidinha daquela comunidade. Por mais que ela pretenda estar imune à história, não consegue.

Um trecho que dá boa idéia das virtudes literárias de Chatwin: “Certo dia, Lewis Jones saiu em perseguição a um carneiro fugido. Chegou a um ribeiro, próximo a uma mata de aveleiras, onde a água deslizava numa rocha. Ali havia pilhas de ossos brancos trazidos pelas enchentes de inverno. Olhando por entre as folhas, viu Rosie Fifield, de vestido azul, sentada do outro lado da ravina. Sua roupa estava secando nas moitas de tojo, e ela estava absorvida na leitura de um livro. Um menino correu até ela e colocou um botão-de-ouro sob seu queixo. ‘Por favor, Billy!’, disse ela afagando-lhe os cabelos. ‘Agora chega!’, e o menino sentou-se no chão para fazer um colar de margaridas. Lewis ficou observando-os por dez minutos, paralisado como se estivesse vendo uma raposa brincando com seus filhotes. Depois voltou para casa.” Chatwin tem um poder de descrição tamanho que primeiro sentimos o frescor de suas plantas e riachos e depois captamos o que há de travado e tenso na existência dessas pessoas; com tal contraste, com tal combinação de clima e sugestão, ele nos prende até o fim.

Há sempre um segredo nas histórias de Chatwin, um mistério tão fundamental quanto insondável, e em Colina Negra é: por que ficamos onde estamos? Os velhinhos gêmeos cresceram sem quase nunca ir a um raio de distância superior a 35 km de sua fazenda. Ora, Chatwin acreditava exatamente no oposto disso: para ele a condição humana – para citar uma expressão de um escritor que admirava, André Malraux – é o estar em movimento, libertando-se continuamente do acostumar e acomodar, pois a rotina atrofia a percepção. Por isso seu olhar se detém mais em Lewis, um sujeito rude e taciturno, que exalta a limitação de sua vida, mas simultaneamente é um admirador fanático de aviões, os quais vê cruzar o céu e apontar o invisível. Apenas o contrapõe a Benjamin, que é mais amável e tímido e exercita a imaginação de outra forma: lendo livros como os de Hardy. E um dia Benjamin é convocado para a Primeira Guerra, onde sofre humilhações: justo para ele, o mais sensível, a história abriu as portas com um chute de coturno.

Há um agudo senso de drama em Chatwin e, no entanto, ele não censura seus personagens, ainda que nos mostre uma comunidade perdida entre bebidas e missas. A chegada do automóvel, por exemplo, sinaliza o fim de um modo de existência para aquele grupo de camponeses. Chatwin, porém, não demoniza o progresso, como seria ao gosto das culturas periféricas; nos dá inclusive a brecha para pensar que, se aquelas pessoas não tivessem tanto medo do novo, poderiam lidar melhor com ele. A bela seqüência da morte de sua mãe, por exemplo, mostra ao mesmo tempo seu sofrimento e sua alienação. Ela morre segurando a mão de ambos. De manhã, os gêmeos “cobriram as colméias com crepe preto, para anunciar às abelhas que a mãe se fora”. Na noite seguinte, tomaram o “banho semanal” juntos, depois vestiram os camisões que pertenceram ao pai e foram dormir em harmonia um com o outro. Chatwin escreve: “Unidos finalmente pela memória de sua mãe, esqueceram q ue toda a Europa estava em chamas”. Esses tipos de detalhes poderosos, apresentados de maneira direta, com concisão poética, só se encontram em autores como Hemingway.

Chatwin, que morreu de Aids no sul da França, sob os cuidados da mulher, era um viajante, não um turista, e correu o planeta, do Afeganistão à Patagônia, do Nepal à Austrália, com seu “moleskine” à mão (o caderno de viagens para anotações e desenhos), e como tal estava interessado na diversidade e na história, não num modelo de sociedade que seria igual em toda parte. Mas jamais se rendeu à visão antropológica que glamouriza o estranho e relativiza todos os valores; era um humanista, amante da arte e da natureza, e não um romântico desses que se negam a aceitar que nenhum cultura é perfeitamente pura. Superou a dicotomia entre colonialistas e anticolonialistas.

Assim, embora pareça tão diferente de seus outros livros, marcados por enredos exóticos e reflexões eruditas, Colina Negra é Chatwin em essência. Seu estilo oscila entre o romance e a literatura de viagem, entre vidas interiores e cenários exteriores, e seus personagens estão sempre à procura de uma explicação única, de uma chave-mestra que acabe com os dilemas e tragam o conforto da revelação. E ela nunca vem. Como uma sonata de Chopin, da famosa cena de Na Patagônia (livro já incluído entre os Penguin Classics), sua escrita tem uma tônica melancólica, ainda que na superfície uma miríade de eventos e acentos excitem a imaginação.

Fontes:
http://www.danielpiza.com.br/interna.asp?texto=1889
http://www.companhiadasletras.com.br/20anos/autores.php3?autor=Bruce%20Chatwin
http://montalvomachado.com.br/blog/?cat=15
http://en.wikipedia.org/

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