quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Carmo Vasconcelos (A Coerente Incoerência dos Poetas)



O poeta tem dias de apego e outros de libertação. A fascinante essência do poeta é mesmo essa dicotomia. A pluralidade de desejos, a inconstância de ser e estar, a inquietude perene, a ânsia latente, na incansável busca da união com o TODO, porque menos do que isso é a insatisfação do poeta.

O poeta ora abre as asas ao sol, ora se ensopa de chuva; ora sorve o ar que respira, ora sufoca em recolhimento. Por vezes, é fuga. Veste-se de distância e monta na garupa do vento! Tanto se deseja solto como uma gaivota, como se deseja aprisionado, refém rendido ao amor!

Ora é azul, asas rasgando o Infinito, ora se imola no fogo; veste-se de rubro e deixa vibrar a carne em labaredas de paixão! Hoje, ele é diamante, duro e impenetrável; amanhã, será cristal permeável a todos os sentimentos! Tão depressa o poeta é mesa farta, enfeitada de rosas a desabrochar em orgasmos multicor, onde, completo, se entrega, saciando-se de ardentes beijos e desgustando as doces iguarias do Amor, como logo, ele se compraz em mísero retiro, e na angústia da fome, deixa crescer o seu desejo até que ele todo o invada, até que rebente como um balão, libertando estrelas em chuva de paixão! E é desta amálgama informe de sentimentos da sua alma inquieta e multifacetada, que ele, numa alquimia efervescente, depura, destila e molda os seus versos.

Ora espírito ora carne, por vezes, ambos, mas sempre, respirando o sublime halo da poesia. Só assim, o poeta consegue conviver, coerentemente, com a sua incoerente e utópica essência.

Fonte:
Revista Bimestral Eisfluências. Ano 1. N.1. Outubro de 2009. p.8

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