quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Chloris Casagrande Justen (Meu Livro Azul)



É impossível deixar de escrever, quando toda a trama está delineada.

Ali, à minha frente, continuam os papéis que devo selecionar, as pastas para catalogar, o projeto para elaborar, mas o filme que está passando ao fundo, na CNT, me obriga a voltar ao passado, à minha doce e ingênua juventude.

Ah! Os filmes de Lana Turner, Tyrone Power, Joan Fontaine, Joan Crawford, Robert Mitchum, Cark Gable.

Éramos tão simplesmente ingênuos…

A violência era configurada nos murros que o mocinho dava no bandido, vingando-nos das maldades que a mocinha sofrera; os finais eram felizes e não havia mortos e feridos e, quando os havia, eram pranteados e acarinhados. E havia gentilezas, e as mulheres eram lindas e elegantes, e os homens demonstravam claramente, nas ações, o seu caráter, e o amor tinha o poder de regenerar os maus e dignificar as pessoas.

A caneta na mão que apóia o rosto, relembro as “matinées” de domingo, onde só iríamos se acompanhadas de meu pai. Aos meus lábios vem um sorriso quase carinhoso e em meu coração desce uma caudalosa onda de ternura.

Como posso organizar meu livro de Contas/ Correntes, se estou “assistindo” Audrey Hepburn, de sorvete na mão, fugindo de ser princesa para se enamorar do plebeu Gregory Peck e, sem saber como, já dançam Cid Charisse e Fred Astaire, encantados com as meias de seda, seguidos de “My Fair Lady”, e Errol Flynn que, de uniforme azul da guerra da Secessão, dança em um lindo salão de lustres de cristais, declarando amor a sua amada, que veste um deslumbrante traje de tule branco, apoiada em seus braços amorosos, levando-nos, a nós meninas-moças da época, ao sétimo céu de nossos sonhos. Impossível não rir da minha obediência às ordens recebidas, de fechar os olhos para não ver a “imoralidade” dos beijos de amor, uma novidade que corrompia...

Como os tempos eram outros... O perigo não morava ao lado, nós vivíamos com a felicidade que não se comprava, com a sobriedade de Greer Garson durante os bombardeios de Londres. As desditas de nossos amigos nos atingiam como se vivêssemos os dramas da caldeira do diabo, admitindo que devíamos compreender as vinhas da ira, pois assim caminha a humanidade.

As notas fiscais que comprovam o que gastei e que, por excesso de atividades, nem tomei a devida consciência, ficam me pressionando, como se fosse suficiente revê-las para que o tempo aumente seu espaço para abarcar todas as minhas responsabilidades.

A maior dificuldade está em eu não poder fugir da beleza de Kim Novak e da obsessão de James Stewart, vendo um corpo cair. Aliás, lembrar a figura de Hitchcook aparecendo em todos os seus filmes, traz-me o som alucinante do voejar dos pássaros, e não sei porque está à minha frente Julie Andrews dançando nos telhados londrinos e resolvendo todos os complexos problemas de uma nova sociedade. A doçura dos olhos de Olívia de Haviland contrasta, à minha frente, com o azul-violeta dos olhos de Elizabeth Taylor, naquele lindo traje feito da cortina de veludo que o vento não levou... Olhos... olhos grandes, frios e dissimulados da inimiga Bette Davis e, já agora os olhos lindo de Merle Oberon, vencendo os preconceitos de uma época e ensinando que o amor formado em ciúme, pode ser fria lâmina que fere o homem e desestrutura o artista, transformando o sonho de amor em amargura.

O livro azul da Conta/Corrente é um algoz que me atormenta. Talvez que ele seja a ponte que não quero atravessar e que me liga à realidade do assalto ali da esquina, dos mortos do avião que explodiu no ar, do desespero daqueles que nem ao menos alcançaram altura para decolar, das meninas sem lar aliciadas para a prostituição, da prisão da gangue de mulheres que roubava as lojas para vender o produto do roubo, o que nem ao menos pode lembrar o Errol Flynn, de Robin Hood, contrariando minha esperança de que a mulher estaria mais longe do banditismo.

Abandono o cinema das ilusões e das minhas ilusões e retorno à verdade de um mundo de consumismo, de violência e incertezas.

Na CNT, Victor e Victória, e a minha gargalhada que ecoa no silêncio da tarde. Desligo o televisor e triste e desanimadamente enfrento a dolorosa e crua realidade que, neste momento é o meu livro azul de Contas Correntes.

Fontes:
Centro Paranaense Feminino de Cultura. http://www.centrofeminino.com.br/literatura13.html
Imagem = http://pt.dreamstime.com

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