domingo, 25 de outubro de 2009

Folclore Brasileiro (Mula-sem-cabeça)



A Mula-sem-cabeça é uma antiga lenda dos povos da Península Ibérica, que foi trazida para a América pelos espanhóis e portugueses. Esta história também faz parte do folclore mexicano (conhecida como "Malora") e argentino (com o nome de Mula Anima). Pressupõem-se que este mito tenha nascido no século doze, época em que as mulas serviam de transporte para os padres.

No Brasil, a lenda disseminou-se por toda a região canavieira do Nordeste e em todo o interior do Sudeste. A Mula-sem-cabeça, representa uma espécie de lobisomem feminino, que assombra povoados onde existam casas rodeando uma igreja.

Segundo esta lenda, toda a mulher que mantivesse estreitas ligações amorosas com um padre, em castigo ao seu pecado (aos costumes e princípios da Igreja Católica), tornar-se-ia uma Mula-sem-cabeça. Esta história tem cunho moral religioso, ou seja, é uma repreensão sutil ao envolvimento amoroso com sacerdotes e também com compadres. Os compadres, eram tidos como pessoas da família, e qualquer tipo de relação mantida entre eles, era considerada incestuosa.

A metamorfose ocorreria na noite de quinta para sexta-feira, quando a mulher, em corpo de mula-sem-cabeça, corre veloz e desenfreadamente até o terceiro cantar do galo, quando, encontrando-se exaurida e, algumas vezes ferida, retorna a sua normalidade. Homens ou animais que ficarem em seu trajeto seriam despedaçados pelas violentas patas. Ao visualizar a Mula-sem-cabeça, deve-se deitar de bruços no chão e esconde-se "unhas e dentes" para não ser atacado.

Uma versão é que, se um padre engravidasse uma mulher e a criança fosse do sexo feminino viraria mula-sem cabeça e se fosse menino seria um lobisomem.

Para que ela não se manifeste, o padre deve amaldiçoá-la antes de celebrar cada missa. Segundo Pereira da Costa, isso deve ser feito antes de tocar a hóstia, no momento da consagração. Em alguns lugares, basta causar-lhe um ferimento, tirando-lhe sangue. Ao encontrar uma mula, é preciso esconder as unhas a fim de não atrair a sua ira.

A Mula-sem-cabeça sai pelos campos soltando fogo pelas ventas e relinchando, apesar de não ter cabeça. Ela é descrita como um animal negro, com pelos brancos na cabeça, olhos cor de fogo, pata na forma de lâminas afiadas, com um relincho apavorante (Que seria um misto de relincho com gemido humano) e solta fogo pelas ventas. Seu encanto, segundo a lenda, somente será quebrado se alguém conseguir tirar o freio de ferro que carrega. Em seu lugar, aparecerá uma mulher arrependida.

Diz a lenda que, se escutares na madrugada o cavalgar da mula-sem-cabeça, confirmado pelo som aterrorizante emitido por ela, jamais deve olha-la, nem ao menos espia-la, pois, aquele que a espiar, será surpreendido com a mesma vindo em sua direção.

Também há uma versão mais antiga ainda, que conta que em um certo reino, a rainha tinha a mania de ir certas noites ao cemitério, sem permitir que ninguém a acompanhasse. O rei, então, decidiu seguir sua mulher, secretamente, durante uma dessas saídas, e encontrou-a debruçada sobre uma cova, que abrira com as próprias mãos cheias de anéis, devorando o cadáver de uma criança, enterrada na véspera. O rei, então, soltou um berro horrível, e quando sua mulher viu que fora pega em flagrante, soltou um berro mais terrível ainda, se transformando assim na Mula-Sem-Cabeça.

Dizem também, que se alguém passar correndo diante de uma cruz à meia-noite, ela aparece.

A mula-sem-cabeça também é conhecida como a burrinha-do-padre, ou simplesmente burrinha.

A Mula-sem-cabeça, possuiria as seguintes características:

1. Apresenta a cor marrom ou preta.
2. Desprovida de cabeça e em seu lugar apenas fogo.
3. Seus cascos ou ferraduras podem ser de aço ou prata.
4. Seu relincho é muito alto que pode ser ouvido por muitos metros, e é comum a ouvir soluçar como um ser humano.
5. Ela costuma aparecer na madrugada de quinta/sexta, principalmente se for noite de Lua Cheia.
6. Segundo relatos, felizmente existem maneiras de acabar com o encantamento que fez a mulher virar Mula-Sem-Cabeça, uma delas consiste em uma pessoa arrancar o cabresto que ela possui, outra forma é furá-la, com algum objeto pontiagudo tirando sangue (como um alfinete virgem). Outra maneira de evitar o encantamento é de que o amante (padre) a amaldiçoe sete vezes antes de celebrar a missa.

Para se descobrir se a mulher é amante do padre, lança-se ao fogo um ovo enrolado em linha com o nome dela e reza-se por três vezes a seguinte oração:

"A mulher do padre
Não ouve missa
Nem atrás dela.
Há quem fique ...
Como isso é verdade,
assa o ovo
e a linha fica..."

SIMBOLISMO

A Mula-sem-cabeça é oriunda do lado sombrio do inconsciente coletivo, seria talvez, o próprio arquetípico das criaturas que povoam as florestas, representando as camadas profundas do inconsciente e do instinto. Assim como o lobo, a mula-sem-cabeça aqui, nos induz ao desencadeamento dos instintos selvagens. Sob a influência do moralismo judaico-cristão, esta tendência se ampliou e levou ao horror da caça às bruxas e da Inquisição. Os relatórios dos "processos" de feitiçaria contêm obras-primas de animalidade mais crassa.

O animal representado nesta lenda, nos faz alusão então, uma valorização negativa, o conjunto de forças profundas que animam o ser humano e, em primeiro lugar, o libido (tomado em sua significação sexual), que desde a Idade Média se identifica principalmente com o cavalo, ou em nosso caso, com a mula.

O animal já aparece não portando a cabeça, tal fenômeno, pode ser entendido em sentido metafórico como ausência de razão e da própria consciência, predomínio, portanto, das paixões, dos impulsos sexuais de imediato atendidos, do domínio do inconsciente pessoal e coletivo.

A Mula-sem-cabeça é uma mulher amaldiçoada, pecaminosa, que teve o atrevimento de desejar o santo padre, representante de Deus e Cristo na terra. Este relato nos faz repensar no quanto os homens da Igreja, daquela época (Idade Média) tinham medo do poder feminino de sedução. Tais medos, os levaram a atitudes de desespero, que os fizeram a abster-se de qualquer contato com o sexo oposto, além de fantasiarem e criarem assombrações para incutir maior receio.

O que fica de lição desta lenda é que todos nós devemos nos integrar com nossos instintos. "O animal, que no homem é sua psique instintual, pode tornar-se perigoso quando não é conhecido e integrado à vida do indivíduo. A aceitação da alma animal é a condição para a unificação do indivíduo e para a plenitude de seu desabrochar."

Cada animal, simbolicamente faz eco à natureza profunda do ser humano.

Fontes:
http://www.rosanevolpatto.trd.br/
http://pt.wikipedia.org/

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