domingo, 8 de novembro de 2009

Poesias Gauchescas


Adão Carrazzoni de Jesus
SAUDADE DA QUERÊNCIA

Tamanho da fonte
Sou um gaúcho perdido
no turbilhão da cidade
e vivo, assim, entristecido,
carregando esta saudade.

Esta dor comigo eu trago
bem dentro do coração:
- Saudade lá do meu pago,
da querência, do rincão...

da chinoca endiabrada,
do cavalo alazão,
do pouso à beira da estrada,
do amargo chimarrão...

Do meu velho chiripá,
das botas e do facão,
do clarão do boitatá,
do quero-quero gritão...

De tudo saudades tenho,
de tudo o que é do Rio Grande
e nesta tristeza me embrenho,
minha alma não se expande!..
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Adenir Paz da Silva
CRIA DE BAGÉ

Não bebo na orelha dos outros
nem gasto pólvora em chimango.
Na vida eu mesmo me mando,
não nasci pra virar padre,
não levo ninguém pra compadre
e nem desaforo pra casa
sou ferrão de mamangava,
azedo que nem vinagre.

Veneno de cascavel,
sou liso, agüento o repuxo,
não nego que eu sou gaúcho,
já quebrei muito corincho,
sou arisco que nem capincho,
estou sempre em prontidão,
nunca afrouxei o garrão,
sou valente e não me micho.

Pago com fio de bigode,
não devo vela pra santo,
se caio já me levanto,
se prometo já está feito,
sou xucro, este é o meu jeito,
fui criado abagualado,
meio atirado pros lados,
ser grosso é o meu defeito.

Grudo mais que carrapicho
no lombo de um cavalo,
pinguancha é o meu regalo,
na vida esse é meu vício,
peleando sou estrupício,
derrubo mais que cachaça,
dançando sou pé-de-valsa,
gritando faço um comício.

Sou um índio de respeito,
mas logo viro tormento
pra quem me puxar o lenço
sem a minha permissão,
já tiro satisfação
para cobrar o prejuízo,
com tenência e com juízo
ninguém me tira a razão.

Desmamado em tempo certo
cresci lindaço no más,
preocupação pros meus pais
tenteando no campo a eguada,
guri, não temia nada,
o tempo era só meu,
que vida que Deus me deu!,
tranqüilo e dando risada...

Nasci no Rio Grande do Sul,
pêlo duro de fronteira,
comigo não tem tranqueira,
só em Deus eu levo fé,
gosto de chimarrão e mulher,
sou orelhano sem marca,
sou livre, sou um monarca.
Eu sou cria de Bagé!
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Adilza Laydner de Castro
COLCHA DE RETALHOS

Um por um vou cozendo, na memória,
os retalhos que a vida vai deixando
nessa nesga fugaz e transitória
que a gente vai, aos poucos, remendando...

Celestes, róseos, rubros de vitória,
garços, níveos quais lírios despontando...
Depois negros - velada luz marmórea...
Depois cores ao tempo desbotando...

Faço, agora, os debruns, acabrunhada,
com pespontos de seda machucada
e matizes de brumas nos entalhos...

Velozes vão cruzando por meus dedos
as tramas, os urdumes, os enredos
dessa colcha bem pobre de retalhos!
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Albeni Carmo de Oliveira
A AGONIA DE UM RIO

Velho rio que certo dia
Serviu de praia p'ra mim.
Velho rio que está no fim
Atirado ao abandono.
Quantas noites perco o sono
Pensando na ingratidão,
Pois a tal poluição
Já te desbanca do trono.

Velho rio que ainda reflete
O mais lindo pôr-do-sol,
Lembro um caniço, um anzol
E eu pescando pintado,
Velho rio, que no passado
Era largo, era bonito.
Mas que depois aos pouquitos
Foste ficando apertado.

Velho rio que sempre foi
Orgulho do bom gaúcho.
Velho rio que deu-se ao luxo
De ver crescer ao teu lado,
A Capital do Estado
Com um progresso crescente
Também vizinho de frente
Guaíba tem prosperado.

Velho rio, quanta saudade
Que dor que meu peito sente.
Por que será que esta gente
Não pára para pensar?
Que não dá mais para agüentar
Esta injusta covardia,
Ao notar que a cada dia
Alguém manda te aterrar.

Pois de aterro em aterro
Já mudaram o teu leito,
E agora querem um jeito
Para curar a ferida
Do propalado inseticida
Nas lavouras aplicado,
Pois água contaminada
Não faz bem p'ra nossa vida.

Se tu pudesses falar
Tu dirias com certeza:
- De que adianta riqueza
Para uma cidade que cresce,
Se a população esquece
Entre a farra e a bebida
Que a água fonte da vida
Aos poucos desaparece.

É, velho Guaíba estuário,
Teus dias estão no fim!
E eu sinto que seja assim
Que o velho rio vá morrer,
Pois não posso entender
O que será de uma comunidade
Vivendo numa cidade
Sem água para beber…
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Ângela Gomes/Anelise Severo
CAMPESINA

Volto em silêncio pra beber das velhas fontes,
Molhar os pés naquela sanga cristalina.
E logo ali vai desbravar os horizontes,
Pra libertar os teus anseios de menina.
Cabelos longos fustigados pelo vento,
Sons de dialetos, vozeiril dos parreirais.
Um rio inquieto, com nostálgicos lamentos,
A imitar o santo chão dos ancestrais.

Tudo me chama no verdor dessas ramagens,
Vales e montes, terras férteis e entrevais.
Adolescente os meus sonhos tem paisagens,
E vida afora, não me deixarão jamais.

Junto às encostas meus avós plantaram fundo,
As esperanças pra colher mundo melhor.
Descortinaram o nascer de um novo mundo,
Feito de luta, de trabalho e muito suor.
Meu canto tem a mansidão de lamparinas,
Nasceu liberto sem maneia nem buçal.
Mas não renega sua origem campesina,
Mesclando raças no sonoro madrigal.

Tudo me chama verdor dessas ramagens,
Vales e montes, terras férteis e entrevais.
Adolescente os meus sonhos tem paisagens,
E vida a fora, não me deixarão jamais.
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Anita Ramos Gonzales
A SESTA

Desencilha o cavalo, está na hora,
o sol a pino à sesta nos convida!
E o gaúcho termina a sua lida
- começada, bem cedo, antes da aurora.

Lá na campanha há toda calma agora:
tudo dorme na terra estremecida!
Ruminam bois na sombra em paz ungida.
Ao longe...um cordeirinho baba e chora.

Os pássaros se escondem no arvoredo,
em sussurros, parece de segredo,
respeitando o silêncio do rincão.

Mas...à sombra do umbu na soalheira,
a gente ouve a cigarra cantadeira
que na hora da sesta faz...serão.
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