sábado, 19 de dezembro de 2009

Alex Giostri (Sobre as Palavras e suas Inflexões)

Imagem do filme A Hora do Rush
(Jackie Chan e Chris Tucker)

Um carro possui um motor. O motor é movido a combustível. Sem o combustível, o carro não anda. Ao ator é interessante pensar que o seu corpo físico é o motor e que a palavra é o alimento de seu corpo, isto é, o combustível. O indivíduo traz consigo sua identidade emocional e suas características psíquicas que o definem como um ser singular. Para que possa comunicar-se com alguém demonstrando parte do que é como pessoa, esse indivíduo utiliza-se das palavras, que são o seu combustível, que, por sua vez, é o que transforma as suas sensações abstratas em linguagem.

Pensando assim, ao ator não basta apenas utiliza-se dessa linguagem, das palavras, se não souber manejá-las, compreendê-las. Essa compreensão, esse manejo, é, ao ator, o que se classifica como inflexão. Como a boa maneira de expor a palavra ao seu espectador. É quando o ator, além de trabalhar a respiração no momento exato, dando as pausas necessárias na hora exata, dá à palavra, às letras, às sílabas, todo um tratamento minucioso no ato da fala, possibilitando assim que quem o assiste sinta-se impressionado com o que ouve. Impressionado no sentido de impressão.

A inflexão é a impostação da voz, é o conhecimento das palavras e de seu poder de alcance, é da relação íntima que o ator tem com o seu combustível. E essa relação entre o ator e a palavra se faz através da leitura, do entendimento das palavras (de seus significados) e dos exercícios que faz dia-a-dia. Há muitas maneiras de dizer a mesma palavra. E aí entra a respiração, o olhar, o tom da voz, a agilidade da fala, o trabalho corporal. É apenas mais um dos ingredientes para a construção do ator, mas é um dos fundamentais, pois é, a palavra, a via de acesso mais direta e rápida na maioria das vezes.

A falta de boa inflexão e, automaticamente, da boa fala, está ligada à falta de leitura e de intimidade com as palavras, mas também está ligada à ansiedade, que é capaz, se não for bem resolvida, de complicar a vida do ator. É na ansiedade que os batimentos cardíacos se desestabilizam (para mais ou para menos); é a ansiedade que aumenta a insegurança do ator, seja ela o tipo que for (tipo de insegurança – causa).

É válido lembrar que o espectador está na platéia para assistir ao que se oferece. Isso significa que o espectador está disposto a ouvir o que os atores têm a dizer. E sendo essa uma afirmação óbvia, ao ator cabe a compreensão de que a sua única obrigação é a de transmitir a mensagem daquilo que está em jogo na cena. E tal mensagem só chega ao entendimento do outro, que é o espectador, se for bem transmitido, de maneira delicada (mesmo que intensa). Um ótimo exercício é sempre o ator colocar-se na posição de quem ouve. É o trabalho do distanciamento.

A inflexão está ligada à técnica. Mesmo o ator visceral, aquele que age com o impulso, com a emoção à flor da pele, mesmo esse ator deve ter dentro de si um espaço racional para controlar o que sai de sua boca. E esse espaço se dá naturalmente. Não há técnica para alcançá-lo. O que o ator pode fazer é mergulhar dentro de si e aguardar que algo toque o coração. É ouvir as suas limitações e jogar com elas em prol de seu trabalho e de sua platéia.

O bom resultado é conseguido também através da leitura incansável do mesmo texto e do entendimento de cada pontuação do autor, de cada palavra posta no texto. O ator deve compreender que tudo que há no texto foi posto por alguém que pensou muito sobre aquele universo. E que cada palavra, ou falta de palavra, que cada pontuação, ou falta de pontuação, que cada concordância verbal, ou falta de concordância verbal, que todas elas foram postas propositalmente pelo autor (na maioria dos casos, mas pode haver um erro ortográfico) e que tudo isso passa a ser o seu guia de trabalho, o guia do ator.

Essa busca pela palavra, pelo aprimoramento técnico daquilo que sai da boca do ator, dessa busca pelo silêncio, pelo tom mais adequado, pelas pausas precisas, são e sempre serão a busca pela própria profissão, pela própria vida. O estar em cena sob os refletores, sob os aplausos, deve ser entendido como uma conseqüência e não como objetivo.

Fonte:
http://www.alexgiostri.com.br/artigos.html

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