quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Jerônimo Mendes (História da Poesia Universal – Breve Relato ) Parte II


Quase todas essas tragédias foram primeiro apresentadas como trilogias, as quais eram seguidas por peças de sátiros – selvagens pantominas em homenagem a Dioniso – no Teatro de Dioniso Eleutério, junto à Acrópole Ateniense.

Os Persas, escrito por Ésquilo e apresentado em 472 a.C. com o jovem Péricles como líder do coro, inovou ao tratar de um tema contemporâneo. A peça descreve a derrota de Xerxes (antigo imperador Persa) frente aos gregos. No poema, Ésquilo descreve a batalha naval de Salamina com detalhes muito mais vividos do que os encontrados nos relatos históricos. A maioria dos seus temas posteriores foi extraída da mitologia e das lendas - épicos sombrios e taciturnos, repletos de paixão e de sangue, nos quais os feitos desastrados dos mortais são mostrados em flagrante contraste à majestade e ao poder dos deuses e deusas do Olimpo.

Das setenta peças que escreveu, apenas sete sobreviveram. A Orestéia, a grande trilogia de Ésquilo, conta a antiquíssima história da casa de Atreu em dois registros : o da intimidade do amor e do ódio humanos, e o da história em seu sentido mais amplo. Atreu, rei de Micenas (ou Argos), matou os filhos de seu irmão Tiestes; apenas um deles, Egisto, sobreviveu. Mais tarde, os filhos de Atreu, Agamenon e Menelau, casam-se com as irmãs Clitemnestra e Helena. Quando esta abandona Menelau por causa de Páris, de Tróia, os irmãos montam uma expedição que dá início à guerra de Tróia, tendo Agamênon sacrificado a própria filha para que os bons ventos facilitassem a travessia marítima.

Em Agamênon, a primeira das peças, o rei retorna vitorioso de Tróia. Em sua ausência, Clitemnestra tomara Egisto com amante e, juntos, eles governam Micenas; para vingar a filha e se manter no poder, ele mata Agamênon.

A riqueza da linguagem e a concentração metonímico-metafórica é de causar alegria e espanto aos olhos de um bom amante da literatura. Veja abaixo uma parte do poema :

AGAMÊNON

( . . . ) foi Helena
levar a Tróia lágrimas e sangue.
Mas aqui, em seu lar abandonado,
lamentações se ouviam, relembrando
a ingrata que partira. Seu marido,
sem comer, sem dormir, qual um fantasma
percorre os aposentos do palácio,
com o pensamento posto além dos mares,
chorando de saudade, e não de ódio.
Um fantasma rondando pela casa,
que um túmulo parece, e não palácio.
O corpo escultural de sua amada
não lhe sai da memória um só momento.
Tem impressão de vê-la: corre em frente
esperando abraça-la . . . Em vão, em vão.
Desfaz-se logo o sonho. Em vão, em vão . . .

Em As Coéforas, Orestes, filho de Agamênon e Clitemnestra, retorna de seu esconderijo e, para vingar o pai, mata tanto a mãe quanto Egisto. Deusas selvagens, as Eumênides, ou Fúrias, o perseguem, exigindo que paguem com seu sangue pela morte de Clitemnestra.

Na peça final, As Eumênides, deusas mais jovens, lideradas por Atena, julgam Orestes perante um júri de mortais e decidem que a vingança foi redimida. Eles aceitam as Eumênides na hierarquia dos novos deuses, como protetoras de Atenas.

Explorando essa trama de relacionamento, Ésquilo discute questões mais abrangentes. Quando atos privados orientaram decisões governamentais, o resultado foi morte e destruição, canta o coro, referindo-se a Helena, no trecho de Agamênon destacado anteriormente. A exigência de vingança aprisiona as nações por gerações; um coro de prisioneiros de guerra lamenta o fato na passagem de As Coéforas. No entanto, em uma nova fase da civilização, esses costumes podem ser alterados e As Eumênides terminam com uma suave canção de paz, conforme podemos apreciar no texto que segue :

Marchai para o vosso lar, grandes amantes da honra,
Filhas da Noite Ancestral, vossa paz foi alcançada.
(E toda palavra é santa).
Nas profundezas da terra, na imemorial caverna,
honradas com sacrifício, com reverência e temor.
(E toda palavra é santa).
Temidas e amigas deusas, que amam e guardam a nossa
terra; e embora devorem chamas, abrem um caminho de
luz, que repousem satisfeitas, todas as vezes
proclamem o triunfo da alegria !
Derramai de novo o vinho em sacrifício incruento,
e o onisciente Zeus guarde a cidade de Palas.
O Deus e o Destino juntos, todas as vezes proclamem
o triunfo da alegria !

Ésquilo procurou no trágico destino de seus personagens confirmar a justiça da ordem divina. “Zeus, que orienta os pensamentos dos homens”, escreveu ele, “estabeleceu que só se alcança a sabedoria através do sofrimento”.

Sófocles, aristocrata, general e amigo de Péricles, considerado muito culto e jovial na época, nasceu por volta de 497 a. C., combateu sob Péricles na guerra contra Samos, conforme dito anteriormente.

Adotou uma visão mais equilibrada do relacionamento entre os homens e os deuses. Sua principal preocupação era o caráter e o modo pelo qual qualquer excesso - de orgulho, por exemplo - podia transformar o equilíbrio natural e levar à ruína.

Extremamente produtivo, elaborou seus dramas com graça e nobreza impecáveis. Também foi um inovador, ampliando os recursos e a flexibilidade de forma trágica - por exemplo, acrescentando um terceiro ator, como citamos no início do capítulo. Sete de suas 130 peças foram preservadas.

A trilogia tebana de Sófocles é um estudo da ambigüidade. Ele mostra que uma pessoa pode ser, ao mesmo tempo, inocente e culpada, praticando o mal com as melhores intenções. A coragem e a aceitação parecem ser as únicas reações frente a um universo racional.

A primeira peça, Rei Édipo (Rei de Tebas, famoso por solucionar o enigma da Esfinge), revela uma história de horror. tão sábio que solucionou o enigma da Esfinge, casou-se com a rainha de Tebas e passa a governar essa cidade. No início da peça, Tebas está amaldiçoada : ela abriga um parricida (Pessoa que matou pai, mãe ou qualquer dos ascendentes ) que desposou a própria mãe, afrontando os deuses. Édipo é esse homem.

Desconhecendo seu parentesco, Édipo havia matado um homem, seu pai, e se casado com uma mulher que era sua mãe. Pouco a pouco ele se aproxima da verdade; nessa fala, Tirésias, o adivinho cego, começa a esclarece-lo. Quando compreende o que ocorreu, Édipo fura os próprios olhos e se exila. Toda grandeza do poema pode ser avaliada no pequeno trecho que segue :

REI ÉDIPO

Se tu possuis o régio poder, ó Édipo,
eu posso falar-te de igual para igual !
Tenho esse direito ! Não sou teu subordinado,
mas sim de Apolo; tampouco jamais seria
um cliente de Creonte. Digo-te, pois,
já que ofendeste minha cegueira,
que tu tens os olhos abertos à luz,
mas não enxergas teus males, ignorando
quem és, o lugar onde estás, e quem é aquela
com quem vives. Sabes tu, por acaso,
de quem és filho ?
Sabes que és o maior inimigo
dos teus, não só dos que há se encontram no Hades,
como dos que ainda vivem na terra ? Um dia virá,
em que serás expulso desta cidade pelas maldições
maternas e paternas. Vês agora tudo claramente;
mas em breve cairá sobre ti a noite eterna.
E agora . . . podes lançar toda a infâmia sobre mim,
e sobre Creonte, porque nenhum mortal, mais do que tu,
sucumbirá ao peso de tamanhas desgraças !

No poema Édipo em Colona, o rei, abandonado por todos, com exceção de sua filha Antígona, acaba seus dias em uma colina fora de Atenas. Seu destino - e o da humanidade - é lamentado pelo coro nos versos mostrados abaixo :

ÉDIPO EM COLONA

Embora tendo vivido uma vida plena,
por vezes um homem ainda deseja o mundo.
Juro que nisso não vejo sabedoria.
As horas intermináveis trazem apenas sofrimento
que aumenta a cada dia; e, quanto ao prazer,
se alguém se curva sob o peso da idade excessiva
não encontra em parte alguma seu prazer.
A derradeira acompanhante é a mesma para todos,
jovens e velhos, pois à sua chegada se revela
a herança do outro mundo que cabe a cada um
cessam para sempre o epitalâmio 1 ,
a música e a dança. A morte é o desfecho . . .

(Nota: epitalâmio: 1. Canto ou poema com que se celebram núpcias, depois de realizadas; a celebração antecipada faz o protalâmio.)

No entanto, o amaldiçoado Édipo também é abençoado: a terra se abre em Colona para levá-lo à morte e libertá-lo, tornando sagrado o local em que ele perece.

Antígona, produzida em 441 a.C. por Sófocles, relata o trágico destino da filha de Édipo, de Tebas, condenada por enterrar o cadáver de seu irmão rebelde. Antígona também mostra um homem que, imaginando agir corretamente, faz o mal.

Creonte, tio e sogro de Antígona, salvou Tebas de revolucionários, dentre os quais o agora morto irmão de Antígona. Para servir de exemplo, Creonte proíbe que o corpo deste seja enterrado. Antígona não pode permitir o sacrilégio, embora seu ato de desafio implique morte. Ela sepulta o corpo do irmão, admitindo o que fez. Como punição, ela é enterrada viva. Creonte percebe sua injustiça tarde demais e também é punido: Antígona se enforca em sua sepultura e o filho de Creonte também se suicida.

Na peça, o coro lamenta por Antígona, referindo-se a mitos trágicos familiares aos gregos: o de Dânae, mencionado anteriormente; o de Licurgo, que se enfureceu contra o deus Dioniso, enlouqueceu e matou seu filho Drias ; o de Fineus, cuja segunda mulher provocou a cegueira dos filhos de seu primeiro casamento com Cleópatra.

Eurípedes, nascido por volta de 480 a.C., era um filósofo austero, recluso e menos idealista do que os outros dois. Das noventa peças que escreveu restam somente dezoito. Escreveu suas peças numa fase tardia da época de Péricles, quando as crenças e os valores tradicionais do mundo helênico estavam sendo questionados. Na sua maioria, as peças refletiam a incerteza, retratando um mundo no qual os deuses estavam perdendo seu poder sobre os gregos, cuja atenção se voltava para as dúvidas e contradições da existência humana. “ Ele retrata os homens como eles são ”, disse Sófocles, que admirava a obra do dramaturgo mais jovem, “ eu retrato os homens como eles deveriam ser ”.

As obras de Eurípedes revelam uma percepção incomparavelmente profunda das paixões e motivações de seus conterrâneos.

As Troianas, encenada em 416 a.C., de Eurípedes, relata o cerco de Tróia e suas conseqüências fascinando a imaginação de todos os gregos, especialmente a dos dramaturgos.

A peça é um longo lamento pelos horrores da guerra - pelos guerreiros que morreram e pelas mulheres levadas cativas. Neste pequeno trecho, Hécuba, a rainha troiana, chora pelo cruel destino que coube a ela e suas crianças :

AS TROIANAS

Ai de mim ! Aqui estou, ao lado das tendas de Agamenon.
Levam-me para a escravidão, uma velha igual a mim, com
a cabeça dilacerada pela afiada lâmina do sofrimento.
É demais ! Lastimosas viúvas dos guerreiros de Tróia e vós,
virgens noivas da violência, Tróia está fumegante,
choremos por Tróia . . .

Eurípedes escreveu também tragédias sobre Ifigênia, a filha de Agamênon; sobre Medéia, a assassina; e também sobre Hipólito, o filho de Teseu, injustamente acusado de tentar seduzir sua madastra. No entanto, sua obra mais brilhante e aterrorizante talvez seja a que tem como tema o próprio deus que era o patrono da arte teatral.

As Bacantes foi escrita no final da vida de Eurípedes, quando o dramaturgo havia deixado a enfraquecida e dilacerada Atenas e vivia na região selvagem da Macedônia.

Dioníso era um espírito primitivo da fertilidade e da criatividade, que deu aos homens o conhecimento do vinho. Era um deus venerado por toda a Grécia com rituais orgiásticos, muitas vezes sangrentos. Aqueles que o aceitavam, diziam os crentes, tornavam-se parte do deus e recebiam a inspiração divina. Aqueles que o recusavam eram levados à loucura. Na peça de Eurípedes, o jovem deus Dioniso surge com seu alegre séquito em Tebas, para ser venerado e provar sua própria divindade : dizia-se que ele era filho de Zeus e uma princesa tebana.

Penteu, o rei de Tebas, um homem inflexível e irritável, repudia o deus e comete o sacrilégio de colocá-lo a ferros. Em seguida, Dioniso enlouquece as mulheres de Tebas e as envia - lideradas pela mãe de Penteu – às montanhas para que festejem como suas seguidoras, as bacantes (Sacerdotisas de Baco, deus do vinho).

Ele também enlouquece Penteu e o atrai para o local onde se encontram as bacantes. Lá, Penteu é morte de maneira terrível por sua mãe enlouquecida, que havia sido levada a um frenesi animalesco. Por decoro, tal cena de violência não aparece na tragédia: um mensageiro descreve o que ocorreu na montanha.

Quase todas as tragédias escritas foram primeiro apresentadas como trilogias, as quais eram seguidas por peças de sátiros - selvagens pantomimas (Arte ou ato de expressão por meio de gestos) em homenagem a Dioniso - no teatro Dioniso Eleutério, junto à Acrópole ateniense.

A enorme concha de pedra do anfiteatro podia receber 15 mil espectadores e apresentava excelente acústica. No interior da concha, havia a orquestra circular ou plataforma de dança, com o altar de Dioniso ao centro e, atrás, a skene, ou cena. Esta era uma plataforma encimada por uma edificação retangular de madeira, cuja fachada ocultava os camarins e os acessórios. Pelas três portas da cena, os atores ou declamadoras faziam suas entradas e saídas. A peça começava quando um ator, usando a máscara de linha e gesso, túnica, capa e coturnos especiais, declamava o prólogo. Em seguida, o coro começava a declamar seus versos. O segundo e o terceiro ator entravam e davam início aos diálogos, os quais se alternavam com comentários do coro, até que a peça chegasse ao final e o coro e os atores cantassem juntos o komoses, lamento final.

Não se conhece a música de acompanhamento das tragédias, mas as palavras dos poetas ainda ressoam com toda a sua força. O importante de tudo que foi relatado neste capítulo é a conclusão lógica e pura de que a poesia dos primeiros tempos exerceu papel importantíssimo na formação cultural dos povos e foi motivo de júbilo para aqueles que dedicaram-se ao desenvolvimento das suas formas diversas e estruturação do pensamento poético, classificadas em odes, elegias, sátiras, epopéias, hinos ou outro gênero.

Os principais poetas eram considerados parte da elite cultural da época e arrastavam multidões, desde simples curiosos e admiradores de rua que se aglomeravam nos locais escolhidos para encenações ao ar livre até os mais afamados filósofos e pensadores da antigüidade, fossem eles críticos ou incentivadores de qualquer modalidade.

A notoriedade da poesia nos primórdios era muito superior à que verificamos na atualidade uma vez que os poemas eram declamados sempre em público e nunca para ouvintes solitários. Toda expectativa dos ouvintes era trabalhada com antecedência pelos poetas e demais pessoas que promoviam os eventos poéticos aliados ao teatro onde os poetas se preparavam ao máximo para não decepcionar a platéia.
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Continua
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Fonte:
Monografia feita pelo autor em Curitiba / PR , março de 2001

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