quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Jerônimo Mendes (História da Poesia Universal – Breve Relato ) Parte VIII


2. A POPULARIDADE DA POESIA ATRAVÉS DA MÚSICA

Alguns estudiosos da literatura afirmam que a poesia vive hoje o seu apogeu no mundo artístico através da música popular. Muitos compositores ou mesmo intérpretes se valeram de trechos encontrados em poemas de autores conhecidos e mesmo desconhecidos da poesia universal. Nos poetas da antigüidade descobrimos a conjunção da poesia e do teatro cênico, representada nas grandes tragédias e declamadas ao som da lira, como recurso único de elevação do espírito poético e provocação da emoção da platéia presente.

Robert Burns, poeta camponês e glória da literatura escocesa, levou uma vida atribulada e miserável, mas entre bebedeiras e prostitutas, compôs centenas de canções líricas e satíricas, que se adaptavam às melodias tradicionais correntes na Escócia de seu tempo e que são cantadas até hoje pelos escoceses; muitas delas, no entanto, mereceram composições originais – Mendelssohn ((Pianista, compositor e músico alemão do Século XIX) musicou algumas.

Apollinaire, estudado no capítulo Os Grandes Poetas, foi um dos primeiros a registrar seus poemas em disco com seu célebre poema “ Le Pont Mirabeau ” e descobriu que música e poesia estão intimamente ligadas. Discorrendo aqui por minha conta e risco, ao desenvolver o capítulo pareceu-me muito familiar a associação existente entre poesia e música, do ponto de vista cultural e artístico, ao lembrar as composições da nossa própria terra, expressa nos versos de Ari Barroso, Noel Rosa, Pixinguinha, Chico
Buarque, Milton Nascimento ou mesmo nos contemporâneos como Renato Russo e Herbert Viana entre outros.

Quem não consegue enxergar a poesia em estado puro presente nos versos da composição de Pais e Filhos, grande sucesso musical de Renato Russo, líder do conjunto Legião Urbana, falecido recentemente ?

“ É preciso amar as pessoas
como se não houvesse amanhã ”
.

Ou então nos versos inesquecíveis de John Lennon, ex-integrante dos Beattles quando, já separado de seus companheiros, foi capaz de exprimir em versos tudo que a população da Terra sentia, ao final da Guerra do Vietnã, através da composição Imagine, em 1970 :

Imagine there´s no heaven
(Imagine que não existe o céu)
It´s easy if you try
(é fácil se você tentar)
No hell below us
(nem inferno abaixo de nós)
Above us only sky
(acima de nós apenas o céu)
You may say I´m a dreamer
(você pode dizer que sou um sonhador)
But I´m not the only one
(mas eu não sou o único)
I hope someday you´ll join us
(Eu espero junte-se a nós algum dia)
And the world will be as one . . .
(e o mundo será somente um)

Não dá para separar a música do poema. Seguramente, a união é indissolúvel, existe a música e a poesia e uma sem a outra talvez não tivesse feito tanto sucesso nem surtido o efeito necessário para promover a reflexão e trabalhar a emoção dos ouvintes, nem seria eternizada na memória e na cultura do povo inglês e todos aqueles o idolatram.

Grandes compositores como Mozart, Schubert, Strauss, Vivaldi e Bach curvaram-se à exploração da poesia como forma de enriquecer suas músicas e ao ouvirmos as composições, lembramos e até chegamos a comprovar o conceito formal de poesia descrito no início da monografia, de autoria do estudioso e poeta Eno Teodoro Wanke : “ Quando ... o artista consegue transmitir sentimento, fazer com que o leitor, o ouvinte se sinta comovido, sublimado, arrebatado, terá ele atingido a poesia ”.

No Brasil, Noel de Medeiros Rosa, reconhecidamente O Poeta da Vila, era um carioca impenitente e acabou unindo o útil ao agradável quando resolveu musicar seus versos de amor à Vila Isabel, bairro famoso do Rio de Janeiro, e sensibilizou a alma do povo, não somente pela melodia contagiante, mas, sobretudo, pelo sabor dos seus versos. Em seu versos, o poeta Noel Rosa procurava retratar, ainda que metaforicamente, um país ilhado em pobreza, com a fome e a miséria alastrando-se como praga. Foi parabenizado pela originalidade de suas letras e engenho sidade do seu samba, que ele próprio cantava com graça e especial sabor, imprimindo sua marca pessoal, notável principalmente pelo fraseado, pela habilidade com que pronunciava, nítida e rapidamente, os versos longos nos quais um intérprete menos ágil tropeçaria.

Rendo aqui minha singela homenagem também ao poeta Luiz Gonzaga do Nascimento, o Rei do Baião , cantor, músico e compositor nordestino que popularizou a poesia de sua terra em todo o Brasil, tornando-se um dos artistas mais admirados no país. Asa Branca, toada de 1947, consagrou-se um hino nordestino e foi adaptada em diversas línguas, flagrante do folclore e espírito do povo do nordeste.

Em seu extenso reinado da música, o Rei do Baião gravou 192 discos e deixou um precioso legado musical. Com Asa Branca, soube transmitir com emoção todo sofrimento de um povo castigado pela seca e miséria :

Quando olhei a terra ardendo
qual fogueira de São João,
eu perguntei a Deus do céu,
por que tamanha judiação ?

Por fim, Vinícius de Moraes e Tom Jobim se revelaram os maiores expoentes da poesia aliada à musica no Brasil. Suas famosas canções, escritas em parceria, são dotadas da mais profunda inspiração poética, aliadas ao ritmo, balanço, melodia e harmonia existente entre os dois compositores. Vinícius sempre soube deixar as gerações para trás quando se sentia envelhecido. Ao sentir que a grande poesia estava tirando o vigor do seu coração, mudou de turma e soube perseguir o tempo sem perder o passo. Seus novos parceiros atuaram como zeladores do compromisso da experiência com a poesia.

Há quem afirme que a dupla Tom/Vinícius se desfez por ciúmes do encontro de Vinícius com novos parceiros. Tom nunca se afastou completamente de Vinícius. Em 1977, quando já contabilizam 56 músicas em parceria, os dois subiram ao palco do Canecão para mais um dos shows inesquecíveis da casa.

Tom Jobim nunca negou que devia tudo, ou quase tudo, ao sentimentalista poeta Vinícius de Moraes e tinha medo de que a música viesse a incomodar os versos e a poesia do amigo e companheiro. Vinícius sempre renegou a posição de mestre. Tom testemunhou que para o poeta, o mais atroz de todos os enigmas era a mulher, que tantos versos lhe inspirou. Juntos, unindo música e poesia, criaram belas canções como Garota de Ipanema, O Grande Amor, Eu Sei Que Vou te Amar e A Felicidade, aqui representada pelo seu refrão inesquecível : “Tristeza não tem fim, felicidade sim “.

Num curto espaço de tempo, consigo lembrar razoavelmente de alguns poucos mestres provável e perfeita união entre música e poesia, mesmo deixando diversos poetas-compositores de lado, por falta de tempo para aprofundar-me num assunto extremamente rico e cativante. Diversos artigos que consultei nos periódicos mais expressivos do país, tratam a música quase sempre como impossível de ser realizada sem a junção com a poesia, mesmo que não expressa em versos e somente no interior
daquele que se responsabilizou pela união de ambas.

Como exemplo, cito alguns títulos de reportagens envolvendo poetas e músicos ao mesmo tempo ou de músicas expressando poesias :
“ A VIVA VOZ - Poesias de Helena Kolody vão ser lançadas em CD até o final do ano”“ (Gazeta do Povo, 30/08/97).
“ AO SOM DA POESIA DA LETRAS BRASILEIRAS ” (O Estado do PR, 07.09.97).
“ O BARDO MULTIMÍDIA - Poesia Musical de Arnaldo Antunes ” (Folha de São Paulo, 05.12.97).
“ TOM E VINÍCIUS - Os Poetas compositores e parceria “ (Jornal Revista da Poesia, Ano III, N.º 10, Curitiba).

Muito mais encontraríamos, certamente, mas encerramos o capítulo com a mais profunda certeza de que poesia e música se completam, e talvez seja este o motivo que faça a poesia resistir a todas as tormentas provocadas pela mudança na cultura dos povos, divididos entre a leitura e o computador, a miséria e a riqueza, a paz e a guerra.

Fonte:
Monografia feita pelo autor em Curitiba / PR , março de 2001

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