quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Jerônimo Mendes (História da Poesia Universal – Breve Relato ) Parte IX



3. O FUTURO DA POESIA E A POESIA DO FUTURO

Há anos os mortais comuns ouvem dizer que o fim da poesia está próximo ou, então, que a poesia acabou. Verdadeira tolice. A execução desse trabalho deu-me a certeza de que a poesia está mais viva do que nunca, tem resistido ao tempo, da antigüidade até a época contemporânea, de Homero a Camões, de Shakespeare a João Cabral de Melo Neto.

Em cinco mil anos de existência e glória, a poesia sofreu diversas transformações e a mutação deu-se por meio de diferenças de idéias e pensamentos, as chamadas correntes poéticas, convertidas posteriormente ao conceito de Escolas Poéticas pelos historiadores da literatura universal e da poesia propriamente dita.

Lirismo, Romantismo, Parnasianismo, Simbolismo e Modernismo foram algumas das principais escolas que sustentaram pensamentos muito particulares ou em bloco através de poetas e escritores em todos os tempos. Em defesa das idéias, a evolução da poesia foi visível e os debates calorosos nas mais diferentes épocas somente contribuíram para enaltecer valor artístico que a mesma sempre mereceu, embora não tenha conseguido atingir em sua plenitude.

No Brasil, a partir de 1922, com o advento do Modernismo e a eclosão da poesia moderna, representada por Oswald de Andrade, Cecília Meireles e Guilherme de Almeida, muitas transformações ocorreram na arte da poesia.

Oswald de Andrade, poeta e escritor, lançou o manifesto da poesia Pau-Brasil , ao qual se contrapunham os membros do grupo “verde-amarelo”, formado por Menotti Del Picchia , Raul Bopp, Cassiano Ricardo e outros, que pretendiam conferir à arte uma função social e política. Duas das mais importantes obras da literatura moderna do país e, provavelmente, do continente, são as de Manuel Bandeira, que aliou amargura, humor e ironia e uma grande sensibilidade em livros como Libertinagem e Pasárgada, e Carlos Drummond de Andrade, que uniu o lirismo ao seu indubitável senso de humor em obras como Claro Enigma e Lição de Coisas.

O modernismo na poesia eclodiu com a Geração de 45, na qual desfilaram nomes como João Cabral de Melo Neto, José Paulo Paes, Thiago de Mello e Moacir Félix, contrapondo-se a alguns ideais do modernismo de 22 e englobando tendências díspares, ainda que defendendo, em comum, normas estéticas que aspiram à nitidez e à disciplina de expressão poética. De lá para cá a poesia mundial e brasileira nunca foram as mesmas.

O poeta Mário Faustino, com uma atividade intelectual pragmática, procurava contribuir para elevar a educação literária nacional, através de exaustivo trabalho de crítica poética e tradução de autores estrangeiros em ascensão. Ainda na década de 50, nasceu o movimento concretista, talvez o primeiro movimento internacional que teve, na condição de criador, a participação direta de poetas brasileiros, entre os quais Décio Pignatari e os irmão Augusto e Haroldo de Campos, fundadores do grupo Noigandres, que colocou em xeque toda a tradição em poesia, observando os impactos criativos sofridos pela linguagem poética ao longo do século.

Para os mentores do movimento, estava encerrado o ciclo histórico do verso, substituído pela associação formal dos vocábulos e pela sua disposição espacial na página, em alinhamentos geométricos. Pretendia-se, assim, libertar a poesia da sua limitação literária para integrá-la a outras formas de arte. No embalo das teorias da informação evocadas pelos concretistas, são lançados nas décadas de 60 e 70 os manifestos da poesia práxis e do poema processo, respectivamente defendidos, sobretudo, pelos poetas Mário Chamie e Wladimir Dias-Pino.

Como reação à ditadura militar, surge entre 1964 e 1968 o grupo Violão-de-Rua, vinculado à UNE (União Nacional dos Estudantes, organização estudantil de maior força oposicionista durante o regime militar instalado no ano de 1964 no Brasil), onde alguns poetas abandonaram seus projetos estetizantes por uma linguagem popular.

Ao longo destas três últimas décadas, o poeta Ferreira Gullar desenvolveu uma obra com características variadas, reconhecida, todavia, pelo teor de contestação da ordem social aliado à apurada percepção formal. A década de 70 viu nascer um movimento poético de contracultura, liderado pela chamada Geração Marginal, onde se estabelecia uma quase espontânea crítica comportamental (Ana Cristina César, Cacaso, Francisco Alvim).

Na década de 80 nota-se o resgate da poesia do mato-grossense Manoel de Barros, em consonância com o crescente interesse pela ecologia, e de Drummond, falecido em 1980, quando o povo brasileiro começava a assimilar a idéia da abertura política decretada pelo presidente Gal. Figueiredo. Em 1967, respondendo a um inquérito sobre a razão por que se escrevem poemas e romances, o escritor e crítico literário Ítalo Calvino teve a oportunidade de reconhecer que a literatura entrara a viver de sua própria negação.

Segundo Calvino, exaurida, depois de sucessivas experiências no plano das questões sociais e políticas, as letras se haviam requintado no maneirismo de soluções acentuadamente formais.

Sempre que a literatura dá a impressão de ter chegado a um impasse, como se não soubesse como ir adiante de si mesma, em busca de novos caminhos e soluções, suscita a perplexidade que conduz à sua condenação. (Josué MONTELLO, A literatura como perplexidade de solução, Revista Brasileira, p. 7)

Essa nossa breve exposição de fatos e acontecimentos em menos de cem anos mostra a instabilidade da poesia e da literatura em geral diante das transformações do mundo moderno. Nesse fim de milênio, manda a verdade que se reconheça, que a literatura passa por uma espécie de eclipse parcial.

Isto significa dizer que, descontadas as devidas proporções, a poesia perdeu a luz intensa que a brilhava. Daí as sombras que sobre ela se acumulam, por vezes levando-nos a supor que os poetas constituem uma espécie em via de extinção.

Sou levado a crer que não é bem assim. É bem verdade que os jornais de hoje se retraíram diante do que é puramente literário. Até a crítica, que transformava o texto em debate público, se converteu por força da pressão exercida pelas novas formas de jornalismo, ajustadas a outros campos do conhecimento e da expressão. As revistas literárias, que poderiam suplantar esse silêncio, oscilam e levam um bom tempo para reaparecer, quando não desaparecem para sempre, desmotivadas pela falta de recursos e de incentivos de todas as partes. A televisão, que poderia abrir um largo caminho às letras, só ocasionalmente o faz, haja vista que, na rotina dos noticiários, não há espaço, mínimo que seja, para o aparecimento de um livro, ainda que se trate de um clássico da literatura nacional. Nesse ponto, cabe ressaltar apenas o excelente serviço da TV Educativa e da TV Cultura, com programas especialmente consagrados à poesia e literatura corrente.

Em nossa pesquisa, apuramos que Augusto Frederico Schimidt profetizou, já quase no fim dos anos 30, a morte da Poesia. Mas a verdade é que, para o bem de todos, o óbito anunciado não ocorreu. Parafraseando o escritor Isaac B. Singer, Prêmio Nobel e Literatura, podemos pensar : “Como a poesia já existe, não podemos mais viver sem ela ” . Assim como o teatro sobreviveu ao impacto do cinema, o livro sobreviverá ao impacto da imagem, na instantaneidade dos recursos da televisão e do vídeo.

A literatura do nosso tempo, apesar de não viver os melhores dias, saberá suplantar a crise, quer como interesse, quer como fonte de novas experiências. Enquanto existir a palavra escrita, somos levados a crer que continuará a existir a poesia, como requinte da forma e da expressão, na harmonia do verso ou da prosa.

Atualmente, pelo mundo afora, a despeito de todas as experiências desenvolvidas em torno das novas tendências da poesia, a poesia de todos os tempos resiste bravamente aos mais diferentes experimentos e tentativas de mudança.

Convivemos com a poesia tradicional, metrifica e rimada que eternizou a escola romântica através da geração dos condoreiros ; com a poesia de versos livres (ou brancos), onde a mensagem, distante da rima e da métrica, pode soar estranha, mas apresenta, se bem concebida, a arte poética em estado puro ; com a poesia visual, onde as palavras são substituídas pela interpretação espontânea e natural por parte de quem aprecia a imagem (muitas vezes confundida com poesia concreta) e, por fim, com a poesia através da musica, esta última mais resistente às oscilações do plano literário. A quem pertence o futuro da poesia ? Aos Deuses ou aos poetas ? Trata-se de uma resposta dificílima perante tantas controvérsias e diferenças de idéias e pensamentos. Quem pode afirmar dizer quem está certo ? Os concretistas, o modernistas, os de escola nenhuma ? Sou obrigado a concordar que a poesia maior é aquela que soa melhor aos nossos ouvidos e aos nossos olhos. Somente aquele estado da emoção recolhida é capaz de prever a sobrevivência ou a morte da poesia.

Tudo o que aprendi durante o trabalho faz-me acreditar que a poesia não morrera jamais, está enraizada na alma humana, seja visual ou escrita, embora eu seja mais adeptos à poesia de versos clássicos, rimados e metrificados, com a qual aprendi a conviver desde pequeno e que soa melhor aos meus ouvidos.

Como reflexão, valeu desenvolver o capítulo em cima de tudo aquilo que a poesia já produziu, da evolução que sofreu e das tendências futuras, mas o futuro, sinceramente, quero estar vivo para testemunhar.

Fonte:
Monografia feita pelo autor em Curitiba / PR , março de 2001

Nenhum comentário: