quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Ronaldo Correia de Brito (Entre o Jornalismo e a Academia)



Um editor famoso afirmou que se foi o tempo em que uma crítica desfavorável condenava uma obra literária. Insistiu na irrelevância da crítica na promoção e venda de livros, reforçando o papel do editor e dos mecanismos de mídia e mercado. Ao fazer essa declaração, ele reforçou a imunidade do autor best-seller e a mudança de perfil do consumidor de livros. A crítica literária talvez ocupe, nos dias de hoje, um espaço limitado a um pequeno universo de leitores.

No jornalismo, os espaços reservados à literatura foram ocupados pelas resenhas, um tipo de texto que se afasta do ensaio acadêmico. Os leitores preferem informações ligeiras e superficiais. Ou talvez a literatura tenha perdido o prestígio em relação às outras artes. Há excesso de informação e escassez de tempo para ler.

Certa vez perguntaram a João Cabral de Melo Neto quanto os seus livros vendiam. Mesmo se tratando de um grande poeta, o jornalista procurava associar o valor da obra ao poder de venda. João Cabral citou um número irrisório, mas ressaltou um outro valor não mensurável: mesmo sendo pequena a tiragem de seus livros, o conteúdo se multiplicava pela força inerente à poesia, pela capacidade de transformar e transtornar.

Algumas críticas ficaram tão fortemente ligadas aos textos originais, que fazem parte da história desses livros. Posso citar o ensaio de Sartre sobre O Estrangeiro, de Camus; o de Emerson sobre "Folhas de Relva", de Whitman; e os de Edmund Wilson sobre os simbolistas Yeats, Valéry, Eliot, Proust, Joyce, Gertrude Stein, L'Isle-Adam e Rimbaud. Harold Bloom tornou-se um especialista em Shakespeare e seus estudos podem ser incluídos entre as formas de crítica a que Guimarães Rosa se referia, uma reinvenção ou redescoberta do autor.

Os exemplos de crítica que acabo de citar estão mais próximos do modelo acadêmico: análises minuciosas, profundas, para leitores que curtem literatura. Sartre e Emerson também eram escritores e exerceram a crítica numa perspectiva diferente de Edmund Wilson e Harold Bloom. Mas nada parecido com o atual abismo entre o ensaio e a resenha.

O pouco espaço reservado ao jornalismo literário e os novos tipos de leitores transformaram a crítica em divulgação e apreciação ligeira. Ela mais pontua que analisa. O jornalista inventa maneiras de chamar a atenção do leitor, através de resumos de obras e sugestões de leituras.

Chegamos a uma questão prosaica: continuam existindo várias formas de crítica literária, em função do público a quem se destina. Talvez o editor tenha razão ao afirmar que uma crítica não desbanca um autor da moda, por mais desfavorável que seja. A crítica sofre os embates do mercado, e tenta situar-se livre dos números e das listas de mais vendidos. Mesmo com baixo poder de fogo, mesmo dispondo de espaços menores e desprestigiados, a crítica continua ajudando não apenas a provocar e criar leitores, mas também a fazer escritores.

Fontes:
Colaboração de Digestivo Cultural. (http://www.digestivocultural.com)
– Imagem = http://overdriver.wordpress.com

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