terça-feira, 5 de maio de 2009

Lívia Tucci (Poesia, o Atalho de Magos e Loucos)

A folha que recicla (Antonio Guerreiro)
Afinal, o que é poesia? É uma linguagem orgânica e invertebrada? Sonora...elástica? É poesia a que revela a magia, a alquimia da palavra que transforma tudo o que a vida limita e não pode criar? O que sabe a poesia? Eu, nada sei...serei sempre aprendiz. Vejo a poesia, como o tempo, que está em todos os lugares, mas prefere se deter mais longamente na placidez das coisas simples e duradouras. É a contemplação da alma turbulenta. É poesia a que é pressentida nos símbolos que transcendem o ser e renovam a linguagem indolente. Linguagem extraída da essência poética, de nós mesmos. Onde está a poesia? A poesia está nos livros antigos, velhos e esquecidos. Nos contemporâneos e virtuais. Nas areias da praia. Está nos sebos, nas bibliotecas, nas livrarias. Nas latas de lixo, quando o pensamento vil e homens de pouca fé não comportam em si tanta invasão poética. Está na casa dos amigos, nas suas estantes e banheiros. Em livros esquecidos de serem devolvidos. Está nas ruas, nos bares. Nas gavetas e no seu silêncio. Na anarquia e no inconformismo. No grito afiado dos oprimidos. Em bordéis e lares nem tantos. No avesso e no direito. No sangue e suor transpirado. Na loucura e no inesperado. Na lama e no lótus. A poesia está na primeira impressão, nos versos livres, contidos, contados. No corpo descrito, desnudo, velado, dos cantos e salmos. No sagrado e no profano. Está nos traços, pelo carvão e pincel que desliza, sensual, sua cor e drama na folha branca. O que sabemos da poesia? Muito pouco, por ser ela inconstante, mutante, autofágica...num surpreendente mimetismo. Conhecemos sua partida. Desconhecemos seu destino e chegada...tudo pode ser possível entre uma estação e outra. Há poesia na imagem que se traduz em momentos únicos, líricos, oníricos. Imagens irreversíveis. Instantâneos reveladores. É poesia a que recicla vocábulos, revira signos e movimentos? É poeta o que descobre um novo ritmo, sempre que o coração se encontra e dispara ou repousa na placidez das águas do bem e do mal? São todos os sentidos nas flores do zen, nas cores do mar. Nas festas ao sol, nos saraus ao luar. A poesia é um estado de espírito, de espera e de espanto. Na comunhão universal ou na paz de nossa própria solidão...

Fonte:
http://muraldosescritores.ning.com/

Livia Tucci



Vem de uma família de imigrantes italianos estabelecidos no sul do país, em SC. Nasceu em Curitiba, PR. Desenvolveu seus estudos nos EUA e Brasil , respectivamente. De volta ao Brasil, em 1977, passou a residir em Belo Horizonte. Sua formação acadêmica é em Turismo. É professora de Inglês, intérprete e tradutora. Como designer de jóias e artesã, desenvolveu um trabalho em acessórios de moda e biojóias.

No setor cultural, tem experiência na área artística e literária, como cantora, escritora e editora. Produziu e coordenou eventos literários, musicais e culturais.Como cantora profissional faz um trabalho com jazz, bossa e blues. Como poeta, ganhou prêmios literários e teve trabalhos publicados em jornais e antologias. Dos prêmios literários, os mais importantes foram os Prêmios BDMG – Cultural de Literatura, com as obras “O Avesso do Cristal” ( editado pelo selo Extravia ) e “Dos Planos de Vôos”(inédito). Em 1990, produziu e coordenou o projeto cultural mensal, “Poesiarte”. Criou o folder literário e o selo editorial “Extravia –poesia e arte em movimento”.
Atualmente,está desenvolvendo o projeto “Cantares dos Sentidos”— um espetáculo de poesia e mpb sensual.
Visite os blogs http://www.liviatucci-poesiaeartesgerais.blogspot.com/ e
http://muraldosescritores.ning.com/profile/LiviaTucci com seus trabalhos e de outros literatos.

Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/

Filmes baseados em obras de escritores famosos



2001: Uma Odisséia no Espaço (Arthur C. Clarke)
Um filme que marcou uma época e um gênero. Uma expedição científica espacial investiga o surgimento de um monolito no planeta Júpiter

À Sombra das Pirâmides (Baseado em “Antonio e Cleopatra”, de William Shakespeare)
As questões políticas do Império Romano ficam estremecidas com a morte do Imperador Cesar e com o envolvimento do então Governador Marco Antônio com Cleópatra. As conseqüências desse romance são trágicas, desencadeando guerras e invasões.

Adeus às Armas (Ernest Hemingway)
Um americano alistado no exército italiano como motorista de ambulância e uma enfermeira se apaixonam em meio aos horrores da Primeira Grande Guerra. Determinados a viver o romance em paz, eles acabam fugindo para a Suíça

Agonia e Êxtase (Irving Stone)
As divergências entre o artista Michelangelo e o Papa Julio II com relação à pintura do teto da Capela Sistina. Uma grande obra com a livre interpretação do artista sobre a criação do homem por Deus.

Amor & Cia (baseado no livro “Alves & Cia” de Eça de Queirós)
No final do século XIX, um triângulo amoroso mexe com uma pequena cidade. O dilema de um homem em lavar a honra ou lutar pelo amor de sua mulher que teve uma pequena atração pelo seu sócio.

Amor Sublime Amor (baseado em Romeu e Julieta, de William Shakespeare)
A briga de duas gangues rivais em Manhattan, na década de 50, fica mais acirrada quando um dos integrantes de uma gang se apaixona por uma moça da gang inimiga.

Anna Karenina (Leon Tolstói)
Um romance na Rússia Czarista entre uma mulher casada e um oficial que a conheceu em Moscou. A forte atração faz o homem procurar Anna em São Petesburgo e forçá-la a largar a família e fugir para Veneza.

Aventuras de Huckleberry Finn, As (Mark Twain)
As aventuras de um garoto e um escravo fugitivo pelas florestas à beira do Rio Mississipi buscando a liberdade

Bela da Tarde, A (Joseph Kessel)
Uma jovem mulher casada com um rico cirurgião vive o conflito de realizar suas fantasias sexuais fora do casamento. Uma vida paralela de prostituição que esconde do marido deixando-o enciumado por não entender as razões de suas atitudes

Bonequinha de Luxo (do conto de Truman Capote)
Uma esperta garota de programa que mora em Nova York está atrás de um bom partido, mas se apaixona por um escritor que vive à custa de uma mulher milionária

Caçador de Pipas, O (Khaled Hosseini)
O remorso por um fato passado com um amigo de infância faz um homem retornar a sua terra natal, o Afeganistão dominado pelo regime Talibã, para reparar o erro cometido e demonstrar o valor da amizade

Caninos Brancos (Jack London)
A amizade e o companheirismo na luta pela sobrevivência entre um homem que se aventura na mata em busca de ouro e um cão esperto que pertencia a um índio assassinado.

Carteiro e o Poeta, O (Antonio Skármeta)
A amizade entre o escritor Pablo Neruda, exilado numa ilha do Mediterrâneo, e um carteiro que tenta conquistar a mulher amada

Cavaleiros da Távola Redonda, Os (baseado no livro “A Morte de Arthur”, de Thomas Malory)
O rei Arthur Pendragon e sua irmandade de cavaleiros da Távola Redonda se dedicam para ter um reinado de paz e justiça na Inglaterra.

Chamado Selvagem (Jack London)
A história de um cão que, após ser seqüestrado, vai parar numa região gelada e vive várias aventuras na volta para casa.

Código da Vinci, O (Dan Brown)
Um especialista em simbologia é chamado para investigar o misterioso assassinato do curador do Louvre que tem ligações com o Priorado de Sião, uma sociedade que guarda segredos sobre o Santo Graal e a descendência de Cristo decifrados nas obras de Leonardo Da Vinci.

Conde de Monte Cristo, O (Alexandre Dumas)
Depois de receber de um padre um mapa de um tesouro escondido, um prisioneiro decide fugir da prisão e iniciar um plano de vingança contra os traidores que o colocaram injustamente na cadeia.

Contato (Carl Sagan)
O sonho de uma cientista em fazer contato com sinais de vida extraterrestre se realiza quando ela capta uma mensagem e decide embarcar numa aventura perigosa rumo ao desconhecido.

Corcunda de Notre Dame, O (inspirado na obra “Notre Dame em Paris”, de Victor Hugo)
Um ser deformado e monstruoso que vive na Catedral de Notre Dame resolve sair às ruas e sofre maus tratos do povo. Amparado por uma cigana, ele conhece uma nova relação de amor e compreensão diante do preconceito

Corrente do Bem, A (Catherine Ryan Hyde)
Um garoto decide ajudar as pessoas através de um projeto filantrópico. Mas o seu maior desafio é tentar ajudar a própria mãe acoólatra a encontrar a felicidade

Crime do Padre Amaro, O (Eça de Queirós)
Depois de ordenado e encaminhado para Los Reves, um jovem padre descobre as ligações ilícitas entre a igreja e alguns cidadãos corruptos da região. A leviandade paroquial facilita o seu caso de amor com a filha da dona da pensão e o coloca na difícil situação de uma gravidez proibida.

Crime e Castigo (Féodor Dostoiévski)
Estudante pobre é acusado de pertencer a um grupo anarquista e fica suspenso da escola. Na sua busca desesperada por dinheiro, acaba cometendo duplo assassinato.

Dama das Camélias, A (Alexandre Dumas Filho)
A escalada inescrupulosa de uma mulher pobre do interior da França que foge para Paris a fim de conquistar a nobreza usando seu corpo. Uma história de amor, traições e decadência física de uma mulher liberal e escandalosa para sua época

Diário de Anne Frank, O (Anne Frank)
Um diário que se tornou um importante registro dos horrores da Segunda Guerra vividos por uma menina de trezes anos que ficou confinada por dois anos em um sótão em Amsterdã com aos pais, a irmã e um grupo de amigos.

Eu, Robô (Isaac Asimov)
No ano 2035, os robôs estão bem atuantes e seguem regras básicas para a sua funcionalidade, porém o assassinato do cientista mentor da Robotics Corporation acaba levando um policial a investigar os andróides tornando-se o próximo alvo deles.

Excalibur (baseado no livro “A Morte de Arthur”, de Thomas Malory)
A vida do Rei Arthur contada desde sua concepção até o fim em Avalon. Lenda e história se misturam no caminho deste cavaleiro inglês que teve o destino profetizado, vivendo cercado de batalhas, heroísmo, tradições, romances e religiosidade.

Farol do Fim do Mundo,O (Júlio Verne)
Uma ilha é controlada por um faroleiro que briga com um pirata para se manter no comando.

Fausto (adaptação da obra de Göethe)
Clássico do expressionismo alemão, o filme mostra a luta de Fausto que ao fazer um pacto com o demônio em troca da eterna juventude e do amor de margarida, negocia sua alma. Sua luta representa a metáfora do homem sempre dividido entre o bem e o mal, a redenção e a danação

Fernão Capelo Gaivota (Richard Bach)
Um filme poético que fala de liberdade e bondade fazendo uma comparação entre o homem e uma gaivota. A expressão de determinação revela neste filme, juntamente com a trilha sonora de Neil Diamond, um canto de amor ao ser livre.

Gaiola das Loucas, A (Jean Poiret)
As confusões causadas por um casal gay que precisa forjar a situação de marido e mulher para se apresentar diante da tradicional família da noiva do filho de um deles.

Germinal (Emile Zola)
A força de um jovem desempregado que se torna mineiro e entra no combate contra a direção das minas, conhecendo pessoas generosas e vivendo o medo de represálias sangrentas

Guerra dos Mundos (H. G. Wells)
A humanidade sofre uma surpreendente invasão marciana depois que um estranho objeto cai na Terra.

Guerra e Paz (Leon Tolstói)
A aristocracia russa sofre profundas modificações com intrigas e traições, quando a França invade o território russo no início do século XIX.

Hamlet (William Shakespeare)
Versão épica e integral da história da traição familiar que arruinou o reino da Dinamarca. O assassinato do rei desperta a desconfiança do príncipe Hamlet que se torna obsessivo em armar um plano cruel de vingança que elimina toda a família.

Henrique V (William Shakespeare)
Arcebispo de Cantuária mostra ao rei que por lei ele tem direito ao trono da França e o aconselha a invadi-la, causando muitas batalhas que serão travadas até a vitória final. Oscar de melhor figurino em 1990.

Homem Bicentenário, O (Isaac Asimov)
Num futuro próximo, um robô doméstico passa a ter sentimentos e deseja ao longo de duzentos anos tornar-se humano.

Homem da Máscara de Ferro, O (Alexandre Dumas)
No século XVII na França, o Rei Luis XIV descobre que tem um irmão gêmeo e o mantém prisioneiro com uma máscara de ferro presa ao rosto. Somente os Três Mosqueteiros poderão descobrir esta trama e revelar um novo Rei.

Homem Nu, O (Fernando Sabino)
Um homem vive as mais absurdas situações por um simples azar do destino. Tudo começa com uma porta que se fecha e o deixa completamente nu do lado de fora, tornando-se vítima de vários imprevistos.

Homem que queria ser rei, O (Rudyard Kipling)
Dois aventureiros ilegais que no final do século XIX encontram e ajudam uma comunidade na batalha com seus inimigos, um deles torna-se rei e enfrenta sérios problemas.

Horizonte Perdido (James Hilton)
Após sofrer um acidente aéreo, um grupo sobrevivente de fugitivos da guerra encontra um local paradisíaco no Tibete onde as idéias de vida e morte são bem diferentes das que eles acreditam

Idiota, O (Fiodor Dostoiévski)
Uma mulher se apaixona por um príncipe ingênuo, mas acaba optando pelo amor de um antigo romance.

Ilha do Adeus, A (Ernest Hemingway)
Um escultor que vive isolado numa ilha das Bahamas se surpreende com dois acontecimentos: a chegada dos filhos à ilha e o início da Segunda Guerra Mundial.

Irmãos Corsos, Os (Alexandre Dumas)
Dois irmãos siameses criados separados em terras distantes encontram-se anos mais tarde, um como cavaleiro e o outro bandido, para resolverem o assassinato de seus pais.

Júlio César (William Shakespeare)
Uma história cheia de traições e vinganças revelando a trama e o assassinato do imperador romano

Lobo do Mar, O (Jack London)
Um náufrago é salvo pelo capitão de um navio, mas enfrenta a autoritarismo dele liderando uma revolta a bordo.

Macbeth (William Shakespeare)
Um ambicioso herói de guerra escocês, cismado com a profecia de três bruxas, planeja com a mulher o assassinato do rei para ficar com seu trono. Porém, o seu reinado é marcado pela violência e pela corrupção reservando um futuro prenunciado.

Megera Domada, A (William Shakespeare)
Uma jovem chega ao novo colégio e se apaixona por um rapaz, mas para que o namoro seja permitido pelo pai, ela precisa arrumar - de qualquer maneira - um pretendente para a geniosa irmã.

Meninos do Brasil (Ira Levin)
O plano do nazista Joseph Mengele em capturar crianças sul-americanas para experiências genéticas é descoberto por um agente anti-nazismo e impedido de seguir adiante.

Mercador de Veneza, O (William Shakespeare)
A única solução que um jovem apaixonado encontra para conseguir dinheiro para se casar é pegar um empréstimo com um severo agiota que faz uma contraproposta muito cruel.

Meu pé de Laranja Lima (José Mauro de Vasconcellos)
A amizade de um menino de seis anos por um pé de laranja lima. O único brinquedo que ele tem disponível no quintal e que se tornou seu confidente.

Miseráveis, Os (Victor Hugo)
Na França do século XIX, onde as diferenças sociais são grandes, um homem rouba um pedaço de pão e sofre uma perseguição policial por muitos anos.

Muito Barulho por Nada (William Shakespeare)
Na Sicília, as mulheres da vila de Messina esperam por seus homens, soldados do príncipe de Aragão, em meio a muita confusão com traições, intrigas, romances e vinganças.

Neves do Kilimanjaro (Ernest Hemingway)
Um escritor descobre o sentido de sua vida depois de um grave acidente numa aventura na África.

Nome da Rosa, O (Umberto Eco)
Um monge franciscano chega a uma abadia no século XIV e encontra um clima misterioso de mortes. Na tentativa de solucionar os casos racionalmente, ele se opõe às idéias fanáticas de um monge inquisidor.

Noites Brancas (Feodor Dostoievsky)
O encontro de um homem solitário, numa noite de inverno, com uma jovem mulher que está à espera de seu grande amor, transforma-o num apaixonado platônico por uma personagem que parece muito distante.

Oliver Twist (Charles Dickens)
As aventuras de um garoto pobre e órfão que vive de pequenos furtos nas ruas de Londres, e que acaba sendo preso injustamente. Um de seus desejos é encontrar uma família de verdade.

Othelo (William Shakespeare)
A paixão e o ciúme mortal de Othello são envolvidos pelas intrigas de Iago num plano de vingança que desmoraliza Desdêmona, destruindo de forma trágica e violenta a vida do casal.

Pequeno Príncipe, O (Antoine de Saint Exupery)
Um piloto perdido no deserto aprende e divide experiências com um menino desconhecido que observa e aprecia as coisas mais diferentes com muita imaginação e sabedoria.

Por quem os sinos dobram (Ernest Hemingway)
romance que acontece em plena Guerra Civil Espanhola entre um soldado americano que explode uma ponte falangista e uma camponesa

Processo, O (Franz Kafka)
Um inocente é preso por um crime que não cometeu e que não tem uma explicação lógica do envolvimento dele. Na tentativa de provar a inocência ele se distancia da liberdade

Rainha Margot, A (Alexandre Dumas)
A França está dividida por guerras religiosas e o trágico confronto entre católicos e protestantes na noite de São Bartolomeu leva a porta de Marguerite de Valois, recém-casada com Henry de Navarre, um protestante ferido por quem Margot se apaixona, mudando a história da França.

Rei Lear (William Shakespeare)
Rei Lear ao perceber que estava velho e doente decide dividir seu reino entre suas três filhas a fim de evitar futuras brigas. Mas este ato inicia um duro embate pelo poder, revelando ingratidão e inveja.

Robur, o Conquistador (Júlio Verne)
Um gênio do século XIX deseja acabar com as guerras e parte para o ataque destruindo armas bélicas a bordo de sua invenção voadora. O problema são os métodos loucos que ele utiliza, escondendo-se das autoridades dentro de um vulcão extinto.

Romeu e Julieta (Willian Shakespeare)
A história de amor do jovem casal que sofre com o ódio e a intolerância de suas famílias inimigas, levando-os a um desfecho trágico

Sede de Viver (Irving Stone)
A vida e a arte de Van Gogh marcadas pela genialidade na pintura e pela angústia de uma mente atormentada.

A Tempestade (William Shakespeare)
Um homem cansado da vida, resolve fugir para uma ilha na Grécia com a filha, descobrindo novas fantasias e vivendo uma frágil tranqüilidade.

Tempo de Despertar (baseado no livro autobiográfico de Oliver Sacks)
Médico tenta reanimar pacientes com paralisação cerebral através do uso de um novo medicamento que ainda é desconhecido em sua eficácia.

Três Mosqueteiros, Os (Alexandre Dumas)
As armadilhas do Cardeal Richelieu para tomar o poder influenciam o Rei Luiz XIII contra os mosqueteiros que precisam controlar a situação e fazer justiça.

Velho e o Mar, O (Ernest Hemingway)
As aventuras reais e imaginárias de um velho pescador que decide sair em viagem pelo Golfo de Cuba a fim de resolver problemas emocionais e psicológicos.

Viagem ao Centro da Terra (Júlio Verne)
A expedição de um grupo de cientistas ao centro da Terra liderada por um professor se torna uma fantástica aventura cheia de seres pré-históricos e perigosas ameaças de um explorador rival.

Vingança do Mosqueteiro, A (Alexandre Dumas)
As aventuras estão centradas em D`Artagnan, um jovem que sai do campo com o sonho de tornar-se um mosqueteiro do rei e também de vingar a morte do pai. Em Paris, ele acaba ajudando os mosqueteiros Porthos, Athos e Aramis a descobrir o plano para derrubar o rei e conseqüentemente uma guerra entre França e Inglaterra.

Vinte Mil Léguas Submarinas (Júlio Verne)
A viagem do Capitão Nemo pelos mares a bordo de um misterioso submarino, acolhendo e revelando sua genialidade e loucura aos tripulantes que sobreviveram a um naufrágio

Volta ao Mundo em Oitenta Dias (Júlio Verne)
A louca aventura de um simpático e excêntrico aristocrata inglês que aposta uma pequena fortuna com os amigos e decide fazer uma viagem ao redor do mundo.

Xangô de Baker Street, O (Jô Soares)
No final do século XIX, o detetive Sherlock Holmes e seu assistente Watson vêm ao Rio de Janeiro para desvendar a misteriosa ligação entre o desaparecimento de um violino de D. Pedro II e um assassinato de uma prostituta, mas acabam conhecendo algumas histórias da cultura brasileira.

Zorba, o grego (Nikos Katazantzakis)
Ambientada na ilha grega de Creta, uma história de amizade e aprendizado de vida entre um camponês extrovertido e um tímido escritor se fortalece quando aquele passa a trabalhar em uma mina abandonada do escritor e o ensina a viver com mais entusiasmo

Fontes:
http://www.cenaporcena.com.br/
Imagem = http://fut-tv-filmes.blogs.sapo.pt

Alguém sonha em ser escritor?

Notícia publicada na edição de 03/05/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul (Sorocaba), na página 6 do caderno Cruzeirinho.

Juntar uma palavra à outra e de repente descobrir um verso, um poema, um conto ou mesmo uma crônica. Muitas crianças e jovens já descobriram a delícia que é escrever. Pois 40 deles vão poder ler seus textos na edição do Rodamundinho 2009.

É isso mesmo! As inscrições para a segunda edição da coletânea já estão abertas e podem ser feitas até o dia 20 de maio.

Para participar gratuitamente da seleção é preciso ter até 15 anos (completados até 31 de julho), e o texto precisa ser inédito (nunca publicado em nenhum lugar) e criado pela própria criança ou adolescente.

Você pode enviar o material por carta registrada ou por e-mail. Para enviar pelo correio devem ser endereçados para rua José Del Cistia, 161 - Jd. Moncayo CEP 18016-595 - Sorocaba, aos cuidados do monitor do projeto, Matheus Dantas.

Os trabalhos via e-mail, devem ser enviados para o endereço: rodamundinho2009@hotmail.com This email address is being protected from spam bots, you need Javascript enabled to view it . No caso de dúvidas ou informações, ligue para (15) 9752-7018.

Além do texto para seleção, devem constar os dados do participante: nome completo, idade, endereço, contato (telefone/e-mail) e cópia do RG.

Educadores estão convidados a encaminhar textos dos seus alunos num mesmo pacote, devidamente separados e identificados.

A seleção dos textos ficará por conta de escritores experientes. Os selecionados serão contatados pela equipe organizadora e também poderão conferir a relação pelo Cruzeirinho, que é parceiro do Rodamundinho desde que nasceu, em 2008.

Os participantes deste ano ganharão um exemplar do livro e no dia do lançamento poderão comprar mais unidades, se desejarem.

O Rodamundinho 2009 tem como idealizadores Douglas Lara e Alexandre Issa Latuf, e apoio do Jornal Cruzeiro do Sul e da Fundec - Fundação de Desenvolvimento Cultural.

Então, se você tem um poema, uma crônica ou um conto guardado na gaveta, não perca tempo. Participe! Mas só vale se for seu mesmo, hein? (Estela Casagrande)

Fontes:
Douglas Lara. http://www.sorocaba.com.br/acontece
Imagem = http://www.luteranos.com.br

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Paulo Leminski (Adminimistério)

Quando o mistério chegar,
já vai me encontrar dormindo,
metade dando pro sábado,
outra metade, domingo.
Não haja som nem silêncio,
quando o mistério aumentar.
Silêncio é coisa sem senso,
não cesso de observar.
Mistério, algo que, penso,
mais tempo, menos lugar.
Quando o mistério voltar,
meu sono esteja tão solto,
nem haja susto no mundo
que possa me sustentar.

Meia-noite, livro aberto.
Mariposas e mosquitos
pousam no texto incerto.
Seria o branco da folha,
luz que parece objeto?
Quem sabe o cheiro do preto,
que cai ali como um resto?
Ou seria que os insetos
descobriram parentesco
com as letras do alfabeto?
Fonte:
LEMINSKI, Paulo. Distraídos venceremos. SP: Brasiliense. 2. Ed.

Noel Rosa (Poeta da Vila)



Fita Amarela

Quero que o sol
Não invada o meu caixão
Para a minha pobre alma
Não morrer de insolação

Quando eu morrer,
Não quero choro nem vela,
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela.

Se existe alma
Se há outra encarnação
Eu queria que a mulata
Sapateasse no meu caixão

Não quero flores
Nem coroa com espinho
Só quero choro de flauta
Violão e cavaquinho

Estou contente,
Consolado por saber
Que as morenas tão formosas
A terra um dia vai comer.

Não tenho herdeiros
Não possuo um só vintém
Eu vivi devendo a todos
Mas não paguei a ninguém

Meus inimigos
Que hoje falam mal de mim,
Vão dizer que nunca viram
Uma pessoa tão boa assim.
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Pastorinhas

A estrela d'alva no céu desponta
E a lua anda tonta com tamanho esplendor
E as pastorinhas pra consolo da lua
Vão cantando na rua lindos versos de amor

Linda pastora morena da cor de madalena
Tu não tens pena de mim
Que vivo tonto com o teu olhar
Linda criança tu não me sais da lembrança
Meu coração não se cansa
De sempre sempre te amar
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Até Amanhã

Até amanhã se Deus quiser
Se não chover, eu volto pra te ver, ó mulher
De ti gosto mais que outra qualquer
Não vou por gosto, o destino é quem quer

Adeus é pra quem deixa a vida
É sempre na certa que eu jogo
Três palavras vou gritar por despedida
Até amanhã, até já, até logo

O mundo é um samba em que eu danço
Sem nunca sair do meu trilho
Vou cantando o teu nome sem descanso
Pois do meu samba tu és o estribilho

Eu sei me livrar do perigo
Num golpe de azar eu não jogo
É por isso que risonho eu te digo
Até amanhã, até já, até logo
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Menina dos Meus Olhos

Menina dos olhos castanhos,
Que reside lá na serra,
Bem juntinho de deus...
Tu és a menina dos meus olhos,
Estou cego de saudade
Pelos olhos seus.

A serra não precisa de luar,
É iluminada pela luz do teu olhar,
Até o próprio sol resolveu não brilhar
Pra não perder (pra quem?) pro teu olhar!

Teus olhos abusaram do clarão
Parecem fogos dominando a multidão
Um rasgo de luz teu olhar produziu
Foi o olhar (de quem?) do meu brasil
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Chuva de Vento

Chuva de vento
É quando o vento dá na chuva
Sol com chuva,
Céu cinzento
Casamento de viúva

Zeca Secura
Da fazendo do Anzol
Quando chove não vê sol
Vai comprar feijão no centro
Bebe dez litros
De cachaça em meia hora
Pra agüentá chuva por fora
Tem que se molhar por dentro

Vento danado
É aquele lá de Minas
Sopra em cima das meninas
Diverte a população
Até os velhos
Vão correndo pras janelas
Pra ver se alguma delas
Já usa combinação

Faz sol com chuva
Tem viúva lá da Penha
Não há viúva que tenha
Tantos pretendente junto
Nessa corrida
Da viúva de seu Mário
Quem for vencedor do páreo
Ganha resto de defunto

Quem nunca viu
Chuva de vento à fantasia
Vá em Caxambu de dia
Domingo de carnaval
Chuva de vento
Só essa de Caxambu
Domingo chove chuchu
E venta água mineral

Um Zé Pau d'Água
Tem um amigo parasita
Não trabalha e sempre grita:
Viva Deus e chova arroz!
Gritando assim
Do seu povo ele se vinga:
Viva Deus e chova pinga
Que o arroz nasce depois.
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Estrela da Manhã

A estrela da manhã
Quando brilha na amplidão
Faz lembrar uma saudade
Que guardei no coração

Quando à noite olho as estrelas
A brilhar no firmamento
Fica distraída ao vê-las
Esquecendo o meu tormento

E dos amores que tive
A gozar a mocidade
Só um no meu peito vive
Sob a forma de saudade
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Feitio De Oração

Quem acha
Vive se perdendo

Por isso agora vou me defendendo
Da dor tão cruel dessa saudade
Que por infelicidade
Meu pobre peito invade

Por isso agora
Lá na Penha vou mandar
Minha morena pra cantar
Com satisfação

E com harmonia
Esta triste melodia
Que é meu samba
Em feitio de oração

Batuque é um privilégio
Ninguém aprende samba no colégio
Cantar é chorar de alegria
É sorrir de nostalgia
Dentro da melodia

Por isso agora
Lá na Penha vou mandar
Minha morena pra cantar
Com maior satisfação

E com harmonia
Esta triste melodia
Que é meu samba
Em feitio de oração

O samba na realidade
Não vem do morro nem lá da cidade
E quem suportar uma paixão
Sentirá que o samba então
Nasce no coração
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Pedacinhos do Céu

sei que me amas com grande fervor,
há em teus lábios mil frazes de amor
entretanto,eu preciso houvir a voz da razão
para saber se direi sim ou não.

és para mim um formoso troféu,
vejo em ti pedacinhos do céu
porém preciso refletir mais um porquinho
para não desiludir ao meu dorido coração,
que ainda sente a emoção
de uma ingratidão

afinal,com amor,com fervor e muito apreço,
eu agradeço
a grandeza,a beleza e a riqueza do troféu,
julgo-me feliz,pois sempre quis
e tudo fiz,para exaltar um grandioso amor
e incluir neste chorinho,
entre beijos e carinhos,
pedacinhos lá do céu

és para mim um formoso troféu,
vejo em ti pedacinhos do céu,
porém preciso refletir mais um porquinho
para não desiludir ao meu dorido coração,
que ainda sente a emoção
de uma ingratidão

Noel Rosa (1910 – 1937)


Noel de Medeiros Rosa nasceu em 11 de dezembro de 1910, num humilde chalé no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Nasceu sofrendo muito: o parto, difícil, a fórceps, causou a fratura de um osso da mandíbula. Em consequência, adquiriu um defeito físico no queixo, no lado direito do rosto, e muita dificuldade para mastigar. Quatro anos depois nasceu o seu único irmão, Hélio.

Noel Rosa aprendeu bandolim com a mãe, Martha, e foi introduzido ao violão pelo pai, Manuel de Medeiros Rosa. Mas se tornou mesmo autodidata. Suas primeiras experiências criativas foram paródias pornográficas, feitas no tempo do Colégio São Bento, sobre melodias de canções conhecidas na época. Adolescente, não tardou a começar a frequentar bordéis e pensões de mulheres. Nem a cair na boemia. Usava o violão do pai, até que ganhou um, de um tio.

Em 1927, voltava de uma noitada, quando encontrou sua avó paterna enforcada no quintal de sua casa; tinha se matado, repetindo o gesto de um bisavô de Noel. Foi naquele ano que ele iniciou namoro com uma vizinha, Clara, relação que veio a durar sete anos.

Mais ligado na música que nos estudos, Noel era na escola um aluno irreverente com os professores. Em Vila Isabel - celeiro de músicos - participava de serenatas e logo ficou conhecido como bom acompanhante ao violão. Em 1929, um grupo amador de jovens músicos, a maioria da Tijuca, o procurou: Almirante, Braguinha (que adotará o pseudônimo João de Barro), Henrique Brito e Alvinho. Com eles, formou o Bando de Tangarás.

O repertório do conjunto se compôs de cantigas de inspiração nordestina, de acordo com a moda do momento. Noel seguiu por essa trilha em suas primeiras composições, a toada "Festa no Céu" e a embolada "Minha Viola". Em 1929, ele as gravou, estreando em disco como solista. No Bando, não tinha destaque como cantor e compositor. Mas suas primeiras apresentações em público - em festas em casas, teatros e clubes - aconteceram com os Tangarás.

Em fins de 1930, Noel Rosa lança "Com_Que_Roupa?, inaugurando um estilo novo e singular, elaborado e comunicativo, de fazer samba. A música obtém grande aceitação popular (o disco vende 15 mil cópias). Ao mesmo tempo, é recebida entre intelectuais como uma expressão da condição do povo carioca e brasileiro. E estoura no carnaval de 1931, para o qual Noel teve mais sete composições gravadas. Data dessa fase a gravação também da sua primeira parceria com Lamartine Babo, a marcha nonsense "A.B.Surdo".

Aquele foi o único ano em que o compositor teve músicas aproveitadas no teatro de revista. Uma das peças, "Café com Música", destacando a cantora Aracy Cortes, incluiu oito criações suas, entre as quais duas obras-primas que ele próprio gravaria: "Gago_Apaixonado " e "Quem Dá Mais". A primeira se transformou em número obrigatório nas suas apresentações. Foi lançada em 31, ano em que saíram ainda "Eu Vou pra Vila" e "Cordiais Saudações", ambas com o Bando de Tangarás - a primeira na voz de Almirante, a segunda na de Noel.

Aprovado no vestibular, Noel se matriculou na faculdade de Medicina em abril daquele ano. Não chegou, porém, a terminar nem o primeiro semestre do curso. Este pelo menos lhe rendeu a inspiração de um grande samba, "Coração".

Por esse período, ele intensificou suas relações com os morros, aonde passou a ir com frequência, aprendendo, ficando amigo e parceiro dos sambistas locais. Como Cartola, de Mangueira, por exemplo. Na cidade, a amizade que se estreitou foi com Lamartine Babo. Os dois viraram companheiros de farras. Além disso, compuseram mais uma marcha juntos: "A.E.I.O.U.", para o carnaval do ano seguinte.

No início de 1934, Noel Rosa compôs "Rapaz_Folgado", uma resposta a "Lenço no Pescoço", do então jovem sambista Wilson Batista. Começou assim uma polêmica que se tornaria célebre e que renderia uma série de sambas. Em sua música, Noel, estranhamente, criticava o malandro cantado por Wilson - logo ele, um apologista da malandragem. No fundo, o que havia, porém, era uma rixa por causa mulher: Wilson tinha roubado uma namorada dele.

Noel levava uma complicada vida amorosa, com vários casos sucessivos ou mesmo simultâneos. Mantinha um namoro bem-comportado com Clara. E outro, mais quente, com Fina, a quem levava para passeios noturnos, em locais distantes e desertos, de carro. A mesma coisa passou a fazer com Lindaura.

Em março e abril de 1934, ele participou de uma turnê com o grupo Gente do Morro, liderado pelo flautista Benedito Lacerda, pelo norte do estado do Rio de Janeiro e Espírito Santo. A excursão não deu lucro. No final, a maioria dos músicos voltou fugida de uma pensão em Vitória, sem pagar a conta. Noel, vivendo um romance com uma moça, ficou por lá. Sua mãe teve de ir buscá-lo, para que voltasse.

Já no Rio, em 23 de junho, numa festa de São João em sua homenagem no Cabaré Apollo, ele conheceu Ceci, que em breve se tornará bailarina e namorada dele. Mais que isso: sua maior paixão e musa.

Em 1934, João Petra de Barros gravou duas pérolas noelinas: "Feitiço_da_Vila", composta com Vadico, e "Linda Pequena", em parceria com João de Barro. A primeira não demorou para virar um clássico. A segunda só seria lançada um ano depois, sem obter maior repercussão. Apenas em 1937, reintitulada "Pastorinhas" e cantada por Silvio Caldas, ela iria estourar, transformando-se numa das peças mais populares de todos os tempos da música brasileira.

No campo artístico, Noel aprofundava então relações com Marília Baptista (bem-comportada, de classe média) e Aracy de Almeida (boêmia, pobre, do subúrbio). As duas viriam a ser as suas maiores intérpretes.

Em 1934, Noel Rosa faz constantes apresentações em emissoras de rádio e em cinemas. Numa delas, no Cine Grajaú, muito magro, ele desmaia em palco. É hospitalizado. Diagnóstico: tuberculose, na época uma doença difícil de se curar. A família decide que ele vá para uma cidade de clima bom. Noel quer levar Lindaura para cuidar dele. Sua mãe o obriga então a se casar com ela - o que acontece em dezembro. O casal vai para Belo Horizonte. Lá ele não abandona a noite de todo; acaba conhecendo a boemia local.

Tuberculose contida, mas não curada, mais gordo, ele volta em abril de 1935 para o Rio - e para Ceci. Aluga um quarto mobiliado para os dois. É por essa época que o pai de Noel se enforca num quarto da Casa de Saúde da Gávea. Tinha 54 anos e estava internado no hospício havia meses.

Uma maratona de recitais ocupava grande parte do tempo do artista. Além disso, Noel trabalhava em quatro estações de rádio. Cantava, contava piadas, participava de desafios - que sempre vencia -, escrevia textos publicitários, atuava até como contra-regra. E criava paródias engraçadíssimas.

À base de paródias de canções populares do período, ele fez, à época, duas "revistas radiofônicas" (ou "óperas bufas cariocas", na expressão de Almirante): "O Barbeiro de Niterói" e "Ladrão de Galinha". Além disso, com o pianista e regente húngaro Arnold Gluckmann, escreveu a opereta "A Noiva do Condutor". Nenhum desses trabalhos foi ao ar. O último teve de esperar meio século para ser conhecido.

Em 1935, Noel acrescentou uma nova série de "standards" à sua obra. Dois foram gravados por ele mesmo, "João Ninguém" e "Canta_Para_Você_Dançar. Outros três saíram no registro de Aracy de Almeida, que se firmava como intérprete representativa do compositor: "Triste Cuíca", "O X do Problema" e "Aracy_De_Almeida_._In_Memoriam ". Este se constituiu no contra-ataque mortal, definitivo, desferido por Noel em Wilson Batista, na polêmica poético-musical que travaram.

Janeiro de 1936 assistiu à estréia do filme "Alô, Alô, Carnaval", o primeiro musical a utilizar canções de Noel Rosa. Eram duas marchas: uma composta com Hervê Cordovil, "Não Resta a Menor Dúvida", interpretada pelo Bando da Lua; outra, "Pierrot Apaixonado", com Heitor dos Prazeres, cantada pela dupla Joel e Gaúcho. Esta e "Palpite_Infeliz” já eram sucesso e seriam destaques no Carnaval seguinte, que teve em Noel o compositor campeão, com mais sete músicas pontuando.

Apesar do sucesso, porém, pouco a pouco o sambista foi mostrando sintomas de desinteresse pela vida, como um crescente descuido com a aparência e com a saúde. Como não abandonava a boemia, as gripes se tornaram frequentes, acompanhadas de febre alta. Também foi se tornando cada vez menos profissional, atrasando-se para os compromissos.

Aquele ano - 1936 - acabou sendo a sua fase de menor produção: não chegaram a vinte as músicas que fez. Parte delas teve novo endereço cinematográfico: o bem-sucedido "Cidade Mulher", filme de Humberto Mauro. De Noel, na trilha ressaltavam "Dama do Cabaré" e a canção-título, ambas na voz de Orlando Silva, mais "Tarzan, o Filho do Alfaiate" (outra parceria com Vadico), com José Vieira.

Por essa época, Lindaura engravidou. Mas acabou perdendo o filho, após cair da goiabeira do quintal da casa da mãe de Noel. Ceci - que já tinha tido um caso com Wilson Batista - estava namorando com Mário Lago.

No Carnaval de 1937, Noel faz sucesso com "Quem Ri Melhor", gravado por ele e Marília Batista. Cada vez mais doente, chega a sair, mas já não brinca. Em abril, passa com a mulher três semanas em Friburgo. Em seguida, alguns dias em Piraí. Volta muito mal; é o fim. No mesmo quarto em que viera ao mundo, 26 anos antes, morre a 4 de maio. Um enterro concorrido acontece em Vila Isabel, ao qual comparece parte significativa do mundo do samba carioca. É grande a repercussão na imprensa: Noel era uma figura popular.

Pouco depois Aracy de Almeida lançava "Último Desejo", e Silvio Caldas, "Pastorinhas". Dois estouros.

De 1937 a 1950, Noel seria pouco gravado. No começo dos anos 50, iniciou-se um revival de sua obra, puxado por Aracy, que fez então muitos shows e três discos cantando-o (o primeiro, com capa de Di Cavalcanti, e todos com arranjos de Radamés Gnatalli). Marília Batista também o regravou (mais tarde faria um álbum duplo com músicas dele). E Almirante criou um programa de rádio de muito sucesso, "No Tempo de Noel Rosa", que durou cinco meses em 1952.

Sua Obra

Noel Rosa é um paradigma do samba, isto é: da moderna música popular urbana do Brasil. O samba - que acabou sendo elevado à condição de máximo representante da nossa identidade nacional, na música popular - foi seu ritmo preferido. E teve nele um dos principais arquitetos, no seu processo de consolidação.

Ele e Ismael Silva - seu parceiro mais constante - contribuíram significativamente para a evolução formal do gênero. O samba que passaram a fazer, no início dos anos 30, se distinguiu do samba amaxixado dos anos 20, representado sobretudo por Sinhô. Essa forma nova, mais domada e refinada - ritmicamente mais próxima do que hoje se reconhece como samba -, nasceu entre os sambistas do bairro do Estácio de Sá e se espalhou pelo Rio de Janeiro graças, em grande parte, a Noel e Ismael.

Noel teve o raro senso de oportunidade para interagir com a matriz do samba carioca (o pessoal do morro, fornecedores da matéria-prima) e os nomes de destaque do rádio (os cantores Francisco Alves, Mário Reis). Tinha trânsito fácil entre esses dois mundos.

Desenvolveu a sua obra de 1929 a 1937, tornando-se a principal referência como compositor popular de seu tempo no Brasil. Indo além, funcionou como uma espécie de farol da canção que veio a ser feita nos anos seguintes e, desde então, até agora. Poucos tiveram tanta influência na música nacional em toda a sua história. Noel Rosa foi referência básica para seus contemporâneos e seus sucessores.

Noel Rosa foi o primeiro grande mestre brasileiro da palavra cantada. Com uma habilidade incomum para unir texto e melodia, ele chegou a requintes virtuosísticos e a uma fluência impressionante de versos e rimas. Seu rimário surpreendeu várias vezes pela raridade e pelo inesperado, assim como muitas imagens que lançou em suas letras.

Consequentemente, o compositor-letrista se transformou também no primeiro dos nossos cancionistas a desfrutar do status de poeta. De sua maestria e propriedade no uso da linguagem vieram os epítetos com que o batizaram ainda em vida: "filósofo do samba" e "poeta da Vila" (em referência ao seu bairro, a Vila Isabel).

Nesse sentido, Noel Rosa se converteu num precursor de Caetano Veloso e Chico Buarque, a quem sempre foi comparado: o rigor formal, aliado a uma natural cursividade, que se vê em Noel só é reencontrado, mais tarde, em Chico. Ele se constituiu também no ponto de partida do fenômeno de maior valorização do papel do compositor popular no universo da cultura brasileira.

Traduzindo tudo que lhe interessava para o universo da canção, Noel Rosa abordou em seus sambas uma multiplicidade de temas. Isso deu à sua obra uma abrangência incomum. Porém, a sua importância não se resume à amplitude do seu espectro temático, como também à complexidade e à profundidade no tratamento dos assuntos que ele elegeu.

Noel tratou da identidade nacional e, por extensão, do Brasil. Só que, ao contrário de um mestre do samba-exaltação como Ary Barroso (o autor de "Aquarela do Brasil"), ele nunca foi exaltativo, mas crítico, chegando ao irônico e ao satírico. De olhar aguçado para as mazelas da nação, inaugurou a linha da música de cunho social entre nós (outra razão por que é considerado predecessor de Chico Buarque).

Ufanista ele só foi quanto ao seu quintal, a Vila Isabel, e outros bairros como Estácio e Penha, onde o samba (também tematizado por ele) se desenvolveu e onde ele teve parceiros. Desses lugares esteticamente privilegiados, Noel fez a apologia da vida dos malandros. A visão que ele passa se alinha com os códigos da malandragem.

Há também o Noel amoroso, com sua lírica desconcertante, com lugar para o patético e o contraditório, assim como para o filosófico. Suas canções de amor, que compõem a maior parte de sua produção, são permeadas pelo pessimismo e pela ironia (a auto-ironia inclusive). Algumas, como muita coisa que escreveu, são bem-humoradas; outras, cortantes, chegam mesmo a abordar a morte. Em relação às mulheres, o sambista se mostra machista, de acordo com o espírito da época, mas sem deixar de amá-las com intensidade.

O número de músicas - e a excelência delas - que Noel Rosa compôs sozinho atestam o que, sobre ele, disse justamente um de seus parceiros, Antonio Nássara: que ele não precisava de parceiros. Mesmo assim, teve muitos. Lamartine Babo, João de Barro, Ary Barroso, Orestes Barbosa, Custódio Mesquita, Hervê Cordovil, André Filho, Cartola, Donga, Heitor dos Prazeres. E muitos mais, de menos nome. Todos esses tiveram seus nomes alinhados ao de Noel Rosa no crédito de pelo menos uma composição (e boa parte deles não compôs mais do que isso com Noel).

Com dois, no entanto, ele estabeleceu parcerias mais constantes: Ismael Silva e Vadico. O sambista do Estácio se juntou ao poeta da Vila para, juntos, produzirem clássicos como "Adeus", "A Razão Dá-se A Quem Tem" e ""Para Me Livrar do Mal". Ismael costumava fazer o refrão, Noel as segundas partes dos sambas. Com o pianista de São Paulo, Noel se encarregou do texto na grande maioria das vezes, para criar canções antológicas, tamanha a integração entre melodia e versos, como: "Feitio de Oração", "Conversa de Botequim", "Feitiço da Vila", "Pra que Mentir" e "Cem Mil Réis".

Apesar de tantos e tão variados parceiros, ele sempre manteve a sua marca, não se diluindo entre seus pares. Isso, até mesmo nas canções que fez e que, na época, não lhe foram creditadas (graças a troca de favores, Noel permitia que esse tipo de coisa acontecesse, tendo chegado a vender sambas em ínicio de carreira).

Noel Rosa deixou um total de 259 composições - sambas, na grande maioria. Considerando a extraordinária qualidade do conjunto dessa vasta obra, é espantoso que toda ela tenha sido produzida num espaço relativamente curto de tempo, já que ele não viveu mais que 26 anos (nasceu em 1910, morreu em 1937). Esses dados configuram um caso de genialidade.

Preocupado com a originalidade, Noel criou um estilo próprio de samba, partindo de idéias singularmente novas. Dele saíram "canções de invenção" (para citar expressão de Augusto de Campos) como "Gago Apaixonado", "Cordiais Saudações" (que ele chamou, bem-humoradamente, de "samba epistolar") e a nonsense "A.E.I.O.U." ("marcha colegial"), esta com Lamartine Babo. Além de certos sambas-sínteses do Brasil e da condição do povo brasileiro como "Com Que Roupa", "Quem Dá Mais" (não à toa co-intitulado "Leilão do Brasil"), "São Coisas Nossas".

De início, Francisco Alves e Mário Reis, cantando juntos ou separados, e, mais tarde, Aracy de Almeida e Marília Batista foram os principais intérpretes de suas músicas, enquanto ele esteve vivo. Ele próprio, sozinho ou às vezes em dupla com Ismael Silva, cantou muitas delas. O fato de ter vindo a lançá-las se deu, em boa parte, graças a Mário Reis, cuja influência fez com que cantores de voz pequena como a dele pudessem gravar.

Nos anos 50, houve um renascimento de seu prestígio cuja maior responsável foi Aracy: Noel passou a ser considerado o maior compositor popular brasileiro de todos os tempos. Nos anos 60, ele se tornou uma influência marcante nas primeiras produções de Chico Buarque e uma das predileções de Maria Bethânia em seu começo de carreira.

De lá para cá, não deixou de ser reverenciado pelos maiores cantores da moderna canção brasileira. Para citar alguns deles, Maria Bethânia ("Três Apitos") o gravou em 1965. Clara Nunes ("Pra Esquecer"), em 1968. Chico Buarque ("Filosofia"), em 1974. Beth Carvalho ("Onde Está a Honestidade") e João Nogueira ("Não Tem Tradução"), em 1975. Paulinho da Viola ("Pra Que Mentir"), em 1976. Caetano Veloso (também "Pra Que Mentir"), em 1986. E João Gilberto ("Palpite Infeliz"), finalmente, em 1991.

Neste mesmo ano, um "Songbook de Noel" - reunindo um elenco de estrelas de primeira linha da MPB, de Gal Costa a Tom Jobim - inaugurou uma série de discos dedicados à sua obra que foram lançados na década de 90. Em 1997, Ivan Lins e Johnny Alf - este, acompanhado de Leandro Braga - o homenagearam com novos songbooks. E em 2000, as ainda pouco conhecidas cantoras Denise Assumpção e Ione Papas.

Também neste ano saiu a caixa "Noel Rosa Pela Primeira Vez", contendo o registro original de todas as músicas gravadas do compositor, em 14 CDs. O lançamento comemorou o nonagésimo aniversário do seu nascimento.

Fontes:
http://www2.uol.com.br/noelrosa/vida_barra.htm
http://pt.wikipedia.org/
Fotomontagem = José Feldman

Academias (Cadeiras)


As Academias definem por Cadeiras, os lugares a serem ocupados pelos membros aprovados nelas por seus trabalhos literários seja por meio de livros, de participações publicas ou algo que as coloque em evidencias. São cadeiras que sempre levaram o nome do literato. Isto é, são imortalizados nelas.E mesmo que elas venham a falecer, um novo mebro ocupa esta cadeira, mas o nome do falecido permanece imortalizado na Academia. Geralmente são em número de 40.

De acordo com as regras estabelecidas, desde a fundação da Academia francesa, no século XVIII, as Academias de Letras possuem um número fixo e vitalício de membros, ocupando cadeiras numeradas (via de regra, de 1 até 40), que são vitalícias. Ocorrendo o falecimento (e em casos muito raros, o afastamento ou a resignação), a cadeira vaga passa a ser objeto do ritual sucessório.

Considera-se ocupada a cadeira a partir do instante da eleição do novo membro - e não do momento em que tem assento na cadeira. Assim, casos há onde o "imortal" deixou de tomar posse, por haver falecido antes dela, como o paranaense Emílio de Meneses

Afrânio Peixoto, ex-presidente da Academia Brasileira, assim registrou a origem das Cadeiras nas Academias:

"Ora, na Academia Francesa havia apenas uma poltrona, ou fauteuil, para o diretor. Em 1713, foi candidato um escritor amável, então muito querido, La Monnoye, e o acadêmico cardeal d’Estrées quisera dar-lhe o voto... mas lá, não iria, pois que, príncipe da Igreja, não se sentaria num banco, como a ralé, senão num fauteuil, como tinha direito no paço del-rei. Não haja dúvida, disse Luís XIV, sabendo do caso: «dêem-se quarenta poltronas aos senhores acadêmicos»...

Não sorriem: na época foi esta coisa imensa atestada por Saint-Simon e todos os memorialistas do tempo: todos os escritores, quase todos plebeus e pobres, petits-gens, promovidos, por isso, no Louvre, no palácio do rei, onde se reuniam, à situação de príncipes, duques, cardeais ... assentarem-se em fauteuil ... Daí vem o prestígio «objetivo» da poltrona, da cadeira acadêmica ... Daí os lugares, as vagas acadêmicas, se declararem: tal ocupa o fauteil 27; está vaga a cadeira tal ... O fauteuil, a poltrona, é, simbolicamente, um pequeno trono... O homem de letras nobilitado a alguém, não filho d’algo, fidalgo, porém, filho das próprias obras, algo..."

Fonte:
http://pt.wikipedia.org/

domingo, 3 de maio de 2009

Paulo Leminski (Sem Budismo)

Poema que é bom
acaba zero a zero.
Acaba com.
Não como eu quero.
Começa sem.
Com, digamos, certo verso,
veneno de letra,
bolero. Ou menos.
Tira daqui, bota dali,
um lugar, não caminho.
Prossegue de si.
Seguro morreu de velho,
e sozinho.
---
Fonte:
LEMINSKI, Paulo. Distraídos Venceremos. SP: Ed. Brasiliense, 1987.

Valéria Nogueira Eik (Rosas Vermelhas)



A rosa vermelha e o sorriso cativante foram entregues ao final do dia.
Amélia, olhos baixos, fez um muxoxo de menina e tentou alongar a mágoa.
Encarou o riso inocente e esqueceu as palavras rudes da noite anterior.
A rosa era tão linda!

Duas rosas vermelhas foram entregues no início da noite por um sorriso suplicante.
Amélia exibia um pequeno corte na boca. Derramou soluços incontidos e mais algumas lágrimas.
Olhou as rosas. Sorriu tristemente. Desculpou a ressaca matinal.

Três rosas vermelhas foram entregues, quando duas ou três estrelas salpicavam o pedaço de céu que se condensava diante da janela.
Amélia, deitada na cama, invadida por todas as dores, relutava em perdoar.
O sorriso dele, quase paternal, delineava motivos e a absolvição das culpas.

Quatro rosas vermelhas foram entregues quando a madrugada cobria a cidade.
Amélia, amontoada no chão, ainda recolhia os cacos do próprio corpo.
O riso infantil implorava por perdão e afagos.

Cinco rosas vermelhas foram entregues, quatro ou cinco dias depois, por um par de olhos desesperados.
Amélia, de malas prontas, queria ir, queria ficar.
As marcas arroxeadas e a pele costurada começavam a ganhar tons suaves.
E suaves ficaram as dúvidas.

Seis rosas vermelhas foram entregues por um sorriso impessoal.
Amélia, agasalhada por outras tantas flores e pelo brilho das velas, não pôde ver nem perdoar.

Fonte:
http://literaturasemfronteiras.blogspot.com/

José Eduardo Calcinoni (Pode ser que seja (música))

Mais um dia/uma palavra
Um sol/um só
Ao meio dia/a noite inteira
Um laço/um nó
Uma palavra/uma só boca
Uma lição que sabe decor

E assim será
quem sabe seja?
Um pessoa
ou todos nós

Uma descida/uma bebida
Meia vida/melhor
No deserto/no mar
Palavra simples/código-mor
Numa estrofe/da poesia
Na caída/do sol

Na encruzilhada/na restinga
Há muitas milhas/há muitos nós
Numa rima/na melodia
Na multidão/a sós
Num precipício/numa planície
Na carne viva/no pó

E assim será
quem sabe seja?
Um pessoa
ou todos nós

Aurelio Buarque de Holanda (O Chapéu de meu Pai)

Pintura de René Magritte
A Arnon de Melo.

A lívida luz dos círios é agora mais triste, à claridade da manhã nascente que vai aos poucos invadindo a sala. Da cadeira onde me acho sentado, na saleta de espera, vejo as mãos de meu Pai cruzadas sobre o peito. O ventre, timpanoso, sobreleva as bordas do caixão. Vem de lá dentro um choro abafado. Alguns dormem, exaustos: ligeira trégua ao sofrimento. Ardem os olhos, da noite sem sono e do muito que chorei. Tenho a cabeça reclinada no encosto da poltrona, numa postura de aparente sossego, e chego por momentos a enganar-me, a pensar que estou sereno. Na janela que daqui avisto, a cortina preta drapeja manso, agitada pelo brando vento do amanhecer. Do porta-chapéus, a um canto da parede, pende um chapéu, como coisa abandonada. É o chapéu de meu Pai. É um pedaço daquele que se encontra ali perto estendido, morto, as largas mãos cruzadas sobre o peito, e o rosto, em vida tão vermelho, agora de uma brancura macilenta. É alguma coisa dele, que a morte não destruiu.

Meus olhos se cravam no chapéu. Está no cabide tal como meu Pai o usava - quebrado para a frente - o chapéu marrom, comum, de abas debruadas, o chapéu de meu Pai. Por menos que deseje pensar nisto, meu Pai começa a emergir, vivo, bulindo, desse chapéu, que era seu. Vendo de lado o chapéu, estou a ver o dono de perfil, o nariz breve e saliente, o rosto sangüíneo, um tanto cavado nos últimos tempos, a costeleta curta, uma parte do bigode, ruivo e ralo, de que ele nunca abriu mão.

O chapéu acompanha meu Pai nos seus movimentos, sombreando-lhe um tanto a face. Está no seu verdadeiro lugar, a cabeça de meu Pai. Sim, está. Lá vem o velho chegando para casa, nos fins de tarde, cansado, já doente. Lá vem. É ele: o chapéu marrom, comum, desabado na frente, aquele jeito de andar, meio curvado, lento, da velhice. Chega. Empurra um lado da veneziana, puxa o ferrolho, entra. Põe o chapéu no cabide, ali mesmo onde o vejo agora, bem junto do espelho do móvel. Algumas vezes, olha-se ao espelho, cofia rápido o bigode, e vai entrando. Na sala de jantar, senta-se e com minha Mãe começa a falar das eternas coisas do dia-a-dia. Mamãe conta dos incidentes domésticos: falta de água; o leite que talhou, aborrecimentos com a empregada, "uma grandessíssima respondona". Meu Pai se queixa dos negócios, que vão de mal a pior - "uma crise pavorosa, o comércio um paradeiro medonho, e o governo é impostos, e mais impostos um fim de mundo". Mamãe é mais calma: - "Ora homem! Vamos vivendo. Os meninos trabalham, vão ajudando. Já estamos velhos. Paciência." Ele dirá que trabalhou a vida toda, e era para ter uma velhice descansada.

O chapéu fica sozinho, até o dia seguinte, pois geralmente meu Pai não sai de casa à noite de uns tempos para cá. A gente olha o porta-chapéu e adquire a certeza de que o dono da casa não saiu. Não é só porque vê o chapéu: é porque vê a pessoa. Se nos descuidarmos, diremos, apontando o chapéu: - "Olhe Seu Manuel ali."

Pela manhã - assim, de dia - o chapéu é posto com o maior cuidado. Meu Pai se mira demoradamente ao espelho. Está bem barbeado. Faz a barba em casa, à navalha - nada de gilete. O rosto passa. Algum tanto chupado, uns pés-de-galinha perto dos olhos (procura estirar a pele com os dedos), o par de rugas muito fundas descendo-lhe das abas do nariz ao canto dos lábios... Mas passa. O diabo é a falta dos dentes. Breve mandará fazer uma chapa dupla. Tolice: não irá andar rindo com as folhas. Demais, a expressão da fisionomia é relativamente boa. Corado, os cabelos em ondas, louros, raros fios brancos, apesar dos seus bons sessenta anos, e os olhos azuis, dum azul claro, herdados do avô português. Não é careca: só isto! E os óculos de aros de ouro são vistosos. - "Manuel!" Responde meio aborrecido: - "Que é?" Estava dando um jeito melhor ao quebrar do chapéu. - "Sim, eu trago, não se incomode, não." Ótimo assim.

Vai saindo. Agora o chapéu anda na mão, um pouco acima da cabeça: - "Bom dia, D, Hortênsia." A vizinha desmancha-se num sorriso. (Mamãe não gosta nada desses sorrisos da vizinha.) De onde em onde o chapéu sai por alguns segundos da cabeça de meu Pai, muito relacionado nesta rua. Por vezes o cumprimento é menos solene – apenas um toque de dedos na aba. E rua fora lá vai o chapéu, integrado em meu Pai - órgão do seu corpo, complemento essencial da sua cabeça, do seu todo.

Chegando à casa comercial, se não encontrar tudo em ordem, é possível que o chapéu venha a perder, por momentos, o ar composto, a dignidade habitual. Talvez meu Pai, zangado, tirando-o, bata com ele no balcão, como quem dá murros. Mas a raiva passará depressa, e meu Pai começará a compor o chapéu, a ajeitá-lo, a reimprimir-lhe a feição própria. Desamassa-o, sulca-o no centro da copa com as pontas dos dedos da mão espalmada, e, com o polegar e o indicador, concava-o lateralmente. Pronto.

Mais tarde, à hora do almoço, como está fechado o comércio, há pouca gente pela rua e meu Pai tem fome, botará o chapéu à vontade e caminhará menos lento que de costume. Entrará em casa suado; nos dias quentes, enxugando o rosto com o lenço: - "Diabo! isto é um calor insuportável. Não há quem agüente..." Tomará seu banho antes de almoçar, e falará como sempre, da crise pavorosa.

O pãozeiro deixa na porta a mochila, suspensa de um ferrolho. Vão surgindo os primeiros transeuntes - a gente humilde, que principia a trabalhar cedinho, quando os galos ainda cantam, para ganhar a vida e garantir a tranqüilidade dos mais felizes. Alguém chora lá dentro, choro convulso: é minha irmã.

Pendente do gancho, ali, abandonadamente inútil, o chapéu me recorda um despojo de guerreiro vencido. Serve-me de ponto de referência para a reconstituição, sem ordem cronológica, de um passado inteiro. O pranto me devolve à realidade do momento, e agora o chapéu me oferece de meu Pai uma imaginação muito próxima - do velho tirando-o quando entrava na casa de saúde, para nunca mais o usar. Estava pálido, então. O chapéu, acompanhando-o inseparável. O doente torcia-se a gemer; dilaceravam-no dores agudas: e de repente o chapéu saía do lugar e ia para a cabeça de meu Pai, que andava, a passeio ou a negócio, tirando-o para cumprimentar alguém, ao passar diante de uma igreja, ou cortejo fúnebre, ou por outro motivo. E, ao trazer do hospital o chapéu – há coisa de cinco ou seis horas, parecia-me trazer comigo um pouco (digo mal), uma parte essencial de meu Pai, que ficara no leito de morte, até ser conduzido num carro para casa, onde se acha, ali na sala, no caixão, com o rosto lívido, o ventre inchado, as mãos em cruz sobre o peito.

As velas ardem. Estão já no fim. A cera escorre em gotas pelo fuste e acumula-se ao pé dos castiçais. À cabeceira do morto, o crucifixo - um Cristo de metal por cuja presença consoladora Seu Sampaio da casa mortuária cobra caro, acrescentando não se tratar de aluguel, que "santo não se vende nem se aluga".

Cristo é filho de Deus, explicava meu Pai, ao falar-me do mistério da Santíssima Trindade, que eu não havia jeito de compreender bem. Meu Pai acreditava em Deus, na religião. Só não ia lá muito com os padres, tanto que, sabendo que morreria, não pediu confessor. E, católico, não participava do horror de alguns aos protestantes - os "freis-bodes", como dizia minha avó - e gostava de, uma vez ou outra, ir às suas sessões de espiritismo. Contudo, esse ecletismo religioso não excluía uma crença poderosa, entranhada, que não o desamparou nem nos derradeiros momentos: a crença em Deus. Ao fazer um plano, ao sacar sobre o futuro, invariavelmente Deus entrava em cena, como força de que dependesse a concretização daquele desejo: - "Este ano as coisas estiveram muito ruins. Uma crise pavorosa. Mas o ano vindouro, se os negócios melhorarem, com os poderes de Deus, eu..." Se estava de chapéu, tirava-o na certa, erguia-o por um instante, muito respeitoso, ao dizer - "com os poderes de Deus". "Eu tenho fé em Deus", "Deus há de me ajudar", "Deus é pai" - estas frases não lhe saíam da boca sem lhe sair da cabeça o chapéu.

Volto-me para um retrato dele rapaz. Já muito desbotado, quase não deixa divisar os traços fisionômicos de meu Pai nessa época. Devia ser por volta dos começos da República. Morava ele, então, em Tatuamunha, sua terrinha natal. Falava dos pastoris do seu tempo - bom tempo! -, da graça de algumas pastoras, do encanto das jornadas que cantavam, e das paixões que acendiam nele e noutros jovens do seu grupo. Imagino o entusiasmo de meu Pai, moço, ardente, romântico, até meio chegado à poesia, pela beleza de uma daquelas matutas. As pastoras - cordão azul e cordão encarnado - surgiam alegres, agitando os pandeiros:

Belas companheiras,
vamos a Belém
ver quem é nascido
para o nosso bem.

Vinham outros números. O Pastor sempre a arrastar o seu cajado. Chegava o Fúria:

Olha, pastora, eu venho falar-te.
Queres ser minha? Eu posso levar-te.

As jornadas sucediam-se. Começavam a dividir-se os grupos; apareciam os exaltados. Meu Pai seria pelo cordão azul. Discussões. A Contramestra, maravilhosa. Sabia requebrar-se com tanta graça, cantava tão bem, e dirigia a meu Pai um olhar tão temperado, tão intencional, que ele sentia bulir-lhe no sangue a sensualidade lusitana, o coração pular-lhe no peito. - "Bravo da Contramestra!" - "A Mestra em cena!" Digladiavam-se os partidos. Haveria presentes, muitos presentes. Um arrebatado chamava a Mestra com todo o cordão. Novas jornadas. A Diana:

Sou a Diana, não tenho partido,
o meu partido é os dois cordão.
Eu bato palmas, ofereço flores;
digam, meus senhores, vossa opi-nião-ão-ão...

Havia uma curiosa espécie de torcedores: os que pediam a presença da Diana por um dos lados: - "A Diana em cena pelo lado azul!" - "A Diana em cena pelo lado encarnado!" Tinha a Diana, assim, boa renda de sua neutralidade: recebia vivas e presentes dos partidários das duas cores. Ia correndo o tempo, e talvez os torcedores bebessem um pouco. Sempre a subir-lhes o entusiasmo, a certa hora se viam apaixonados que jogavam chapéus para o ar, depois ao tablado: - "Pise aí a Mestra!" Repetiam-se os aplausos: - "Bonito!" - "Bravo do cordão azul!". A contramestra vinha oferecer um cravo a meu Pai:

Seu Manuel,
me faça um favor:
Por sua bondade
receba esta flor.

Eu não venho dar,
venho oferecer;
Seu Manuel,
queira receber.

Todo pachola, meu Pai subia ao palco, punha a flor na botoeira e uma pelegau estalante no peito da Contramestra. Embaixo, os correligionários deliravam em aplausos.

Meu Pai descia, feliz da vida. Naturalmente, lá pela madrugada, à pressão de um entusiasmo mais forte, o seu chapéu voaria, iria ter ao tablado, para que o pisasse a Contramestra.

Como seria o seu chapéu desse tempo? Preto, grave, solene, de abas viradas para cima. Usaria ele chapéu de palha? Não importa. Para mim, o chapéu de meu pai ali suspenso do cabide é o chapéu que meu Pai sempre usou. É o chapéu de meu Pai. Lá vai pelo ar o chapéu, cai no palco, onde as pastoras cantam uma jornada linda. Candeias de querosene, atadas a postes raquíticos de madeira, iluminam o tablado, e o largo todo, em frente à igreja de S. Gonçalo. (Como eram plangentes as vozes, na igreja, pelas novenas: "S. Gonçalo de Amarante, / glorioso padroeiro.."! Vozes femininas, quentes de fé, que pediam felicidade ao santo seu patrono: boa sorte para os maridos nas pescas; boa produção dos roçados, que as formigas invadiam; bom casamento para as meninas; a cura da maleita dos meninos; tranqüilidade e tortura para os lares humildes, tantos deles perdidos dentro do coqueiral que ensombrava quase por inteiro o povoado.) Também se vêem, acesos de pé dos tabuleiros de bolos, brandões de carrapato - sementes de mamona enfiadas em talos compridos. A multidão comprime-se. Vai animada a festa.

O leilão tem muitos licitantes. Grita a pregoeiro, alto e pausado, depois de pedir que "batizem" o objeto:

- Mil-réis me dão por uma melancia que deram ao milagroso S. Gonçalo...

Alguém oferece mais:

- Mil e quinhentos.

- Mil e quinhentos me dão...

- Dois mil-réis.

Todos desejam possuir a melancia do santo. Em pouco ela está valendo cinco mil-réis. Rompem as pilhérias:

- Seis mil-réis para o Silva não ver.

O leiloeiro:

- Seis mil-réis...

- Seis e quinhentos para o Chico não cheirar...

Até que, já não havendo quem dê mais, o leiloeiro faz a afronta, num português castigado:

- Afronta faço que mais não acho; se mais achara, mais tomara. Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três: já entreguei, está entregue.

A chegança, por outro lado, está dando a nota. No de um mastro da embarcação, o gajeiro procura ver, cumprindo ordem, se avista "terras de Espanha e areias de Portugal", Canta: na sua voz, fanhosamente arrastada, como na de todo o pessoal da Catarineta, há uma tinta de melancolia.

Indiferente ao leilão, alheio à chegança, meu Pai vibra com o pastoril. Limpará o chapéu, empoeirado, amarrotado, enquanto as pastorinhas maravilham a assistência com as suas jornadas e os partidários suam de exaltação.

Pipocam foguetes nos ares. O chapéu de meu Pai sobe e desce, anda para um e outro lado, defendendo-o das tabocas.

Passaram-se alguns anos. Meu Pai faz serenata - o luar é claro que parece dia – perto da casa onde Mamãe veraneia, com os seus, fugindo à vida monótona do engenho. O namoro está pegado. Dias antes ele passou pela porta da amada com uma acácia na lapela (significa - "sonhei contigo"), e a moça deu-lhe um sorriso que o deixou tonto. Um tio de Mamãe; apaixonado por ela, faz concorrência a meu Pai. Este põe na voz toda a atávica saudade lusitana, e canta, pensando na amada, com o chapéu abandonadamente derreado para a nuca:

Ó palidez imácula, bendita,
a palidez serena do teu rosto,
que me tem sido tanta vez maldita
e tem sido na vida o meu desgosto!

A voz é grave até o tem sido, para subir muita na tanta vez, ainda mais no maldita, bem prolongado, e em seguida baixar, depois de uma volta bonita, em que meu Pai dá tudo que tem o coração, tirando, talvez, o sono à namorada.

Qual foi o seu primeiro cuidado ao saltar em Maceió, pouco antes de noivar? Comprar o Dicionário das Folhas, Flores, Frutos e Raízes, para poder dizer ao seu amor, a quem nunca falara, aquilo que os olhos e as mãos não bastavam a exprimir. Imagino o acanhamento do matuto ao entrar na livraria, de chapéu na mão, amassando-lhe a aba, meio sem jeito para pedir o livro, como se estivesse expondo a estranhos a pureza do sentimento.

Um dia - o pedido já foi feito - aparecerá no engenho, o Boa Esperança, muito ancho, no seu cavalo castanho, em visita à noiva. Apeia, tira o chapéu, cumprimenta a noiva e a futura sogra, respeitoso. Conversam algum tempo na sala de visitas, grande, paredes cheias de retratos, enquanto Maria Araquã, ex-escrava, acende o belga. Depois, passarão à sala de jantar. Senta-se à mesa comprida, patriarcal, à direita de minha avó, logo junto da cabeceira (que D. Luísa faz questão de ocupar), tendo a amada em frente. Os futuros cunhados, para ele é como se não existissem. Muito cheio de si, os louros cabelos ondeados com uma liberdade ao lado esquerdo, o bigode pedindo-lhe sempre o afago das mãos. Capricha no pegar do talher; come pouco, e, como D. Luísa insiste - "O senhor não está gostando..." -, afirma que tudo é ótimo, mas recusa, com um sorriso civilizado. Após o jantar, minha avó manda retirar a toalha da mesa e meu Pai começa a leitura de um romance de Escrich, de que ele e a futura sogra gostam muito. Volta e meia os seus olhos procuram os olhos da noiva, que a timidez mantém sempre descidos. Lê bem: a voz pausada, com as inflexões características da fala de cada um dos personagens, moldadas segundo as circunstâncias em que as palavras são ditas. O diálogo sai animado, vivo: dá gosto ouvir.

No outro dia, pela manhã, despede-se de todos, no alpendre, e sai no seu cavalo, galopando, para voltar-se na curva da estrada e acenar com o chapéu feito lenço:

Como vem altivo, petulante, o chapéu de meu Pai, no dia do casamento! O cavaleiro todo de escuro, as boas botinas Bostock, a camisa branca, de punhos, peito e colarinho duros, o chapéu preto de copa alta e abas viradas... Seria assim mesmo? Com que elegância o tira ao entrar, para os primeiros cumprimentos! Daí a pouco, emocionado, dá para sentir calor, um calor fora do comum, e o chapéu serve-lhe de leque.

O Sol aparece. É mais intenso o movimento na rua. Transeuntes entreparam à porta, olhando o caixão. A empregada entra e, surpreendida e triste, põe-se a chorar. Lá para dentro cuidam do café. Os rumores vão enchendo a casa. Minha Mãe soluça alto. Chama por mim. Ao levantar-me, olho para o corpo hirto, rígido, lívido, macerado, as mãos cruzadas sobre o ventre intumescido. Meu Pai veste um fraque antigo, muito antigo - de quando? nem sei. O enterro será às dez horas. As negras cortinas tremulam ao vento, que, agora mais forte, invade a casa, faz dançar, indecisa, a luz agonizante dos círios. Caminhando ao encontro de Mamãe, vejo no porta-chapéus, bem junto do espelho, o chapéu de meu Pai, que, ao sopro do vento, oscila, oscila - abandonado, triste, esquecido -, como se estivesse acenando, chamando por alguém.

Fonte:
HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dois mundos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1942.

Aurelio Buarque de Holanda (1910 – 1989)

Quarto ocupante da cadeira 30, eleito em 4 de maio de 1961, na sucessão de Antônio Austregésilo e recebido pelo Acadêmico Rodrigo Octavio Filho em 18 de dezembro de 1961. Recebeu os Acadêmicos Bernardo Elis, Marques Rebelo e Cyro dos Anjos.

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, ensaísta, filólogo e lexicógrafo, nasceu em Passo de Camaragibe, AL, em 3 de maio de 1910, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 28 de fevereiro de 1989.

Filho de Manuel Hermelindo Ferreira, comerciante, e de Maria Buarque Cavalcanti Ferreira. Passou parte da infância em Porto das Pedras, AL.

Em 1923, mudou-se para Maceió (AL), onde, aos 14 anos de idade, começou a dar aulas particulares de português. Aos 15, ingressou efetivamente no magistério: foi convidado pelo Ginásio Primeiro de Março a lecionar em seu curso primário, passando a se interessar pela língua e literatura portuguesas. Diplomou-se em Direito pela Faculdade do Recife, em 1936.

Em 1930 fez parte de um grupo de intelectuais que exerceria forte influência literária no Nordeste, entre outros, Valdemar Cavalcanti, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Raul Lima, Rachel de Queiroz.

Em 1936 e 1937, foi professor de Português, Literatura e Francês no Colégio Estadual de Alagoas, e em 1937 e 1938, diretor da Biblioteca Municipal de Maceió.

Passou a residir no Rio de Janeiro a partir de 1938. Continuou no magistério, como professor de Português e Literatura Brasileira no Colégio Anglo-Americano em 1939 e 1940; professor de Português no Colégio Pedro II, de 1940 a 1969, e professor de Ensino Médio do Estado do Rio de Janeiro, de 1949 a 1980. Contratado pelo Ministério das Relações Exteriores, exerceu a cadeira de Estudos Brasileiros na Universidade Autônoma do México, de junho de 1954 a dezembro de 1955.

Colaborou na imprensa carioca, com contos e artigos. Foi secretário da Revista do Brasil (1939-1947), quando era seu diretor Otávio Tarquínio de Sousa, de 1939 a 1943. Nessa época, evidenciava-se o escritor, nos contos de Dois mundos, livro publicado em 1942 e premiado em 1944 pela Academia Brasileira de Letras, e no ensaio "Linguagem e estilo de Eça de Queirós", publicado em 1945.

Em 1941 começou Aurélio Buarque a atividade que o iria absorver a vida inteira e que, de certa forma, iria suplantar o Aurélio escritor: o Aurélio dicionarista. Foi quando o convidaram a executar, pela primeira vez, um trabalho lexicográfico, como colaborador do Pequeno dicionário da língua portuguesa. Em janeiro de 1945, tomou parte no I Congresso Brasileiro de Escritores, realizado em São Paulo.

Em 1947, iniciou no Suplemento Literário do Diário de Notícias a seção "O Conto da Semana", que durará até 1960 e, a partir de 1954, terá a colaboração de Paulo Rónai. Essa colaboração entre os dois amigos vinha desde 1941, quando se conheceram na redação da Revista do Brasil, e se concretizou no trabalho conjunto dos cinco volumes da coleção Mar de histórias, antologia do conto mundial, o primeiro deles publicado em 1945.

A partir de 1950 Aurélio Buarque manteve, na revista Seleções do Reader's Digest, a seção "Enriqueça o seu vocabulário", que em 1958 ele irá reunir e publicar no volume de igual título. Em 1963, tomou parte, em Bucareste, representando a Academia, no Simpósio de Língua, História, Folclore e Arte do Povo Romeno, visitando na mesma ocasião a Bulgária, Iugoslávia, Tchecoslováquia e Grécia. Foi membro da Comissão Nacional do Folclore e da Comissão Machado de Assis.

A preocupação pela língua portuguesa, a paixão pelas palavras levou-o à imensa tarefa de elaborar o próprio dicionário, e esse trabalho lexicográfico ocupou-o durante muitos anos. Finalmente, em 1975, saiu o Novo dicionário da língua portuguesa, conhecido por todos como o dicionário Aurélio. Desde a sua publicação, Mestre Aurélio atendeu a muitos convites, no Brasil inteiro, para falar do Dicionário e dos mistérios e sutilezas da língua portuguesa, que ele enriqueceu de tantos brasileirismos, fazendo do brasileiro comum um consulente de dicionário e um usuário consciente do seu idioma. Pronunciou numerosas conferências, sobre assuntos literários e lingüísticos, no México, Estados Unidos, Cuba, Guatemala e Venezuela.

Pertenceu à Associação Brasileira de Escritores, seção do Rio de Janeiro (1944-49). Era membro da Academia Brasileira de Filologia, do Pen Clube do Brasil, do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, da Academia Alagoana de Letras e da Hispanic Society of America.

Bibliografia
Obras:
Dois mundos, contos (1942);
Linguagem e estilo de Eça de Queirós, in Livro do centenário de Eça de Queirós (1945);
Mar de histórias (Antologia do conto mundial), em colaboração com Paulo Rónai, I vol. (1945); II vol. (1951); III vol. (1958); IV vol. (1963); V vol. (1981);
Contos gauchescos e lendas do sul, de Simões Lopes Neto. Edição crítica, com amplo estudo sobre a linguagem e o estilo do autor (1949);
O romance brasileiro (de 1752 a 1930);
Roteiro literário do Brasil e de Portugal (Antologia da língua portuguesa), em colaboração com Álvaro Lins (1956);
Território lírico, ensaios (1958);
Enriqueça o seu vocabulário, filologia (1958);
Vocabulário ortográfico brasileiro (1969);
O chapéu de meu pai, edição revista e reduzida de Dois mundos (1974);
Novo dicionário da língua portuguesa (1975);
Minidicionário da língua portuguesa (1977).

Fonte:
Academia Brasileira de Letras
Fotomontagem = José Feldman

Nélida Piñon (Colheita)

Aurea Antunes - pintura em acrílico (A Colheita)
Um rosto proibido desde que crescera. Dominava as paisagens no modo ativo de agrupar frutos e os comia nas sendas minúsculas das montanhas, e ainda pela alegria com que distribuía sementes. A cada terra a sua verdade de semente, ele se dizia sorrindo. Quando se fez homem encontrou a mulher, ela sorriu, era altiva como ele, embora seu silêncio fosse de ouro, olhava-o mais do que explicava a história do universo. Esta reserva mineral o encantava e por ela unicamente passou a dividir o mundo entre amor e seus objetos. Um amor que se fazia profundo a ponto de se dedicarem a escavações, refazerem cidades submersas em lava.

A aldeia rejeitava o proceder de quem habita terras raras. Pareciam os dois soldados de uma fronteira estrangeira, para se transitar por eles, além do cheiro da carne amorosa, exigiam eles passaporte, depoimentos ideológicos. Eles se preocupavam apenas com o fundo da terra, que é o nosso interior, ela também completou seu pensamento. Inspirava-lhes o sentimento a conspiração das raízes que a própria árvore, atraída pelo sol e exposta à terra, não podia alcançar, embora se soubesse nelas.

Até que ele decidiu partir. Competiam-lhe andanças, traçar as linhas finais de um mapa cuja composição havia se iniciado e ele sabia hesitante. Explicou à mulher que para a amar melhor não dispensava o mundo, a transgressão das leis, os distúrbios dos pássaros migratórios. Ao contrário, as criaturas lhe pareciam em suas peregrinações simples peças aladas cercando alturas raras.

Ela reagiu, confiava no choro. Apesar do rosto exibir naqueles dias uma beleza esplêndida a ponto de ele pensar estando o amor com ela por que buscá-lo em terras onde dificilmente o encontrarei, insistia na independência. Sempre os de sua raça adotaram comportamento de potro. Ainda que ele em especial dependesse dela para reparar certas omissões fatais.

Viveram juntos todas as horas disponíveis até a separação. Sua última frase foi simples: com você conheci o paraíso. A delicadeza comoveu a mulher, embora os diálogos do homem a inquietassem. A partir desta data trancou-se dentro de casa. Como os caramujos que se ressentem com o excesso da claridade. Compreendendo que talvez devesse preservar a vida de modo mais intenso, para quando ele voltasse. Em nenhum momento deixava de alimentar a fé, fornecer porções diárias de carpas oriundas de águas orientais ao seu amor exagerado.

Em toda a aldeia a atitude do homem representou uma rebelião a se temer. Seu nome procuravam banir de qualquer conversa. Esforçavam-se em demolir o rosto livre e sempre que passavam pela casa da mulher faziam de conta que jamais ela pertencera a ele. Enviavam-lhe presentes, pedaços de toicinho, cestas de pêra, e poesias esparsas. Para que ela interpretasse através daqueles recursos o quanto a consideravam disponível, sem marca de boi e as iniciais do homem em sua pele.

A mulher raramente admitia uma presença em sua casa. Os presentes entravam pela janela da frente, sempre aberta para que o sol testemunhasse a sua própria vida, mas abandonavam a casa pela porta dos fundos, todos aparentemente intocáveis. A aldeia ia lá para inspecionar os objetos que de algum modo a presenciaram e eles não, pois dificilmente aceitavam a rigidez dos costumes. Às vezes ela se socorria de um parente, para as compras indispensáveis. Deixavam eles então os pedidos aos seus pés, e na rápida passagem pelo interior da casa procuravam a tudo investigar. De certo modo ela consentia para que vissem o homem ainda imperar nas coisas sagradas daquela casa.

Jamais faltou uma flor diariamente renovada próxima ao retrato do homem. Seu semblante de águia. Mas, com o tempo, além de mudar a cor do vestido, antes triste agora sempre vermelho, e alterar o penteado, pois decidira manter os cabelos curtos, aparados rentes à cabeça — decidiu por eliminar o retrato. Não foi fácil a decisão. Durante dias rondava o retrato, sondou os olhos obscuros do homem, ora o condenava, ora o absolvia: porque você precisou da sua rebeldia, eu vivo só, não sei se a guerra tragou você, não sei sequer se devo comemorar sua morte com o sacrifício da minha vida.

Durante a noite, confiando nas sombras, retirou o retrato e o jogou rudemente sobre o armário. Pôde descansar após a atitude assumida. Acreditou deste modo poder provar aos inimigos que ele habitava seu corpo independente da homenagem. Talvez tivesse murmurado a algum dos parentes, entre descuidada e oprimida, que o destino da mulher era olhar o mundo e sonhar com o rei da terra.

Recordava a fala do homem em seus momentos de tensão. Seu rosto então igualava-se à pedra, vigoroso, uma saliência em que se inscreveria uma sentença, para permanecer. Não sabia quem entre os dois era mais sensível à violência. Ele que se havia ido, ela que tivera que ficar. Só com os anos foi compreendendo que se ele ainda vivia tardava a regressar. Mas, se morrera, ela dependia de algum sinal para providenciar seu fim. E repetia temerosa e exaltada: algum sinal para providenciar meu fim. A morte era uma vertente exagerada, pensou ela olhando o pálido brilho das unhas, as cortinas limpas, e começou a sentir que unicamente conservando a vida homenagearia aquele amor mais pungente que búfalo, carne final da sua espécie, embora tivesse conhecido a coroa quando das planícies.

Quando já se tornava penoso em excesso conservar-se dentro dos limites da casa, pois começara a agitar nela uma determinação de amar apenas as coisas venerandas, fossem pó, aranha, tapete rasgado, panela sem cabo, como que adivinhando ele chegou. A aldeia viu o modo de ele bater na porta com a certeza de se avizinhar ao paraíso. Bateu três vezes, ela não respondeu. Mais três e ela, como que tangida à reclusão, não admitia estranhos. Ele ainda herói bateu algumas vezes mais, até que gritou seu nome, sou eu, então não vê, então não sente, ou já não vive mais, serei eu logo o único a cumprir a promessa?

Ela sabia agora que era ele. Não consultou o coração para agitar-se, melhor viver a sua paixão. Abriu a porta e fez da madeira seu escudo. Ele imaginou que escarneciam da sua volta, não restava alegria em quem o recebia. Ainda apurou a verdade: se não for você, nem preciso entrar. Talvez tivesse esquecido que ele mesmo manifestara um dia que seu regresso jamais seria comemorado, odiaria o povo abundante na rua vendo o silêncio dos dois após tanto castigo.

Ela assinalou na madeira a sua resposta. E ele achou que devia surpreendê-la segundo o seu gosto. Fingia a mulher não perceber seu ingresso casa adentro, mais velho sim, a poeira colorindo original as suas vestes. Olharam-se como se ausculta a intrepidez do cristal, seus veios limpos, a calma de perder-se na transparência. Agarrou a mão da mulher, assegurava-se de que seus olhos, apesar do pecado das modificações, ainda o enxergavam com o antigo amor, agora mais provado.

Disse-lhe: voltei. Também poderia ter dito: já não te quero mais. Confiava na mulher; ela saberia organizar as palavras expressas com descuido. Nem a verdade, ou sua imagem contrária, denunciaria seu hino interior. Deveria ser como se ambos conduzindo o amor jamais o tivessem interrompido.

Ela o beijou também com cuidado. Não procurou sua boca e ele se deixou comovido. Quis somente sua testa, alisou-lhe os cabelos. Fez-lhe ver o seu sofrimento, fora tão difícil que nem seu retrato pôde suportar. Onde estive então nesta casa, perguntou ele, procure e em achando haveremos de conversar. O homem se sentiu atingido por tais palavras. Mas as peregrinações lhe haviam ensinado que mesmo para dentro de casa se trazem os desafios.

Debaixo do sofá, da mesa, sobre a cama, entre os lençóis, mesmo no galinheiro, ele procurou, sempre prosseguindo, quase lhe perguntava: estou quente ou frio. A mulher não seguia suas buscas, agasalhada em um longo casaco de lã, agora descascava batatas imitando as mulheres que encontram alegria neste engenho. Esta disposição da mulher como que o confortava. Em vez de conversarem, quando tinham tanto a se dizer, sem querer eles haviam começado a brigar. E procurando ele pensava onde teria estado quando ali não estava, ao menos visivelmente pela casa.

Quase desistindo encontrou o retrato sobre o armário, o vidro da moldura todo quebrado. Ela tivera o cuidado de esconder seu rosto entre cacos de vidro, quem sabe tormentas e outras feridas mais. Ela o trouxe pela mão até a cozinha. Ele não se queria deixar ir. Então, o que queres fazer aqui? Ele respondeu: quero a mulher. Ela consentiu. Depois porém ela falou: agora me siga até a cozinha.

— O que há na cozinha?

Deixou-o sentado na cadeira. Fez a comida, se alimentaram em silêncio. Depois limpou o chão, lavou os pratos, fez a cama recém-desarrumada, tirou o pó da casa, abriu todas as janelas quase sempre fechadas naqueles anos de sua ausência. Procedia como se ele ainda não tivesse chegado, ou como se jamais houvesse abandonado a casa, mas se faziam preparativos sim de festa. Vamos nos falar ao menos agora que eu preciso?, ele disse.

— Tenho tanto a lhe contar. Percorri o mundo, a terra, sabe, e além do mais...

Eu sei, ela foi dizendo depressa, não consentindo que ele dissertasse sobre a variedade da fauna, ou assegurasse a ela que os rincões distantes ainda que apresentem certas particularidades de algum modo são próximos a nossa terra, de onde você nunca se afastou porque você jamais pretendeu a liberdade como eu. Não deixando que lhe contasse, sim que as mulheres, embora louras, pálidas, morenas e de pele de trigo, não ostentavam seu cheiro, a ela, ele a identificaria mesmo de olhos fechados. Não deixando que ela soubesse das suas campanhas: andou a cavalo, trem, veleiro, mesmo helicóptero, a terra era menor do que supunha, visitara a prisão, razão de ter assimilado uma rara concentração de vida que em nenhuma parte senão ali jamais encontrou, pois todos os que ali estavam não tinham outro modo de ser senão atingindo diariamente a expiação.

E ela, não deixando ele contar o que fora o registro da sua vida, ia substituindo com palavras dela então o que ela havia sim vivido. E de tal modo falava como se ela é que houvesse abandonado a aldeia, feito campanhas abolicionistas, inaugurado pontes, vencido domínios marítimos, conhecido mulheres e homens, e entre eles se perdendo pois quem sabe não seria de sua vocação reconhecer pelo amor as criaturas. Só que ela falando dispensava semelhantes assuntos, sua riqueza era enumerar com volúpia os afazeres diários a que estivera confinada desde a sua partida, como limpava a casa, ou inventara um prato talvez de origem dinamarquesa, e o cobriu de verdura, diante dele fingia-se coelho, logo assumindo o estado que lhe trazia graça, alimentava-se com a mão e sentia-se mulher; como também simulava escrever cartas jamais enviadas pois ignorava onde encontrá-lo; o quanto fora penoso decidir-se sobre o destino a dar a seu retrato, pois, ainda que praticasse a violência contra ele, não podia esquecer que o homem sempre estaria presente; seu modo de descascar frutas, tecendo delicadas combinações de desenho sobre a casca, ora pondo em relevo um trecho maior da polpa, ora deixando o fruto revestido apenas de rápidos fiapos de pele; e ainda a solução encontrada para se alimentar sem deixar a fazenda em que sua casa se convertera, cuidara então em admitir unicamente os de seu sangue sob condição da rápida permanência, o tempo suficiente para que eles vissem que apesar da distância do homem ela tudo fazia para homenageá-lo, alguns da aldeia porém, que ele soubesse agora, teimaram em lhe fazer regalos, que, se antes a irritavam, terminaram por agradá-la.

— De outro modo, como vingar-me deles?

Recolhia os donativos, mesmo os poemas, e deixava as coisas permanecerem sobre a mesa por breves instantes, como se assim se comunicasse com a vida. Mas, logo que todas as reservas do mundo que ela pensava existirem nos objetos se esgotavam, ela os atirava à porta dos fundos. Confiava que eles próprios recolhessem o material para não deteriorar em sua porta.

E tanto ela ia relatando os longos anos de sua espera, um cotidiano que em sua boca alcançava vigor, que temia ele interromper um só momento o que ela projetava dentro da casa como se cuspisse pérolas, cachorros miniaturas, e uma grama viçosa, mesmo a pretexto de viver junto com ela as coisas que ele havia vivido sozinho. Pois quanto mais ela adensava a narrativa, mais ele sentia que além de a ter ferido com o seu profundo conhecimento da terra, o seu profundo conhecimento da terra afinal não significava nada. Ela era mais capaz do que ele de atingir a intensidade, e muito mais sensível porque viveu entre grades, mais voluntariosa por ter resistido com bravura os galanteios. A fé que ele com neutralidade dispensara ao mundo a ponto de ser incapaz de recolher de volta para seu corpo o que deixara tombar indolente, ela soubera fazer crescer, e concentrara no domínio da sua vida as suas razões mais intensas.

À medida que as virtudes da mulher o sufocavam, as suas vitórias e experiências iam-se transformando em uma massa confusa, desorientada, já não sabendo ele o que fazer dela. Duvidava mesmo se havia partido, se não teria ficado todos estes anos a apenas alguns quilômetros dali, em degredo como ela, mas sem igual poder narrativo.

Seguramente ele não lhe apresentava a mesma dignidade, sequer soubera conquistar seu quinhão na terra. Nada fizera senão andar e pensar que aprendeu verdades diante das quais a mulher haveria de capitular. No entanto, ela confessando a jornada dos legumes, a confecção misteriosa de uma sopa, selava sobre ele um penoso silêncio. A vergonha de ter composto uma falsa história o abatia. Sem dúvida estivera ali com a mulher todo o tempo, jamais abandonara a casa, a aldeia, o torpor a que o destinaram desde o nascimento, e cujos limites ele altivo pensou ter rompido.

Ela não cessava de se apoderar das palavras, pela primeira vez em tanto tempo explicava sua vida, tinha prazer de recolher no ventre, como um tumor que coça as paredes íntimas, o som da sua voz. E, enquanto ouvia a mulher, devagar ele foi rasgando o seu retrato, sem ela o impedir, implorasse não, esta é a minha mais fecunda lembrança. Comprazia-se com a nova paixão, o mundo antes obscurecido que ela descobriu ao retorno do homem.

Ele jogou o retrato picado no lixo e seu gesto não sofreu ainda desta vez advertência. Os atos favoreciam a claridade e, para não esgotar as tarefas a que pretendia dedicar-se, ele foi arrumando a casa, passou pano molhado nos armários, fingindo ouvi-Ia ia esquecendo a terra no arrebato da limpeza. E, quando a cozinha se apresentou imaculada, ele recomeçou tudo de novo, então descascando frutas para a compota enquanto ela lhe fornecia histórias indispensáveis ao mundo que precisaria apreender uma vez que a ele pretendia dedicar-se para sempre. Mas de tal modo agora arrebatava-se que parecia distraído, como pudesse dispensar as palavras encantadas da mulher para adotar afinal o seu universo.

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