domingo, 25 de abril de 2010

Durval Mendonça (Trovas que eu Dou à Vida !) Parte III


IN MEMORIAM a Renato Vieira. da Silva
Vai, Poeta, deslumbrado,
tu que soubeste entendê-las,
buscar no céu constelado
tua coroa de estrelas!

Exausta de solidões
de um céu escuro e vazio,
a lua busca emoções
no leito alegre do rio.

Quando, amorosas, nos pisam,
em sublime ditadura,
as mulheres escravizam
com desumana ternura.

Essa ternura em teus lábios,
quando me beijas, querida,
faz-me esquecer os ressábios
dos lábios frios da vida.

Chopin!... A tarde morrendo...
Prelúdios tristes, sombrios,
como lágrimas correndo
daqueles dedos esguios...

Rosas rubras, amarelas,
rosas de todo matiz,
não sois, por certo, mais belas
do que a Rosa que me quis.

Na estrada de Samaria,
por um gesto de bondade,
um homem bom construía
a própria imortalidade.

Nossa estória - grande anseio
de coisas inatingidas;
romance deixado a meio
no meio de duas vidas...

Vai a lua em serenata
pela noite andando ao léu,
triste boêmia, de prata,
pelas esquinas do céu.

O nome - por que dizê-lo?
da mulher, hoje esquecida.
Foi sonho... Foi pesadelo?
Ou, talvez, a própria vida?

Dois destinos paralelos,
na trilha de um só desejo,
são duas linhas de anelos
que se tocam pelo beijo.

Pelada, aos gritos, na rua...
Vidraça que se estilhaça...
"A minha, não, é a tua!"
E depois... a infância passa.

Pelo terror que a sublima,
pela incerteza que lança,
vejo a Rosa de Hiroshima
como a Rosa da Esperança...

Sentadinha aí defronte,
professorinha, conduzes
para as luzes do horizonte
meu horizonte sem luzes.

Com humildade e paciência,
como juncos eu me inclino
para abrandar a inclemência
dos vendavais do destino.

Quando uma lágrima desce
dos teus olhinhos levados,
Deus, no céu, sorrindo esquece
de castigar-te os pecados.

Sertanejo amargurado,
teu triste olhar me comove,
quando te vejo ajoelhado
pedindo chuva e não chove.

Teu amor - minha utopia ...
Esfinge dos meus fracassos ...
Pedaço de fantasia,
que se desfaz em pedaços.

Maroto, o sol se deleita
sobre o mar lá no horizonte:
um olho rubro que espreita
a praia nua defronte.

Em meu caminho sem luz,
sem pousada, sem roteiro,
eu não carrego uma cruz,
eu sofro um calvário inteiro.

Bateram, fui ver. À toa...
Ninguém bateu... Ilusão!
Deve ter sido a garoa
fugindo da solidão.

A lágrima, companheiro,
que reflete minha mágoa,
parece mais um braseiro
que uma simples gota dágua.

Alta noite... Um sino plange...
No espaço, a lua silente
traz a arrogância do alfange
no lirismo do crescente.

Quando meus sonhos dispersos
o luar envolve e conduz,
eu me ponho a fazer versos
bebendo taças de luz...

De mãos dadas, lentamente,
vamos indo, aí, à toa...
Garoa molhando a gente...
Que bem me importa a garoa!...

Ah, como são transitórias
minhas raras alegrias!
Elas me vêm de vitórias
num mundo de fantasias.

Às vezes, a conjuntura
faz covardes destemidos.
Eu já vi muita bravura
por privação de sentidos.

As vitórias que eu consigo
neste mundo de ilusões
vêm, por certo, dos perigos
que transponho aos trambolhões

Desprezando minhas queixas,
passando de andar felino,
deixas no rastro que deixas
o rastro do meu destino.

Um burro, ao filho imprudente,
ajuda, num bom conselho:
- Olha, filho, muita gente
não te serve como espelho...

Como é belo, à luz mortiça
do dia, quando desmaia,
ver o mar, que se espreguiça,
rolando, em ondas na praia

Vale de lágrimas, eis
o mundo que nos foi dado...
Tantas regras, tantas leis,
e... cada vez mais errado!

Destino, que a gente inculpa
e nos livra de embaraços,
em ti jogamos a culpa
dos nossos próprios fracassos.

Teu beijo tem tal ternura
e tal calor aparenta,
que sua temperatura
deve andar pelos quarenta.

Engraçado, mas profundo,
não sei se já percebeste:
hoje, as almas do outro mundo
têm medo das almas deste.

Este sorriso em meu rosto
é, por estranha ironia,
mais filho do meu desgosto
do que de minha alegria.

A gente vê a poesia
mais natural e mais pura,
quando a rês, lambendo a cria,
dá-lhe um banho de ternura.

Chuva que empoça no chão
e depois, em mudo anseio,
mostrando ter coração,
reflete o céu de onde veio.

Chica da Silva amorosa,
crioula terna e gentil,
canela tingindo a rosa
numa florada de abril!

Maria gosta de beijo
e diz que sente vergonha.
Maria, pelo que vejo,
tem é medo da cegonha.

0 meu barraco é tão pobre,
que a verdade, nua e crua,
é que meu corpo se cobre
com o manto branco da lua.

Sempre justa e compassiva,
sua vida foi tão breve...
Quando Mamãe era viva,
minha cruz era mais leve.

Garoa - tédio que desce
maçante, fina sem dó...
De tão miúda, parece
que é chuva desfeita em pó...

Quando uma lágrima aflora
em teus olhos muito azuis,
vejo a beleza da aurora
nessa gotinha de luz.

Chico-Rei, tua ternura
por teus irmãos de senzala,
a História, mística e pura,
fez justiça em exaltá-la.

Pela vida a gente avança,
não vamos sós, na verdade;
a nosso lado a esperança
vai arrastando a saudade.

Este amor que me ofertaste
e, comovido, eu aceito
é pedra de luz no engaste
da jóia que tens no peito.

Teu beijo é o determinismo
de milênios num segundo;
sensação rósea de abismo...
e o paraíso no fundo.

Hoje, triste, no meu canto,
revejo minhas memórias
e surpreende- me este pranto,
banhando antigas vitórias.

Se eu pudesse a meu destino,
dar um destino a meu jeito,
o meu mundo de menino
jamais seria desfeito.

Penetrantes, importunos,
belos no verde invulgar,
tens olhos são dois gatunos
das esmeraldas do mar.

Por que minutos felizes,
inconsequente, me furtas,
quando tu mesma me dizes
que as horas boas são curtas?

Saudade, mágoa feliz
que vive em nossa lembrança;
tristeza que se bendiz,
quando se tem esperança.

A vida tem seus volteios:
ora sobe, ora é descida
e arrasta nos seus rodeios
os sem-destino da vida.

Na incerteza dos caminhos,
eu, de revés em revés,
vou arrancando os espinhos
que vão ferindo meus pés.

Em nossa casa singela
do meu tempo de criança,
minha mãe vinha à janela
esperar sua esperança.

Fonte:
– UBT Juiz de Fora

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