domingo, 4 de dezembro de 2011

Emílio Moura (Poemas Escolhidos)


INTERROGAÇÃO

Sozinho, sozinho, perdido na bruma.
Há vozes aflitas que sobem, que sobem.
Mas, sob a rajada ainda há barcos com velas
e há faróis que ninguém sabe de que terras são.

- Senhor, são os remos ou são as ondas o que dirige o meu barco?
Eu tenho as mãos cansadas
e o barco voa dentro da noite.

LIBERTAÇÃO

Sou um poeta quase místico:
A vida é bela quando é um êxtase.

Ah! não ter um pensamento, um só pensamento no cérebro,
não vigiar a vida, a vida inquieta, a vida múltipla da sensibilidade,
mas vivê-la, de olhos cerrados, num silêncio cheio de ritmos;
não ouvir as palavras frias que mudam o destino,
ou que o fazem semelhante a um autômato;
e saber a toda hora,
saber sempre
que a vida é bela quando é um êxtase.

MISTICISMO

O céu lindo da vila pobre!
E a igreja pequenina, que se espicha toda na torre,
com vontade de ver o céu.

E o céu tão alto, e o céu tão alto!

TOADA DOS QUE NÃO PODEM AMAR

Os que não podem amar
estão cantando.
A luz é tão pouca, o ar é tão raro
que ninguém sabe como ainda vivem.
Os que não podem amar
estão cantando,
estão cantando
e morrendo.

Ninguém ouve o canto que soluça
por detrás das grades.

AQUI TERMINA O CAMINHO

Os sinos cantando, as sombras todas se diluindo
dentro da tarde. Dentro da tarde, o teu grave pensamento de exílio.

Por que ainda esperas? Aqui termina o caminho,
aqui morre a voz, e não há mais eco nem nada.

Por que não esquecer, agora, as imagens que tanto nos perturbaram
e que inutilmente nos conduziram
para nos deixar, de súbito, na primeira esquina?
Essa voz que vem, não sei de onde,
esses olhos que olham, não sei o quê,
esses braços que se estendem, não sei para onde...

Debalde esperarás que o oco de teus passos acorde os espaços que já não têm voz.
As almas já desertaram daqui.
E nenhum milagre te espera,
nenhum.

TRÊS CAMINHOS

Percorri tantos caminhos,
tantos caminhos andei.
O primeiro era de nácar,
de rosa pura o segundo.
O terceiro era de nuvem,
no terceiro te encontrei.
O primeiro já trazia
teu nome brilhando no ar.
Não era nome de terra:
cantava coisas do mar.
Logo senti que o segundo
já era estrada de encantar.
Mas o terceiro, o terceiro
quantas voltas não foi dar!
Deixou meu corpo na terra,
meu coração no alto-mar.
Virou vento, virou bruma,
perdeu-se, rápido, no ar.

COMO A NOITE DESCESSE...


Como a noite descesse e eu me sentisse só,
só e desesperado diante dos horizontes que se fechavam
gritei alto, bem alto: ó doce e incorruptível Aurora! e vi logo
só as estrelas é que me entenderiam.

Era preciso esperar que o próprio passado desaparecesse,
ou então voltar à infância.
Onde, entretanto, quem me dissesse
ao coração trêmulo:
- É por aqui!

Onde, entretanto, quem me dissesse
ao espírito cego:
- Renasceste: liberta-te!

Se eu estava só, só e desesperado,
por que gritar tão alto?
Por que não dizer baixinho, como quem reza:
- Ó doce e incorruptível Aurora...

se só as estrelas é que me entenderiam?

TOADA

Minha infância está presente.
É como se fora alguém.
Tudo o que dói nesta noite,
eu sei, é dela que vem.

CANÇÃO

Não quero ver esta rosa,
nem saber por que floriu.
A cor mais bela do Arco-Íris
foi a cor que ninguém viu.

Não quero ouvir este canto,
nem saber de seu sentido.
Quem é que me conta
o que foi perdido?

LAMENTO EM VOZ BAIXA


A vida que não tive
morre em mim até hoje.
Chega, límpida, pura,
sorri, pálida, foge.

A vida que não tive
salta, viva, de tudo.
Se me sorri nos olhos,
com que ilusão me iludo.

A vida que não tive
é o que há de mim em mim,
chama, orvalho, segredo
do nunca de onde vim.

CALMARIA

Água estagnada,
nuvem parada,
folha perdida,
pássaro de asa
partida.

- Ó vento que morreis,
de leve, de leve,
despertai!

Luz que se apaga,
sombra diluída,
névoa que vaga,
voz que se cala,
ferida.

- Ó vento que adormeceis,
de manso, de manso,
gritai, gritai!

Tímida esperança,
pálido desejo:
a tarde tão mansa,
tão lânguida a noite
que vem.

Ó alma náufraga,
como tudo o mais:
desesperai!

CANÇÃO


Viver não dói. O que dói
é a vida que se não vive.
Tanto mais bela sonhada,
quanto mais triste perdida.

Viver não dói. O que dói
é o tempo, essa força onírica
em que se criam os mitos
que o próprio tempo devora.

Viver não dói. O que dói
é essa estranha lucidez,
misto de fome e de sede
com que tudo devoramos.

Viver não dói. O que dói,
ferindo fundo, ferindo,
é a distância infinita
entre a vida que se pensa
e o pensamento vivido.

Que tudo o mais é perdido.

POEMA

De repente volta
o que nem sei se foi
sonhado ou vivido.
Que apelo me chega
desta voz que emerge
de tão fundas águas?
Alguém esquecido
no fundo dos tempos?
Meu anjo vencido?
Meu duplo secreto?
Que apelo indizível
me chama, me grita
que esqueça, que durma,
ou me divida em tantos
que nenhum seja eu?

Nem eu, nem ninguém.

CONDIÇÃO HUMANA

Como captar da vida
o que rápido, foge
entre dúvidas? Como
reter o que, mal surge,
já se desfaz: é sombra,
algo vago, já neutro,
réstia pálida, eco
de nada, de ninguém?
Um minuto se esboça,
rútilo se sonha,
ardente se anuncia.
Onde? Quando? Quem sabe?
Sempre se sabe tarde,
sem mais onde, nem quando.

À BOCA DA NOITE

Não olhes: é a noite
completa que tomba.

Não olhes: é a estrada
que, súbito, acaba.

Não olhes: é o anjo,
teu anjo que chora.

Não olhes.

SONETO A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

A hora madura envolve-te e palpita
nela o que ora te oferta, ora recusa:
posse do que és, na solidão recôndita,
graça de amar, ressurreição dos mitos.

Claros enigmas riscam céus distantes.
Falam-te as coisas pela voz que é o próprio
sentimento do mundo e pela meiga
sombra gentil que ressuscita a infância.

Ouço-te andar nas lajes desta rua,
que nem sei se é de Minas ou de alguma
pátria remota que ao teu canto se abre.

E amo-te a voz multiplicada em ecos:
verbo dócil à força íntima e pura
que à máquina do mundo se incorpora.

Fontes:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/goias/emilio_moura.html
http://emiliomoura.br.tripod.com/poemas.htm

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