terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Manoel Barros (Poemas Rupestres) Parte VI


Terceira Parte

CARNAVAL



ENUNCIADO

Agora não posso mais priscar na areia quente
que nem os lambaris que escaparam do anzol.
Não posso mais correr nas chuvas na moda que
os bezerros correm.
Nem posso mais dar saltos-mortais nos ventos.
Agora
Eu passo as minhas horas a brincar com palavras.
Brinco de carnaval.
Hoje amarrei no rosto das palavras minha máscara.
Faço o que posso.

Neste poema, aparecem os indícios da idade ou das circunstâncias em que se encontra o poeta. Não mais se sente livre para realizar o enunciado proposto no poema. Para ele somente o enunciado é possível para a vida, propriamente quanto se exige a agilidade de um infante.

Porém não deixa de ‘brincar'; mais precisamente ‘brinca' com as palavras. O “priscar dos lambaris, a corrida alegre dos bezerros na chuva e os saltos-mortais nos ventos” existiram sempre como as brincadeiras mais inocentes, apropriadas e eternas com que os infantes inventam a vida.

Ao se declarar nas ‘brincadeiras' de hoje, escolhe como objeto de suas peraltices as palavras e se proclama um ‘folião' no carnaval das palavras. Esse horizonte assumido pelo poeta indica a trajetória de sua ludicidade e inventividade da vida mediante as palavras.

Palavras e Carnaval

Palavras levadas a sério em seu extremo poder de significar tornam-se o meio e a possibilidade de interconexão capaz de puxar e constranger o poeta em seu afazer. Delas ele depende, mas delas também ele se torna um servo que se posiciona perante a vida a partir delas. Praticamente, sem as palavras ele não subsiste enquanto tal. Substitui a vida de imersão na natureza pelas relações lúdicas com as palavras. Então ele proclama:

- “Brinco de carnaval” – assim a festa se organiza e qualquer palavra pode assumir o personagem da máscara. Nesse mundo de ‘faz de conta' o processo carnavalesco procede com seriedade. As máscaras exigem seriedade e competência para não cair no grotesco. Parece uma nova relação com as palavras.

- Neste processo – e aí se insere o título do poema ENUNCIADO – aparece uma nova relação do poeta com as palavras; não mais está alucinado pela alma da palavra, por sua raiz ou por sua fonte original capaz de significar. Ao contrário neste carnaval coloca máscaras nas palavras para que elas assumam novos significados. É um outro processo. Meio pesaroso confessa:

- “Faço o que posso” – De fato, parece que a luta para se atingir o âmago das palavras exige sempre muita energia e dedicação por parte do poeta; agora ele prefere colocar máscaras...

Dessa forma é que se entende esse título: ENUNCIADO. Uma tentativa de poema que proclama as palavras que significam nos versos. Há um pesar ao admitir essa nova postura no poeta. Porém, o poema está em consonância com o título da terceira parte do livro: "CARNAVAL". No carnaval o que vale são as máscaras embora seja tudo muito efêmero.


O MURO

O menino contou que o muro da casa dele era
da altura de duas andorinhas.
(Havia um pomar do outro lado do muro.)
Mas o que intrigava mais a nossa atenção
principal
Era a altura do muro
Que seria de duas andorinhas.
Depois o garoto explicou:
Se o muro tivesse dois metros de altura
qualquer ladrão pulava
Mas a altura de duas andorinhas nenhum ladrão
pulava.
Isso era.

O poeta brinca com as palavras em estado de infância.

A afirmação central do poema que dá suporte para todos os versos é: “O muro da casa dele era da altura de duas andorinhas.”

A maior lucidez do menino atrai as palavras mais simples para inaugurar um mundo diferente e original da criança. Os argumentos de criança são concernentes com a fantasia. O fantástico se imiscui com o real no mundo do infante. Assim a unidade de medida “uma ou duas andorinhas” é o suporte fantástico para explicar a preocupação da criança: “Mas a altura de duas andorinhas nenhum ladrão pulava.”

O poema condiz com o conjunto dos outros poemas. Nesse poema, o poeta brinca, na pessoa do infante, como se faz no carnaval. Apesar de ser efêmero é consistente no mundo do infante, ou com ‘um muro com a medida de duas andorinhas' não seria tão fácil para qualquer ladrão pulá-lo para chegar até o pomar de seu quintal. Fantástico, mas consistente.

LÍNGUA

A seca foi braba naquele ano.
O pai falou: Lá evém uma língua de fogo
do lado da Bolívia
e vai lamber todo o pasto.
O menino assustou: Língua de fogo?
O pai explicou ao menino que se tratava
de imagem.
Língua de fogo é apenas uma imagem.
Mas, pela dúvida, o menino retirou seu
cachorro da imagem.

O poema se mostra jocoso ao brincar com a imagem e expressão “Língua de Fogo”. Também incluiu neste lúdico jogo de interpretação a ação crível e precavida do menino que retira o seu querido cão da imagem depois de saber de seu pai que a ‘língua de fogo que vinha da Bolívia iria destruir todo o pasto.'

Moral da história: sempre é bom tirar o cachorro da imagem quando o amor é muito e o conhecimento insuficiente.

Ou de como se faz um poema a partir de uma imagem ou de uma palavra.

Fonte:
Portal das Letras - Pe. Afonso de Castro
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/p/poemas_rupestres

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