quinta-feira, 7 de abril de 2011

Paulo Leminski (O Resto Imortal)


Queria não morrer de todo. Não o meu melhor. Que o melhor de mim ficasse, já que sobre o além sou todo dúvida. Queria deixar aqui neste planeta não apenas um testemunho da minha passagem, pirâmide, obelisco, verbetes numa obscura enciclopédia, campos onde não crescem mais capim.

Queria deixar meu processo de pensamento, minha máquina de pensar, a máquina que processa meu pensamento, meu pensar transformado em máquina objetiva, fora de mim, sobrevivendo a mim.

Durante muito tempo, cultivei esse sonho desesperado.

Um dia, intui. Essa máquina era possível.

Tinha que ser um livro.

Tinha que ser um texto. Um texto que não fosse apenas, como os demais, um texto pensado. Eu precisava de um texto pensante. Um texto que tivesse memória, produzisse imagens, raciocinasse.

Sobretudo, um texto que sentisse como eu.

Ao partir, eu deixaria esse texto como um astronauta solitário deixa um relógio na superfície de um planeta deserto.

Claro que eu poderia ter escolhido um ser humano para ser essa máquina que pensasse como eu penso. Bastava conseguir um aluno. Mas pessoas não são previsíveis. Um texto é.

A impressão do meu processo de pensamento não poderia estar na escolha das palavras nem no rol dos eventos narrados. Teria que estar inscrito no próprio movimento do texto, nos fluxos da sua dinâmica, traduzido para o jogo de suas manhas e marés.

Um texto assim não poderia ser fabricado nem forjado. Só poderia ser desejado. Ele mesmo escolheria, se quisesse, a hora de seu advento.

Tudo o que eu poderia fazer nessa direção era estar atento a todos os impulsos, mesmo os mais cegos, nunca sabendo se o texto estava vindo ou não.

Era óbvio, um texto assim teria, no mínimo, que levar uma vida humana inteira. Na melhor das hipóteses.

Uma questão colocou-se desde o início. A tensão da espera de um tal texto poderia ser o maior obstáculo para seu surgimento. Quanto a isto, não havia solução. A questão teria que ser vivida em nível de enigma e conflito, sigilo e dissimulação.

Evidentemente que o texto que resultasse desse estado deveria, por força, reproduzí-lo em sua essencial perplexidade. A máquina-texto que surgisse não seria um todo harmonioso, já que a harmonia só convém às coisas mortas. O que eu pretendia era uma coisa viva, uma vida que me sobrevivesse. E a vida é contraditória.

Não sei mais de esse texto virá. Ou se já veio.

Tudo o que quero é que, se vier, se lembre de mim tanto quanto eu soube desejá-lo.

Fonte:
LEMINSKI, Paulo. Gozo Fabuloso. 2004.

Monteiro Lobato (Histórias de Tia Nastácia) V – O Pássaro Preto


Havia um homem que possuía um pássaro preto de muita estimação. Tinha também um filho muito reinador, que indo dar comida ao pássaro esqueceu a portinhola aberta. O pássaro fugiu e levou o menino no bico.

Longo tempo voou o pássaro com o menino no bico, até que chegou a um palácio maravilhoso. Lá soltou-o e mandou pôr a mesa para o almoço. Terminado o almoço entregou ao menino uma chave, dizendo ser a chave do primeiro dos sete quartos que davam para aquele salão. E foi-se embora voando.

O menino abriu o quarto e encontrou uma porção de cavalos, com os quais se divertiu grandemente, a ponto de esquecer de jantar.

No dia seguinte, antes de sair, o pássaro preto deu ao menino a chave do segundo quarto, onde havia uma porção de arreios. E assim o pássaro preto foi dando as chaves de todos os quartos até chegar ao quinto. O terceiro estava cheio de moças brancas; o quarto estava cheio de mulatinhas e o quinto estava cheio de espadas.

O menino cresceu naquele palácio, onde tinha tudo quanto desejava. O pássaro dizia sempre: "Seja bonzinho e obediente, que darei a você tudo quanto houver por aqui. Só não quero que abra as portas do sexto e do sétimo quartos. Se abri-las, perderá o que já tenho dado e não ganhará nada do que está prometido."

Mas o moço não resistiu à tentação, e um dia entrou no sexto quarto. Encontrou lá um lindo rio de prata. Enfiou o dedo e ficou com o dedo prateado. Como era agora? Para que o pássaro preto não visse o seu dedo prateado, amarrou-o com uma tira de pano.

O pássaro preto, porém, era bom adivinhador; ao ver aquele dedo amarrado, percebeu tudo.

— Já sei que abriu o sexto quarto — disse ele. — E o moço, com muito medo, confessou tudo: "Abri, sim, padrinho (ele tratava o pássaro de padrinho), mas espero que não me castigue."

— Desta vez perdoo, mas castigarei se abrir o sétimo quarto — disse o padrinho, entregando-lhe a chave e voando.

O moço resistiu quanto pôde, mas afinal abriu também o sétimo quarto, onde encontrou um rio de ouro. Molhou o dedo no ouro líquido e ficou com o dedo dourado. Teve de amarrá-lo com outra tira de pano.

O pássaro preto voltou e, percebendo tudo, disse:

— Como castigo da desobediência, vou mergulhar você nesses dois rios e botá-lo daqui para fora. — E mergulhou-o no rio de prata, depois no rio de ouro e por fim soltou-o fora do palácio. Mas de dó do afilhado lhe deu uma varinha de condão. -

O moço foi andando até dar num reino onde encontrou um negro velho de nome Gaforinha. Pintou a cara e comprou a roupa desse negro, para poder entrar na cidade sem que o povo percebesse que ele era dourado e prateado.

Mas uma princesa que estava à janela viu de longe a cena e foi dizer ao rei, seu pai, que queria casar-se com o mais esfarrapado negro velho que entrasse na cidade. O rei muito se assombrou com o desejo da filha, mas não teve remédio senão fazer-lhe a vontade. Mandou que pegassem o negro e o trouxessem ao palácio. Quando o negro soube que a princesa queria casar-se com ele, ficou também assombradíssimo, porque estava longe de supor que ela sabia de tudo.

Casaram-se e ele nem tinha coragem de deitar-se na cama da princesa; dormia no chão, numa tábua. Aquilo desgostou imensamente o rei, a ponto de fazê-lo cair doente, muito mal do coração. A família fez uma promessa a Nossa Senhora, que se o rei sarasse haveria uma grande festa. O médico veio e receitou como remédio três pássaros de pluma.

O negro soube de tudo, e soube também que os príncipes casados com as outras filhas do rei iam sair a cavalo pelo mundo em procura dos pássaros de pluma. Ele então pediu à varinha mágica que lhe desse um coche muito rico, um vestuário deslumbrante e três pássaros de pluma. Entrou no coche e lá se foi ao encontro dos genros do rei.

Assim que estes viram naquele coche os três pássaros, perguntaram ao viajante se eram mesmo pássaros de pluma e se os queria vender. O viajante respondeu que só cederia os pássaros se os moços se deixassem marcar na perna com um ferro em brasa. Eles consentiram. Foram marcados na perna e correram ao palácio do rei doente com os três pássaros de pluma. O rei comeu-os e sarou. Começaram as grandes festas.

A princesa casada com o negro foi para a igreja sozinha, mas o seu marido pediu à vara de condão que fizesse aparecer outro coche ainda mais lindo que o primeiro e outro vestuário deslumbrante — e entrando no coche foi no galope, de modo a chegar à igreja antes de sua mulher. Entrou no templo, onde todos se admiraram de tanta beleza. Mas quem mais se admirou foi sua própria esposa, que estava a mil léguas de imaginar que aquele fosse o seu marido negro. As irmãs casadas com os príncipes disseram-lhe: "Com um moço assim é que você devia ter-se casado, e não com um negro tão preto."

Na festa do dia seguinte o negro pediu à vara de condão que fizesse aparecer um coche ainda mais lindo e um vestuário ainda mais deslumbrante — e foi esperar a esposa na igreja, deixando-a terrivelmente impressionada com a sua beleza e a sua riqueza.

No terceiro dia, a mesma coisa: um coche ainda mais lindo e um vestuário que era um céu aberto. Depois das festas na igreja houve banquete no palácio — e o negro se apresentou no mesmo coche e nos mesmos trajes do dia em que cedeu os pássaros de pluma aos genros do rei.

Os príncipes ficaram muito espantados de ver ali aquele homem, e mais ainda quando o desconhecido declarou que não se sentava em mesa em que sentassem seus escravos.

— Que escravos? — perguntou o rei.

O moço apontou para os genros do rei dizendo que eram seus escravos, pois tinham as pernas marcadas com a mesma marca com que ele marcava os seus bois.

O rei examinou a perna dos moços e viu as marcas. Ao saberem disso, as princesas casadas com eles se atiraram pelas janelas; e os pobres príncipes fizeram o mesmo. E o rei ficou numa tal tristeza que morreu dias depois. E então o Gaforinha ficou dono de todo o reino.
––––––––––––––––––––-
— Esta história — disse dona Benta — foi recolhida pelo erudito Sílvio Romero, da boca do povo de Pernambuco. A gente percebe com muita clareza que é uma história truncada, bastante sem pé nem cabeça, como diz a Emília. Em geral as histórias encerram uma moralidade, uma lição qualquer — mas nesta não vemos nada disso. O fim até deixa a gente desapontada.

— Também acho — disse Emília. — Essa princesa que se casa com um negro velho, o pássaro preto que leva o menino no bico, aqueles quartos cheios, de cavalos um, de arreios outro, de moças brancas outro, de mulatinhas outro — e os últimos com os tais rios de prata e ouro, tudo isso não tem o menor propósito. E o castigo que o pássaro preto inventou? Então dar uma vara mágica a uma pessoa é castigar? Quem me dera ser castigada assim! Tudo bobagens de negra velha. Nessa história vejo uma fieira de negras velhas, cada qual mais boba que a outra — que vão passando a história para diante, cada vez mais atrapalhada.

— E os tais pássaros de pluma? — disse Narizinho. — Que é que entende você por pássaros de pluma, Nastácia?

— Não sei, menina — respondeu a preta. — A história eu ouvi assim e por isso conto assim. Pássaro de pluma é pássaro de pena, parece.

— E já viu pássaro que não seja de pena, sua tola? — disse Emília. — O que vale é que você mesma confessa não ter culpa das idiotices da história, senão eu cortava um pedaço desse beiço...

— Emília, respeite os mais velhos! — ralhou dona Benta.

— A senhora me perdoe — disse a pestinha — mas, cá para mim, isso de respeito nada tem com a idade. Eu respeito uma abelha de um mês de idade que me diga coisinhas sensatas — mas. se Matusalém vier para cima de mim com bobagens, pensa que não boto fogo na barba dele? Ora, se boto!...
–––––––––––
Continua… VI – A Raposinha
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Fonte: LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995. Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 178)


Uma Trova Nacional

Este olhar de poeta errante,
por pureza cristalina,
fez de mim a sua amante,
muito mais do que imagina.
–MIFORI/SP–

Uma Trova Potiguar

Morre a flor na flor da idade,
padece a planta de dor;
a ausência deixa saudade,
até na morte da flor!
–PROF. GARCIA/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - Bandeirantes/PR
Tema : ENCANTO; M/E.

Tais encantos tem a vida,
tais e tantas graças tem,
que me dói pensar na ida
para o céu antes dos cem!...
–A. A. DE ASSIS/PR–

...E Suas Trovas Ficaram

Eu ri na cara da vida,
zombei do que ela me deu;
hoje, eu vejo, ressentida,
que o seu palhaço fui eu!
–CARMEN OTTAIANO/SP–

Simplesmente Poesia

–ANTONIO M. A. SARDENBERG/RJ–
Sussurro

Meu grito cala num silêncio breve
E vem a febre a me arder em brasa.
A pluma desce em movimento leve
Livre e bem solta, pois não tem mais asa.

O laço prende a presa encurralada
E acuada na cerca sem saída.
O galo canta – é fim de madrugada –
O sol desponta, é hora da partida.

O vento assopra a copa do coqueiro,
Dentro do aceiro rompe a boiada,
Toca o berrante o velho vaqueiro
Na capoeira que margeia a estrada.

E tange o sino dentro do meu peito!
Vem a saudade a suspirar baixinho,
Sussurra o rio dentro do seu leito,
Lamenta a alma a falta de carinho.

Estrofe do Dia


Berra o bode no chiqueiro,
relincha longe o cavalo,
pia o pinto, canta o galo
ciscando pelo terreiro;
a vaca no tabuleiro
muge fazendo uma prece,
o candeeiro estremece,
chia o grilo na parede,
chora o menino na rede
e o dia não amanhece!
ANTONIO MARINHO/PB –

Soneto do Dia

–HUMBERTO RODRIGUES NETO/SP–
Ciúme

Passam-se as horas e afinal não vens
vestir de sol meu tenebral caminho;
só de pensar, em ânsias me espezinho,
que são de outro os teus secretos bens...

Sim, é de outro o teu fugaz carinho,
toda essa ardência que em teu corpo tens,
mas fazes dos meus sonhos teus reféns
pra me obrigares a te amar sozinho.

Irás ao baile, e nele em ti pressinto
os teus enfeites, teus sutis rebuços:
a echarpe, o brinco, o bracelete, o cinto...

Num leito frio caio então de bruços,
quando duas lágrimas no rosto sinto,
rolando mansas sobre os meus soluços!

Fonte:
Colaboração de Ademar Macedo

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Paulo Leminski (Céu embaixo)


17
Janelas, escancaradas janelas do 17º andar, aqui vou eu, aqui vai toda essa minha estúpida vontade de apagar a luz, única maneira decente de apagar a dor.

16
Décimo sexto andar. Até aqui, tudo bem. A temperatura está a 17 graus, o céu azul, e a lei da gravidade continua funcionando com o costumeiro rigor. Quem partiu, tem que chegar.

15
Ao passar pelo 15º andar, já não acho mais que quem partiu tem que. Está provado que é possível, em certos casos, partir sem chegar a. Nesses casos, se diz, houve empate. Eu não jogava pelo empate. Jogava pelo escândalo, vitória ou derrota. Foi vitória? Derrota? Tem gente que prefere abrir o gás. Tem quem se dedique à pesca submarina. Em nenhum desses casos, o fim é algo de último, a meta não é definitiva. Qual era o jogo dela? Fosse qual fosse, amigos, amigos, jogos à parte.

14
Só quem já caiu de um 1º andar pode imaginar o que senti quando. Quando foi mesmo? Será que foi? Ou foi um peso que tirei de cima de mim? Peso por peso, prefiro o meu, que, pelo menos, me leva para algum lugar.

13
Pronto. Treze é meu número de azar favorito. Tenho outros números de azar. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, por exemplo, essas coisas, enfim, que atravessam as réguas de cálculo. De todos, 13 é o meu predileto. Que foi que fiz para merecer cair até o 13º andar, donde se descortina um relance do Atlântico? Quem sabe eu não devia ter, vocês sabem. Vai ver, aquela nuvem lá longe não passa de um eco de um pensamento meu. A raiva é sábia.

12
Alguma coisa não pára de me dizer, não devia ter vindo. Eu sabia que a comida era péssima, o atendimento sempre ficava a desejar. Mas, depois de vindo, como desvir? O 12º é sempre o mais filosófico. Aquele onde o ato de pensar fica mais ridiculamente genérico. Cair não é genérico. Cair é a coisa mais natural do mundo. Cair é lógico. Podem perguntar para qualquer pedra do planeta Terra.

11
O 11º andar é sempre um caso à parte. Talvez melhor dissessem um caos à parte. Mas isto não seria correto. O correto consiste em dizer: o 13º andar, donde se descortina um relance do Atlântico, sim, o mais correto, é deixar cair.

10
Não sei como suporto esta situação. É absolutamente ridículo. Só porque alguém saltou do 17º andar de um edifício não quer dizer necessariamente que tenha que chegar até um, digamos, décimo andar. O décimo andar, em casos de queda, é objeto e motivo de lendas e chacotas entre muitos povos primitivos que, absorvidos por outros afazeres mais prementes, deixaram-nas cair no esquecimento, onde jazem até hoje. Mas jazem muito 'bem. As lendas sobre o décimo andar, ainda vai haver quem as conte. Palavra de honra.

9
Que frio. Bem que minha mãe falou, leva um casaco. Sempre assim. A cabeça não pensa, o corpo é que sofre. O que eu queria mesmo era ficar para sempre nó 12º andar.

8
Ela, ela mora no 12º andar. Ao passar, quase dei um alô. Ela não entenderia. Telefonaria para a mãe. Fritaria um ovo. No máximo, olharia para baixo. Ou para cima, para ver de onde eu tinha vindo.

7
Parece mentira, mas cheguei ao 7º andar. A que ponto chegamos! Nessa velocidade, a lembrança do 12º andar parece apenas uma lembrança. A física ensina que os corpos têm sua queda acelerada à medida que se aproximam do destino. Não vejo por que deveria ser diferente comigo. A lei da gravidade é a mais democrática de todas. Rege, com idêntico rigor, gregos e troianos, jóias e paralelepípedos, impérios e pétalas de magnólia. Sete é conta de mentiroso. Ela me mentiu. Nada mais fácil que mentir que se ama alguém. Basta dizer: eu te amo. Quem vai saber? Como medir? Como provar? As palavras também estão sujeitas à lei da gravidade?

6
No sexto, fica a administração. É o andar mais frio e mais distante. É onde se tramam as grandes negociações, onde ficam os cofres com os segredos indecifráveis. Chegar ao sexto andar é a ambição de todo corpo que cai. Os que não. A poucos é dada essa proeza. Os que fracassam, fatalmente, continuarão caindo até o quinto, onde ficam os infernos.

5
Do antigo inferno, o moderno só traz o nome. Na verdade, o inferno de hoje, no quinto andar, é um dos andares mais agradáveis do edifício, dispondo de amplas instalações, sala, cozinha, banheiro, área de serviço e quarto de empregada. Os banheiros são revestidos de material à prova de fogo, precaução inútil, já que neste prédio raramente ocorre algum incêndio de proporções catastróficas. Da janela do quinto andar, avista-se o letreiro que diz, PROIBIDO CAIR.

4
Ninguém nunca soube para que servia o quarto andar. Sempre se imaginou que era uma espécie de depósito onde se guardavam as coisas que não serviam mais para os andares de cima, garrafas vazias, móveis usados, lâmpadas queimadas, livros já lidos, óculos quebrados, espelhos, diários, relógios.

3
Deus queira que esta saudade do 12º permaneça acesa durante todo este andar, durante o frio, o vento, a angústia, a raiva e a força maior deste poder que me chama.

2
Não há muito a dizer, nunca há. Meia dúzia de palavras resolvem problemas de mil anos atrás. Fomos nos dizendo cada vez menos Dizer sempre é uma outra coisa.

1
O chão é duro.

Fontes:
LEMINSKI, Paulo. Gozo fabuloso. 2004.
Imagem = http://afamiliapires.blogspot.com

Celina Figueiredo (Caderno de Trovas)


TROVAR

Não sei se vivo a trovar
Ou se trovar é viver.
Só sei que não sei ficar
Sem minha trova escrever.

TROVAS (avulsas)

Somente um nada ficou
Do amor que nos uniu.
Só a saudade restou
Depois que você partiu

A mulher é um mistério
Para o homem desvendar.
Não a leve tão a sério
Pra você não se acabar.

Pálido outono, confesso,
Há tempos já me deixou;
Só a saudade restou
Do tempo que não mais meço.

TROVINHA

Passarinho mal cantou
Violeta já sorriu.
Rosa branca desfolhou
E do amor se despediu.

SERÁ OUTONO?

Sem folhas secas ao vento
E um céu azul , puro anil,
Nem dourado nem cinzento,
É o outono no Brasil

RENÙNCIA

Ao mergulhar no vazio
Sinto no peito uma dor
É para mim desafio
Abandonar este amor.

O BEIJO

Beija-flor vem à janela,
Suga o mel da flor-de-seda,
Olha bem e diz pra ela:
_Sempre um beijo me conceda.

PALHAÇO

Coração guarda absinto
Mas nos lábios tens o mel.
Deixo aqui tudo o que sinto:
Eis, Palhaço, o teu papel.

FRIO AZUL

Devagar, devagarinho.
Vem o frio lá do sul;
Vai chegando de mansinho
Com um alegre céu azul.

PALAVRAS AO VENTO

Palavra lançada ao vento
Nas ondas sempre a girar;
Não há na vida lamento
Que a faça um dia tornar.

BOM DIA

Bem-te-vi me visitou,
Bem depressa e sem demora.
Da janela me olhou,
Deu "Bom Dia" e foi-se embora.

DÁLIA

Rosa, branca ou sulferina
Sempre linda em sua cor
Sem perfume , eis a sina,
Que atormenta a bela flor.

TROVA

Meu jardim tem tantas flores
Que nem sei a preferida:
Se são rosas multicores
Ou a branca margarida.

INFINITO AMOR

Sentir o tempo que passa
Ligeiro diante de mim
Lembrar o amor que ultrapassa
Distância e mágoa sem fim

INCÊNDIO

Fogo no alto da serra
Lua cheia indiferente
Tórrido calor na terra
Vandalismo inconseqüente

POR VOCÊ

Por você eu corro os mares
Das montanhas subo ao cume
Vou buscar em outros ares
Lindas flores com perfume

SAUDADE

Rasgando o véu da vaidade
Mostra a verdade na face
Que ostenta a cor da saudade
Na dor que dos olhos nasce

O ORVALHO E A FLOR

Chora lágrimas a flor
Pelo orvalho da manhã
De tristeza ou de amor
Esta luta é sempre vã

PEGADAS

Não caminhes pela estrada
Sem deixar dos pés a marca
Teu viver sem fazer nada
Não conduz pro céu a barca

NA ESTRADA DA VIDA...

Na estrada da vida eu sigo,
na busca do infinito.
Aos céus eu sempre bendigo,
por este mundo em que habito.

O ESPINHO

Entre as flores do jardim
Um espinho me feriu.
Logo, logo, um jasmim
Com um beijo me acudiu..

Celina Figueiredo (Livro de Poesias)


A FLOR

Diante de mim a tela
que branca espera
da vida o retrato.
Das trêmulas mãos
o pincel escapa.
Lágrimas amargas
de dor e saudade
no espaço brotam
e no quadro vazio
com graça e magia
uma flor desabrocha.

ABANDONO

No borbulhar da taça de champagne
a solidão mergulha,
transborda o líquido
que derrama espumante
na branca toalha de linho.

Os olhos já vermelhos
sentem seu próprio sangue
a se esvair.

Sem consolo,
sem amigos,
Só.

À VIRGEM

Sonhei um dia
entregar-me a ti
e teu altar
adornar com brancas flores
colhidas no jardim
do meu amor.

Meu coração
guardarias junto a ti,
com teu manto
envolverias minha fronte,
em resposta
à promessa
que te fiz.

………………………………………..

No mundo louco
o meu sonho
se desfez.
Em teu altar nunca mais
flores depus.
A teus pés ,
só pode agora repousar
o coração perjuro
e tão magoado
da filha ingrata
que a promessa não cumpriu.

Mas tu, ó Virgem,
saberás compreender-me
e, bem sei, um dia
hás de acolher-me
e em teu regaço
embalar-me
para sempre.

ALMA DESNUDA

Quero agora
cantar amores,
chorar saudades,
beijar o vento,
abraçar o sol,
suspirar à aurora.

Chorar
não consigo.
Cantar
não posso.

Sou rio
sem vida,
sem margem florida,
sem brisa da tarde,
sem clarão da lua,
sem arrebol.

Sou alma perdida,
imagem nua
a vagar sem rumo
na noite escura.

APELO


Força que anima
meu viver sem vida,
doce miragem
a embalar meus sonhos,
deixa ao menos
eu seguir teus passos
e, na poeira que teus pés levantam,
sufocar o pranto de esperança,
matar para sempre esta paixão.

BUSCA INCESSANTE

Qual Ismália enlouquecida
vejo uma lua no céu,
vejo outra lua no mar.

Dividida vivendo,
não sou exceção.
Do universo binário,
da unidade de Deus,
sou parcela integrante.
Ser em conflito,
alma barroca,
de um lado a outro
tentando em vão
a mim mesma encontrar.

CHUVA


Nuvens negras
prenúncio de chuva…
Chuva que lava as folhas,
que molha o solo,
que leva o sonho…

Chuva que cai,
lava minh’alma,
leva pra longe
os sonhos passados,
as mágoas presentes,
e , no vasto oceano,
os deixa rolar..

FANTASIAS


Sobre o casario adormecido
O luar derrama lágrimas de prata.
No telhado, a silhueta de uma gato vadio
Completa a magia da noite.

Da matéria o espírito liberto
Em leve vôo foge
Na busca perene do amor.

Sonhos…
Ilusão…
Fantasias…
Madrugada de lua cheia…

IMAGENS DA VIDA

No adro de velha igreja
Já quase toda em ruínas
Crianças despreocupadas
Brincam a colher boninas.

Cuidadosamente tecem
As mãozinhas delicadas
Guirlandas de sonho e festa
Com as florinhas tosadas.

Da vida no seu verdor
Não pensavam as meninas
Nas coroas coloridas,
Roxas, brancas, sulferinas,
Que um dia ornariam
Sua eterna moradia.

NOITES DO PASSADO

Frias noites do passado,
fino nevoeiro envolve os corpos,
chamas da adolescência aquecem a alma…

Cruzam-se discretos os olhares,
disparam corações enamorados,
ao suave despertar do amor!…

Perdidas no tempo as noites frias…

No coração, soa o sino da saudade…
––––––––––––
Fontes:
Cultura Livre.
Recanto das Letras.

Ialmar Pio Schneider (Soneto in Memoriam ao Aniversário de Vicente de Carvalho)

Escultura de Vicente de Carvalho
(por Ettore Ximenes)

Vicente de Carvalho - O Poeta do Mar,
que tanto cultuou o verso alexandrino,
neste cinco de abril, estando a aniversariar,
hoje me recordou das folhas o destino !

E quanto fez sentir do ´´morto pequenino´´
a passagem na terra e na cova o enterrar,
na hora da Ave-Maria e ao tanger do sino
que parecia assim, de trágico chorar...

Viveu para a poesia e as ´´cantigas praianas´´
entoou com ardor, ouvindo a voz da fonte,
a cantar, a cantar, em notas tão humanas...

Quando o sol vai caindo e vejo que anoitece,
dirijo meu olhar ao longe no horizonte,
para também rezar minha sentida prece...

Fonte:
Colaboração de Ialmar

Vicente de Carvalho (Livro de Poesias)


INTEIRAMENTE LOUCO

Senhora minha, pois que tão senhora
Sois, e tão pouco minha, eu bem entendo
Que sorrindo negais quanto, gemendo,
Amor com os olhos rasos d’água implora.

Meu coração, coitado, não ignora
Que num sonho bem vão todo o dispendo
E é sem destino que assim vai correndo
Cansadamente pela vida afora.

Dizeis do meu amor que é coisa absurda,
E ele, teimando, faz ouvido mouco;
Nem há razão que o desvaneça ou aturda.

Não o escutais? Nem ele a vós tampouco.
Que, se sois surda, inteiramente surda,
Amor é louco, inteiramente louco.

DONA FLOR

Ela é tão meiga! Em seu olhar medroso
Vago como os crepúsculos do estio,
Treme a ternura, como sobre um rio
Treme a sombra de um bosque silencioso.

Quando, nas alvoradas da alegria,
A sua boca úmida floresce,
Naquele rosto angelical parece
Que é primavera, e que amanhece o dia.

Um rosto de anjo, límpido, radiante...
Mas, ai! sob êsse angélico semblante
Mora e se esconde uma alma de mulher

Que a rir-se esfolha os sonhos de que vivo
— Como atirando ao vento fugitivo
As folhas sem valor de um malmequer...

VELHO TEMA

I

Só a leve esperança em toda a vida
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos

II

Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.

Quero que meu amor se te apresente
— Não andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como é: — risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.

Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece; eu te amo, e o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.

Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do teu beijo.

III

Belas, airosas, pálidas, altivas,
Como tu mesma, outras mulheres vejo:
São rainhas, e segue-as num cortejo
Extensa multidão de almas cativas.

Têm a alvura do mármore; lascivas
Formas; os lábios feitos para o beijo;
E indiferente e desdenhoso as vejo
Belas, airosas, pálidas, altivas...

Por quê? Porque lhes falta a todas elas,
Mesmo às que são mais puras e mais belas,
Um detalhe sutil, um quase nada:

Falta-lhes a paixão que em mim te exalta,
E entre os encantos de que brilham, falta
O vago encanto da mulher amada.

IV

Eu não espero o bem que mais desejo:
Sou condenado, e disso convencido;
Vossas palavras, com que sou punido,
São penas e verdades que sobejo.

O que dizeis é mal muito sabido,
Pois nem se esconde nem procura ensejo,
E anda à vista naquilo que mais vejo:
Em vosso olhar, severo ou distraído.

Tudo quanto afirmais eu mesmo alego:
Ao meu amor desamparado e triste
Toda a esperança de alcançar-vos nego.

Digo-lhe quanto sei, mas ele insiste;
Conto-lhe o mal que vejo, e ele, que é cego,
Põe-se a sonhar o bem que não existe.

V

Alma serena e casta, que eu persigo
Com o meu sonho de amor e de pecado;
Abençoado seja, abençoado
O rigor que te salva e é meu castigo.

Assim desvies sempre do meu lado
Os teus olhos; nem ouças o que eu digo;
E assim possa morrer, morrer comigo
Esse amor criminoso e condenado.

Sê sempre pura! Eu com denodo enjeito
Uma ventura obtida com teu dano,
Bem meu que de teus males fosse feito".

Assim penso, assim quero, assim me engano
Como se não sentisse que em meu peito
Pulsa o covarde coração humano.

A FLOR E A FONTE

"Deixa-me, fonte!" Dizia
A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Cantava, levando a flor.

"Deixa-me, deixa-me, fonte!
" Dizia a flor a chorar:
"Eu fui nascida no monte...
"Não me leves para o mar".

E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria levando a flor.

"Ai, balanços do meu galho,
"Balanços do berço meu;
"Ai, claras gotas de orvalho
"Caídas do azul do céu!...

Chorava a flor, e gemia,
Branca, branca de terror,
E a fonte, sonora e fria
Rolava levando a flor.

"Adeus, sombra das ramadas,
"Cantigas do rouxinol;
"Ai, festa das madrugadas,
"Doçuras do pôr do sol;

"Carícia das brisas leves
"Que abrem rasgões de luar...
"Fonte, fonte, não me leves,
"Não me leves para o mar!...

" As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor...

PALAVRAS AO MAR

Mar, belo mar selvagem
Das nossas praias solitárias! Tigre
A que as brisas da terra o sono embalam,
A que o vento do largo eriça o pêlo!
Junto da espuma com que as praias bordas,
Pelo marulho acalentada, à sombra
Das palmeiras que arfando se debruçam
Na beirada das ondas - a minha alma
Abriu-se para a vida como se abre
A flor da murta para o sol do estio.

Quando eu nasci, raiava
O claro mês das garças forasteiras:
Abril, sorrindo em flor pelos outeiros,
Nadando em luz na oscilação das ondas,
Desenrolava a primavera de ouro;
E as leves garças, como olhas soltas
Num leve sopro de aura dispersadas,
Vinham do azul do céu turbilhonando
Pousar o vôo à tona das espumas...

É o tempo em que adormeces
Ao sol que abrasa: a cólera espumante,
Que estoura e brame sacudindo os ares,
Não os saco de mais, nem brame e estoura;
Apenas se ouve, tímido e plangente,
O teu murmúrio; e pelo alvor das praias,
Langue, numa carícia de amoroso,
As largas ondas marulhando estendes...

Ah! vem daí por certo
A voz que escuto em mim, trêmula e triste,
Este marulho que me canta na alma,
E que a alma jorra desmaiado em versos;
De ti, de tu unicamente, aquela
Canção de amor sentida e murmurante
Que eu vim cantando, sem saber se a ouvia,
Pela manhã de sol dos meus vinte anos.

O velho condenado,ao cárcere
das rochas que te cingem!
Em vão levantas para o céu distante
Os borrifos das ondas desgrenhadas.
Debalde! O céu, cheio de sol se é dia,
Palpitante de estrelas quando é noite,
Paira, longínquo e indiferente, acima
Da tua solidão, dos teus clamores...

Condenado e insubmisso
Como tu mesmo, eu sou como tu mesmo
Uma alma sobre a qual o céu resplende
- Longínquo céu - de um esplendor distante.
Debalde, o mar que em ondas te arrepelas,
Meu tumultuoso coração revolto
Levanta para o céu como borrifos,
Toda a poeira de ouro dos meus sonhos.

Sei que a ventura existe,
Sonho-a; sonhando a vejo, luminosa.
Como dentro da noite amortalhado
Vês longe o claro bando das estrelas;
Em vão tento alcançá-la, e as curtas asas
Da alma entreabrindo, subo por instantes...
O mar! A minha vida é como as praias,
E o sonho morre como as ondas voltam!

Mar, belo mar selvagem
Das nossas praias solitárias!
Tigre de que as brisas da terra o sono embalam,
A que o vento do largo eriça o pêlo!
Ouço-te às vezes revoltado e brusco,
Escondido, fantástico, atirando
Pela sombra das noites sem estrelas
A blasfêmia colérica das ondas...

Também eu ergo às vezes
Imprecações, clamores e blasfêmias
Contra essa mão desconhecida e vaga
Que traçou meu destino... Crime absurdo
O crime de nascer! Foi o meu crime.
E eu expio-o vivendo, devorado
Por esta angústia do meu sonho inútil.
Maldita a vida que promete e falta,
Que mostra o céu prendendo-nos à terra,
E, dando as asas, não permite o vôo!

Ah! cavassem-te embora
O túmulo em que vives - entre as mesmas
Rochas nuas que os flancos te espedaçam,
Entre as nuas areias que te cingem...
Mas fosses morto, morto para o sonho,
Morto para o desejo de ar e espaço,
E não pairasse, como um bem ausente,
Todo o infinito em cima de teu túmulo!

Fosse tu como um lago,
Como um lago perdido entre as montanhas:
Por só paisagem - áridas escarpas,
Uma nesga de céu como horizonte...
E nada mais! Nem visses nem sentisses
Aberto sobre ti de lado a lado
Todo o universo deslumbrante - perto
Do teu desejo e além do teu alcance!

Nem visses nem sentisses
A tua solidão, sentindo e vendo
A larga terra engalanada em pompas
Que te provocam para repelir-te;
Nem buscando a ventura que arfa em roda,
A onda elevasses para a ver tombando,
- Beijo que se desfaz sem ter vivido,
Triste flor que já brota desfolhada...

Mar, belo mar selvagem!
O olhar que te olha só te vê rolando
A esmeralda das ondas, debruada
Da leve fímbria de irisada espuma...
Eu adivinho mais: eu sinto... ou sonho
Um coração chagado de desejos
Latejando, batendo, restrugindo
Pelos fundos abismos do teu peito.

Ah, se o olhar descobrisse
Quanto esse lençol de águas e de espumas
Cobre, oculta, amortalha!... A alma dos homens
Apiedada entendera os teus rugidos,
Os teus gritos de cólera insubmissa,
Os bramidos de angústia e de revolta
De tanto brilho condenado à sombra,
De tanta vida condenada à morte!

Ninguém entenda, embora,
Esse vago clamor, marulho ou versos,
Que sai da tua solidão nas praias,
Que sai da minha solidão na vida...
Que importa? Vibre no ar, acode os ecos
E embale-nos a nós que o murmuramos...
Versos, marulho! Amargos confidentes
Do mesmo sonho que sonhamos ambos!

NO TEU ANIVERSÁRIO

No lar cercam-te vozes d´alegria
em bando, em nuvens doiro, mariposas
que o teu olhar atrai. Canções e rosas
sob os teus pés desfolham-se à porfia.

A noite, alva corbelha de mimosas
sobre ti volta o arcanjo da poesia.
Nublam-te o sono as ondas vaporosas
do turib´lo do amor, como de dia.

Vives feliz no angélico ambiente
de fortuna, feliz. Mas considera,
que em um pobre, misérrimo, eu doente,

eu vibraria a lira, se pudera
vibrar a lira frágil e inocente
a bruta e hedionda garra duma fera.

SAUDADE

Belos amores perdidos,
Muito fiz eu com perder-vos;
Deixar-vos, sim: esquecer-vos
Fôra de mais, não o fiz.

Tudo se arranca do seio,
— Amor, desejo, esperança...
Só não se arranca a lembrança
De quando se foi feliz.

Roseira cheia de rosas,
Roseira cheia de espinhos,
Que eu deixei pelos caminhos,
Aberta em flor, e a perdi:

Por me não perder, perdi-te;
Mas mal posso assegurar-me
— Com te perder e ganhar-me
Se ganhei, ou se perdi…
---
Fonte:
Antonio Miranda
Academia Brasileira de Letras
Blog dos Poetas.

Vicente de Carvalho (1866 – 1924)


Vicente de Carvalho (V. Augusto de C.), advogado, jornalista, político, magistrado, poeta e contista, nasceu em Santos, SP, em 5 de abril de 1866, e faleceu em Santos, SP, em 22 de abril de 1924.

Era filho do major Higino José Botelho de Carvalho e de Augusta Bueno Botelho de Carvalho.

Fez o primário na cidade natal e, aos 12 anos, seguiu para São Paulo, matriculando-se no Colégio Mamede e, depois, no Seminário Episcopal e no Colégio Norton, onde fez os preparatórios.

Aos 16 anos matriculou-se na Faculdade de Direito.

Em 1886, com 20 anos, era bacharel em Direito. Republicano combativo, cursava ainda o 4o ano quando foi eleito membro do Diretório Republicano de Santos.

Em 1887, era delegado a Congresso Republicano, reunido em São Paulo.

Casou-se em 1888 com Ermelinda Ferreira de Mesquita, em Santos, com quem teve quinze filhos.

Em 1891, era deputado ao Congresso Constituinte do Estado.

Em 1892, na organização do primeiro governo constitucional do Estado, foi escolhido para a Secretaria do Interior. Por ocasião do golpe de estado de Deodoro, abandonou o cargo que vinha exercendo. Mudou-se, então, para Franca, município do interior paulista, e tornou-se fazendeiro.

Em 1901, regressou a Santos, dedicando-se à advocacia.

Em 1907, mudou-se para São Paulo, onde foi nomeado juiz de direito.

Em 1914, passou a ministro do Tribunal da Justiça do Estado.

Vicente de Carvalho foi, durante toda a sua vida, um jornalista combativo.

Até 1915, sua atuação na imprensa foi quase ininterrupta. Em 1889, era redator do Diário de Santos, fundando, no mesmo ano, o Diário da Manhã, de Santos. Ali manteve ainda colaboração em A Tribuna e fundou, em 1905, O Jornal. Até 1913 colaborou no Estado de S. Paulo. No fim da vida, cansou-se do jornalismo, mas continuou em contato com seus leitores através dos versos que publicava nas páginas de A Cigarra.

Tendo publicado verso, estreou na prosa numa polêmica com o poeta Dias da Rocha

Em 1885 publicou seu primeiro livro Ardentias. Três anos depois veio Relicário (1888). Quando voltou a Santos, fervia o movimento abolicionista. Após contribuir para várias publicações fundou o Diário da Manhã. Em 1902 publicou o Rosa, rosa de amor.

Foi membro do movimento parnasianista e seu grande tema era o mar, ao ponto de receber a alcunha de Poeta do Mar.

A obra que marcou sua carreira poética, Poemas e Canções, foi primeiro publicada em 1909 com prefácio de seu amigo Euclides da Cunha. Teve dezessete edições.

Poeta lírico, ligou-se desde o início ao grupo de jovens poetas de tendência parnasiana. Foi grande artista do verso, da fase criadora do Parnasianismo. Da sua produção poética ele próprio destacou poemas que são de extrema beleza, como: "Palavras ao mar", "Cantigas praianas", "A ternura do mar", "Fugindo ao cativeiro", "Rosa, rosa de amor", "Velho tema", "O pequenino morto".

Segundo ocupante da Cadeira 29, da Academia Brasileira de Letras, eleito em 1º de maio de 1909, na sucessão de Artur Azevedo e recebido por carta na sessão de 7 de maio de 1910.

Obras

Ardentias 1885
Relicário 1888
Rosa, rosa de amor 1902
Poemas e canções 1908
Versos da mocidade 1909
Verso e prosa, incluindo o conto "Selvagem" 1909
Páginas soltas 1911
A voz dos sinos 1916
Luisinha, contos 1924

Os jardins da orla de Santos se devem em parte a Vicente de Carvalho. Em 1921 escreveu, junto a Américo Martins dos Santos e Benedicto Montenegro, uma Carta Aberta ao Presidente da República contra apropriações ilegais das áreas em frente à praia.

A poetisa santista Maria José Aranha de Rezende (Santos, 02/10/1911 - Santos, 17/06/1999) foi sua sobrinha-neta e pertenceu à Academia Santista de Letras.

Muitos de seus poemas foram traduzidos para o Italiano por Giusepina Stefani

Fontes: Biblioteca Virtual de Literatura.
Wikipedia.
Academia Brasileira de Letras.

Monteiro Lobato (Histórias de Tia Nastácia) IV – A Princesa Ladrona

Havia um pai com três filhos; um plantou um pé de laranjeira, outro plantou um pé de limeira e outro plantou um pé de limoeiro. Certo dia o mais velho foi ter com o pai e disse:

— Meu pai, já estou homem feito e quero sair pelo mundo.

O pai achou que era ainda cedo, mas o moço tanto insistiu que ele teve de concordar. E então disse:

— Pois saia, mas antes deve resolver se quer levar minha bênção com pouco dinheiro ou minha maldição com muito dinheiro.

O moço quis maldição com muito dinheiro — e o pai o amaldiçoou, depois de dar-lhe um saco de dinheiro. Antes de partir, esse moço disse aos irmãos que quando a sua laranjeira começasse a murchar isso era sinal de que se achava em grandes apuros — e eles que fossem socorrê-lo.

Combinado esse ponto, o moço partiu. Andou, andou, andou, e por fim, já muito cansado, viu uma fumaça ao longe. Encaminhou-se para lá. Era um palácio. A dona do palácio era uma princesa que o recebeu com grandes amabilidades. Jantou com ele e depois convidou-o a um passeio pela horta. Ao atravessar um riacho, a princesa ladrona ergueu o vestido de modo a mostrar o pé, e depois que voltaram à sala perguntou ao moço que é que havia visto de mais lindo na horta.

— As couves — respondeu o moço.

A princesa mordeu os lábios e convidou-o para um joguinho — e num instante ganhou todo o dinheiro que ele trazia. Depois disso mandou que seus criados o prendessem e só lhe dessem couve para comer.

Logo que isso aconteceu, lá em casa do pai do moço a laranjeira começou a murchar. O irmão do meio, vendo aquilo, foi ter com o pai e disse:

— Meu irmão está em grandes apuros e eu vou correr mundo para socorrê-lo.

O pai concordou e perguntou o que ele queria, bênção com pouco dinheiro ou maldição com muito dinheiro. Esse moço também preferiu maldição com muito dinheiro — e o pai o amaldiçoou, depois de lhe dar um saco de dinheiro — e ele lá se foi.

Andou, andou, andou até sentir-se exausto, e nesse momento viu ao longe uma fumaça. Encaminhou-se para lá. Era o palácio da princesa ladrona. A princesa recebeu-o com as amabilidades de sempre, e depois do jantar levou-o a passeio pela horta. Ao atravessar o riozinho mostrou o pé, e ao voltarem à sala fez-lhe a mesma pergunta.

— Então, que mais apreciou na minha horta?
— As alfaces — respondeu o moço.

A princesa pensou consigo que aquele era igualzinho ao outro; convidou-o para jogar, ganhou-lhe todo o dinheiro e o mandou prender, com ordem de só lhe darem alface.

Assim que isso aconteceu, lá na casa do pai do moço a limeira começou a murchar. O terceiro filho foi ter com o pai.

— Meu pai, quero sair pelo mundo em socorro dos meus irmãos; a laranjeira e a limeira estão dando sinal do grande perigo que eles correm.
— Pois vá — respondeu o pai — mas antes terá de decidir se quer minha bênção com pouco dinheiro ou minha maldição com muito dinheiro.
— Meu pai — respondeu o moço — quero sua bênção com pouco dinheiro.

O pai abençoou-o e ele partiu. Bem longe dali encontrou uma velhinha, que era Nossa Senhora disfarçada.

— Para onde vai, meu filho?
— Vou pelo mundo ganhar a vida e procurar meus irmãos — respondeu o moço.

A velhinha deu-lhe uma toalha, dizendo:
— Quando tiver fome meu filho, pegue esta toalha e diga: "Põe a mesa, toalha!" — e um banquete aparecerá.

Deu-lhe também uma bolsa, dizendo: "Esta bolsa faz o mesmo que a tolha." E deu-lhe ainda uma violinha dizendo' "Se perder a toalha e a bolsa, basta tocar nesta violinha que não sentirá fome, nem privação de nada."

O moço agradeceu os presentes e lá se foi pela estrada afora. Chegou afinal ao palácio da princesa ladrona, onde bateu e foi recebido com grandes amabilidades. Depois do jantar houve o tal passeio à horta, tudo exatinho como havia acontecido com os seus dois irmãos. De volta do passeio a princesa perguntou o que mais ele tinha apreciado.

— O lindo pé da senhora princesa — respondeu o moço gentilmente.

À princesa sorriu, como quem diz: Este me serve. Em seguida convidou-o para jogar e no jogo limpou-o do pouco dinheiro que ele trazia. E também mandou que o prendessem junto com os demais.

Lá pela tarde chegou a hora de dar comida aos presos, e uma preta apareceu diante das grades com um prato de couves.

— Muito obrigado — disse o moço. — Diga à sua senhora que não preciso de nada disso. — E estendendo a toalha teve o gosto de ver surgir um verdadeiro banquete.

A prisão estava cheia de prisioneiros, todos quase mortos de fome, de modo que o regalo foi grande. A negra, que trouxera a comida, abriu a boca, assombrada.

— Minha senhora — foi correndo dizer à princesa — aquele preso de ontem tem uma toalha mágica, que basta abrir para virar num banquete.

A princesa ficou logo desejosa de possuir tal toalha, e mandou a preta saber do moço se queria vendê-la. O moço respondeu que teria muito gosto em dá-la de presente, com a condição de dormir uma noite na porta do quarto da princesa do lado de fora. A princesa danou com a resposta, que lhe pareceu um grande desaforo, mas por fim concordou.

No dia seguinte, quando a negra foi levar a couve aos presos, o moço recusou de novo, e abrindo a bolsa fez aparecer um banquete mágico, de que todos comeram até não poder mais. A negra foi correndo dizer à princesa: "Minha senhora, ele tem uma bolsa ainda mais mágica que a toalha. Aquilo é que é uma bolsa de princesa."

A princesa mandou propor a compra da bolsa, e o moço disse que lhe dava a bolsa de presente, com a condição de dormir na porta do seu quarto, mas do lado de dentro. A princesa danou, mas a negra achou que ela devia aceitar, pois que dormiria na cama e ele no chão duro. Fez-se o negócio e o moço dormiu no quarto da princesa do lado de dentro, perto da porta.

No dia seguinte a negra foi de novo levar a couve aos presos e viu o moço pegar na violinha e começar a tocar. E todos os presos puseram-se a dançar como se não tivessem fome nenhuma. E até a negra pegou fogo e pôs-se a dançar também. A festa durou tanto tempo que a princesa mandou chamar a negra.

— Ah, minha senhora, o tal moço tem uma violinha que é mesmo a maior das maravilhas. Aquilo é que é viola de princesa!
— Pois vá saber dele se quer me vender a tal viola.

A negra foi e o moço respondeu que só daria a viola se a princesa se casasse com ele.

A princesa a princípio danou, mas depois resolveu aceitar a proposta e casou-se. Então todos os presos foram soltos e houve grandes festas.
**********
E tia Nastácia rematou a história repetindo o mesmo finzinho de sempre: "E eu lá estive e trouxe um prato de doces, que caiu na ladeira."

Entrou por uma porta
saiu por um canivete;
manda o rei meu senhor
que me conte sete.

— Que história de contar sete é essa? — perguntou Emília quando a negra chegou ao fim. — Não estou entendendo nada.

— Mas isto não é para entender, Emília — respondeu a negra. — É da história. Foi assim que minha mãe Tiaga me contou o caso da princesa ladrona, que eu passo para diante do jeito que recebi.

— E esta! — exclamou Emília olhando para dona Benta. — As tais histórias populares andam tão atrapalhadas que as contadeiras contam até o que não entendem. Esses versinhos do fim são a maior bobagem que ainda vi. Ah, meu Deus do céu! Viva Andersen! Viva Carroll!

— Sim — disse dona Benta. — Nós não podemos exigir do povo o apuro artístico dos grandes escritores. O povo... Que é o povo? São essas pobres tias velhas, como Nastácia, sem cultura nenhuma, que nem ler sabem e que outra coisa não fazem senão ouvir as histórias de outras criaturas igualmente ignorantes, e passá-las para outros ouvidos, mais adulteradas ainda.

— Outra coisa que noto nessas histórias, vovó — observou Narizinho — é que não dispensam reis e rainhas e príncipes e princesas encantadas. Por que é assim?

— Essas histórias, minha filha, vieram de Portugal, e são dum tempo em que em todos os países do mundo só havia reis. Isso de presidentes de república é coisa moderna. São histórias dos tempos dos reis. E para a imaginação do povo os reis, as rainhas e os príncipes eram a coisa mais maravilhosa que havia. Hoje tudo está mudado. Cada vez há menos reis, a não ser nos baralhos. E já não há aquele "cão", que quando via um rosário rebentava num grande estouro e fedia enxofre. O povo é muito conservador, de modo que as histórias que de pais a filhos a gente do povo conta são corocas, vêm do tempo da Idade Média, quando não existiam jornais nem livros.

— Pois cá comigo — disse Emília — só aturo essas histórias como estudos da ignorância e burrice do povo. Prazer não sinto nenhum. Não são engraçadas, não têm humorismo. Parecem-me muito grosseiras e bárbaras — coisa mesmo de negra beiçuda, como tia Nastácia. Não gosto, não gosto e não gosto...
–––––––––- Continua…V – O Pássaro Preto __________
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source

Epopéias da Índia Antiga (O Mahabharata) VI – A Restauração e a Abdicação


A vitória de Kurukshetra assegurou a Yudhisthira a volta ao trono de seu pai.

Bhisma, o sábio e venerando guerreiro que caiu gravemente ferido no décimo dia da batalha, deu em seu leito de morte instruções a Yudhisthira a respeito dos deveres do rei, das quatro castas, das quatro etapas da vida humana, das leis do matrimônio, da concessão de favores etc., baseado nos ensinamentos dos antigos sábios. Explicou-lhe também as filosofias sankhya e yoga, relatando-lhe numerosas tradições referentes aos deuses, aos santos e aos reis.

Esses ensinamentos ocupam cerca da quarta parte da epopéia e são um verdadeiro arsenal de leis, costumes e códigos de moral da Índia antiga.

Pouco tempo depois, efetuou-se a coroação de Yudhisthira, em cujo coração pesava o sentimento do sangue derramado e a morte de tantos amigos, mestres e parentes. Por causa disso, aconselhado por Nyasa, celebrou o sacrifício de Ashvameda.

Após a batalha, Dhritarâshtra viveu no palácio real, durante quinze anos, honrado e obedecido por seus sobrinhos, os cinco Pândavas; ao cabo daquele tempo, sentindo-se velho e adoentado, retirou-se para o deserto com sua abnegada esposa e Kunti, a mãe dos Pândavas, para terminar seus dias no ascetismo.

Transcorrido trinta e seis anos, depois da restauração de Yudhisthira no. trono, chegou aos seus ouvidos a notícia de que Krishna, o sábio, seu amigo, profeta e conselheiro, havia morrido.

Arjuna apressou-se em ir a Devârahâ e voltou com a confirmação da notícia de que, realmente, Krishna e os Yadavas haviam morrido.

O rei e seus irmãos ficaram muito consternados e declararam que também a hora de sua partida havia chegado. Por essa razão Yudhisthira abdicou a coroa a favor de Parikshit, primogênito de Arjuna e, aconselhado pelos sábios, empreendeu a viagem chamada Mahâprasthana, uma modalidade de ascetismo ou sannyasa.

Em obediência à lei existente naquele tempo, quando um homem chegava à decrepitude, costumava renunciar a todas as coisas do mundo e empreender uma viagem a pé até os Himalaias, completamente em jejum e pensando sempre em Deus, de sorte que morria de inanição.

Essa era a viagem ao céu, porque segundo a antiga mitologia indiana, para ir ao céu era necessário atravessar os altos píncaros dos Himalaias, além dos quais se ergue o monte Meru, em cujo cume está o céu, morada dos deuses.

Os reis seguiam o mesmo costume que os outros homens e por isso Yudhisthira recebeu naturalidade o aviso para se dirigir ao céu.

Em virtude desse fato, os cinco irmãos e sua mulher Draupadi vestiram roupas simples e empreenderam a marcha sem a menor provisão de alimentos, pois deles não necessitavam naquela. viagem para a morte.

A caminho, notaram que um cão os acompanhava. Continuaram a marcha para os Himalaias, palmilharam a neve de seus cumes e avistara em sua frente o monte Meru, quando a rainha Draupadi caiu desfalecida para nunca mais levantar-se.

Yudhisthira, que ia abrindo caminho, não notou o acidente. Seu irmão Bhima, que havia assistido o fato, avisou-o dizendo:

- Ó rei a rainha nossa esposa morreu Yudhisthira chorou, sem volver o olhar e disse: - Vamos ao encontro de Krishna e não temos tempo de olhar para traz. Sigamos para frente.

Ao fim de algum tempo, Bhima exclamou:

- Acaba de morrer nosso irmão Sahadeva.

O rei, sem se deter, chorou e disse:

- Sigamos avante.

Assim, foram caindo mortos pela neve os quatro irmãos; entretanto, embora sozinho, o rei prosseguiu impávido a sua marcha. O cão o acompanhava fielmente. Ambos caminhavam pela neve e pelo gelo, subindo encostas, através de vales, de cume em cume, até chegarem às fraldas do monte, Meru, onde o rei ouviu celestes harmonias e foi agraciado por copiosa chuva de flores que os deuses derramaram sobre ele.

Então desceu do céu a carruagem dos deuses e Indra disse a Yudhisthira:

– Sobe nesta carruagem, õ tu que és o mais excelso mortal. Somente a ti é concedido entrar de corpo e alma no céu.

Yudhisthira respondeu:

- Não quero entrar no céu sem meus irmãos e nossa esposa.
- Já se encontram no céu teus irmãos e vossa esposa.

Yudhisthira, então, fez sinal ao cão para que subisse também na carruagem; Indra, porém, assombrado, exclamou:

- Como? Um cão? Afasta-o daqui! Os cães não podem ir ao céu. Que vais fazer, ó grande rei? Acaso enlouqueceste; tu que és o mais virtuoso da raça humana e a quem foi concedido o excepcional privilegio de entrar no céu de corpo e alma?

Em resposta, disse Yudhisthira:

- Este cão foi meu fiel companheiro, através do gelo e da neve. Ele não me abandonou, quando a rainha e meus irmãos morreram. Como poderei abandoná-lo agora?

Indra replicou:

- No céu não há lugar para homens acompanhados de cães. Deves abandoná-lo, sem receio de fazer-lhe injustiça.

Yudhisthira respondeu:

- Sem o cão não irei para o céu. Nunca abandonarei aquele que a mim se aliou e comigo estará enquanto eu viver. Jamais me afastarei da retidão, nem pelas delicias do céu, nem pelas insinuações de um Deus!

Disse Indra:

- Então, somente com uma condição o cão entrará no céu. Tu tens sido o mais virtuoso dos mortais e o cão tem sido um devorador da carne dos outros animais. Ele está cheio de pecados por haver destruído outras vidas. Renuncia tu ao céu e entre ele em teu lugar.

Yudhisthira disse:

- Aceito! Que o cão vá para o céu em meu lugar!

A cena transfigurou-se imediatamente. Ao ouvir as nobres palavras de Yudhisthira, o cão transformou-se no Deus Yama, o senhor do Dharma, da Justiça e da Morte. Este, que se havia disfarçado sob aquela aparência,
disse a Yudhisthira:

- Ó rei, jamais houve homem tão abnegado como tu, que quiseste renunciar ao céu e anular tuas virtudes embenefício de um cão, condenando-te ao inferno ao carregares seus pecados. És nobilíssimo, ó rei dos reis! Tens compaixão de toda criatura, ó digno representante dos Bhâratas! Desde já são tuas as regiões da felicidade permanente. Tu as conquistaste e o céu é teu!

Yudhisthira, Indra, Yama e outros deuses que haviam se aproximado para presenciar a cena, dirigiram-se para o céu na divina carruagem.

Lá, Yudhisthira passa pelas provas iniciáticas, banha-se no Ganges do Esvarga e adquire um corpo celestial. Encontra Draupadi e seus irmãos e gozam eterna felicidade.

Assim termina o Mahâbhârata.

Fontes: Vivekananda, Swami. Epopéias da Índia Antiga. Imagem = http://meumestreinterior.blogspot.com

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 177)


Uma Trova Nacional

Não faça mal a ninguém,
mesmo sendo seu rival.
Está na força do bem
toda a fraqueza do mal!
–LUIZ CARLOS CORREA/SP–

Uma Trova Potiguar

Meu "barco" vai navegando,
levando, à frente, esperanças;
e, para trás, vai deixando
saudade e muitas lembranças.
–TARCÍSIO LOPES FERNANDES/RN–

Uma Trova Premiada

1994 : Niterói/RJ
Tema: PERFIL ; M/H

Assim banhada de lua,
em um silêncio encantado,
a velha matriz da rua
guarda o perfil do passado!...
–DOMITILLA BORGES BELTRAME/SP–

...E Suas Trovas Ficaram

A morte é o triste momento
de uma dívida assumida.
É o dia do vencimento
das quatro letras da VIDA!
–LAMARTINE BABO/RJ–

Simplesmente Poesia

–LUIZ DUTRA/RN–
"A Morte de Isabela"

Pela janela da vida
deixou a vida Isabela;
entrou na porta do céu,
virou estrela tão bela,
que lá a mais bela estrela,
ficou com ciúme ao vê-la
brilhando mais do que ela!!!

Da janela arremessada
ela subiu, não baixou
Isabela não morreu,
ela apenas se encantou;
jogada de uma janela
a bela e meiga Isabela
virou um anjo e voou!!!

Arremessada pra morte,
por aquele que a gerou;
pois o pai que deu-lhe a vida
foi o mesmo que a matou;
pra o pai da terra morreu,
para o pai do céu nasceu,
e uma estrela o céu ganhou!!!

Estrofe do Dia

Um galo canta afinado,
o guiné diz que ta fraco,
o peba cava o buraco
sem precisar de arado,
corre um tejo envenenado
bebe o leite do pinhão,
o burro com exatidão
dá a hora logo cedo;
a natureza em segredo
mostra a sua perfeição.
HÉLIO CRISANTO/RN–

Soneto do Dia

–MARIA NASCIMENTO CARVALHO/RJ–
Despedida

Longos anos passamos lado a lado,
vivendo tanto a dor quanto a ventura,
mas, apesar do tempo ultrapassado,
havia entre nós dois certa amargura...

O amor menos calor e mais ternura
gritava dentro, em nós, desesperado,
que tínhamos, no excesso de candura,
muitos momentos bons, desperdiçado...

E, um dia, quando em nossas despedidas,
sentimos separadas nossas vidas
e o sonho de ventura irrealizado,

nossos olhos banhados pelo pranto,
disseram tudo aquilo que, no entanto,
nossos lábios jamais tinham falado…

Fonte:
Colaboração de Ademar Macedo

terça-feira, 5 de abril de 2011

Mia Couto (A Fogueira)


A velha estava sentada na esteira, parada na espera do homem sadio no mato. As pernas sofriam o cansaço de duas vezes: dos caminhos idosos e dos tempos caminhados.

A fortuna dela estava espalhada pelo chão: tigelas, cestas, pilão. Em volta era o nada, mesmo o vento estava sozinho.

O velho foi chegando, vagaroso como era seu costume. Pastoreava suas tristezas desde que os filhos mais novos foram na estrada sem regresso.

“Meu marido está diminuir”, pensou ela. “É uma sombra”.

Sombra, sim. Mas só da alma porque o corpo quase que não tinha. O velho chegou mais perto e arrumou a sua magreza na esteira vizinha. Levantou o rosto e, sem olhar a mulher, disse:

- Estou a pensar.
- E o quê, marido?
- Se tu morres como que eu, sozinho, doente e sem as foras, como que eu vou-lhe enterrar?

Passou os dedos magros pela palha do assento e continuou:

- Somos pobres, só temos nadas. Nem ninguém não temos. E melhor começar já a abrir a tua cova, mulher.

A mulher, comovida, sorriu:

- Como és bom marido! Tive sorte no homem da minha vida.

O velho ficou calado, pensativo. Só mais tarde a sua boca teve ocasião:

- Vou ver se encontro uma pá.
- Onde podes levar uma pá?
- Vou ver na cantina.
- Vais daqui até na cantina? É uma distância.
- Hei-de vir da parte da noite.

Todo o silêncio ficou calado para ela escutar o regresso do marido. Farrapos de poeira demoravam o último sol, quando ele voltou.

- Então, marido?
- Foi muito caríssima - e levantou a pá para melhor a acusar.
- Amanhã de manhã começo o serviço de covar.

E deitaram-se, afastados. Ela, com suavidade, interrompeu-lhe o adormecer:

- Mas, marido...
- Diz lá.
- Eu nem estou doente.
- Deve ser que estás. Você és muito velha.
- Pode ser - concordou ela. E adormeceram.

Ao outro dia, de manhã, ele olhava-a intensamente.

- Estou a medir o seu tamanho. Afinal, você é maior que eu pensava.
- Nada, sou pequena.

Ela foi lenha e arrancou alguns toros.

- A lenha está para acabar, marido. Vou no mato levar mais.
- Vai, mulher. Eu vou ficar covar seu cemitério.

Ela já se afastava quando um gesto a prendeu à capulana e, assim como estava, de costas para ele, disse:

- Olha, velho. Estou pedir uma coisa...
- Queres o quê?
- Cova pouco fundo. Quero ficar em cima, perto do chão, tocar a vida quase um bocadinho.
- Está certo. Não lhe vou pisar com muita terra.

Durante duas semanas o velho dedicou-se ao buraco. Quanto mais perto do fim mais se demorava. Foi de repente, vieram as chuvas. A campa ficou cheia de água, parecia um charco sem respeito. O velho amaldiçoou as nuvens e os céus que as trouxeram.

- Não fala asneiras, vai ser dado o castigo - aconselhou ela. Choveram mais dias e as paredes da cova ruíram. O velho atravessou o seu chão e olhou o estrago. Ali mesmo decidiu continuar. Molhado, sob o rio da chuva, o velho descia e subia, levantando cada vez mais gemidos e menos terra.
- Sai da chuva, marido. Você não aguenta, assim.
- Não barulha, mulher - ordenou o velho. De quando em quando parava para olhar o cinzento do céu. Queria saber quem teria mais serviço, se ele se a chuva.

No dia seguinte, o velho foi acordado pelos seus próprios ossos que o puxavam para dentro do corpo dorido.

- Estou a doer-me, mulher. Já não aguento levantar.

A mulher virou-se para ele e limpou-lhe o suor do rosto.

- Você está cheio com a febre. Foi a chuva que apanhaste.
- Não mulher. Foi que dormi perto da fogueira.
- Qual fogueira?

Ele respondeu um gemido. A velha assustou-se: qual o fogo que o homem vira? Se nenhum não haviam acendido?

Levantou-se para lhe chegar a tigela com a papa de milho. Quando se virou já ele estava de pé, procurando a pá. Pegou nela e arrastou-se para fora de casa. De dois em dois passos parava para se apoiar.

- Marido, não vai assim. Come primeiro.

Ele acenou um gesto bêbado. A velha insistiu:
- Você está esquerdear, direitar. Descansa lá um bocado.

Ele estava já dentro do buraco e preparava-se para retomar a obra. A febre castigava-lhe a teimosia, as tonturas danando com os lados do mundo. De repente, gritou-se num desespero:

- Mulher, ajuda-me.

Caiu como um ramo cortado, uma nuvem rasgada. A velha acorreu para o socorrer.

- Estás muito doente.

Puxando-o pelos braos ela trouxe-o para a esteira. Ele ficou deitado a respirar. A vida dele estava toda ali, repartida nas costelas que subiam e desciam. Neste deserto solitário, a morte um simples deslizar, um recolher de asas. Não um rasgão violento como nos lugares onde a vida brilha.

- Mulher - disse ele com voz desaparecida. - Não lhe posso deixar assim.
- Estás a pensar o quê?
- Não posso deixar aquela campa sem proveito. Tenho que matar-te.
- É verdade, marido. Você teve tanto trabalho para fazer aquele buraco. E uma pena ficar assim.
- Sim, hei-de matar você; hoje no, falta-me o corpo.

Ela ajudou-o a erguer-se e serviu-lhe uma chávena de chá.

- Bebe, homem. Bebe para ficar bom, amanhã precisas da força.

O velho adormeceu, a mulher sentou-se porta. Na sombra do seu descanso viu o sol vazar, lento rei das luzes. Pensou no dia e riu-se dos contrários: ela, cujo nascimento faltara nas datas, tinha já o seu fim marcado. Quando a lua começou a acender as árvores do mato ela inclinou-se e adormeceu. Sonhou dali para muito longe: vieram os filhos, os mortos e os vivos, a machamba encheu-se de produtos, os olhos a escorregarem no verde. O velho estava no centro, gravatado, contando as histórias, mentira quase todas. Estavam ali os todos, os filhos e os netos. Estava ali a vida a continuar-se, grávida de promessas. Naquela roda feliz, todos acreditavam na verdade dos velhos, todos tinham sempre razão, nenhuma mãe abria a sua carne para a morte. Os ruídos da manhã foram-na chamando para fora de si, ela negando abandonar aquele sonho. Pediu à noite que ficasse para demorar o sonho, pediu com tanta devoção como pedira vida que não lhe roubasse os filhos.

Procurou na penumbra o braço do marido para acrescentar fora naquela tremura que sentia. Quando a sua mão encontrou o corpo do companheiro viu que ele estava frio, tão frio que parecia que, desta vez, ele adormecera longe dessa fogueira que ninguém nunca acendera.

Fontes:
- COUTO, Mia. Vozes Anoitecidas. Lisboa: Editorial Caminho, 1992.
Esta obra foi digitalizada e revisada pelo grupo Digital Source
- Imagem = http://www.simplesmente.poeta.nom.br/

Anibal Lopes (Ode à Minha Maneira)

Quando falava da natureza
e afirmava com certeza
Que havia um lugar diferente
todo o mundo perguntava
de que Eden eu falava
e se existia tal gente.

Terra de amor e paixão
de gente de paz e searas de pão
terra que o trovador cantava
terra de urze e pinhal silvestre
que de sons e odores se reveste
era dela que eu falava.

Terra de laranjas maduras
águas cristalinas e puras
que refrescam a face cansada
quando falo deste povo de valor
quando falo do vento e do calor
falo dessa terra abençoada.

Terra de amores vadios
sentimentos e despertares tardios
terra de largos espaços
terra de festas e romarias
de muitos Manéis e Marias
falo de uma terra de abraços.

Terra de gente com suor no rosto
terra que vive e trabalha de gosto
terra que saúda com alegria
terra de cal e ocre vestida
terra de escolas crianças e vida
terra de S.Ildefonso e S.Maria.

Terra de vales e montes
albufeiras e muitas fontes
terra de muitos sabores
terra de alecrim e rosmaninho
onde cada um constrói o seu ninho
falo de Montargil, meus senhores.

Montargil/Portugal

Fontes:
- Colaboração de Lino Mendes
- Imagem = http://www.montargilforum.com/fotografia/details.php?image_id=101

Denilza Munhoz (O Dia Final)


Natalia não entendia o porque daquela repentina mudança no céu, cuja beleza azul turquesa mudara de um instante a outro, como se os Deuses tivessem resolvido que a natureza deveria entrar em luto sem aviso prévio. As nuvens passavam rapidamente de norte a sul, dançando entre si num jogo de vestimentas sensualmente assustadoras deixando os habitantes daquela cidade num inconstante vai-e-vem de emoções; talvez pelas figuras fantasmagóricas que se formavam acima do horizonte. Horas eram monstros de olhos esbugalhantes e segundos depois as bruxas tomavam o cenário com seus chapéus num negro mais negro que o Ébano.

O vento urrava forte, gritando como pirata inglês para seus marujos, e tudo ao redor parecia atender àquela interpelação, pois as árvores jogavam-se umas às outras como se pedissem socorro diante daquela autoridade tão injusta, tão maldosa !

A rua inconsolava-se com a presença do vento que empurrava tudo para cima e para a frente transformando aquele lugar numa verdadeira passarela de desfiles. Os jornais traziam noticias das bolsas com suas variações, as folhas de oficios surgiam com declarações as mais estranhas, típicas dos seres humanos com seus pensamentos inconstantes; "eu te amo Almeida"- registrava uma. "Diga para Celma que passo hoje aí - mostrava outro. Latas batiam de encontro às calçadas, seguindo em carreira pelo asfalto , soltando bramidos como prostitutas, em seus gritos frenéticos na disputa por seu clientes. Feixes suaves passavam, leves como espuma sobre as águas, mal tocavam o solo e se erguiam pelos ares, quiçá para onde ?! . Caminhões de plástico, carros de madeira nas cores azul, verde, vermelho, esquecidos nos jardins ou quintais também desciam rua abaixo, desfilavam sem vontade e certamente trariam choro aos seus donos depois daquela
amaldiçoada tempestade. As roupas não poderiam deixar de marcar presença por sua composição leve; elas vinham sempre em pé, talvez porque os humanos tem essa tendência de erguer o nariz em forma de auto-afirmação para registrar sua superioridade animal e estas por estarem sempre coladas aos corpos aprenderam; elas também passavam deixando sua fragrância floral, para amenizar a ferocidade do vento intempestuoso que a cada segundo tornava-se mais irracional.

Natalia olhava, olhava...passando os braços ao redor de seus filhos, Marcos, Julia e André.

Natalia contava já com idade de trinta e seis anos e possuia maturidade para compreender as mudanças repentinas do planeta Terra. A meteorologia não indicava aquela tempestade e além do mais era verão !

Não, aquela tempestade não estava prevista, era estranha , muito estranha !

"Por que a senhora está olhando com essa cara séria, mamãe?" - perguntou André ? O pequeno André não possuia a maturidade da mãe e pulava de alegria por sentir a mudança de tempo. Os raios lhe traziam curiosidade, assim como trazem para muitas crianças quando ainda olham a natureza com olhos de pureza e de simples investigadores.

"Estou preocupada com essa chuva, por que estamos no verão, André. Só isto" - respondeu Natalia, com um ar sério, como se aquela chuva não fosse apenas chuva.

Natalia chamou Andre, Julia e Marcos para junto de si novamente, pois eles insistiam em ir para seus quartos. Puseram-se da janela da sala de onde podiam observar toda a ladeira abaixo, com suas avenidas, seus elegantes bangalôs, sua mansões, suas lâmpadas francesas, suas montanhas, suas lojas de sourvenirs e seus dois bancos.

A familia , calada, observou que o céu vestira-se completamente de preto. Não havia mais luz do lado de fora e nem do lado de dentro porque de um segundo a outro a eletricidade da cidade havia desaparecido, como ladrão após obter seu desejado infortúnio!

Natalia então, levada por pelo lado maternal, passou a mão sobre a cabeça dos três filhos, abençoou-os de pensamento apenas, abraçou-os um a um, dando um aperto especial e naquela cena ficou a contemplar o céu, com suas formas e apresentações. "Há momentos em que o homem é apenas homem e está preso a sua limitação" - pensou Natalia, e nada mais fez e a não ser voltar no tempo da sua infância...

O dia era ensolarado e ela em saias de tecido leve com flores em vermelho, azul e amarelo, como girassóis, corria atrás do pequeno Jaquie, pelos gramados que circundavam a casa onde vivera toda sua infância. Pensou na mãe, dona Antonia, com seu pulso firme, forte que de sempre em sempre gritava -"Natalia, deixe o cachorro em paz. Que menina danada !". Sim, dona Antonia era forte e sempre a casa andava em ordem por causa da presença constante dela.

Pensou no seu pai, Carlos, com sua natureza quieta, paciente, tranquila e amorosa!. Ela o vira naquele mesmo dia, pela tarde pela última vez, pois um infarto nefasto o levaria para sempre de sua vida.

Pensou na adolescência, quando conheceu Miguel, atual pai dos seus três filhos. Aquele moreno de olhos cor de mel, de sensibilidade tal como a dela, de pensamentos positivos, de mãoõs delicadas e pronto sempre a satisfazer as inquietudes de Natalia e dos futuros filhos. Lembrou do primeiro beijo de sua vida, atrás dos muros da faculdade de medicina e sentiu novamente o calor que envolveu-a dos pés à cabeça ! Sim, o primeiro beijo, aquele beijo que jamais esqueceria !. Enxergou também, pelo pensamento, o primeiro momento de ternura com Miguel, vividos já na casa pequena a beira do lado Prima, e no quanto cada instante vivido significa ainda até o presente ! Ela o amava profundamente, e este amor regado dia-a-dia tornava o lar equilibrado, forte contra as intempéries dos ensinamentos da vida.

Os pensamentos voaram no tempo e foram parar em Julia e no primeiro olhar trocado entre elas na maternidade. Julia estava de vestidinho cor de rosa, e olhou-a com a face também em cor de rosa, como a dizer "quem é você que me recebe ?". "Quem é você que agora me olha ?". "Quem é você que demonstra me amar ?". Julia, a bela Julia. Muitos foram os momentos de alegria vividos com ela, desde a infância até o momento de adolescência, ou melhor de aborrecência, quando tudo parece desmoronar e somente o amor pode resistir e sustentar.

Lembrou de Marcos, e na diferença de olhar. Marcos tinha um olhar firme, racional, um olhar de mestre do oriente!. Dificil encará-lo olho no olho...mas Natalia o encarava ! Natalia o vira desde pequeno e o sentia mais que qualquer outra pessoa. Natalia o viera chorar muitas vezes quando pequeno daí compreende-lo em cada fase. Com ela Marcos se abria, deixava-se tocar, deixava-se conhecer dia-a-dia.

Viajou no tempo e foi até o pequeno André de quatro anos, com sua ternura e sorriso. Ele havia sorrido pela primeira vez quando ainda contava poucas horas de vida. Natalia não podia identificar se havia sido realmente um sorriso ou apenas um gesto angelical dos bebês quando dormem, mas não importava, para ela havia sido o primeiro sorriso. Aquele André sempre a tocava pelo sorriso. André tinha a capacidade de sorrir e fazer sorrir aos demais, não importando a situação. Ele trazia dentro de si a capacidade de ser feliz só por ser feliz.

Sim, Natalia tinha em casa quatro criaturas, quatro personalidades, quatro maneiras diferentes de encarar a vida, de lutar pela vida.

Mas Natalia teve que voltar a si por causa do barulho insistente do vento forte de encontro a sua casa. Eram como socos de lutador de sumô; fortes e constantes. O telhado era novo, mas não aguentou e saiu voando. Em seguida, logo em seguida, foi a vez dos vidros que se rachavam como doentes terminais; alguns calados, outros bradando, se lamentando, agonizando. E o vento sufocante penetrou no lar, sem piedade, sem dor, sem cor, destruindo tudo que Natalia e sua família havia construído com zelo: foi levando a pia de mármore, a cama de jacarandá, a mesa em laca, a tv de 35 polegadas, o rádio de estimação de Julia, o sofá revestido com cetim, o tapete persa, o pequeno jacinto (periquito papo amarelo), e Natalia e as crianças nada podiam fazer.

O vento uirrava, derrubava tudo, furioso, incontrolável e espatifava de encontro ao piso os perfumes franceses, os xampus naturais, as fotografias das crianças, a fotografia de casamento, a fotografia dos pais de Natalia, as taças de primeiro lugar de natação de Marcos e Natalia nada podia fazer. Estava recolhida a um canto junto com as crianças que se entreolhavam assustadas, agonizantes.

E de um momento para o outro o pequeno André se soltou da mão de Natalia, que começou a gritar desesperada. André não pode ser contido pela mãe, pelos irmãos e bateu de encontro a quina do batente da porta e num grito apenas deu adeus a Natalia.

Veio o tumulto, as dores, as lágrimas, pois o pequeno André que tanto ria deu adeus com um grito. Natalia não conseguiu conter a emoção da partida, mas também nada podia fazer, porque diante da natureza o homem é como um grão de areia no mar, impotente ao seu destino.

De um instante para o outro o vento se foi, levantou asas e saiu dali, como um diabo que recém saido do inferno volta ao seu recôndito cheio de graças por espalhar a desgraça. O vento levou consigo a alma de André, mas não para o inferno, pois o lugar dos anjos é no céu e André havia sido um anjo na vida de Natalia, Miguel, Marcos e Julia. André havia passado rápido na vida terrena mas certamente não deixaria só a lembrança da sua partida repentina...

André e seu belo corpinho jaziam pendentes no batente da escada, pálidos como melão recém saído da horta, contudo, dos olhos, brilhava a luz daqueles que saem da vida sem culpa, e dos lábios, um sorriso para Natalia.

Fontes:
- Oceano de Letras.
- Imagem = http://fimdosdiasnaterra.blogspot.com/2010_05_01_archive.html

O Senhor dos Anéis: Mitos e Realidades


"Se não é alegoria, então seus trabalhos são recheados com personagens e fatos paralelos a este mundo". A complexidade da trama de causa e efeito que Tolkien tece, as interações de motivos e vontades, natural ou sobrenatural são extraordinários, e sem contar o lado fantasioso é profundamente realístico ". Em O Senhor dos Anéis, eu estive pesquisando as similaridades entre os eventos acontecidos na história, religião e em outros trabalhos de Tolkien. A trilogia "O Senhor dos Anéis" é baseada em fatos históricos, religiosos, e em pessoas e outros trabalhos pessoas do autor.

Na trilogia do anel, J.R.R. Tolkien tem uma guerra entre o Oeste e o Leste. Em ambas as Guerras Mundiais esse foi o caso. Alemanha ou Prússia foram os poderes do Leste e América e a pátria de Tolkien, Inglaterra, foram o Oeste. Muitas pessoas comparam a guerra no Senhor dos Anéis à Primeira Guerra Mundial. Como C.S. Lewis diz em "Tolkien e os Críticos":

Essa guerra tem aquela qualidade de guerra que minha geração conheceu. Tem tudo lá: o interminável, o movimento sem sentido, o silêncio sinistro do front quando enfim tudo está pronto. Os civis fugindo, as grandes e vívidas amizades, o pano de fundo de algo como desespero e a frente uma disfarçada alegria e um pouco de tabaco a mando divino salvo das ruínas... ".

Tolkien foi ele próprio afetado pela Primeira Guerra Mundial. Ele serviu num regimento "country regiment" na guerra, com 23 anos na época, e como toda a sua geração de ingleses, jovens leões sob o mando do burro, foram para o abatedouro... Tolkien serviu no papel de soldado de infantaria nos Fuzileiros de Landcashire, um dos bons regimentos, "good country regiments" que inevitavelmente sofreu grandes perdas, diz William Ready em "A relação Tolkien: um inquérito pessoal, The Tolkien Relation: a Personal Inquiry". De fato, alguns críticos afirmam que Mordor é uma imagem das linhas de frente da Primeira Guerra Mundial pela visão de J.R.R. Tolkien. Como diz Manlove em "Fantasia Moderna: cinco estudos Modern Fantasy: Five Studies".

Quando os hobbits adentravam mais em Mordor, já passado o escabroso acampamento militar dos orcs e através das planícies de Gorgoroth "cheias de crateras, como se, quando ainda era apenas um deserto de lama mole, foi crivado com uma chuva de pedras", rastejando de cratera em cratera, nós começamos a perceber o que pode haver atrás do poder com a qual esta paisagem foi apresentada. A própria experiência de Tolkien da destruição gradual da vida e saúde como que se aproximando do Front Oeste na guerra de 1914-18, e o deserto de trincheiras que marcavam o fim daquela jornada; e da intensidade deste relato pode-se perceber que este tipo de paisagem deixou marcas mais profundas que qualquer outra. Alguns críticos dizem que a Guerra teve um papel fundamental na sua carreira como escritor. Seu serviço na infantaria e o fim da guerra faziam parte de uma única força que o uniu consigo mesmo e iria levá-lo ao destino que ele queria e que o surpreendeu na fama que veio mais tarde. Uma outra grande referência de sua vida pessoal veio de sua experiência de guerra nas trincheiras em Somme. Seus relatos detalhados das preparações para a guerra, a estratégia, o ritmo diário que faz parte do tempo de guerra, são muito fiéis e precisos, como se esperaria de um antigo soldado. É mencionado que ele chegou mesmo a usar um almanaque para calcular até aonde soldados a pé poderiam se mover dado um certo período.

Tolkien foi afetado pela guerra e pode até ter usado seus escritos para escapar da dor sofrida durante e depois da guerra, como diz Ready em "The Tolkien Relation: A Personal Inquiry". Por tudo isso a guerra jogou uma sombra sobre Tolkien; ele era um fuzileiro, e é preciso estar pessoalmente sob a sombra da guerra para sentir sua opressão... lá por 1918, todos os seus amigos, com a exceção de um, estavam mortos" (148). Finalmente Tolkien afirma que um conto de fadas, pelo uso da fantasia, fornece um meio de escape e consolo...".

No Senhor dos Anéis, os personagens de Tolkien percebem a guerra contra Sauron da mesma maneira que os povos europeus faziam depois da Primeira Guerra Mundial. "O público em geral via a Primeira Guerra Mundial como a guerra para acabar com todas as guerras, assim pensavam os sobreviventes da Guerra do Anel. Entretanto, Gandalf avisa que enquanto houver o mal, sempre haverá a guerra. Se for banido de alguma forma, aparecerá de outra".

No Senhor dos Anéis, uma conversa entre Gandalf e Denethor parece ter saído diretamente de uma das Guerras Mundiais. Como Kocher repete em "A ficção de J.R.R. Tolkien: O mestre da Terra-média, The Fiction of J.R.R. Tolkien: Master of Middle-earth": A resposta de Gandalf a Denethor afirmando que ele também é um regente, aceita a possibilidade que Sauron conquistará o Oeste… a manhã virá e o bem florescerá por mais completa que a destruição causada pelo mal pareça".

Alguns compararam o Anel com a bomba de hidrogênio e Mordor com a Rússia, como C.S. Lewis diz em "Tolkien and the Critics", e Fuller diz em "Tolkien and the Critics": Uma analogia natural aparece entre a bomba de hidrogênio e o Anel do Poder que por sua natureza não poderia ser usada para conseguir nada de bom". Na Segunda Guerra Mundial, Hitler experimentou uma grande variedade de experimentos genéticos para melhorar a raça ariana, e foi relativamente bem sucedido nas suas tentativas. No Senhor dos Anéis, Saruman também trabalha com genética... ele produz um novo tipo de orc que é melhor lutador e se adapta ao sol melhor que os orcs normais, e são maiores. Em "The Fiction of J.R.R. Tolkien: Master of Middle-earth", Kocher diz "Saruman está continuando estas experiências e produzindo uma nova variação (não uma nova espécie) de orcs da Mão Branca, maiores e melhores guerreiros…".

Hitler, durante a Segunda Guerra Mundial, empregou centenas de espiões. Seu serviço era coletar informação relacionada à guerra. No Senhor dos Anéis, Sauron emprega uma rede vasta de agentes inimigos que estão comprometidos em achar o Um Anel. Como Fuller diz em "Tolkien and the Critics": com tantas desvantagens, contra um adversário tão formidável, um fator significante provê um elemento de esperança na desagradável rede de agentes do Sauron que estão atrás do anel... esse fator é a pequenez e fragilidade de Frodo."

Quando o infindável bombardeio pelos alemães caía, o povo inglês nunca perdia as esperanças ou a coragem de lutar, e como Gimli diz no Senhor dos Anéis, "Há boa rocha aqui; esta terra tem ossos fortes". No Senhor dos Anéis, há várias alusões a eventos que aconteceram na história antiga. Muitos países diferentes de muitas diferentes direções atacaram a Inglaterra em sua historia. Os Romanos, tribos Germânicas, e muitos outros.

Também a Europa lutou desde antigamente contra Árabes e Persas do sul, Mongois, Turcos do leste. Similarmente Gondor resiste aos povos do leste e do sul, que pressionavam contra suas fronteiras por milênios, e se transformaram em aliados naturais contra Sauron. Os Haradrim do Sul lembram mesmo os Sarracenos com sua tez escura armas e armaduras, e sugerem outros exércitos não-europeus no uso de ancestrais de elefantes, enquanto os Wain riders do leste vêm em vagões como aqueles das hordas de Tártaros. Os homens de Gondor vivem e lutam num estilo legendário Arturiano, proto-medieval, e os Rohirrim se diferenciam dos antigos Anglo-Saxões primariamente por viverem em função dos cavalos como os Cossacos.

Na história da Inglaterra, houve várias diferentes migrações. Acontece o mesmo no Senhor dos Anéis. Kocher diz o seguinte sobre isso em "The Fiction of J.R.R. Tolkien: Master of Middle Earth": percebo nas páginas anteriores há várias partes na obra de Tolkien que ganham credibilidade por introduzir episódios de vários tipos que nos tentam com sua semelhança com episódios que nós sabemos ter acontecido realmente em nosso passado não muito distante… como a Terra tem visto ondas e ondas de migrações tribais na Europa de leste e norte, assim também na Terra-média os Elfos, os Edain, os Rohirrim, e os Hobbits, vagaram para oeste em vários períodos das mesmas direções.

No Senhor dos Anéis, o conflito também se encaixaria na descrição das batalhas religiosas durante a Segunda Grande Guerra Mundial. Como Fuller diz em ""Tolkien and the Critics"": O Senhor dos Anéis foi para mim uma revelação alegórica do conflito entre a cristandade ocidental contra as forças englobadas sucessivamente, mas entrelaçadas do nazismo e comunismo. O trabalho foi concebido e continuado quando a sombra mais negra da história foi lançada sobre o Oeste e, por um tempo crucial, sobre a Inglaterra em particular.

O Senhor dos Anéis foi escrito durante a Segunda Grande Guerra Mundial. A batalha em Mordor e o Anel sendo destruído e, portanto finalizado a guerra lembra-me dos últimos estágios da Segunda Grande Guerra Mundial quando os EUA derrubaram a bomba atômica em Hiroshima. Fuller diz em "Tolkien and the Critics" o seguinte:

Em algum momento nos estágios finais de seu desenvolvimento, uma visão ampliada da trilogia veio a ele (Tolkien), e o aumento da escuridão e desesperança sobre o resto do Ocidente na Terceira Era da Terra-média cresceu da escuridão e ameaças pendentes sobre a Cristandade ocidental nos anos 30's quando O Hobbit foi escrito. A Trilogia foi produzida durante e depois da Segunda Grande Guerra Mundial…

O Senhor dos Anéis também tem muitas referências a Bíblia e religião. Essas são as referências a Adão e Eva e a queda do homem. Em "The Fiction of J.R.R. Tolkien: Master of Middle-earth", Kocher diz: a idéias que Durin (um dos pais dos anões) foi o primeiro nascido sem companhia e saiu dando nomes às coisas lembra Adão e Eva." No O Senhor dos Anéis, não há menção de Deus, mas nomes como O Ser Supremo, o Um, e outros vagos, mas claras alusões a Deus. Tolkien disse, numa entrevista que "Gandalf era um anjo", e em uma entrevista a rádio em 1971 revelou que Ilúvatar era Deus.

Há várias outras referências a Cristo. Frodo e/ou Gandalf poderiam ser "antecipações parciais de Cristo". Cristo, antes de ser crucificado rezou para que "o cálice fosse afastado dele". Frodo faz a mesma coisa quando ele pergunta se outra pessoa poderia fazê-lo. Gandalf também se assemelha a Cristo. Ele passa por uma ressurreição e tentação quando Frodo lhe oferece o Anel.

Com Frodo, muito singelo e comovente, está no seu desejo vão de que o cálice seja tirado dele, e que já que isso não é possível, ele vai a sua longa, dolorosa jornada como O Portador do Anel -um tipo de carregador da cruz a vir. Mais misticamente com Gandalf, indicativo de uma operação de um poder não explícito atrás dos acontecimentos, o sábio passa por uma experiência similar a morte, descendo ao inferno, e ressurgindo dos mortos. Também ele vivência algo da tentação na selva na sua recusa do Anel que ele tem poder suficiente para manipular.

No Senhor dos Anéis há boas criaturas e más. As boas criaturas são tipicamente cristãs e as criaturas más são satânicas e demoníacas. "O Mundo de Tolkien tem uma variedade de criaturas malévolas. No centro há os poderes demoníacos, o maior de todos é Sauron, que certamente é uma figura satânica, que provavelmente é nada menos que um anjo caído, cujo nome sugere a serpente."

No Senhor dos Anéis também há várias referências à ressurreição. Na religião cristã, isso é uma parte da maior importância. O tom predominante é muito Cristão. As boas pessoas do Senhor dos Anéis agem como pessoas cristãs e crêem da mesma maneira. Como diz Kocher em "The Fiction of J.R.R. Tolkien: Master of Middle-earth": todas as raças mortais especulam com algum tipo de vida após a morte em algum lugar não específico, e a expectativa de acordar depois da morte é tradicional entre os anões".

A terra chamada de Condado lembra muita a parte rural da Inglaterra. Os hobbits na história habitam uma região tranqüila que tem muita semelhança com Cotswold Country. Tolkien se certifica que em pequena escala seu terreno local, clima, flora, e fauna dominante são bem como nós os conhecemos hoje em dia. No O Senhor dos Anéis, Tolkien descreve estrelas e constelações; as mesmas que nós vemos hoje. Para aumentar a visibilidade, e para também contra balançar a topografia estranha da Europa da Terra-média, Tolkien ilumina o céu noturno com planetas e constelações que conhecemos, entretanto com nomes diversos. Orion é vista pelos hobbits e elfos se encontrando nas florestas do Condado "lá alinhado, enquanto ele sobe pela borda do mundo, O Espadachim do Céu, Mendelvagor com seu cinturão brilhante". Olhando pela janela da estalagem de Bri, "Frodo viu que a noite estava clara. A Foice brilhava por sobre os ombros de Breehill". Tolkien continua dizendo que "a Foice" é o nome que os Hobbit davam ao Arado ou o Grande Urso. Brilhando qual jóia de fogo "Borgil vermelho pareceria ser Marte. A estrela de Eärendil é certamente Vênus, porque Bilbo descreve-a como brilhando logo após o sol se por ("atrás do sol e a luz da lua") e logo antes do nascer do sol ("uma chama distante antes do sol, uma maravilha na aurora…").

Na Europa, a maior parte das línguas são línguas de romance, todas exceto Alemão. Alemão é muito diferente de qualquer outra língua Européia. Como Kocher diz em The Fiction of J.R.R. Tolkien: Master of Middle-earth, "A rivalidade entre Westron e a língua negra de Sauron, falado pelos seus servidores, tipifica a inimizade entre as duas culturas…". Isto poderia muito bem estar descrevendo alemão ou mesmo russo no sentido citado na sentença anterior.

Sauron também "detestava qualquer outra liberdade que não a sua…" A Alemanha nazista também detestava liberdade e democracia durante a Segunda Grande Guerra Mundial. Durante a guerra, Hitler governava num regime totalitário e fascista. Eles controlavam tudo, e conquistavam os países que não acreditavam no que eles acreditavam. No O Senhor dos Anéis, a "forma mais comum de governo é uma monarquia benigna, mas o Condado dos Hobbits é uma pequena vila democrática e o reino de Sauron, Mordor, é claro uma ditadura totalitária e escravagista".

O Senhor dos Anéis tem semelhanças com outras obras literárias. Já foi comparado a obras como King Arthur. A "terra mágica" fica no misterioso oeste, depois do mar, e alguns personagens velejam para lá numa imagem parecida a passagem de Arthur em Avalon. O Senhor dos Anéis parece se baseado numa ópera de Wagner. A estrutura é a mesma e várias similaridades aparecem entre ambas. Como Fuller diz em "Tolkien and the Critics";

A estrutura em quatro partes da obra é análoga ao Anel do Nibelungo de Wagner. Uma estória mais curta e mais infantil (Das Rheingold e O Hobbit respectivamente) em cada caso introduz uma trilogia grande. È estranho e interessante que um Anel do poder é central em ambas as estórias e dá o seu nome aos títulos, e que dragões e uma espada quebrada para ser reforjada por um guerreiro ocorre em cada.

Se "fantasia é baseada em fatos reais" então O Senhor dos Anéis é completamente baseado em eventos históricos, terras, religião, governos, e outros trabalhos de diferentes autores. Citando autores diversos, mostrei que é impossível não ser perseguido por paralelos entre nosso aqui e agora". Eu também descobri que dá para ter diversas interpretações do Senhor dos Anéis, e diferentes sentidos podem ser extraídos das mesmas cenas. Mas de todo modo, O Senhor dos Anéis foi baseado em várias coisas combinadas para formar uma das maiores obras literária que o mundo já viu".

Fonte: TAGGE, Michael. O Senhor dos Anéis: Mitos e Realidades na Trilogia de Tolkien.