quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Trova 214 - Laérson Quaresma de Moraes (Campinas/SP)

Ialmar Pio Schneider (Para a Mulher Amada)


Antes que a noite desça misteriosa
e a ventania sibilante passe,
meu bem, reclina o rosto em minha face
e sonha numa vida mais ditosa !

Amanhã quando o sol desabrochar
um novo dia pleno de esperança,
ficará em nossa alma uma lembrança
que já não poderemos olvidar...

Eu terei mil palavras de ternura
e pra compensar tua formosura
versos de amor direi aos teus ouvidos,

alimentando, então, a grande crença,
não haverá tristeza que eu não vença:
isto porque és a força dos vencidos !…

Fontes:
Soneto enviado pelo autor
Imagem = http://www.poemasepensamentos.com.br

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 418)


Uma Trova Nacional

O Sol, que nasce brilhando,
prenunciando uma alvorada,
dá um beijo saudoso e brando
nos lábios da madrugada...
–ANTONIO COLAVITE/SP–

Uma Trova Potiguar

O brilho do teu olhar
tomando conta de mim,
fez minh’alma se entregar
nos braços do amor sem fim.
–EVA GARCIA/RN–

Uma Trova Premiada

2000 - Niterói/RJ
Tema: DELÍRIO - M/E

Em meus delírios te vejo
surgindo na escuridão,
toda vez que o vento andejo
bate a tranca do portão...
–JOSÉ OUVERNEY/SP–

Uma Trova de Ademar

Após renúncia que fiz
de um amor que foi só nosso;
tento viver mais feliz,
e, infelizmente... Não posso!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Esta calma que me invade
e, por certo, não perdoas,
é, na minha soledade,
a melhor das coisas boas!...
–NYDIA IAGGI MARTINS/RJ

Simplesmente Poesia

Inspiração.
–CARMEN CARDIN/RJ–

Não troco esse momento
por nada deste mundo,
um planeta meu e profundo,
o asteroide do sentimento.

Eu me rendo e me faço
prisioneira desse instante
alucinada e delirante
suor, coração e bagaço.

É minha droga, é meu vício,
essa essência que inspiro,
entre um e outro suspiro,
entre o prazer e o suplício!

É minha deusa, a poderosa,
que me concede e me inventa,
nos braços do sonho me sustenta,
sou tua, Inspiração Preciosa!

Estrofe do Dia


Mãos de avó que me afagaram
hoje trêmulas cansadas,
mas que um dia me embalaram
no choro das madrugadas;
eram mãos tão protetoras,
da melhor das benfeitoras
que por Deus foram criadas.
–VITOR COSTA/DF–

Soneto do Dia

Noite Enluarada.
–PROF. GARCIA/RN–

Quando a lua clareia a noite escura,
Rasga o manto das trevas seculares,
Eu contemplo a mais linda criatura
No planisfério eterno dos altares.

Poetisa que inspira com brandura,
Nossos prantos, soluços e cantares,
Lua cheia no céu, doce ternura,
Que enfeitiça o poeta, encanta os mares.

Na solidão do quarto abro a janela,
Para vê-la no céu, tão pura e bela
Desfilando sozinha na amplidão...

E eu sozinho em meu quarto estendo os braços,
Adormeço, matando os meus cansaços,
Contemplando o luar, na solidão!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Paraná em Trovas Collection - 23 - Vania Maria Souza Ennes (Curitiba/PR)

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 22, final


SOL

Ao Dario Vellozo

Crepúsculo indeciso. As estrelas começam a apagar-se, uma a uma, como lâmpadas que se extinguem. Zéfiro sopra. E num vago sussurro harmonioso, a pouco e pouco, a natureza acorda. Ouvem-se vozes longínquas e dispersas...

Um pássaro:
– Vai despontar a luz.

Outro pássaro:
– Pois que desponte logo.
Tenho ânsias de subir, tenho a cabeça em fogo.
Hoje vou conhecer, pela primeira vez,
A voluptuosidade, a febre, a embriaguez
De voar, de voar, ó sonho que me abrasas!

Outro pássaro:
– Ah que bom de fugir! Que orgulho de ter asas!

Outro pássaro:
– Estou ébrio de amor. O amor é como o vinho.
Que venha logo a luz. Quero fazer meu ninho...

Um galo:
– Dentro desta canção, tão límpida e sonora,
Há matizes de luz e púrpuras d’aurora.

Um corvo:
– Eu sou a podridão e o vento que arrasa;
Sou a fome e a nudez... O sol é a minha casa.

O monte:
– Que solidão sem par, que solidão extrema,
A solidão cruel e áspera de um monte;
Mas quando o sol me toca, é como um diadema,
Aurifulgindo aqui por sobre a minha fronte...

O charco:
– Água esverdeada e suja e pântano sombrio,
Mas quando o sol me doura esta miséria, eu rio.

A floresta:
– Ó delírio brutal! Quando me mordes tu
A carne toda em flor, o seio todo nu,
Com teus beijos de fogo, eu, como a flor do nardo,
Recendo de prazer, e de luxúrias ardo...

Uma árvore:
– Quando ele bate aqui no meio da floresta:
Que sussurro, que ardor, que anseios e que festa!

Uma cigarra:
– Faz tamanho rumor e tamanha algazarra,
Que eu suponho que o sol é como uma cigarra...

Outra árvore:
– E que perfume tem!

Outra árvore:
– E que canções vermelhas!

Outra árvore:
– Nós somos como a flor, ele, como as abelhas!

A terra:
– Quanto me queima o sol, com os seus desejos brutos!

A videira:
– Ó glória de florir e rebentar em frutos!

A palmeira:
– Como gentil eu sou! E o aroma que trescala,
Quando me lambe o sol e o zéfiro me embala!

O orvalho:
– Ao sol eu brilho mais que a pérola d’Ormuz...

O pinheiro:
– Eu sou como uma taça erguida para a luz...

As fontes:
– É um murmúrio sem fim de horizonte a horizonte...
O dia quando nasce é bem como uma fonte...
Através da floresta e desse campo e desse
Vale, há um rumor de luz, como água que corresse...

A abelha:
– Quando sobre o horizonte esse astro heroico assoma:
Que orgulho, que prazer, que vibração cruel,
Pois é de sol e flor, é de luz e aroma,
Que componho esta cera e fabrico este mel!

Um pássaro:
– Ah que alado frescor tem o romper d’aurora!

Outro pássaro:
– É tempo de fugir, é tempo d’ir-me embora...

Outro pássaro:
– É nesse lago azul que hoje quero roçar
As asas...

Outro pássaro:
– E eu é sobre as ondas desse mar...

Um pastor:
– Eu nunca vi o céu de uma beleza assim:
É todo de ouro e rosa e púrpura e carmim...

Outro pastor:
– Dentro daqueles véus ideais do rosicler;
A aurora tem a graça e o ar de uma mulher...

Outro pastor:
– Mas ei-lo que surgiu, em rufos de alvoroço,
Brilhantemente nu, divinamente moço,
Eterno de frescor juvenil e tamanho,
Como se viesse de um maravilhoso banho,
Feito de águas lustrais, e aroma, e ambrosia,
E coragem, e luz, e força, e alegria ...

Uma rosa:
– E que límpido céu! Que espetáculo rubro!

Outra rosa:
– É realmente bela esta manhã de Outubro!

Um beija-flor:
– Eu nunca vi assim manhã tão luminosa...

Outro beija-flor:
– É fina como o lírio e é ardente como a rosa...

Um pastor:
– Quando o sol aparece em ondas, a beleza
E a frescura, que espalha, é de tal natureza,
Tem um olhar tão bom, tão novo, tão jocundo,
Que toda madrugada é o começo do mundo...

A floresta:
– Tu me beijas, ó sol, tão loucamente, espera,
Que eu em pleno fulgor ideal de primavera,
Debaixo desse fogo ardente de teus beijos,
Em delírios de amor e amplexos de desejos,
Arrebentando em flor, completamente louca,
Ofereço-te o seio, ofereço-te a boca!

Um pássaro:
– Aqui, onde eu estou, deste raminho verde,
Quero subir até onde a vista se perde...
Quero aos raios do sol minhas asas bater,
Até cair no chão, bêbado de prazer...

As ovelhas:
– Luz radiosa e pura, ó fonte criadora,
Luz que faz germinar em grãos a espiga loura,
E que veste de verde os campos seminus.
Bendita sejas, flor, bendita sejas, luz!

O poeta:
– Ah! Que sombria dor e que profunda mágoa
De não poder ser eu aquela gota d’água,
Que depois de fulgir, assim como uma estrela,
Derrete-se na luz, funde-se dentro dela!

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Manoel de Barros (Poemas Rupestres) Parte II


5.

Com aquela sua maneira de sol entrar em casa
E com o seu olhar furado de nascentes
O menino podia ver até a cor das vogais –
Como o poeta Rimbaud viu.
Contou que viu a tarde latejas de andorinhas.
E viu a garça pousada na solidão de uma pedra.
E viu outro lagarto que lambia o lado azul do
silêncio.
Depois o menino achou na beira do rio uma pedra
canora.
Ele gostava de atrelar palavras de rebanhos
diferentes
Só para causar distúrbios no idioma.
Pedra canora causa!
E um passarinho que sonhava de ser ele também
causava.
Mas ele mesmo, o menino
Se ignorava como as pedras se ignoram.

Neste poema, através da criação poética, o autor continua sua linha de teorização sobre a poesia e vai exemplificando em cada verso o conceito de teoria poética. Aprofunda sua teoria da arte poética pelo exercício do fazer e acontecer poético.

Em cada verso se manifestam teoria e prática poéticas. O poeta, como o menino do poema, instaura um mundo poético, seus elementos e percepções novas de um mundo ao revés, por meio da reversibilidade dos sentidos. Os sentidos em estado de reinaugurações (várias e múltiplas) permitem a expressão e o acesso aos horizontes novos continuamente inaugurados.

Em especial o olhar, assumido referencialmente como ponto de partida, assume a capacidade de todos os sentidos e dá suporte para a lógica poética das inaugurações. O novo sentido aparece a cada momento, em cada afirmação poética que o olhar, sentido ampliado, lhe oferece inúmeras possibilidades. Os atos inaugurais congregam um alto nível de exuberância vital, de expressividade do que já tinha sido dado, concedido, para a novidade da próxima expressão, da próxima inauguração. Ao percorrer o encadeamento lúdico das inaugurações, ou os versos portadores das novidades, o conjunto se manifesta como um roteiro de alegres surpresas, de percursos apelativos e atraentes concretizando o jogo das novidades que se oferecem com espontaneidade e graça, com leveza e forte atração, de tal forma que ao final do percurso o leitor se vê aberto, outro e criativo também.

A lógica do poema produz outros atos criativos e o primeiro é a auto-percepção modificada do próprio leitor que se deixou inaugurar pelo lúdico caminho inaugural do poema.

A inauguração central – “Olhos furados de nascentes” – mostra que o sentido do olhar em seu estado de amplitude se recria e torna-se fonte de tantas percepções: ‘furado de nascentes!' Normalmente, na lógica racional, furado é para dentro, para se ver o de dentro; aqui o olhar se estende pelos jorros criativos que furam os olhos da lógica e oferecem outras percepções. Além disso, na mitologia, Édipo Rei fura os próprios olhos e descobre outros sentidos, outra visão da realidade – vê mais que a aparência. Então o poeta fura os olhos por jorros de nascentes que oferecem outras visões, outras dimensões do real. Aqui a metáfora sugere outros sentidos além da lógica racional. Com os olhos furados – ver em profundidade – de nascentes – para criar, não só constatar ou perceber – o poeta supera o mito grego que somente propôs compreensão e novas visões do real. Aqui o poeta jorra em nascentes criativas, em visões capazes de inaugurar os dizeres não ditos nem sugeridos que gritam por nascentes. O olhar do poeta se auto-define como olhar de diversas vertentes criativas para além do que já se imaginou. Daí sua arte ser original.

O poema propõe sua teoria poética e a concretiza:

- O poeta / menino inaugura a cor das vogais. Viu a tarde latejar de andorinhas (pulsar de vida) – Viu também a solidão da garça.
- Viu o lagarto que lambia o lado azul do silêncio (viu a cor das vogais).
- Achou na beira do rio uma pedra canora (viu, o olhar se ofereceu aos ouvidos).
- Atrelava palavras de rebanhos diferentes para ofender a lógica do idioma (contra a gramática racionalizada).
- Brinca com a lógica racional: ‘pedra canora causa!' Causa o quê? Som? Barulho? Tropeço? Alicerce? Afinal é uma chance para o leitor criar também.
- O passarinho que se oferecia ao menino sonhava ( O menino já contaminara o pássaro que se tornara criador) – Causa. Tornara-se capaz de tudo!
- E o menino incorpora-se ao mundo excluindo-se do domínio do racional: ‘ignorava-se como uma pedra se ignora!'

Essa última metáfora é a expressão máxima do poeta que assume o ato criador, nele aconteceu a entrega total. Não mais se vê, somente se ignora para perder o uso da razão lógico-reflexiva, pois seu olhar dinamizado pelo liberdade e pela forte capacidade de imaginar suplantou a repetição – somente se vê em estado de novidade. É o mesmo sempre se reinaugurando. A palavra pedra pode assim se desprender do que lhe atribuíram ou lhe fixaram como significado para poder ser ela em um estado de outros significados.

O poeta/menino está no máximo de sua capacidade criativa, perde-se para ser sempre o outro, a reinauguração constante de si mesmo. O percurso poético poderá ser reinventado porque ele já perdeu a memória da fixação do sentido, poderá criar continuamente, pois terá percepções de si e do mundo nunca repetidas, pois sua plataforma de olhar e sua plataforma de percepção serão sempre novas.

Esse é o ápice do poeta, não repetir, estar em estado de novidade, de percepção criativa constante, de si e do mundo. Arrebatado pelo dinamismo criador o poeta só é, só se percebe na novidade, no ato criador.

Não poderia haver poema que melhor exemplificasse o que é poética e poema, além de mostrar como é um processo criador indicando o efeito em quem o assume: o poema inaugura o mundo, as coisas, as pessoas e o próprio poeta!

6.

Desde sempre parece que ele fora preposto a pássaro.
Mas não tinha preparatórios de uma árvore
Pra merecer no seu corpo ternuras de gorjeios.
Ninguém de nós, na verdade, tinha força de fonte.
Ninguém era início de nada.
A gente pintava nas pedras a voz.
E o que dava santidade às nossas palavras era
a canção do ver!
Trabalho nobre aliás mas sem explicação
Tal como costurar sem agulha e sem pano.
Na verdade na verdade
Os passarinhos que botavam primavera nas palavras.

Continua a proposta, concretizada neste poema, da construção poética pela auto-entrega do poeta aos objetos, às coisas, às palavras, emprestando o seu ser ao ser das coisas para que elas possam expressar as suas vozes. Torna-se uma batalha para o poeta que caminha e se expões na abrangência do caminho ou percurso proposto: o olhar.

Entregue, completamente, ao aprendizado da linguagem das coisas e dos pássaros, anela “merecer em seu corpo ternuras de gorjeios”, porém não passara pela instância de ser árvore. Vale dizer, para adquirir no corpo as ternuras dos gorjeios, era necessário ter adquirido a habilidade de se entregar completamente, a ponto de ser “árvore”. Uma dimensão inusitada e sem linguagem lógica para dizer que “ser árvore” é perder-se, entregar-se ao processo para ser fonte criadora e inaugural. Dessa forma o poema teoriza o percurso da invenções, das inaugurações poéticas. Não basta ter o desejo sem se desprender, sem se libertar da própria voz para ser apropriado pelas vozes e estados das coisas, e no caso, de ser ‘árvore'.

Neste poema acontece a confissão do empobrecimento da criação poética: “Ninguém tinha força de fonte, Ninguém era início de nada!” – Uma vez constatado o estado de indigência do fluxo criador ou inaugural, o poeta parte para outra dimensão do processo poético assumido.

“O que dava santidade às nossas palavras era a canção do ver!”

O tema da santidade abre um horizonte amplo: “Só Deus é santo!” Existem pessoas santas por aproximação ou por imitação ou por semelhança, quando assumem em sua limitação uma parte ou participa do fluxo criador (Santidade) de Deus. Santos criam, inventam, inauguram estágios de entrega e amor; criam por generosidade horizontes de integridade interior e beleza, testemunham a entrega do amor criativo. Assim são os santos e Deus sempre inaugura tudo. Santidade é a novidade da criação, do elo participativo do poder criador de Deus. Ele inaugura e o homem pode inaugurar também, dependendo de sua capacidade de entrega, de se deixar iluminar por um poder fontal que assumido torna o homem também fontal.

Aqui o processo de olhar e ver abre uma perspectiva de coerência no processo do poema desde que a inauguração tenha algo de pressuposto, de materialidade da palavra. Sendo vista, recebe outros sentidos inaugurais.

O poeta se entrega ao processo de “canção do ver”, mas não se entende – titubeia entre a lucidez própria e a entrega à luz/processo criador da santidade. Confessa que não entende, não sabe explicar.

Ao constatar que a santidade é inaugural a partir de um pressuposto – a palavra – salta e proclama-se indigente passando a fonte para os passarinhos.

Estes sim, “botavam primavera nas palavras” – Estes levavam as palavras aos brotos, aos recomeços, aos rebentos de uma nova expressão, de um novo sentido. A fonte dos brotos, do renascer das palavras tinha origem nos pássaros. O poeta encolhera-se e não quis se entregar à santidade da ‘canção do olhar!'

Conclui-se que as coisas, os pássaros não amedrontam a capacidade de entrega do poeta, são cúmplices. Quando se trata de um fluxo inaugural mais límpido, sem substrato, o poeta recua e escolhe a fonte das coisas. Quando a oferta de uma entrega ao próprio jorro inaugurante – a santidade – lhe é oferecido, ele procura a fonte cuja dinamicidade ele conhece. São escolhas processuais e poéticas, ambas inauguram.

7.

A turma viu uma perna de formiga, desprezada,
dentro do mato. Era uma coisa para nós muito
importante. A perna se mexia ainda. Eu diria que
aquela perna, desprezada, e que ainda se mexia,
estava procurando a outra parte do seu corpo,
que deveria estar por perto. Acho que o resto da
formiga, naquela altura do sol, já estaria dentro
do formigueiro sendo velada. Ou talvez o resto
do corpo estaria a procurar aquela perna
desprezada. Ninguém viu o que foi que produziu
aquela desunião do corpo com a perna desprezada.
Algumas pessoas passavam por ali, naquele trato
de terra, e ninguém viu a perna desprezada. Todos
saímos a procurar o pedaço principal da formiga.
Porque pensando bem o resto da formiga era a
perna desprezada. Fomos à beira do rio mas só
encontramos pedaços de folhas verdes carregados
por novas formigas. Achamos a seguir que as novas
formigas que carregavam as folhas nos ombros, elas
estavam indo para assistir, no formigueiro, ao
velório da outra parte da formiga. Mas a gente
resolveu por antes tomar um banho de rio.

Poema em prosa poética?

Continua o mesmo argumento de o poeta atingir o ponto inaugural.

O centro do poema parte de uma coisa muito insignificante e difícil de ser individualizada em meio ao universo/cenário apresentado: “uma perna de formiga, desprezada, dentro do mato”.

Tal achado foi julgado muito importante pela turma, pois ainda se mexia e de acordo com a ludicidade infantil pensavam que ela procurava o resto de seu corpo. Ou ainda este corpo estaria procurando a própria perna.

As conjecturas lúdicas tecem o corpo do poema e fazem tudo girar ao redor de uma coisa minúscula mas julgada muito importante pela turma: a perna desprezada e sem corpo.

Para aumentar a importância do “desimportante”, afirma que várias pessoas passavam por ali e ninguém percebia o achado da turma: a perna da formiga.

O “desimportante” move a turma a descobrir as outras formigas, mas com o jogo completo de pernas. Inauguravam suposições sobre as formigas: “iam as formigas, para o velório da formiga sem perna.”?

Quando a turma percebeu que não iam resolver a questão da perna da formiga desprezada – quando o mundo das formigas ia complicar e tornar-se importante para eles, tomaram uma decisão bem lúdica: “vamos tomar banho no rio!”

Assim o “desimportante” teve seu foco, moveu o “jogo” e retornou a seu ritmo de desimportante; ao passo que a turma escolheu o trivial, outro desimportante, sem complicação: “tomar banho no rio”, onde tudo é gratuito e nada se repete. Ali no banho, cada movimento ou posição na água é sensivelmente mutável e inaugurável.

8.

Fomos rever o poste.
O mesmo poste de quando a gente brincava de pique
e de esconder.
Agora ele estava tão verdinho!
O corpo recoberto de limo e borboletas.
Eu quis filmar o abandono do poste.
O seu estar parado.
O seu não ter voz.
O seu não ter sequer mãos para se pronunciar com
as mãos.
Penso que a natureza o adotara em árvore.
Porque eu bem cheguei de ouvir arrulos de passarinhos
que um dia teriam cantado entre as suas folhas.
Tentei transcrever para flauta a ternura dos arrulos.
Mas o mato era mudo.
Agora o poste se inclina para o chão — como alguém
que procurasse o chão para repouso.
Tivemos saudades de nós.

Este poema apresenta a volta à infância como estado inaugural contínuo, ao jogo com expressão do fortuito e lúdico. O jogo tira a pessoa do compromisso com o reflexivo, com a lógica racional.

A raiz do lúdico, com referência da entrega no jogo é, no poema, o “Poste”, ao redor do qual os jogos aconteciam no tempo inaugural. Tudo, no jogo dos infantes, é inaugural porque, em cada instante, ninguém aprisiona o acontecimento. Qualquer posição ou caminho será novo a cada passo.

O tempo reflexivo e a idade tornaram-no(o poste) precário, em estado de abandono pela falta de vida inaugural ao seu redor.

Está, o poste, em estado de inanição = limo verde, borboletas... que somente se inauguram em seus vôos enfeitados... ao redor do poste agora tudo está parado e sem vida.

O poeta se surpreende com o estado de inanição do poste: “O seu estar parado / O seu não ter voz / não ter mais contato ou referência das mãos!”. Aliás as mãos teriam sua voz e seu valor inaugural de deixar livre ou terminar o jogo mudando de condição: livre/preso.

O poeta inaugura o mundo possível, futurível que poderia ter tido: a voz das mãos seria substituída pelos arrulhos dos pássaros pousados entre suas folhas. A ternura dos arrulhos sonhados / inaugurados também se constituem na fugacidade do imaginar. A mudez retomada do poste inaugura a sua verdade crua: o mato era mudo. Então o poeta mostra-lhe a vocação atual: “o poste se inclina para o chão – como alguém que procurasse o chão para repouso!”

“Tivemos saudades de nós” – inclui-se no fecho do poema a saudade do brilho do poste e da vida ao seu redor. O inaugural proporcionou um retorno à infância como tempo ideal para se viver no enlevo lúdico, na sucessão do impensado e do não calculado. Vivia-se a entrega ao momento que tecia a alegria e a expansão inaugural de cada um na imprevisibilidade do inocente jogo de meninos. Estes se encantavam tendo como referência o poste. Hoje o carcomido poste trouxe a beleza do tempo em que a entrega à vida acontecia sem pejo. Em tal época a vida resplandeceu... Agora sua memória a trouxe com sentimento de saudade.

9.

E agora
que fazer
com esta manhã desabrochada a pássaros?

O poema celebra a vida em flor viva, de pássaros; estes são capazes de escrever aquilo que ainda não foi vivido e reinventar a vida a cada momento. Dessa forma a manhã de per si já é um florescimento e aqui se abre em flor de pássaros que embelezam o dia e o mundo. O encanto do poeta não tem resposta, fica meio perplexo e interroga-se com vontade de segurar o momento. Assim a pessoa se expõe ao encanto, deixa-se enlevar e percebe que o momento se eterniza dentro dele, mas não o pode reter, será sempre “esta manhã desabrochada a pássaros?” Sempre perdurará a interrogação no anseio de a passar a todos que não a viram desabrochar. Somente o poema será o registro desta beleza.

Fonte:
Portal das Letras - Pe. Afonso de Castro
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/p/poemas_rupestres

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Aventura do Príncipe – VI – Os espantos do príncipe


Narizinho e o príncipe, de braços dados, percorriam o sítio. Já haviam visitado o chiqueirinho de Rabicó. Estavam agora sentados na grama, à espera da Emília para irem ver a vaca mocha. O príncipe não fazia a menor idéia do que fosse uma vaca e mostrava-se impaciente por ser apresentado àquela.

— A vaca mocha — ia explicando a menina — é a senhora mais importante aqui do sítio — depois de vovó e tia Nastácia. Muito bondosa, incapaz de fazer mal a um mosquito.

— Mas como então devorou o pai, a mãe e todos os parentes do senhor Visconde de Sabugosa?

— É que eles eram sabugos e sendo sabugo a mocha não perdoa mesmo. Agarra e vai mascando. Mas para gente como nós, gente de carne, ela não faz nada. Vaca não come carne, sabe? Nem minhoca! Pedrinho já fez a experiência. Pôs-lhe uma gorda minhoca no cocho. Sabe o que ela fez? Virou a cara de lado e cuspiu de nojo.

O príncipe lá no seu íntimo achou que a vaca devia ser uma criatura de muito mau gosto. Comer sabugo e ter nojo de minhoca era para ele a coisa mais absurda do mundo. Nisto chegou Emília.

— Que demora! — disse Narizinho. — Estamos aqui à sua espera faz um século. Que esteve fazendo?

— Ajudando dona Aranha a remendar suas meias, sabe? Oh, como dona Aranha remenda bem! Cerze com a maior perfeição. Se eu fosse você não deixaria dona Aranha voltar para o reino.

E dirigindo-se ao príncipe:

— Por que não dá dona Aranha para Narizinho? Apesar de ser princesa, Narizinho anda sempre de meias furadas por falta duma boa aranha aqui no sítio.

— Começam as inconveniências! — advertiu a menina fazendo carranca. — Anda com meias furadas o seu nariz. Vamos visitar a vaca mocha que é o melhor.

Foram em direção à cocheira. Assim que o príncipe deu com a vaca, estacou, de olhinhos muito arregalados. Nunca supôs que houvesse um bicho tão fora de propósito.

— Pois é esta a mocha, príncipe — disse a menina. — Veja que respeitável senhora é, que pêlo macio, que pontudos chifres. Mocha quer dizer sem chifres. Esta é a única exceção que há no mundo, isto é, aqui no sítio.

O príncipe olhava, olhava, sem entender muito bem. Depois entrou com perguntas.

— E que é isto que ela tem pendurado aqui embaixo?

— São as tetas — explicou a menina. — Teta quer dizer torneirinha de leite. Tia Nastácia espreme essas tetas para tirar uma água branca chamada leite. Todas as manhãs eu tomo um copo desse leite bem quentinho e espumante, tirado justamente dessas torneirinhas.

— E isto aqui ? — perguntou o príncipe — apontando com o cetro para a cauda.

— Isso é o espantador de moscas. Serve para espantar as moscas que vêm brincar em cima dela.

Querendo também mostrar sua ciência, Emília acrescentou:

— Esse espantador foi pregado aí por tia Nastácia. Quando a mocha nasceu não tinha nada atrás.

— Não acredite, príncipe! Emília está bobeando você. Todas as vacas já nascem de espantador, como todos os peixes já nascem de cauda.

Tão interessante achou o príncipe aquele comprido apêndice movediço com mecha de cabelo na ponta, que se declarou disposto a adotar a moda no reino. Depois examinou atentamente os chifres.

— Também são espantadores de moscas? — perguntou.

— Não! — respondeu a menina. — Isso aí são espantadores de gente. Chamam-se chifres e servem para chifrar.

— Chifrar? Que é chifrar? — indagou ele, de carranquinha.

A menina deu uma risada gostosa.

— Chifrar, príncipe, é dar chifradas, entende? dar uma cabeçada com os dois espetos tortos na testa. Mas não tenha medo. A mocha não chifra ninguém — só cachorro que vem latir perto dela.

— E estas quatro estacas? — perguntou o príncipe apontando para as pernas da mocha.

Narizinho deu outra risada ainda mais gostosa.

— Como é burrinho este meu maridinho! Pois não vê que são as pernas? Sem isso, como poderiam as vacas ficar de pé e andar?

Emília meteu o bedelho.

— Essa é boa! Quantos bichos não há sem pernas e que andam muito bem?

— Diga um, vamos!...

— O relógio de dona Benta. Não tem pernas e ela diz sempre: “Este relógio, apesar de ser mais velho do que eu, anda muito bem.”

A menina olhou para Emília com cara de dó.

— Que pena! — disse. — Tão “inteligente” e não aprende nunca a diferenciar as criaturas vivas das coisas inanimadas...

O príncipe não tirava os olhos da vaca, sempre admirado. Quis saber como é que ela fabricava o leite.

— Está aí uma coisa que não sei — respondeu a menina. – A mocha come capim, come abóbora, come sabugo, mastiga tudo muito bem, engole — e sai leite do outro lado pelas torneirinhas. Tudo quanto come vira em leite. Se comer o Visconde, vira-o em leite também. É um mistério que não entendo.

— Pois eu entendo! — gritou Emília. — É que a mocha todos os dias come mandioca. Leite, na minha opinião, é mandioca líquida.

— Que sandice, Emília! Que bobagem! Pois não vê que Rabicó também come mandioca e não dá leite?

— Isso é porque Rabicó não tem torneirinhas. Se tia Nastácia pusesse nele quatro torneirinhas, juro que saía leite.

— Desculpe, príncipe — disse a menina voltando-se para ele.

— Esta nossa amiga marquesa possui uma torneirinha de asneiras.

Quando a abre, ninguém pode com a vida dela.

Mas Escamado não ouvia. Continuava de olhos pregados na mocha. Por fim mostrou desejos de levá-la para o reino.

— Impossível, príncipe! — respondeu Narizinho muito pesarosa. — Em primeiro lugar, mocha é de vovó e vovó não deixa; em segundo lugar, beberia pelo caminho tanta água do oceano que o leite ficaria salgado.

— Que pena! Esta senhora faria um grande sucesso na minha corte.

Emília meteu o bedelho outra vez.

— Aposto que dona Benta deixa! — berrou ela. — Aposto que se o príncipe der uma boa baleia em troca, dona Benta deixa. As baleias também dão leite.

A menina pôs as mãos na cintura.

— E onde iria vovó botar essa baleia? — perguntou ela muito séria.

— Aqui na cocheira, ora essa! Se a mocha pode morar aqui por que não o poderia a baleia? Em que a tal baleia é melhor que a mocha, diga?

Narizinho enjoou-se da burrice da Emília e enfiou-a de cabeça para baixo no bolso do avental. Justamente nesse instante a vaca deu um mugido. O príncipe, que não esperava por aquilo, caiu para trás com o susto.

— Coitadinho do meu maridinho !— exclamou a menina precipitando-se para erguê-lo. — Não precisa assustar-se assim, bobo. A mocha dá esses berros só de brincadeira — e ajudou-o a compor diversas escamas que haviam saído do lugar.

O príncipe, entretanto, não quis mais saber de histórias. Pálido ainda do susto, tratou de voltar para casa.

— Sofro do coração — explicou — e se esta senhora berra outra vez, sou capaz de cair em desmaio. Vamos embora...
––––––––
Continua... Aventura do Príncipe – VII – O Desastre

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

José Carlos Dutra do Carmo (Manual de Técnicas de Redação) Parte IX


FIGURAS DE LINGUAGEM.

À procura de melhor expressar seus sentimentos, emoções e pensamentos, a fim de procurar uma linguagem que seja mais expressiva, original ou criativa, os trabalhadores da palavra valem-se de figuras estilísticas.

FINALIZAR.

Evite finalizar sua redação (é o principal defeito), principalmente com as expressões: em resumo, enfim, finalmente, por fim. Termine-a naturalmente, sem se utilizar de chavões.

FORMA.

Sempre que possível, ao usar a mesma relação ou idéia num texto, varie a forma de expressá-la.

Como aperfeiçoar a forma? Pelo exercício constante e cuidadoso! Exercitar-se quer dizer escrever e ler bons autores.

Cada estudante tem sua maneira de escrever. Não possui um sentido definido. Porém, é inegável que já tem um jeito próprio.

Por forma, entende-se o desembaraço de expressão, a procura de imagens e comparações, a busca da palavra apropriada, a utilização, enfim, dos recursos mais eficientes e belos na transmissão das idéias. Forma é harmonia e sonoridade da frase.

Há palavras que ninguém emprega. Às vezes uma que outra se escapa e vem luzir-se desdentadamente, em público, nalguma oração de paraninfo. Pobres velhinhas... Pobre velhinho!

A guerra sempre traz destruição e morte. No entanto, depois dessa cruel forma de demonstrar a superioridade do vencedor, os vencidos levantam a cabeça, enchem-se de um patriotismo vibrante e se empenham em levantar seu país.

FRASES ADEQUADAS.


ERRADO……………………………………………….CERTO
…grande número de mortos…_____________muitos mortos…
Todo mundo gostou.___________________Todos gostaram.
…causou desastre na agricultura.__________…causou prejuízos à agricultura.

FRASES COMPLETAS.

Escreva as frases com sentido completo.

FRASES COM SENTIDOS INCOMPLETOS
Chegando lá, fomos para o apartamento. (Apartamento de quem?).
Fui à capital. (Que capital?).

CORRIJA-AS PARA
Chegando lá, fomos para o apartamento de uma amiga.
Fui a Salvador, ao Rio de Janeiro, etc.

FRASES CURTAS.

Use frases curtas e inteligentes. Com elas, tropeçará menos nas vírgulas, nos pontos ou nas reticências. “Uma frase longa”, ensinou Vinícius de Moraes, “não é nada mais que duas curtas.”

Só em discursos é que se usam períodos longos.

FRASES FRAGMENTADAS.

Evite as frases fragmentadas, que separam indevidamente o sujeito do predicado.

TEXTOS COM FRASES FRAGMENTADAS
Comi o doce e gostei.
Disse que faria e fez.
Tentei convencê-lo. Ele estava com a razão.
Entrou em pânico. O elevador trancara. Havia faltado luz.
O Amazonas possui recursos inesgotáveis. O maior estado do Brasil.

CORRIJA-OS PARA
Comi o doce e gostei dele.
Disse que faria o serviço e realizou-o a contento.
Tentei convencê-lo de que estava certo.
Entrou em pânico porque o elevador trancara com a falta de luz.
O Amazonas, que é o maior Estado do Brasil, possui recursos inesgotáveis.

FRASES INTRINCADAS E DESCONEXAS.

O estudante deve ser orientado a escrever com clareza. Não há lugar numa redação para períodos confusos, de difícil entendimento. Nem para a repetição de palavras, frases, idéias e períodos demasiadamente longos. São eles os maiores inimigos da clareza.

FRASES REPETIDAS.

Evite usar frases desnecessárias ou repeti-las.

FRASES REPETIDAS
Um mundo de sonhos era o mundo em que ela vivia.
Depois de todos esses dias que passei lá, que foram uns dias maravilhosos…
Os policiais, que são agentes da polícia, entraram no banco armados com armas pesadas.

CORRIJA-AS PARA
Ela vivia num mundo de sonhos.
Depois de todos esses dias que passei lá, que me foram maravilhosos…
Os policiais entraram no banco com armas pesadas.

FRASES. ESTRUTURA.

Erros de concordância nos tempos verbais, fragmentação da frase, separando sujeito de predicado, utilização incorreta de verbos no gerúndio e particípio são algumas das falhas mais comuns nas redações. Esses erros comprometem a estrutura das frases e prejudicam a compreensão do texto.

GENERALIZAR.

Evite empregar os seguintes vocábulos genéricos: coisa, dar, fazer, ninguém, nunca, sempre, ser, ter, todo mundo, etc.

Em se tratando de dissertação, é sempre pecado mortal generalizar conceitos, pois acabam soando como preconceitos. Idéias muito ampliadas nada significam.

Não generalize. Seja específico, utilize argumentos concretos, fatos importantes. Uma redação cheia de generalizações demonstra falta de cultura e de conhecimentos gerais de seu autor. Uma maneira prática para solucionar o problema é a leitura de qualquer gênero, como jornais, revistas e livros. Assista a programas de reportagens, a filmes, a documentários. Interesse-se pela cultura. Alimente sua inteligência.

GENERALIZAÇÕES QUE PECAM PELA IMPRECISÃO:

As crianças são inocentes.
Os homens batem nas mulheres com freqüência.
Os homossexuais são desavergonhados.
Todo político é ladrão.
Os velhos são sábios.

GERÚNDIO.

Evite a predominância do uso do gerúndio, pois este empobrece o texto. Prefira orações desenvolvidas ou o verbo na forma infinitiva mais conjunção.

Use o verbo no gerúndio somente quando quiser caracterizar os seres enfatizando suas ações.

GÍRIA.

As gírias são um meio de expressão perfeitamente aceitável em certos momentos de textos narrativos, em especial nos diálogos travados por alguns personagens. Tornam-se, entretanto, completamente inadequadas quando usadas em uma dissertação.

Jamais use gírias ou qualquer outra variação lingüística que limite o entendimento do texto.

Somente use gírias se o assunto e suas personagens exigirem na situação apresentada. Com isso, poderá aumentar o realismo da narração.

FRASES COM GÍRIAS
O marmanjo bolou um jeito maneiro de se pirulitar.
O cara deve procurar sacar se a lei está com ele ou não.
Fiquei gamado naquele broto porque ela é bacana pra chuchu.
O deputado pisou na bola e deu a maior bandeira no seu depoimento.

PREFIRA
O homem criou uma forma inteligente de fugir da situação.
O cidadão deve procurar certificar-se de que está agindo dentro da lei.
Fiquei apaixonado por aquela garota, porque ela é muito simpática e atraente.
O deputado cometeu um erro e acabou se comprometendo no seu depoimento.

GRAFIA.

Prefira as palavras de grafias fáceis (mais fáceis de serem escritas). Lembre-se de que a língua portuguesa é muito rica em sinônimos.

Tome cuidado com a grafia de palavras que não conheça. Quando tiver dúvidas, consulte o dicionário. Se não for possível, substitua a palavra por outra cuja grafia você conheça bem. Portanto, descarte palavras de grafia duvidosa.

EM VEZ DE_______________PREFIRA
Escassa________ __________Rara
Neném ___________________Criança
Sucinto___________________Breve
Exíguo ___________________Pequeno
Expor____________________Mostrar
Parcimoniosa_____ _________Econômica
Submissa________ _________Obediente
Nódoa____________________Mancha

Fonte:
http://www.sitenotadez.net

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Nemésio Prata Crisóstomo (Queimadas)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 417)

Por Do Sol Em João Pessoa/Pb- "Jurandy Do Sax" Toca Bolero De Ravel
Uma Trova Nacional

Tristeza, estresse, por que?
Tenha uma vida sadia!
- Participe da UBT,
faça uma Trova por dia.
–NEOLY VARGAS/RS–

Uma Trova Potiguar

Felicidade é somente
uma visita apressada
que aparece de repente
e parte sem dizer nada.
–APARÍCIO FERNANDES/RN–

Uma Trova Premiada

2009 - Algarve-Portugal
Tema: LIVRE - 2º Lugar.

Quem cultiva uma amizade
dentro do seu coração
pode morrer de saudade
mas nunca de solidão.
–OLYMPIO COUTINHO/MG–

Uma Trova de Ademar

É tão grande o seu sofrer
que ela busca na bebida
todo tipo de prazer
numa renúncia de vida...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Faço preces... Leio salmos...
E buscando a calma em Deus,
encontro em teus olhos calmos
a paz que falta nos meus!...
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Simplesmente Poesia

Pra Não Dizer Que Não Falei das Dores.
–HELENICE PRIEDOLS/SP-

Que me perdoem
os vanguardistas e os moderninhos
Os punks e os góticos
Os downs e os undergrounds
Não tenho vocação
Nem pra rebeldia
nem pra depressão
Eu visto rosa e tomo sol
Não vejo novela nem tomo coca-cola
Dou comida a quem tem fome
Mas não alimento
a exploração das dores do mundo
Onde houver o bem
Não haverá lugar para o mal
Acredito na paz
E ainda tenho esperança no homem
Minha revolta é subliminar.

Estrofe do Dia

A cantoria é cultura
Espalhada nesse mundo
Educando em um segundo
Sem precisar formatura
O poeta tem candura
Fala da vida e da dor
Da tristeza e do amor
Das coisas do coração
Viola, verso e canção
São armas de um cantador.....
–HUGO ARAUJO/PE–

Soneto do Dia

De Volta aos Quintais.
–JOSÉ ANTONIO JACOB/MG–

Mesmo corrido o tempo guardo apreço
Aos meus passos cansados, desiguais,
Que sempre me levaram sem tropeço
Ao refúgio da infância nos quintais.

Nada mudou! De longe reconheço
A confraria alegre dos pardais
E as mesmas roupas claras nos varais:
- Nunca tirei dali meu endereço!

Apenas me ausentei de casa cedo,
Qual criança que se afasta do folguedo
Para mais tarde o aconchegar a si.

Eu sou esse menino arrependido
E quero o meu brinquedo envelhecido
Para brincar no tempo que perdi!

Fonte:
Textos e Imagem enviados pelo autor

Guerra Junqueiro: Contos para a Infância (Duas Palavras)


A alma de uma criança e uma gota de leite com um raio de luz.

Transformar esse lampejo numa aurora, eis o problema.

A mão brutal do pedagogo áspero, tocando nessa alma, e como se tocasse numa rosa: enodoa-a.

Para educar as crianças e necessário amá-las. As escolas devem ser o prolongamento dos berços. Por isso os grandes educadores, como Froebel, têm uma espécie de virilidade maternal.

O leite é o alimento do berço, o livro o alimento da escola. Entre ambos devera existir analogia: pureza, fecundidade, simplicidade.

Livros simples! nada mais complexo. Não são os eruditos gelados que os escrevem; são as almas intuitivas que os adivinham.

Este livro, em parte, esta nesse caso. Reuni Para ele tudo o que vi de mais singelo, mais gracioso e mais humano. É um ramo de flores, mas não de flores extravagantes, com coloridos insensatos e aromas venenosos e diabólicos. Para o compor não andei por estufas; andei pelos campos, pelas sebes frescas e orvalhadas, pelos trigais maduros onde riem as papoilas, pelas encostas vestidas de pâmpanos, e pelos arvoredos viçosos e fragrantes, cobertos de frutos, mosqueados de sol e estrelados de ninhos.

É um ramo de florinhas cândidas, que as mães, à noite, deixarão sem temor na cabeceira dos berços.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Guerra Junqueiro (1850 – 1923)


Abílio Manuel Guerra Junqueiro (Freixo de Espada à Cinta, 17 de Setembro de 1850 — Lisboa, 7 de Julho de 1923) foi bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra, alto funcionário administrativo, político, deputado, jornalista, escritor e poeta. Foi o poeta mais popular da sua época e o mais típico representante da chamada "Escola Nova". Poeta panfletário, a sua poesia ajudou criar o ambiente revolucionário que conduziu à implantação da República.

Talvez o poeta mais popular da sua época, embora hoje se lhe reconheçam contradições e efeitos fáceis. Mas não deve esquecer-se o que há de original e poderoso na sua obra: o extraordinário sentido de caricatura, uma capacidade quase primitiva de exprimir as idéias em símbolos vivos e, ainda, a riqueza verbal e de imagens com que contribuiu para a renovação do verso português.

Nasceu em Freixo de Espada à Cinta, Portugal a 17 de Setembro de 1850, filho do negociante e lavrador abastado José António Junqueiro e de sua mulher D. Ana Guerra. A mãe faleceu quando Guerra Junqueiro contava apenas 3 anos de idade.

Estudou os preparatórios em Bragança, matriculando-se em 1866 no curso de Teologia da Universidade de Coimbra. Compreendendo que não tinha vocação para a vida religiosa, dois anos depois transferiu-se para o curso de Direito. Terminou o curso em 1873.

Entrando no funcionalismo público da época, foi secretário-geral do Governador Civil dos distritos de Angra do Heroísmo e de Viana do Castelo.

Em 1878, foi eleito deputado pelo círculo de Macedo de Cavaleiros.

Faleceu em Lisboa a 7 de Julho de 1923.

Guerra Junqueiro iniciou a sua carreira literária de maneira promissora em Coimbra no jornal literário "A folha", dirigido pelo poeta João Penha, do qual mais tarde foi redactor. Aqui cria relações de amizade com alguns dos melhores escritores e poetas do seu tempo, grupo geralmente conhecido por Geração de 70.

Guerra Junqueiro desde muito novo começou a manifestar notável talento poético, e já em 1868 o seu nome era incluído entre os dos mais esperançosos da nova geração de poetas portugueses. No mesmo ano, no opúsculo intitulado "O Aristarco português", apreciando-se o livro "Vozes sem eco", publicado em Coimbra em 1867 por Guerra Junqueiro, já se prognostica um futuro auspicioso ao seu autor.

No Porto, na mesma data, aparecia outra obra, "Baptismo de amor", acompanhada dum preâmbulo escrito por Camilo Castelo Branco; em Coimbra publicara Guerra Junqueiro a "Lira dos catorze anos", volume de poesias; e em 1867 o poemeto "Mysticae nuptiae"; no Porto a casa Chardron editara-lhe em 1870 a "Vitória da França", que depois reeditou em Coimbra em 1873.

Em 1873, sendo proclamada a República em Espanha, escreveu ainda nesse ano o veemente poemeto "À Espanha livre".

Em 1874 apareceu o poema "A morte de D. João", edição feita pela casa Moré, do Porto, obra que alcançou grande sucesso. Camilo Castelo Branco consagrou-lhe um artigo nas Noites de insónia, e Oliveira Martins, na revista "Artes e Letras".

Indo residir para Lisboa foi colaborador em prosa e em verso, de jornais políticos e artísticos, como a "Lanterna Mágica", com a colaboração de desenhos de Rafael Bordalo Pinheiro. Em 1875 escreveu o "Crime", poemeto a propósito do assassínio do alferes Palma de Brito; a poesia "Aos Veteranos da Liberdade"; e o volume de "Contos para a infância". No "Diário de Notícias" também publicou o poemeto Fiel e o conto Na Feira da Ladra. Em 1878 publicou em Lisboa o poemeto Tragédia infantil.

Uma grande parte das composições poéticas de Guerra Junqueiro está reunida no volume que tem por título A musa em férias, publicado em 1879. Neste ano também saiu o poemeto O Melro, que depois foi incluído na Velhice do Padre Eterno, edição de 1885. Publicou Idílios e Sátiras, e traduziu e coleccionou um volume de contos de Hans Christian Andersen e outros.

Após uma estada em Paris, aparentemente para tratamento de doença digestiva contraída durante a sua estada nos Açores, publicou em 1885 no Porto A velhice do Padre Eterno, obra que provocou acerbas réplicas por parte da opinião clerical, representada na imprensa, entre outros, pelo cónego José Joaquim de Sena Freitas.

Quando se deu o conflito com a Inglaterra sobre o "mapa cor-de-rosa", que culminou com o ultimato britânico de 11 de Janeiro de 1890, Guerra Junqueiro interessou-se profundamente nesta crise nacional, e escreveu o opúsculo Finis Patriae, e a Canção do Ódio, para a qual Miguel Ângelo Pereira escreveu a música. Posteriormente publicou o poema Pátria. Estas composições tiveram uma imensa repercussão, contribuindo poderosamente para o descrédito das instituições monárquicas.

Guerra Junqueiro foi um grande poeta e um grande peregrino.

Obras Principais

Pátria
Finis Patrie
Musa em Férias
Os Simples
A Velhice do Padre Eterno
Horas de Combate
A Morte de D. João

Fontes:
http://www.laurapoesias.com/poetas/guerra_junqueiro_biog.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Junqueiro

Paraná em Trovas Collection - 22 - Vanda Fagundes Queiroz (Curitiba/PR)

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 21

SÚCUBO

Desde que te amo, vê, quase infalivelmente,
Todas as noites vens aqui. E às minhas cegas
Paixões, e ao teu furor, ninfa concupiscente,
Como um súcubo, assim, de fato, tu te entregas…

Longe que estejas, pois, tenho-te aqui presente.
Como tu vens, não sei. Eu te invoco e tu chegas.
Trazes sobre a nudez, flutuando docemente,
Uma túnica azul, como as túnicas gregas…

E de leve, em redor do meu leito flutuas,
Ó Demônio ideal, de uma beleza louca,
De umas palpitações radiantemente nuas!

Até, até que enfim, em carícias felinas,
O teu busto gentil ligeiramente inclinas,
E te enrolas em mim, e me mordes a boca!

VERSOS DOURADOS

La beauté est une promesse de bonheur.
Stendhal

Eu não te posso ver, que não sinta o desejo
De te envolver assim num luminoso beijo,
Num grande beijo nu, a pele cetinosa,
De uma frescura ideal de pétalas de rosa...
E tamanho prazer o coração me inunda,
Em te vendo, de luz, de embriaguez profunda,
Que doido desse amor, bêbado desse vinho,
Não sei mais onde estou, não sei onde caminho.
Sigo. Vou por aí, pela deserta rua,
Sem ver que anoiteceu e que nasceu a Lua,
Sem ver mais nada, sem ter olhos nem ouvido,
Cego, completamente cego, e aturdido,
Dentro dessa visão inquietamente bela
Que fulge como se fosse a luz de uma estrela...
E distante afinal de todos e de tudo,
Envolto no ouro de um silêncio de veludo,
Coroado, como um deus, dos pâmpanos de enganos
E das rosas em flor dos vinte e poucos anos,
Radiante de me ver, sozinho, ao fundo desta
Solidão, como quem entra um palácio em festa,
Que bom de me entregar num êxtase risonho,
Num êxtase sem fim, num êxtase de sonho,
À lembrança, à loucura, à volúpia esquisita,
Ao luxo de sentir que uma mulher bonita
Tem no expressivo olhar, que brilha quando passa,
O dom de oferecer, como uma fina taça,
Para os meus olhos nus, por um instante ao menos,
Os delírios do amor e da embriaguez de Vênus!
Janeiro – 1911

À TOI!

É num dia de sol que te escrevo esta carta,
No meio de uma luz radiosamente farta,

Loira, seca, sutil, aromada, ideal,
Assim como se fosse um vinho oriental.

Escrevo-te ao correr da pena, quase a esmo,
Como vivo afinal: tão fora de mim mesmo...

E confesso-te, flor, ó doce flor-de-lis,
Que te escrevo porque não me sinto feliz.

Eu te amo, vê, porém eu te amo de tal arte
Que te amo muito mais do que devera amar-te.

Muito mais! muito mais! O meu amor é tal
Que o bem de te querer, às vezes, me faz mal.

Causa-me raiva até e me deixa doente:
Fico a chorar e a rir, mas incoerentemente,

Sem poder definir o que é que eu sinto, enfim,
Francamente, a não ser que eu nunca amei assim.

Nunca! Tu para mim és como uma bebida,
Onde um dia eu encontro a embriaguez e a vida,

E noutro, o desespero, a tragédia cruel,
A dúvida sombria e amarga como fel...

É que somente tu tens a força marmórea,
O condão, o poder, a beleza e a glória,

De transformar-me assim, com os teus olhos nus,
Maravilhosamente, ou em lama, ou em luz.

E por isso, também, ó flor abençoada,
Em te vendo passar, não quero ver mais nada.

Tão radiante me vejo, e tão feliz, direi,
Como se fosse rico ou me tornasse um rei.

Hoje, porém, não sei que sombras e que mágoa
Perpassam-me através dos olhos rasos d’água.

Sinfonias de luz andam vibrando no ar,
Mas eu, não sei por que, eu quase a soluçar

Sinto que a destruição, o tédio e o desengano
Me invadem como se eu fosse o império romano.

Ando nervoso, mau, doente, quase hostil,
Debaixo deste céu mirífico de abril.

E, volúpia imortal, delicioso beijo,
Prazer que me destrói, ó rútilo desejo,

Essa tristeza vã, esse histerismo todo,
Tudo isso é só porque te quero como um doido!

GRAÇAS TE RENDO...

Graças te rendo aqui, preciosa Senhora,
Que, num simples olhar de ternura, tiveste
O dom de me elevar, assim como o fizeste,
Entre os brasões do amor e as púrpuras d’aurora...

O dom de me fazer acreditar que veste
O humano coração, como acredito agora,
Não o lodo, porém o linho que se adora,
O linho que fulgura em pleno azul-celeste...

Sei que os votos que são trabalhados com arte
Hão de os deuses cumprir, ó luz maravilhosa:
– Sê, pois, bendita, sê bendita em toda parte!

Que onde fores pisar, que por onde tu fores:
A lama se transforme em pétalas de rosa,
As víboras, em fruto, os espinhos, em flores!

ADULTÉRIO DE JUNO

Ao Reinaldo Machado

Un paysage, c’est um état d’âme.
Amiel

I

Juno, a beleza em flor da primavera,
Mas a deusa de olhar quase sombrio,
Quando tinha ciúme, era uma fera,
Mais furiosa que uma loba em cio.

Cada vez que esse Júpiter tonante
Se transformava numa chuva de ouro,
Para as conquistas de uma nova amante,
Num alvo cisne, ou simplesmente em touro,

Ai da ninfa culpada, albor de neve,
Por mais jovem que fosse, por mais bela,
Ia mudar em corça dentro em breve,
Quando não fosse pois numa cadela!

Juno, porém, tamanho orgulho tinha,
Um tamanho amor próprio desmarcado,
Na sua aurifulgência de rainha,
Que nem por isso dava um passo errado.

Por toda parte palpitavam beijos,
Mais lindos do que a flor do asfodelo,
E os desejos mais sôfregos, desejos
De despir esse corpo e de mordê-lo...

Vendo-a através do linho, que flutua,
A mocidade grega sempre fátua,
Não podendo morder-lhe a espádua nua,
Babujava-lhe o mármore da estátua...

Vênus era a primeira a dar-lhe o exemplo
De quanto vale uma mulher devassa:
O seu templo de amor não era um templo,
Era uma tasca, e Vênus, uma taça...

O Olimpo enfim era uma borracheira,
Era uma gargalhada, um grito insano;
Foi só para enganá-lo a vida inteira
Que Vênus se casou com o deus Vulcano.

Via o infiel correr, ébrio de vinho,
Náiades, hamadríades, e tudo
Quanto encontrava sobre o seu caminho,
Como se fosse um sátiro cornudo.

Via-se desejada como a fêmea
Cujo perfume era o da própria rosa,
Sua única irmã, sua irmã gêmea,
E entretanto teimava em ser virtuosa.

II

Vivendo sempre só quase que todo dia,
Tinha apenas consigo uma única alegria.
Toda linda manhã de sol saía de casa,
Ligeira, como quem é uma deusa e tem asa.
E dentro do seu coche azul, clara e florida,
Levada por pavões, corria a toda brida.
Era um voo através de campos verdejantes,
De palmeiras gentis, serros de diamantes,
Cidades ideais, como lírios na falda
De uma montanha de pérolas e esmeralda,
Rios, vales em flor, floresta colossal,
Lagos polidos como espelhos de cristal,
Nesse dourado mês de outubro, o mês risonho;
E ela passava assim como se fosse um sonho.

Nessa manhã, porém, de uma estranha beleza,
Juno quis passear, como qualquer burguesa.
A sandália nos pés, a fronte coroada,
A túnica sobre o corpo nu, e mais nada.
Mas por simples que fosse a deusa, no momento
Em que ela aparecia, era um deslumbramento.
Onde quer que pousasse o esquisito veludo
Daquele doce olhar, estremecia tudo.
Era como uma luz. A natureza, quase
Ébria, não tinha mais que uma única frase,
Não tinha mais que uma só exclamação,
E o êxtase, o silêncio, o gozo, a adoração.
Vendo-a passar por sobre as suas hastes em flor,
Inquietas de prazer, e histéricas de amor,
Diziam a sorrir lânguidas açucenas:
“Quem passou por aqui foi uma sombra apenas!”
Ia Juno, porém, de tal modo metida
No fundo do seu eu, da sua própria vida,
Que sem vê-las talvez, pálida e desdenhosa,
Calcava sob os pés a violeta e a rosa...

III

Ia indiferente,
Quase triste, quando
Olha, e de repente,
Como que sonhando,

Ela vê dormindo,
Num sono profundo,
O pastor mais lindo
Que havia no mundo.

Surpresa de vê-lo
Belo desse modo,
Beija-lhe o cabelo,
Quer beijá-lo todo...


Um pássaro:
– Ó flor mais branca do que a flor da laranjeira!

Outro pássaro:
– Só faltava uma vez para ser a primeira...

Um fauno:
– Ah! como Endimion, o pastor, é feliz!

Outro fauno:
– Pois pudera não ser... É o rei dos imbecis!

Uma dríade:
– Que força deve ter no azul dessa pupila
Para poder assim chamá-la e atraí-la...

Outra dríade:
– Vede o brilho que vem desse olhar através...

Um fauno:
– Tem mais força no olhar do que Hércules nos pés!

Beija-o como louca,
Mas com tais desejos,
Que enche aquela boca
De um furor de beijos.

Um sátiro:
– É um combate feroz, uma guerra da Helade...

Outro sátiro:
– Nunca se viu assim tanta escurrilidade...

Toda descoberta,
Sem nenhum receio,
Cada vez o aperta
Mais junto do seio...

Com tal abundância,
Com tal alvoroço,
Que ela é quem mais ânsia
Tem daquele moço.

Um jovem fauno:
– Somente para mim a sorte foi cruel:
Nunca pude gozar esse favo de mel...

Um pássaro:
– Despiu-se toda. Está inteiramente nua...

Um sátiro:
– Nua, de uma nudez mais nua do que a Lua...

Outro jovem fauno:
– Nunca o amor me quis. E, no entanto, vede,
Eu e Tântalo, os dois, temos a mesma sede...

E ambos, que loucura,
Ambos, que desordem,
Nessa luta obscura,
Como eles se mordem!

Que doce abandono,
Que esquisito choro,
As folhas d’outono
Caíam como ouro...

Outro jovem fauno:
– E eu que um dia lhe disse: ó meu amor imenso,
Quando te vejo sobre uma torre de incenso,
Toda coroada, assim, de mirtos e de rosas...

Sileno, bêbado, interrompendo:
– Doce paixão ideal, como me apoteosas!

Um fauno:
– Estão se mordendo, os dois, com tamanho furor,
Que até parece ser mais ódio do que amor...

Uma dríade:
– Ódio e amor são dois inimigos, porém
Onde vai o amor, vai o ódio também...

Um pássaro:
– Decerto Juno está completamente louca:
Introduziu-lhe em fogo a língua pela boca!

Que ódios a consomem,
Com que febre o quer,
Beija-o como um homem
Beija uma mulher...

E com que delírio
Tudo em roda estua
Dessa deusa nua,
Nua como um lírio...

Flora, que sorria,
Nunca ouviu talvez
Tanta melodia,
Tanta embriaguez.


Um fauno:
– É um horror, é um horror...

Outro fauno:
– Escândalo profundo...

Uma dríade:
– Se Júpiter souber, incendeia-se o mundo!

Como ela se entrega,
Como se enchafurda,
Cada vez mais cega,
Cada vez mais surda!

Outra dríade:
– Ah! se Júpiter vem aqui neste momento...

Coro de faunos, sátiros e dríades:
– Mandai esse castigo, ó numes, por quem sois!

Mal tinham dito, ergueu-se um rijo pé de vento,
E Júpiter caiu como um raio entre os dois!

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Manoel de Barros (Poemas rupestres) Parte 1


Nesta obra, Poemas rupestres, Manoel de Barros recorre às lembranças de Mato Grosso, e de seus primeiros passos no Pantanal, para dar novos significados às palavras. O livro oferece uma oportunidade de apresentar aos leitores a vida de um dos mais importantes poetas contemporâneos. Um autor que surpreende, ao mesmo tempo em que intriga e comove ao leitor, com o despojamento de seus versos, tirados de chão, árvore, bicho, água e pedra.

Poemas Rupestres, como inscritos nas paredes das cavernas de todos nós, traz a voz sábia da infância, de uma falsa inocência estonteante cuja leitura escorre como riacho tantas vezes visitado por esta poética que nos torna meninos de novo que de tão a custo a gente se segura pra não sair pra rua pra fazer travessuras com o olhar de passarinho. Mas de repente, num verso, vem aquele travo amargor com gosto de vida real e o encantamento resvala pra consciência “vira mundo” e a poesia se transforma no road movie do poeta sábio que com sua experiência revela o que há pra ver por trás das palavras simples, das imagens claras.

O que essa poética tem é a capacidade de ver e traduzir um essencial tão ao avesso do colosso artificial da atual era do simulacro, fulcro de uma civilização medida por tonelada consumida. Ao se jeito de audição, de estória contada, se faz tato para a alma, já que “o tato é mais que o ver / é mais que o ouvir / é mais que o cheirar” e o êxtase táctil, mas também auditivo e visual , que o menino Manoel de Barros nos transmite com as suas poesias rupestres, que ficam pintadas em nossas retinas e na nossa memória muito depois de termos lido este livro.

Em Poemas rupestres, ele retorna aos elementos que marcam seu trabalho desde a primeira publicação, em 1937: a paisagem do Pantanal, a infância, a relação misteriosa que existe entre as coisas e os nomes que damos a elas.

Análise dos poemas

– Escritos na terra. A terra é o elemento primordial.

– Os mais elementares traços do homem querendo eternizar o tempo, o momento.

– A infância do homem, o seu retorno eterno na aprendizagem.

– Escritos primitivos jogados na terra como elemento primordial e convivente com o homem.

– Primeira relação reflexa mais elaborada. Sintomas da saída do nível instintivo para o reflexivo.

– Capacidade de retratar o elementar embutido no sentido valendo-se da força da terra e da capacidade primitiva.

– Fuga do controle do sistema límbico para a grande passagem para o neo-córtex cerebral.

– As atividades de sobrevivência cavalgam para a memória para sobreviver no tempo.

– As técnicas elementares do homem primitivo como expressão da força criadora.

– As margens dos percursos criativos, imaginativos denotam o seu percurso criador ou as técnicas à disposição.

– Rupestres indicam as paredes, as encostas, os painéis que a natureza oferece sem concorrência da elaboração humana. A oferta da natureza como possibilidade para o mundo imaginativo do homem das hordas.

– Rupestres, de ambíguas faces: dadas, impostas pela convivência e duradouras por sua natureza constitutiva. Com muita força porque imponente e difícil. Caráter de difícil acesso, de fixação da relação, mas promissora quanto à duração.

– Rupestres, pois não denotam que duas vertentes de influência: a natureza áspera e gritante; a “primevidade”, vale dizer, sem a mão ou presença de qualquer outro que não seja aquele que conseguiu atingir aquele lugar e soube ter acesso de convivência tão intenso que a natureza aceitou a sua firma, o seu sinete, mesmo que impessoal. Lá está e estará enquanto outro artista não transfigurar a natureza primitiva.

– Trata-se de um percurso longo às reações e percepções ancestrais para surpreender o segredo do lúdico, do primordial, do estado vital antes do primeiro reflexo.

– Assim cabe mesmo registrar que o poeta percorreu e atingiu um processo, uma época, um estágio que se mostrou inaugural, por sua origem e percurso.

"Rupestres" caracterizam um sonho do estado primordial quando nenhum gesto feito tinha sido fixado na memória, nos sentidos ou na reflexão do homem. Então o poeta convive com os albores do dizer humano tornado arte. Visão primordial oferecida em poemas que surgiram dos berços primitivos, da rusticidade intuitiva com que o poeta tratou as palavras e a vida.

"Rupestres" porque serão lembrados como revelações da ludicidade do poeta em estado de homem primitivo em completa sintonia e apreensão pela força da natureza, em estado de grande ludicidade também.

Primera Parte

CANÇÃO DE VER

Canção aqui é igual a um poema a ser proclamado ou cantado. Assim a canção “canta” o seu conteúdo, proclama a voz do ser que se expressa e se desdobra em cada verso; expressa também, a canção, sua harmonia nos sons das palavras e nas tonalidades suscitadas.

Canção, harmonia de um conjunto que se revela em tonalidades sonoras até e em cenários. A canção se refere aos sons como tais e aos tons – tonalidades – que compõem as frases da harmonia temática. A canção concretiza tonalidades das emoções enquanto se refere ao coração, às paisagens descobertas se refere à imaginação. Por fim, na combinação de vozes das palavras se se refere aos ouvidos como portadores do receptáculo do coração.

O autor/poeta combina canção com outro sentido muito claro e definido: o olhar. Compõe ele, canções para se ver. Admite e recria o sentido compondo-lhe canções que o educam e o tornam novo, capaz de harmonias pelas palavras vistas em si ou por imagens que os sons, os processos e as imagens constróem como cenários. Esses cenários para o poeta cantam canções para o olhar; oferece-se ao leitor como caminho e harmonia, como novidade e percurso que incluiu o leitor pelo olhar fantástico que a imaginação lhe oferece, integrando-o como um todo que participa e é percorrido pelo poema a partir do olhar.

O olhar passa a ser a porta que recebe o mundo inaugurado pelo poeta rupestre. A ludicidade envolve o leitor que se deixar levar pelo percurso, já se verá outro, o poema o transformou.

O olhar envolveu-o todo em estado de revelação.

1.

Por viver muitos anos dentro do mato
moda ave
O menino pegou um olhar de pássaro —
Contraiu visão fontana.
Por forma que ele enxergava as coisas
por igual
como os pássaros enxergam.
As coisas todas inominadas.
Água não era ainda a palavra água.
Pedra não era ainda a palavra pedra.
E tal.
As palavras eram livres de gramáticas e
podiam ficar em qualquer posição.
Por forma que o menino podia inaugurar.
Podia dar às pedras costumes de flor.

O menino e os pássaros vivem em igualdade de natureza por ter vivido muitos anos dentro do mato. Dessa nova modalidade de se viver, resultou uma maneira de ver – “contraiu visão fontana”.

O que é uma “visão fontana?” “Por forma que ele enxergava as coisas por igual / como os pássaros enxergam.” A primeira resposta é que a visão de um pássaro é uma visão Fontana, isto é, de uma variabilidade muito grande quanto ao ponto de partida e de um foco especial que os pássaros usam para seus vôos ou para sua sobrevivência.

As coisas e os pássaros são inominados. Os elementos da natureza antes de serem nomeados pelo homem – virgens da palavra / marca / identificação dada pelo homem. Assim antes ‘água' não era água / ‘pedra' não era pedra / ‘e tal' = tudo era sem nome.

Ao lado dos elementos / coisas da natureza, as palavras estavam livres e soltas em relação às regras gramaticais e significados fixos. Palavras eram coisas / elementos inominados, Palavras sem designação.

O menino de posse do olhar dos pássaros, vendo tudo sem nome e sem nexos, tornava-se um Menino / Poeta, podia inaugurar. Segundo o autor, o poeta tem que se voltar ao estado lúdico (infante) para se capacitar do mundo das coisas inominadas e então, após pertencer ao mundo da natureza em estado puro ou virgem em relação ao homem – de posse dessas condições ele torna-se poeta e inaugura.

Dessa forma o autor expõe o que ele entende ser um poeta e o que é fazer poemas. Inaugurar é sair da lógica e do sentido fixado, assim pedra = flor ou canto = sol.

O caminho para a reinauguração é introduzir-se na palavra em estado de coisa: “abrir a palavra abelha e entrar dentro dela. Esse percurso para o poeta representa repristinar a “infância da língua”.

O poeta inaugura quando se volta par o estado coisal, para a linguagem livre e virgem das coisas e das palavras. Para isso é necessário voltar ao estágio lúdico da infância. Da mesma forma, propõe o poeta, é necessário então voltar-se para a Infância da língua. Inaugura enquanto infante.

Poesia é a inauguração da linguagem. No poema o autor propõe o seguinte processo para se obter um poema:

a – voltar à natureza virgem coisal,
b – voltar à infância, ao estado lúdico,
c – descobrir a infância da língua,
d – saber que a infância da língua proclama que se deve ser livre das regras da gramática,
e – atinge-se a infância da palavra quando se deixar entrar dentro dela – ‘abrir a palavra abelha e entrar dentro dela'.

Para o poeta é necessário:

1 – atingir o mundo da natureza sem especificação para poder imaginar,

2 – considerar que nesse estágio as coisas são inanimadas,

3 – e que as palavras ainda não estão ligadas entre si, brincam soltas.

Portanto:
“Poesia é a inauguração do universo das palavras. Para isso o poeta tem que adquirir uma visão fontana!”

2.

A de muito que na Corruptela onde a gente
vivia
Não passava ninguém
Nem mascate muleiro
Nem anta batizada
Nem cachorro de bugre.
O dia demorava de uma lesma.
Até uma lacraia ondeante atravessava o dia
por primeiro do que o sol.
E essa lacraia ainda fazia uma estação de
recreio no circo das crianças
a fim de pular corda.
Lembrava a tartaruga de Creonte
que quando chegava na outra margem do rio
as águas já tinham até criado cabelo.
Por isso a gente pensava sempre que o dia
de hoje ainda era ontem.
A gente se acostumou de enxergar antigamentes.

Poema existencial à moda de Carlos Drummond em que se descreve o tempo parado e a vida preguiçosa a ponto de ‘as águas criarem cabelo'. Nesse lugar as coisas se repetem na mesmice de sempre. Tudo é nem e tudo é parado: ‘o dia demorava de uma lesma'.

Neste poema, a pasmaceira ou o tempo são medidos pela unidade do ser das coisas demoradas e insignificantes, assim o tempo é enorme comparado com a movimentação da lesma ou de uma lacraia. Exagerando a velocidade do dia, o poeta afirma: ‘até a lacraia é mais veloz que o sol. Dessa forma ele consegue obter uma densidade forte da morosidade do tempo.

Apesar da morosidade, o lúdico aparece em comparações envolvendo coisas e crianças, capazes de reinventar a vida.

Outras dicotomias na afirmação do poeta prolongam a percepção da morosidade: ‘a tartaruga de Creonte... as águas teriam criado cabelo. Pensava que o hoje era ontem... antigamentes'; são expressões que conseguem conferir densidade e muita morosidade ao tempo relacionado à vida das pessoas. Tempo relativo à morosidade na qual se vive ou se constroem as relações expressivas da vida.

Nessa perspectiva, a do poema, o tempo se volta para o mais fundo do passado, para a vida em um lugar sempre parado – existencialmente parado – e o momento somente é portador de uma demora sem fim do passado.

3.

Por forma que o dia era parado de poste.
Os homens passavam as horas sentados na
porta da Venda
de Seo Mané Quinhentos Réis
que tinha esse nome porque todas as coisas
que vendia
custavam o seu preço e mais quinhentos réis.
Seria qualquer coisa como a Caixa Dois dos
prefeitos.
O mato era atrás da Venda e servia também
para a gente desocupar.
Os cachorros não precisavam do mato para
desocupar
Nem as emas solteiras que despejavam correndo.
No arruado havia nove ranchos.
Araras cruzavam por cima dos ranchos
conversando em ararês.
Ninguém de nós sabia conversar em ararês.
Os maridos que não ficavam de prosa na porta
da Venda
Iam plantar mandioca
Ou fazer filhos nas patroas.
A vida era bem largada.
Todo mundo se ocupava da tarefa de ver o dia
atravessar.
Pois afinal as coisas não eram iguais às cousas?
Por tudo isso, na Corruptela parecia nada
acontecer.

Neste poema está presente uma tentativa do poeta de, perante uma vida veloz e apressada dos dias de hoje, trazer a vivência de um lugar onde a velocidade era medida pela coisas que perpetuavam a mesmice. A importância ou função de relevância das coisas/acontecimentos é referenciada a alguns acontecimentos que mostram a movimentação da vida neste lugar.

Assim as particularidades indicam as expressões para a vida e estas são medidas ou percebidas por estas particulares.

Dessa forma:

1 - o lugar de concentração da vida acontece ao redor da venda do Seo Mané Quinhentos Réis;

2 – os homens sentados na porta da venda sem fazer nada dão a dimensão do tempo e do paradão da vida ali;

3 – o mato atrás da venda se torna referência para as necessidades dos homens e dos animais, menos para os cachorros e para as emas;

4 – o povoado era de nove ranchos;

5 - o barulho das araras indica e prolonga a quietude;

6 – as atividades dos trabalhadores concorrem para sublinhar a falta de novidade ou a mesmice da vida ali: plantar mandioca ou fazer filhos.

O poema quer mostrar a vida em um tempo espichado e parado em uma vila do interior –‘A vida era bem largada!'

Existem palavras com significados próprios, como ‘ocupar ou desocupar'. E uma tarefa muito difícil era ver o dia atravessar, pois tudo / nada acontecia.

4.

Por forma que a nossa tarefa principal
era a de aumentar
o que não acontecia.
(Nós era um rebanho de guris.)
A gente era bem-dotado para aquele serviço
de aumentar o que não acontecia.
A gente operava a domicílio e pra fora.
E aquele colega que tinha ganho um olhar
de pássaro
Era o campeão de aumentar os desacontecimentos.
Uma tarde ele falou pra nós que enxergara um
lagarto espichado na areia
a beber um copo de sol.
Apareceu um homem que era adepto da razão
e disse:
Lagarto não bebe sol no copo!
Isso é uma estultícia.
Ele falou de sério.
Ficamos instruídos.

Neste poema que segue expondo a temática dos anteriores, o poeta tenta mostrar o olhar sobre o tempo ou ainda como o tempo é vivido ou percebido pelas pessoas.

A afirmação do autor – ‘a principal tarefa era aumentar o que não acontecia' – torna-se, de fato, sua tarefa principal enquanto, neste trabalho, polariza as interpretações: olhar o tempo sob a perspectiva das coisas e olhá-lo racionalmente.

Dessa forma:
1 – Seleciona quem tem a aptidão de aumentar o que não acontecia. Os guris e um colega que tinha olhar de pássaro eram os melhores em aumentar o que não acontecia. Atrás desta postura, todos os versos indicam uma vida desejada como pura expressão do lúdico, do imprevisível ou ainda uma vida independente de qualquer lógica ou seqüência lógica como são normalmente os acontecimentos.

2 – O colega que tinha ganho um olhar de pássaro mostrou o modo ideal de aumentar o que não acontecia: “um lagarto espichado na areia a beber um copo de sol.” Assim o mundo reinventado a partir do olhar dos pássaros era uma grandeza incomum.

3 – O homem adepto da razão com sua insistência sobre a lógica de fácil demonstração racional acabou com o encantamento da vida e eles ganharam a chancela negada pelo poeta: ‘ficamos instruídos!' Esse rótulo marca a força do racional sobre um mundo poético se o sujeito, o poeta ou outra pessoa somente movida pela ludicidade de repente perde tudo, pois instrução aí é deixar a vida ser organizada em termos de conhecimentos pela razão. Vale somente um conhecimento que se proclama racional. Ao passo que o poeta mostra outra maneira de entender e conhecer a vida e a realidade, poeticamente. Tudo deve ser reinventado a partir de outro olhar sobre o mundo, no caso, pelo olhar de um pássaro.

4 – Assim o poema é de profunda ironia entre a lógica da razão e a linguagem ou percepção poética da vida – a lógica inaugura um mundo oposto ou de valores opostos ao da instrução racional; vale para o poeta ser desinstruído racionalmente e sábio ‘no que não acontecia'.

5 – O mundo inaugurado pelo poeta é a percepção do des(acontecer), aquilo que não é susceptível de entendimento racionalmente; todo esse conhecimento provém da imaginação, da fantasia e da sensibilidade. Bem como aponta outro caminho de conhecimento, a incorporação sensual e lúdica.

6 – Dessa forma, instruídos racionalmente é estar aprisionado pela lógica e pelas seqüências em tudo na vida. Ao passo que instruídos pelo des(acontecer) indica que a pessoa goza de pura liberdade do inaugurar, do perceber e do sentir. Liberdade para criar outras relações que encantam e dão prazer pelo sensorial e pelo imaginário.

Fonte:
Portal das Letras - Pe. Afonso de Castro
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/p/poemas_rupestres

José Carlos Dutra do Carmo (Manual de Técnicas de Redação) Parte VIII


ESPAÇOS ENTRE LINHAS.

O cabeçalho da redação deve começar na primeira linha do papel. O título, uma ou duas linhas após a última linha do cabeçalho. A redação, uma ou duas linhas depois do título.

ESPAÇOS ENTRE PALAVRAS.

Use espaços normais entre as palavras, devendo estas ficar nem muito distanciadas nem muito próximas umas das outras.

ESQUEMA.

Antes de iniciar a redação (antes mesmo do rascunho), faça um esquema de um roteiro de idéias.

O esquema é um mapa e um guia, que evitará desvios ou retrocessos quando da elaboração do texto.

Esquematizar é planejar. É caminhar com os olhos abertos. É saber o terreno onde pisa. É dar à redação um destino, um sentido, um fim.

ESTÁTICA.

Sempre que quiser apresentar uma cena estática, evite a repetição dos verbos ser e estar e empregue frases nominais.

Papéis por toda a parte. Memorandos, relatórios, ofícios, anotações.

Roberto, paralisado, no meio da rua. Sentado. Olhar ao longe. Tristeza.

ESTÉTICA.

Capriche na parte estética de sua redação, ou seja, faça letras bonitas e bem legíveis, margens regulares, espaço uniforme no início do parágrafo, tudo isso sem qualquer tipo de rasura.

ESTICAR.

Expedientes muito usados para “esticar” uma redação, mas que não enganam ninguém, muito menos uma banca corretora: Letra muito grande ou espichada, nova margem, enormes margens de parágrafo, paragrafação excessiva, citações falsas ou impertinentes, etc.

ESTILO.

Você já ouviu alguém dizer que cada pessoa tem uma maneira diferente (estilo) de escrever? Paulo Mendes Campos, já falecido, que foi um dos maiores cronistas brasileiros, era um grande estilista.

Veja, a seguir, alguns textos deliciosos e imperdíveis!

ESTILO NÉLSON RODRIGUES.
Usava gravata cor de bolinhas azuis e morreu!

ESTILO INTERJETIVO.
Um cadáver! Encontrado em plena madrugada! Em pleno bairro de Ipanema! Um homem desconhecido! Coitado! Menos de quarenta anos! Um que morreu quando a cidade acordava! Que pena!

ESTILO COLORIDO.
Na hora cor-de-rosa da aurora, à margem da cinzenta Lagoa Rodrigo de Freitas, quem via de cor preta encontrou o cadáver de um homem branco, cabelos louros, olhos azuis, trajando calça amarela, casaco pardo, sapato marrom, gravata branca com bolinhas azuis. Para este o destino foi negro.

ESTILO PRECIOSISTA.
No crepúsculo matutino de hoje, quando fulgia solitária e longínqua a Estrela-d´Alva, o atalaia de uma construção civil, que perambulava insone pela orla sinuosa e murmurante de uma lagoa serena, deparou com a lúrida visão de um ignoto e gélido ser humano, já eternamente sem o hausto que vivifica.

ESTILO SEM JEITO.
Eu queria ter o dom da palavra, o gênio de Rui e o estro de um Castro Alves, para descrever o que se passou na manhã de hoje. Mas não sei escrever, porque nem todas as pessoas que têm sentimentos são capazes de expressá-los. Mas eu gostaria de deixar, ainda que sem brilho literário, tudo aquilo que senti. Não sei se cabe aqui a palavra sensibilidade. Provavelmente não. Talvez seja uma tragédia. Não sei escrever, mas o leitor poderá perfeitamente imaginar o que aconteceu. Triste, muito triste. Ah, se eu soubesse escrever.

ETC.

Evite escrever o termo “etc”, por ser incompleto, a não ser em casos especiais, para determinadas sugestões.

EUFEMISMO.

É o mesmo que suavização ou abrandamento. Trata-se do uso de uma expressão menos áspera, rude e chocante com relação a uma realidade.

Ele deu seu último suspiro.

Você faltou com a verdade a um homem.

José desviou recursos dos cofres públicos.

EVITE.

Termos e expressões supérfluas (desnecessárias), excesso de adjetivos, intercalações desnecessárias, digressões inúteis (“enche lingüiça”), períodos extensos e confusos. Tudo isso leva à prolixidade, que deve ser evitada.

EXCLAMAÇÃO.

Não exclame a todo momento. Procure palavras fortes e convincentes.

EXEMPLOS.

Evite mau uso de exemplos, ilustrações, citações.

Aqui, os aposentados recebem vinte salários mínimos por mês. Dado incorreto, porque, na verdade, apenas alguns aposentados recebem a referida quantia.

Obedecer uma ordem cronológica é um maneira de se acertar sempre.
Parta do geral para o particular, do objetivo para o subjetivo, do concreto para o abstrato.
Use figuras de linguagem para que o texto fique interessante.
As metáforas também enriquecem a redação.

EXPERIÊNCIA.

Use sua experiência de vida para produzir textos. Ouse, incorpore personagens, envolva-se na trama, sinta, julgue, denuncie, critique, manifeste-se, viva o tema. Evite chavões e clichês.

EXPRESSÃO.

Nunca escreva uma expressão que desconheça, pois os erros de ortografia e acentuação tiram pontos preciosos de uma redação.

Não exagere no uso das expressões: a nível de, através de, devido a, face a, frente a, tendo em vista, etc.

EXPRESSÕES GASTAS.

Você pode ter conhecimento do vocabulário e das regras gramaticais e, assim, construir um texto sem erros. Entretanto, se reproduz sem nenhuma crítica ou reflexão expressões gastas, vulgarizadas pelo uso contínuo, a boa qualidade do texto fica comprometida.

EXPRESSÕES POPULARES.

Não use expressões populares e cristalizadas pela população, mormente na dissertação, que é um trabalho muito técnico.

EXTENSÃO.

Num exame vestibular, ou numa redação de colégio, o professor corrigirá ou avaliará, em curto espaço de tempo, centenas de redações. Por este motivo, pede-se que os candidatos ou alunos escrevam um número limitado de linhas.

Qualquer exagero representa um fator grandemente desfavorável ao estudante. Mais importante do que escrever muito é o candidato ou aluno ter tempo para rever a sua redação.

FÁBULA.

É uma pequena história (uma narrativa inverossímil), com fundo didático, que tem como objetivo transmitir uma lição de moral.

A VIÚVA.

Quando a amiga lhe apresentou o garotinho lindo dizendo que era seu filho mais novo, ela não resistiu e exclamou:

— Mas, como, seu marido não morreu há cinco anos?

— Sim, é verdade — respondeu a outra, cheia de compreensão, sabedoria e calor que fazem os seres humanos — mas eu não!

MORAL: NÃO MORRE A PASSARADA QUANDO MORRE UM PÁSSARO.

FANTASIA.

Para criar o tema de fantasia, dê preferência ao emprego do verbo no pretérito imperfeito.

Fazia tempo que não se encontravam, mas a memória continuava clara e, a qualquer momento, haveriam de estar novamente juntos, rememorando o feliz passado.

Era uma tarde de tempo feio e frio no norte da Virgínia, há muitos anos. A barba do velho estava coberta de gelo e ele esperava alguém para ajudá-lo a atravessar o rio. A espera parecia não ter fim.

FICÇÃO.

Quando sua redação for uma ficção, ou quando quiser fazer alusão a determinados tipos, aproveite os nomes próprios para auxiliar nas sugestões pretendidas.

Sempre se metia nas questões alheias, tentando encontrar uma solução. Era praticamente um dom-quixote de saias, tamanha ingenuidade.

Jonathan era um pequeno mirrado, pardinho, filho da catadora de papel. Mas a mãe lhe escolhera esse nome elegante, pois adorava assistir na sua TV em preto e branco, o Casal 20, série de sucesso dos anos 80.

Fonte:
http://www.sitenotadez.net