sexta-feira, 6 de abril de 2012

Augusto dos Anjos (Eu e Outras Poesias)


A obra Eu, único livro de Augusto dos Anjos, foi editada pela primeira vez em 1912. Outras Poesias acrescentaram-se às edições posteriores. Na primeira edição, a capa branca exibia o título com grandes e vermelhas maiúsculas impressas no centro. No alto, as letras pretas com o nome do autor e, em baixo, cidade, Rio de Janeiro, e data, 1912. Falecido o poeta em 1914, Órris Soares reuniu à coletânea original (Eu) a produção recente de Augusto dos Anjos, incluindo mesmo um poema inacabado, A Meretriz. A Imprensa Oficial do Estado da Paraíba editou, em 1920, Eu e Outras Poesias, prefaciado pelo organizador. Augusto dos Anjos assombrou a elite letrada do país com seus versos que não eram parnasianos, nem antecipavam o modernismo. Eram apenas seus. E tamanha era a putrefação que seus versos representavam que, ainda hoje, ele é inclassificável em uma escola, e admirado como um poeta original. Considerado pelo público e pela critica, habituados á elegância parnasiana, um livro de mau gosto, malcriado, alguns dos poemas de Eu são vistos como os mais estranhos de toda a nossa literatura, por vários motivos. Dentre eles, ressaltamos o vocabulário pouco comum, repleto de palavras com forte carga cientificista; a multiplicidade de influências literárias que recebe, tornando difícil, se não impossível, sua classificação estilística e principalmente o desespero radical com que tematiza o fim de todas as ilusões românticas, a fatalidade da morte como apodrecimento inexorável do corpo, a visão do cosmos em seu processo irreversível de demolição de valores e sonhos humanos.

"Eu, filho do carbono e do amoníaco
Monstro de escuridão e rutilância
Sofro, desde a epigênese da infância
A influência má dos signos do zodíaco."

"(...)
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija"

A obra surgida em momento de transição, pouco antes da virada modernista de 1922, é bem representativa do espírito sincrético que prevalecia na época, parnasianismo por alguns aspectos e simbolista por outros. A métrica rígida, a cadência musical, as aliterações e rimas preciosas dos versos fundiram-se ao esdrúxulo vocabulário extraído da área científica para fazer do Eu um livro que sobrevive, antes de tudo, pelo rigor da forma.

Em outras palavras, considerando a produção literária desse poeta, pode-se dizer que traduz sua objetividade pessimista em relação ao homem e ao cosmos, por meio de um vocabulário técnico-científico-poético.

Transformado em catecismo pelos pessimistas e em bíblia dos azarados e malditos, o livro Eu é de uma instigante popularidade, resistente a todos os modismo, impermeável às retaliações da crítica e aos vermes do tempo. Foi o poeta mais original de nossa literatura.

As leitura precoces de Darwin, Haeckel, Lamarck e outros, feitas na biblioteca de seu pai, fundamentaram a postura existencial do poeta; a adesão ao Evolucionismo de Darwin e Spencer e a angústia funda, leta, ante a fatalidade que arrasta toda a carne para a decomposição. Fundem-se a visão cósmica e o desespero radical, produzindo uma poesia violenta e nova na língua portuguesa. Temos, portanto, em Eu e outras poesias, além da linguagem científica e extravagante, a temática do vazio da coisas (o nada) e a morte (finitude da vida) em seus estágios mais degradados: a putrefação, a decomposição da matéria. Simultaneamente, reflete em seus versos a profunda melancolia, a descrença e o pessimismo frente ao ser e à sociedade, elaborando, assim, uma poesia de negação: nega as falsas ideologias, a corrupção, os amores fúteis e as paixões transitórias:

"Melancolia! Estende-me a tua asa!
És a árvore em que devo reclinar-me...
Se algum dia o prazer vier procurar-me
Dize a este monstro que eu fugi de casa!"

O asco ao prazer é expresso de maneira contundente; a relação entre os sexos é apenas "a matilha espantada dos instintos" ou "parodiando saraus cínicos, / bilhões de centrossomos apolínicos / na câmara promíscua do vitellus." Reduzindo o amor humano à cega e torpe luta da células, cujo fim é senão criar um projeto de cadáver, o poeta aspira à imortalidade gélida, mas luminosa, de outros mundos onde não lateje a vida-instinto, a vida-carne, a vida-corrupção.

Augusto dos Anjos vale-se muitas vezes de técnicas expressionistas na montagem de seus textos. O Expressionismo, corrente estética Modernismo, representou uma reação contra o Impressionismo, contra o gosto pela nuance, contra o refinamento e sutileza na captação do momento.

A imagem é intencionalmente deformada e agrupada de maneira desconcertante, através da transfiguração da realidade. Em lugar da delicadeza e da suavidade, a imagem é deformada, por meio de um desenho violento, que acentua e barbariza a forma, aproximando-se, às vezes, do grotesco e da caricatura.

Daí o “mau gosto”, o “apoético" que, em Augusto dos Anjos, são convertidos em poesia. O jargão científico e o termo técnico, tradicionalmente prosaicos, não devem ser abstraídos de um contexto que os exige e os justifica. Fazia-se mister uma simbiose de termos que definissem toda a estrutura da vida (vocabulário físico, químico e biológico) e termos que exprimem o asco e o horror ante a existência.

Apoiando-se em hipérboles e paradoxos, e na exploração de efeitos sonoros, Augusto dos Anjos funde a inflexão simbolista e a retórica científica, criando uma dicção singular, que projeta a hipersensibilidade e a visão trágica e mórbida da existência.

Fonte:
Passeiweb.

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