domingo, 22 de abril de 2012

Eva Furnari (Lolo Barnabé)


No tempo em que as pessoas moravam em cavernas, existiu um homem muito criativo e inteligente chamado Lolo Barnabé.

Aos vinte anos, Lolo casou-se com Brisa. Ela também era como ele, criativa e inteligente. Casaram-se por amor. Muito amor.

Depois da lua-de-mel, escolheram a melhor caverna da região para morar e, logo no primeiro ano de casamento, tiveram um filho, o Finfo Barnabé, também criativo e inteligente.

Todos os dias, Lolo saía para caçar e colher frutas.

À noite, sentavam-se todos em volta da fogueira, assavam a carne, cantavam canções e agradeciam a Deus pela beleza da vida.

Eram muito felizes.

Eram muito felizes... mas nem tanto.

A caverna era úmida.

Por essa razão, Lolo e Brisa acharam melhor construir uma casa no alto do morro.

Teriam mais conforto e poderiam viver melhor.

Lolo, que era muito habilidoso, fez uma casa linda, e a família, animada, mudou-se para lá. Brisa queria que a casa fosse amarela e Lolo, que amava a esposa e lhe fazia todas as vontades, pintou a casa de amarelo.

O tempo passou e eles estavam felizes... mas nem tanto.

Brisa não gostava de vestir aquela pele de animal. Sentia frio.

Então eles tiveram a idéia de fazer roupas mais adequadas. E, como ela também era muito habilidosa, inventou o vestido.

Ficou animada e, em seguida, inventou o sutiã, a calcinha, a cueca, a camisa, a calça, a bermuda e o pijama. E Lolo inventou sapatos que combinassem.

Todos ficaram felizes... mas nem tanto.

Brisa achou que faltava uma coisa e falou para Lolo:

- Amor, não podemos deixar nossas belas roupas pelo chão. Você não acha que poderíamos fazer assim uma espécie de móvel para guardar a roupa?

Lolo achou que era uma excelente idéia, tudo ia ficar mais limpo, e inventou o guarda-roupa. Como era muito habilidoso, fez um grande armário de cerejeira, cheio de gavetas, portas e puxadores cromados.

Finfo adorou, já tinha um lugar para se esconder quando brincasse de esconde-esconde com o pai.

Todos ficaram felizes... mas nem tanto.

Lolo tinha feito uma bagunça danada para construir o armário e Brisa ficou irritada.

Lolo, então, para acalmar a mulher, inventou a vassoura e achou que era melhor já fazer uma oficina longe de casa para não atrapalhar a felicidade do lar. E fez.

Todos ficaram felizes... mas nem tanto.

No lar havia problemas. Finfo acordava sempre com o pijama sujo depois de dormir no chão.

Brisa discutiu a questão com Lolo e eles acharam que podiam construir uma espécie de coisa assim, de madeira, com quatro pés, macia por cima. Ia ser muito mais confortável e a vida deles ia melhorar.

Lolo pensou bastante, trabalhou muito e inventou a cama. Como todos sabem, Lolo era caprichoso, e já inventou a cama com colchão, lençol, cobertor e travesseiro.

Brisa ficou encantada, principalmente com o travesseiro, que era a coisa mais macia do mundo.

Todos ficaram felizes... mas nem tanto.

Como eles almoçavam e jantavam em cima da coisa macia, a cama, estavam sujando muito os lençóis.

Lolo, então, inventou a mesa.

Todos ficaram felizes... mas nem tanto.

Acharam muito desconfortável comer em pé.

Lolo trabalhou bastante e inventou a cadeira. Muito confortável, muito confortável mesmo, bem melhor que comer em pé. Aproveitou para ficar sentado por mais de uma hora, pois ele estava cansado de tanto inventar e construir coisas, além de caçar e colher frutas, é claro.

Todos ficaram felizes... mas nem tanto.

Lolo e Brisa estavam achando que cozinhar na fogueira dava muito trabalho e eles não queriam trabalhar tanto. Se inventassem algo mais prático, teriam mais tempo para ficar juntos, se divertir e descansar. Inventaram, então, o fogão a gás.

Todos ficaram felizes... mas nem tanto.

Lavar a roupa lá no rio também era coisa dura. Brisa e Lolo queriam facilitar essa tarefa. Pensaram muito e inventaram a água encanada e o tanque. E, já que tinham inventado a água encanada, inventaram logo o banheiro para não ter que ir no mato, à noite, no frio.

Deu trabalho, Lolo já trabalhava oito horas por dia, inventando e construindo coisas e, apesar do cansaço, o resultado compensava.

O banheiro ficou maravilhoso.

Fizeram uma festa com o sabonete, o xampu, o condicionador, o creme hidratante, a esponja de banho, o talco, o papel higiênico, o perfume, o mercurocromo, o algodão, a gaze, o esparadrapo, o cotonete, etc.

Lolo adorou o creme, a lâmina de barbear, a loção pós-barba, o barbeador elétrico, o desodorante, etc.

Ficaram encantados com a escova de dentes, o creme dental, o protetor solar, o colírio, etc.

Divertiram-se muito com o pente, a escova, o grampo, o secador de cabelo, etc.

E enlouqueceram de alegria com o espelho.

Todos ficaram felizes... mas nem tanto.

Lolo tinha tanto trabalho e passava tantas horas por dia fora de casa, inventando coisas para dar conforto e facilitar a vida, que ficava estressado e com saudades do filho, que sempre estava dormindo quando ele chegava. Então Lolo inventou o telefone, para que eles pudessem se falar diversas vezes por dia.

Todos ficaram felizes... mas nem tanto.

Pelo telefone não dava para abraçar, nem beijar. Então tiveram a idéia de Brisa ajudá-lo na oficina, assim Lolo poderia chegar mais cedo do trabalho para abraçar e beijar o filho.

Todos ficaram felizes... mas nem tanto.

Brisa e Lolo, à noite, quando chegavam do trabalho, depois de abraçar e beijar o filho Finfo, ainda tinham que lavar a louça, a roupa, fazer o jantar, passar pano no chão e ficavam cansados, irritados, briguentos e enjoados de fazer todos os dias aquilo tudo. Naquele tempo ainda não tinham inventado a pizza “delivery”.

Acharam que a solução era facilitar as tarefas. Pensaram tanto que quase fritaram o cérebro quando inventaram, de uma só vez:

O liquidificador, a batedeira, a centrífuga, a cafeteira, o espremedor, a garrafa térmica, etc.

O microondas, a torradeira, a sanduicheira, etc.

A máquina de lavar roupa, o sabão em pó, o detergente, o amaciante, o alvejante, o desinfetante, etc.

A geladeira, o “freezer”, a despensa, etc.

A máquina de lavar louça, a secadora, o balde, o esfregão, a lata de lixo, etc.

O carpete, o aspirador de pó, o tira-manchas, etc. E, finalmente, inventaram o fim de semana, que ninguém é de ferro.

Todos ficaram felizes... mas nem tanto.

Sempre tinha algum aparelho que encrencava e isso era uma dor de cabeça danada.

Eles tinham que levar para a oficina para consertar e, como já estavam acostumados com o conforto, ficavam extremamente irritados e impacientes de fazer as coisas na mão. Coisinhas como lavar a louça, a roupa, bater ovos...

Além do mais, a família Barnabé, agora, era chique.

Lolo, Brisa e Finfo passaram a achar importante estarem sempre bonitos e elegantes. Não queriam mais andar de qualquer jeito, com a roupa amarrotada.

Não ficava bem.

Lolo inventou, então, o ferro de passar.

Todos ficaram felizes... mas nem tanto.

Dava um trabalho danado passar a roupa. E Brisa não tinha mais tempo, afinal ela trabalhava fora.

E Lolo, dessa vez, não se sabe por quê, não conseguiu inventar uma máquina de passar roupa. Deve ter dado um “tilt” nas idéias dele.

Mas é compreensível, porque, afinal, ele também era humano e às vezes falhava.

Lolo ficou muito deprimido e pensativo, mas a mulher foi compreensiva e arranjou uma solução: chamou sua prima para vir todos os dias passar a roupa.

Era uma ótima idéia, porque ela poderia fazer também as outras tarefas da casa. Assim Brisa teria tempo para inventar e fazer coisas na oficina.

A prima queria alguma recompensa por trabalhar na casa e então eles inventaram o dinheiro e deram para ela um salário. Como era pouquinho, chamaram de "salário mínimo".

Todos ficaram felizes... mas nem tanto.

Finfo ficava sozinho o dia inteiro sem a mãe nem o pai por perto. Sentia-se infeliz, não tinha com quem brincar, já que a prima de Brisa também só ficava cuidando da casa.

Então Lolo e Brisa inventaram a televisão, o sofá e o controle remoto.

Todos ficaram felizes... mas nem tanto.

Eles chegavam à noite tão cansados do trabalho e o Finfo querendo brincar e eles querendo descansar que acabavam brigando. Depois, também, cansados de brigar, sentavam-se todos na frente da televisão e ficavam hipnotizados e mudos como sacos de batata.

A família Barnabé sentia que aquilo não estava bom. Havia alguma coisa errada naquela história, mas era difícil, bem difícil, entender o que é que estava errado. A situação parecia um grande nó.

Lolo e Brisa pensaram logo em inventar mais alguma coisa, mas pela primeira vez não sabiam o que fazer. E, na verdade, pela primeira vez também perceberam que não era o caso de inventar mais nada.

Então eles foram para o quintal, acenderam uma fogueira e sentaram-se em volta dela, muito tristes, buscando uma saída.

Olhando para o fogo, entenderam que eles mesmos tinham criado aquela situação.

Era como uma armadilha.

Ficaram muito infelizes... mas nem tanto.

Lolo contou uma história e Finfo contou outra. Brisa entoou uma canção e lembrou-se de fazer algo que havia muito tempo não fazia: agradecer a Deus pela beleza da vida.

Finalmente entenderam que, se eles mesmos tinham feito aquela armadilha, eles mesmos poderiam desfazê-la.

Eles eram bem criativos e inteligentes.

Fonte:
Historinhas pescadas : antologia de contistas brasileiros / [coordenação editorial Maristela Petrili de Almeida Leite, Pascoal Soto].- São Paulo : Moderna, 2001. – (Literatura em minha casa ; v. 2)

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