sábado, 14 de abril de 2012

Francisca Clotilde / CE (Livro de Sonetos 2)


À PAZ

Estende sobre nós as asas benfazejas,
Afasta para longe a sanguinária guerra;
És astro protetor, a iluminar a terra,
És anjo divinal nas hórridas pelejas.

Teu sorriso traz bonança e, qual íris, descerra
O negror da procela... Abençoada sejas;
Oh! Paz consoladora o nosso bem almejas,
Estrela vesperal que doce luz encerra.

Vem os homens unir, vem espalhar o amor,
Tem pena do sofrer das mães em ansiedade,
De ternos corações mova-te a íngreme dor;

Temos sede de ti, lenitiva à orfandade,
Com eflúvios do céu, num gesto animador,
Lembra o santo dever, as leis da caridade!

ANDORINHA

Passando do inverno a pérfida inclemência...
Andorinha ligeira, vai buscando
Outro clima mais puro, ameno e brando,
Outro céu de mais doce transparência.

Gozas da luz a tépida influência,
Reunindo-te ao alegre bando,
Que recorta este azul de quando em quando,
Desejando mais plácida existência

Podes fugir, voar com as asas leves
Expandir-te ao calor do sol
De bendito verão, delícias breves.

Como eu te invejo: Enquanto vais seguindo,
Sofro a tortura do mais rude inverno
E o azul me esconde o seu sorrir, fruindo

VISÕES DE OUTRORA

Que formosa ilusão! Vejo presente
O caminho feliz e perfumado,
Onde outrora, risonho e docemente,
Meu viver deslizou-se abençoado.

Como tudo mudou! Mas corrente
Que espalhava dos céus o trecho amado
Continua a gemer triste e dolente,
Relembrando bem vivo o meu passado

Era aqui... bem o sei neste recinto
Que floriam as rosas e os jasmins
Desatava o botão nas alvoradas;

E parece, meu Deus, que vejo e sinto,
Através das imagens reavivadas,
O olhar de minha mãe pousado em mim!

DESERTO

Esta casa que vês arruinada,
Solitária e deserta no caminho,
Foi outrora de noivos casto ninho
De ilusões e de risos povoada.

E hoje, como fúnebre morada...
Já não conserva o traço de um carinho,
Nem se ouve o trinar do passarinho,
Em seu muro, ao romper da madrugada.

Assim meu coração d’antes repleto
De esperanças e cândidos amores
É hoje como um túmulo, deserto;

E o vergel onde outrora as lindas cores
Das rosas de um porvir risonho e certo
Brilhavam, tem espinho em vez de flores!

LUZ E SOMBRA

Por toda parte a luz, a placidez, o amor,
A graça festival do campo e do perfume,
A beleza sutil que traduz e resume
A ventura, a inocência, a primavera em flor....

É mais sereno o azul... Das águas o frescor
Tem um doce carinho, e misterioso nome,
De terra a repelir os rancores e o ciúme,
Imprime à natureza idêntico fulgor.

Será crível, meu Deus, perante este cenário?
Tão belo e encantador, tão puro e deslumbrante...
Que eu tenha o coração preso o triste fadário?

Que eu tenha o coração envolto em negros véus,
Sendo deste concerto a nota dissonante
A nuvem que perturba a limpidez do céu?!

O SONHO DE COLOMBO

Dorme embalado na caricia rude
Da vaga azul, indoôita, fremente,
E um áureo sonho ao viajar ilude
- Bela visão do labio sorridente -

É ela, a Gloria? Oxalá não mude
O rumo ousado ao genial dormente,
Que durma, pois, assim tranquilamente
Do velho mar na intérmina amplitude!

Que sonho é esse? Um Mundo, o Mundo Novo
E no futuro o progredir de um povo,
Grande na páz, impávido na guerra;

Eis que o gajeiro brada alviçareiro;
E o brado ecoa no universo inteiro
Levanta-te, Colombo! Terra. Terra.

CRIANÇA

Nem um prazer enubla-lhe a existência
Vive a sorris feliz e descuidosa,
Do azul do seu olhar na transparência
Reflete-se do céu a luz formosa

Irmã dos lírios, bela como a rosa
Tem dos anjinhos a divina essência,
Orna-lhe a fronte o mundo da inocência
Fúlgido como estrela radiosa

Eu, quando a fito meiga e pequenina
Botão de flor que a coragem militança
Num doce alfaz o envolício decerra

Desejo vê-la assim sempre criança
Rindo a brincar num sonho de esperança,
Cheia de graça que a inocência encerra

NINHO DESFEITO

Inda há pouco cantava docemente,
Num transporte de candidos amores,
O casal de avesinhas inocentes,
A tercer o seu ninho entre as flores.

Embebidas num sonho transparente,
Elas iam saudando os esplendores
Do sol que, despontando sorridente,
Resplendia da serra nos verdores.

Mas ah! Um caçador disapiedado
Perturbou os idílios de noivado
Roubando ao par gentil a f’licidade,

Hoje o ninho balouça-se deserto
_ Monumento gentil que lembra incerto
Um mistério de amor e saudade!

MÊS DAS FLORES

És das flores o mês, o belo mês festivo,
Em que virgem do céu, a terra inteira exalta;
Tem do inverno o esplendor no verde que se esmalta
Quase sempre num tom mais nítido e expressivo.

Ao ver-te quem não sente em ti o anseio vivo
De gozar teu encanto e a graça que ressalta
Da linda primavera e brilha inspirativo,
Se o afeto docemente a alma me assalta?

Que lembranças de outrora! Ao rosicler da infância
Feliz eu te esperava e a cândida fragrância
Espalhavas do bem em doce alacridade.

És sempre o mês florido, ameno e perfumado,
Mas para que um coração em mágoas torturado
Tens em meio da flor o espírito da saudade.

VISÃO CAMPESINA

Que mimosa casinha emoldurada
De baunilhas em flor ! Um doce ninho...
Murmureja um regato, ali pertinho,
Ri-se a campina verde e perfumada.

Não lhe falta o cantar de passarinho,
Numa orquestra de amor bem afinada,
Que me faz esquecer o torvelinho
Dessa vida de praça emocionada.

O céu sereno e azul... Faceira a brisa,
Aqui tudo me enleva e, alegre sinto
Que o tempo mansamente se desliza.

Uma casinha só ! Qualquer cidade
Por ela não trocara... Em seu recinto
Gozei do bem a paz, a suavidade!

MISTÉRIOS

Há um encanto secreto, um mistério insondável
No seio da floresta, e o seu recesso esconde
Tanta coisa ideal, sobre a rendada fronde,
Na beleza sem par, selvática, admiravel!

A ave que desata a voz límpida, inefável
A voejar pelo azul exprime de onde em onde
Um idílio de amor que a brisa ressponde
E o aroma a se espargir , num eflúvio adorável.

Nos esponsais da flor, oh! Que ternura existe!
Que pode compreender a força que persiste,
A vibrar no mistério, a palpitar no arcano?

Quem pode do porvir traçar o intenerário,
Investigar quem ousa o pensamento vário
E o supremo mistério – o coração humano?

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/biografia.php?a=74

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