sábado, 7 de abril de 2012

J. B. Donadon-Leal/MG (Poesias Avulsas)


VOZ DE POETA

Minha voz de poeta
Silenciosa
Se diz em meditação

Minha voz de profeta
Licenciosa
Se diz maldição

Minha voz manifesta
Ditosa
Se diz a foz do não.

Enquanto minha voz discreta
Irrompe do peito o tom do trovão
Águo a ira inda pupa no aguardo
Do pecado já cometido
No dia do juízo final
No dia preciso
Diante da luz
Terna
Do relâmpago artificial
Na rede elétrica da minha bondade.

Minha voz de sóis completa
Copiosa
Sua raiva nos traços da mão.

Haja voz, nós nas gargantas,
Sazonal humor qual céu de verão,
Minha voz de poeta
Deleitosa
Toca as linhas do coração.

GÊNESE DA POESIA

Desajeitada, rude ainda,
fiz-me um verso uma rima,
folk fui em forma linda:
poesia, onde ainda você se arrima.
Fiz épocas, bongas e locuções,
normatizada fiz-me tão restrita
e escolada em tanta boca atrita
sou cantada nas todas evoluções.
Fui dos espíritos cenário e voz;
das ninfas, píxide de toda glória,
nas naus rebendo de um amor e a sós,
flutuante, párvula, que ainda história,
galgo minúcias, em gargantas nós.
Escura, nívea, que de afetos tantos,
sendo da lírica visão dos santos,
do alfa perpétua vago até por nós.
Que de os filósofos ouvirem cantos,
quando o mais ávido talento exala,
traz na poética prazeres tantos,
pois que a ver índole na gênia fala
o som dessa auréola astuta assume,
em versos áticos, cultistas lautos,
de inversos tentos, sentimentos pautos,
o teor artístico por ledo lume.
Atraco ao pojo que uma vez perfeita
todos meus clássicos andores, deuses,
vendo-me bojo, minha sina enfeita,
em moldes práticos, pastores, reses,
pois trago, então, cenas de posses tais,
que para meus dotes de vivência em fogo
atiça gana, em mui descrença, jogo:
busco a razão nas tantas artes mais.
Fui no sonho buscar abrigo
e na morte conter meus ais,
da liberdade fazer-me amigo
e no amor encontrar rivais;
da natureza me embebi em doses
com a mulher que se fez saudade
e no bom selvagem que me invade
fiz-me pátrio em todas as minhas vozes.

Volvo meus olhos nus em nódoas águas
e vendo o embaço desse céu sem cor
solvo-me em versos que das artes tábuas
em sulcos tortos, pois que se é depor
contra tais sonhos indivíduos d’outros
escritos falsos, onde morto agora,
pinto o meu céu de negro pálio, fora
da casta dos que se julgam doutos.
Em badalos, estalos e alaridos
fiz-me música, mística e rumores
e passiva, altiva em sons ouvidos,
ritmados, contados em tambores,
tão simbólica, cólica e acesa
num turbante andante, ameno, mas forte,
sinto-me tonta e o quanto sou indefesa.
Sendo dos meus sertões a entranha em fala
penetrei no real que tão presente,
vim pasma em meio ao verso que não cala,
alegre, triste… a voz que o povo sente:
dormente ao trilho, forte base, enfim,
semente ao chão da semana brotada
tal qual a terra, bem mais safada
que a orgia que cedo chega ao fim.
Poesia, poesia
assim sou chamada.
Fui do povo, perfeita, sacrossanta.
Fui teórica…
Fui parte
Um só sonho.
Hoje, porém, sou de tudo
plena.

APRENDER A APRENDER

A bruma da manhã
testa a paciência do sol
ao interferir na monotonia.

O sol, olho dilata,
de privilegiado lugar
sabe-se diferente a cada segundo
em seu ludismo
de rolar a terra incessante
e esconder de si a nuvenzinha tola
que de dorso frio na altura
chora chuva fina e se vai
abrigar na pele aconchegante da terra
para no lago quente se brumizar de novo
e brincar de esconder o sol
que rola a terra ensinando
aprender a aprender a diferença infunda
na monotonia aparente do sistema.

A bruma da manhã
se testa na paciência do sol:
ferem juntos a sucessão circunferente
num lúdico e diuturno aprender.

CREDO QUIA ABSURDUM

Seduzir
revelar
mover-se de si
a se doar
ser truísta
nos mortos brios
expandir
dilatar
morrer-se de si
por se jorrar
dos aviões
no espaço frio
explodir
reatar
abster-se de si
ao se voar
sobre as cabeças
avião
sob os pés
some o chão
credo quia absurdum.

MEU VÍCIO

Meu vício
não segue o fascismo do fumante
não impregna o cabelo
nem o paletó
nem a mão
nem a boca
nem a sala de espera
nem o vizinho de mesa
nem o salão de festa
nem o escritório
nem o automóvel
nem a areia da praia
nem o barzinho
da catinga
irremediável
dos cigarros.
Meu vício
não dá câncer
não intoxica quem se Avizinha
não reduz a capacidade de respirar.
Meu vício
só ocupa folhas
com palavras
de liberdade.
Meu vício
não obriga o outro
a ler meus versos.
Meu vício
joga palavras
em poesia,
mas como as aldravas
pede licença.
Meu vício
mostra que pode haver
prazer
sem contra-indicações.

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