segunda-feira, 9 de abril de 2012

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) 7. A Hora de Voltar


Sempre terei essa ternura pelas coisas que me cercam
as minhas coisas fieis:
meus livros, meus quadros, meus papeis,
minha máquina de escrever, piano de palavras,
a tocar poesia.

As minhas coisas fieis: a paisagem
onde me encontro, e sou paisagem,
e a que penduro na janela aberta
incorporada e vendida a cada dia que passa
sem apelação.

É tão pouco chegar! Entretanto, não troco nada no mundo
por esse instante de puro egoísmo
em que vivo a ilusão de que há um mundo que é meu,
até quando, - que importa?
a me esperar...

Felizes os que podem ter uma hora de chegar
a algum lugar, onde já se está, onde se está sempre
acompanhado, mesmo sozinho,
onde encontramos as marcas de nosso espírito
como as pegadas num caminho...

Tenho uma pena infinita dos que não voltam,
e são como pássaros que não pudessem nunca
pousar...

Toda tarde, quando chego em casa, subitamente
sou um homem feliz, como se acabasse de salvar
uma vida!
- a minha própria vida,
que eu salvo todos os dias!

E vou para o chuveiro
com um canto no coração !

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

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