quarta-feira, 16 de maio de 2012

Artur Azevedo (Pipi)


A cena passa-se num hotel de Caxambu.

A sineta do almoço acaba de retinir pela segunda vez.

A mesa redonda está posta, à espera dos hóspedes.

O primeiro que aparece é um homem de meia-idade, barbeado de fresco, ressumbrando saúde e bom humor. Senta-se, desdobra o guardanapo, prende-o entre o colete e a camisa, deita a luneta, lê com atenção a lista dos pratos, guarda a luneta, põe a lista de parte, e esfrega rapidamente as mãos uma na outra, evidente sinal de que o menu não lhe desagrada.

A pouco e pouco vêm vindo os demais hóspedes - senhoras e cavalheiros.

À cabeceira senta-se um sujeito velho, de óculos, muito sério, com muita barba e a barba muito branca.

Trocam-se cumprimentos.

Conversa-se. Conversa-se muito. Fala-se de política. Repetem-se boatos.

Afinal, chega o primeiro prato.

O homem de meia-idade respira.

Começa o almoço.

Nisso, aparece uma senhora muito distinta, muito elegante, muito bem vestida, trazendo pela mão uma linda menina de três anos. Ninguém a conhece. É uma hóspede nova. Vem à mesa pela primeira vez.

Todos a encaram silenciosamente e se interrogam uns aos outros com os olhos. Curiosidade geral.

A recém-chegada cumprimenta os circunstantes com um ligeiro movimento de cabeça e - um tanto "encafifiada" - procura lugar para sentar-se à mesa.

O velho de óculos fulmina-a com um olhar de inquisidor-mor.

O criado afasta uma cadeira e oferece-lhe lugar. Depois, vai buscar uma cadeira de criança e, suspendendo a menina, fá-la sentar-se ao lado da senhora.

Os comensais, um momento distraídos pela inesperada presença da desconhecida, entregam-se afoitamente ao trabalho da mastigação.

Ninguém fala. Só se ouve o bater das mandíbulas, o estalar das línguas e a bulha dos talheres.

De repente, a menina de três anos corta o silêncio com estas palavras:

- Mamãe, eu téio fazê pipi.

Todos riem, à exceção do velho de óculos, que franze os sobrolhos e murmura algumas palavras ininteligíveis.

A desconhecida cora até as raízes do cabelo. Entretanto, ergue-se, agarra na pequena, e entra com ela no quarto.

Fazem-se rápidos comentários. Continua o almoço.

Minutos depois, a senhora volta, trazendo a filhinha pela mão.

Tomam ambas os seus lugares.

A menina deixa passar alguns segundos e diz, passeando os olhinhos por toda a mesa:

- Eu zá fiz pipi.

E, depois de uma ligeira pausa, acrescenta muito séria:

- E mamãe também fez.

Fonte:
Historinhas Pescadas. Editora Moderna, 2001.

Nenhum comentário: