domingo, 13 de maio de 2012

Kideniro Teixeira (Livro de Poemas)


ADOÇAO – A Manaus

Para Ricardo Roriz – Mestre de Gerações

Esta terra foi minha...
Muito lhe quero, quanto ela me amou!
És de minha alma a formosa Rainha,
ah, minha terra, Mãe que me adotou!

Cheguei com os maltrapilhos,
órfãos de tudo, vindo aos escarcéus,
estropiado como os andarilhos,
estendendo-lhe as mãos e olhando os céus.

E amei... e fui amado!...
Como uma árvore ali criei raízes
no doce embalo que me acalentou.

E parti... Fui gladiado
em batalhas por dias mais felizes...
Ah, minha terra! Mãe que me adotou!

A MINHA MESTRA

"Possa ao menos sentir tua presença
nestes versos que escrevo, amargurado,
ante a profunda, ante a sombria e imensa
saudade de teu vulto idolatrado."
Homero de Miranda Leão

Foi minha mãe a minha Mestra
que me ensinou a ler, em nosso humilde ninho;
eu era um menininho,
uma criança...
De minha mãe, exímia trovadora,
é de quem guardo esta divina herança.

Recordo agora,
que a sua voz se erguia,
branda e sonora,
como se fosse um sino
tangendo na alvorada fria
do meu Destino:

- Lê! Estuda! Lê, menino!
Era este o heróico estribilho
de cada dia:
- Lê! Estuda! Lê, meu filho!

Como era bela a minha Professora,
no seu vestidinho branco!
O coque alto, olhos castanhos
e esguias mãos da Virgem Redentora!

Somente agora sinto, e guardo, e tranco
no peito esta saudade imorredoura,
como se ouvisse. ainda. a sua voz sonora:
- Lê! Estuda! Lê, meu filho!

E eu que jamais velara o meu Destino,
quanto sofro e me deploro
para cantar minha procela...

E nem sabia, que um dia,
eu sentiria,
tanta saudade dela!

VISITANDO MANAUS

Para Arlindo Porto

Você, minha cidade, foi tão boa,
tão amável, sem nem me conhecer
quando eu vagava no seu seio, à toa...
abrindo os braços pra me proteger.

Você sabia? Creio que sabia
que eu era um "Arigó" que aqui chegava...
E você, cristãmente, me sorria
e até cantar cantou, quando eu chorava.

Aqui cheguei carente de carinho
e de logo a sua mão me abençoou;
e eu tive muito amor, tive outro ninho,
tive outra Mãe, – a Mãe que me adotou.

Deu-me um leito, tirou-me dos retraços
onde estava a minha alma ainda em flor;
e ofereceu-me os seus morenos braços,
como os braços de um Cristo Redentor.

Para mim era tudo um desafio,
um desafio, em tudo, tudo! Enfim,
o Rio Negro não era só um rio,
era um mundo de amor rolando em mim.

A ingratidão, de todos, é o pecado
maior. Deus não concede a remissão;
se fora embora o filho desalmado,
visitando-a espera o seu perdão.
********************************

Olhando o céu, beijei Nossa Senhora,
para a beijar, também, com humildade;
já estou mais velho, a vida se evapora!
Vê-la de novo eu vim, minha Cidade.

Vim recordar de minha mocidade
tudo aquilo que amei e guardei de cor;
– para matar, meu Deus, esta saudade;
– para voltar, talvez, muito pior!

Aqui vivi e amei... e fui amado
pela Princesa a quem beijei o rosto
e vi nascer minha primeira Flor!

E nunca houvera em versos consagrado
seu nome augusto, assim, nesse antegosto,
Cidade Nobre de meu grande amor!
Manaus (Japiim I, 1991)

NA AMAZÔNIA

Para Clóvis A. da Mata

"As sepulturas ficam abertas nas florestas à
beira dos barrancos, sem cruzes e sem recordações,
protegidas, apenas, pela esmola e pela claridade da luz.”
Álvaro Maia

Nessas umbrosas, vírides florestas
que se levantam no Setentrião,
há pomos fartos e riquezas lestas,
e há ouro em tudo ao desdobrar da mão.

É para ali que corre a multidão
de párias nus, nas levas indigestas,
o lar deixando, a alma e o coração,
ao canto de Sereias desonestas.

Como um gado passivo se despede...
Há um acento de dor na despedida,
lamento triste que nem outro o excede!

E segue estosa e sôfrega a coorte,
pois ali todos vão tentar a vida,
mas, ali quantos vão achar a morte?!

EMIGRANTE

À memória de César Coelho

De um mundo vim, um Mundo malfadado,
de torpezas, de sustos, de agonias,
onde purguei, nas longas noites frias,
as angústias do tédio e do pecado.

Quis ser outro e ser bom. Quis ser amado
e milênios levei nessas porfias...
Minha alma discorreu coreografias
antagônicas nesse aprendizado.

Mas, se hoje vejo as Luzes no Infinito,
nas distâncias sem fim desse esquisito
turbilhonar de sóis – nos olhos meus,

cuido avistar as lúcidas lanternas
que hão de levar-me às Perfeições Eternas,
para enxergar em tudo isso, – Deus!

MODÉSTIA À PARTE

Eu faço versos como se rezasse
e sem ligar que alguém assim os faça;
porque fazê-los como os vi fazê-los,
só uns irmãos que tenho, analfabetos.

Eles não sabem se existiu Bilac,
Camões, Petrarca, Dante ou Baudelaire...
Pois que de escola à porta jamais foram,
mas são poetas, são; sem saber ler.

Eu faço o verso ao jeito que eles fazem,
sem pedantismo, assim como respiro,
ando, paquero, assobio ou falo
de minha própria, ou da vida alheia.

São versos feitos sem contar nos dedos,
e sem Tratado em "Ver se fica são",
sem "rimas ricas", feitos da pobreza
de fechaduras sem "chaves de oiro".

Lendo esses versos, muitas vezes, tinha
da Glória estar nos cumes cobiçados;
e então da Glória ia beijar-lhe o Trono,
"embebedado do sinistro vinho".

Pois que da Glória já fui seu fanático,
julgando nela não morresse nunca;
mas, quando a Glória evitou meu rosto,
"eu fui caindo como um sol caindo..."

São versos velhos, feitos de retraços
das ruínas remotas de Pompéia
e das cinzas lascivas de Gomorra;
porém nasceram do meu grande amor.

E tanto os quero porque são meus filhos,
diletos filhos do útero da alma,
para voarem – pássaros queridos,
por este mundo consolando aflitos.

OS QUE ENCONTREI

Para o Poeta Walfredo dos Anjos

I

Eu fui na vida o Poeta embevecido
no meu divino Reino da Ilusão:
– Dando o vinho do Sol ao desvalido
e, após, a Lua-Cheia em comunhão.

Imprimi no meu canto um sustenido
de amor, e paz, e prece, e redenção...
Fui Mensagem, fui fruto repartido
entre os filhos da desconsolação.

A todos prometi a minha palma
e dividir o que eu tivesse na alma,
com quem vivesse, por aí, sozinho...

Já dei tudo o que tinha... e sem ter nada,
minha alma dou em rimas, orvalhada,
aos que passem com sede em meu caminho.

II

E fui, de fato, o Poeta dos amores,
vendo em mim mesmo, toda a humanidade;
dei muito amor, carinho e caridade,
minha fazendo a dor dos sofredores.

o meu canto vibrou como tambores
divinos nas falanges da orfandade;
consolei-as pregando a piedade,
como pregam no Templo os Pregadores.

Para os que vinham atirei meus louros;
dos cofres de minha alma seus tesouros,
pus entre as mãos do que avistei sozinho...

Acabei com o que eu tinha nas andadas;
E, em recompensa, recebi pedradas,
de muitos que encontrei no meu caminho.

ETERNlZANDO VIDAS

II

Não há fugir à dor que desconforta,
nem retorcer o mal que em si concentra...
Se hoje a Morte bater em tua porta,
abre-a, de vez, a convidá-la, - entra!!

Diluto em tudo o que a verdade exorta,
expõe o peito à adaga que se adentra
nele, ferindo-o e, torturante, corta
fibra por fibra e a tudo mais descentra...

E quando as tuas células morrerem,
e dezenas de glândulas pararem,
e, cruzadas, as mãos apodrecerem,

naquelas cames rotas, diluídas...
Certos dirão os que te carregarem:
– Hoje ele é vida etemizando vidas!

ÁGUAS BELAS

Fazia anos que eu não visitava
a vilazinha onde nasci e aquelas
paragens todas a que tanto amava...
Minhas Águas-Belas, tão humilde e boa,
com a sua igrejinha iluminada a velas.

Ali vi-me criança, outra vez, correndo
pela campina, olhando o prado em flor
e em tosco engenho a gotejar, moendo...
me vi menino e uma menina loura,
que fora, ó Deus, o meu primeiro amor!

Fui ver o “Tanque”, o poço onde eu nadava
tempo de inverno, arisco como um potro,
a ver se ali ainda eu me encontrava;
mas ao mirar-me nesse espelho de água,
já não vi meu rosto alegre — um outro.

Também não vi aquelas coisas santas:
– rebanhos brancos a beber nos rios
que deslizavam ao longo das gargantas;
nem os velhinhos de cabeças brancas,
aos quais, a todos, lhes chamava tios.

Nem mansos bois a ruminar, tristonhos,
à sombra augusta de augustos juazeiros,
como quem cisma em inocentes sonhos...
Nem as siriemas de olhos amarelos,
cantando, longe, pelos tabuleiros.

Triste saudade amortalhou minha alma,
olhando a velha casa que foi nossa,
toda arruinada e como quem se ensalma...
Ó relembrança, foste uma fiala,
jorrando um vinho que, se amarga, adoça!...

Senti vontade de correr, gritando,
pelo rincão de minha peraltice
e a tudo, por ali, interrogando:
– Quem escondeu a minha mocidade?!
– Quem pôs tão longe a minha meninice?!

Fonte:

Nenhum comentário: