quarta-feira, 6 de junho de 2012

Alvarenga Peixoto (Caderno de Sonetos)


A MARIA IFIGÊNIA

 Em 1786, quando completava sete anos.

 Amada filha, é já chegado o dia,
 em que a luz da razão, qual tocha acesa
 vem conduzir a simples natureza,
 é hoje que o teu mundo principia.

 A mão que te gerou teus passos guia,
 despreza ofertas de uma vã beleza,
 e sacrifica as honras e a riqueza
 às santas leis do filho de Maria.

 Estampa na tua alma a caridade,
 que amar a Deus, amar aos semelhantes,
 são eternos preceitos da verdade.

 Tudo o mais são idéias delirantes;
 procura ser feliz na eternidade,
 que o mundo são brevíssimos instantes.

"AO MUNDO ESCONDE O SOL SEUS RESPLENDORES"

Ao mundo esconde o Sol seus resplendores,
 e a mão da Noite embrulha os horizontes;
 não cantam aves, não murmuram fontes,
 não fala Pã na boca dos pastores.

 Atam as Ninfas, em lugar de flores,
 mortais ciprestes sobre as tristes frontes;
 erram chorando nos desertos montes,
 sem arcos, sem aljavas, os Amores.

 Vênus, Palas e as filhas da Memória,
 deixando os grandes templos esquecidos,
 não se lembram de altares nem de glória.

 Andam os elementos confundidos:
 ah, Jônia, Jônia, dia de vitória
 sempre o mais triste foi para os vencidos!

"EU VI A LINDA JÔNIA E, NAMORADO"

Eu vi a linda Jônia e, namorado,
 fiz logo voto eterno de querê-la;
 mas vi depois a Nise, e é tão bela,
 que merece igualmente o meu cuidado.

 A qual escolherei, se, neste estado,
 eu não sei distinguir esta daquela?
 Se Nise agora vir, morro por ela,
 se Jônia vir aqui, vivo abrasado.

 Mas ah! que esta me despreza, amante,
 pois sabe que estou preso em outros braços,
 e aquela me não quer, por inconstante.

 Vem, Cupido, soltar-me destes laços:
 ou faze destes dois um só semblante,
 ou divide o meu peito em dois pedaços!

"EU NÃO LASTIMO O PRÓXIMO PERIGO"

Eu não lastimo o próximo perigo,
 Uma escura prisão, estreita e forte;
 Lastimo os caros filhos, a consorte,
 A perda irreparável de um amigo. 

 A prisão não lastimo, outra vez digo, 
 nem o ver iminente o duro corte, 
 que é ventura também achar a morte 
 quando a vida só serve de castigo. 

 Ah, quão depressa então acabar vira 
 este enredo, este sonho, esta quimera, 
 que passa por verdade e é mentira! 

 Se filhos, se consorte não tivera 
 e do amigo as virtudes possuíra, 
 um momento de vida eu não quisera.

"NÃO ME AFLIGE DO POTRO A VIVA QUINA"

Não me aflige do potro a viva quina;
 Da férrea maça o golpe não me ofende;
 Sobre as chamas a mão se não estende;
 Não sofro do agulhete a ponta fina. 

 Grilhão pesado os passos não domina;
 Cruel arrocho a testa me não fende;
 À força perna ou braço se não rende;
 Longa cadeia o colo não me inclina. 

 Água e pomo faminto não procuro;
 Grossa pedra não cansa a humanidade;
 A pássaro voraz eu não aturo. 

 Estes males não sinto, é bem verdade;
 Porém sinto outro mal inda mais duro:
 Da consorte e dos filhos a saudade!

Fonte:
www.sonetos.com.br

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