segunda-feira, 11 de junho de 2012

Ana Maria Machado (Os Dois Ratinhos)


Era uma vez dois ratinhos. Bom, na verdade, eram dois camundongos, desses bem pequeninos que vivem nas casas velhas. E era mesmo onde eles moravam, numa casa de fazenda que já tinha sido de avós e bisavós de gente. Por isso, a madeira cedia num lugar, o reboco descascava em outro, um pedacinho de taipa caía mais adiante... Era uma maravilha de moradia para ratinhos e camundongos. Havia túneis pelas paredes, amplas avenidas no forro e vastos descampados no porão, além de ruas e vielas por todo o esqueleto da casa.

Pois uma dessas ruas é a que nos interessa — e era a que mais interessava a eles. A que desembocava na cozinha.

Uma noite, os dois camundongos saíram para um passeio na cozinha. Era sempre uma festa.

Tinha lingüiça no fumeiro por cima do fogão de lenha.

Tinha chouriço pendurado na despensa.

Tinha queijo na prateleira.

Tinha um saco de fubá num canto.

Tinha tanta coisa para comer que nem dá para lembrar tudo.

Os dois ratinhos se banquetearam, se empanturraram, até se fartarem. Depois, deu sede. Mas um deles ainda tinha lugar na barriga para comer mais um bocadinho. Enquanto discutiam se já deviam ir beber água ou não, viram uma tigela imensa, coberta por um pano de prato de beiradas bordadas em ponto de cruz.

Foram olhar de perto. Era leite que a cozinheira deixara para fazer coalhada. Uma tigela cheinha, quase transbordando.

Pronto! Era a solução! Assim, matavam a sede e o restinho de fome ou gulodice ao mesmo tempo.

Mas, quando se equilibraram na borda da tigela para beber, um deles perdeu o equilíbrio e plaft! Caiu lá dentro. Na queda, tentou se agarrar ao rabo do outro e plaft! O segundo ratinho também caiu.

Começaram a tentar sair. Mas era difícil, as bordas da tigela escorregavam. E eles estavam pesados, de barriga cheia. Nadaram e se debateram, mas não dava para se apoiarem e sair. Foram nadando, se debatendo e ficando cansados.

Um deles simplesmente desistiu. O outro resolveu que não ia entregar os pontos. Nadava, nadava, mesmo que fosse em círculos, só para não parar de lutar. Quando cansava muito, boiava ou se agarrava às bordas e depois voltava a nadar. Passou assim a noite toda.

De manhã, quando a cozinheira chegou à cozinha e levantou o pano de prato bordado que cobria a tigela de coalhada, teve duas surpresas. Lá dentro tinha um camundongo morto. Mas a surpresa maior não foi essa. Foi ver que a coalhada tinha virado manteiga, de tanto ser batida. E, por cima, havia muito nítido um caminho feito de rastros — as pegadas frescas de um ratinho que saíra caminhando sobre a manteiga e fora embora.

Moral: se é fábula, tem que ter moral, mas eu prefiro que você a descubra. 

Como utilizar o texto em sala de aula

Em Os Dois Ratinhos, Ana Maria Machado reconta uma fábula tradicional que, como toda fábula, possui uma moral. A escritora optou por não revelá-la, convidando cada leitor a descobrir por conta própria a lição embutida no texto. Você pode enriquecer essa proposta em classe, aprofundando a leitura com atividades interdisciplinares. É o que sugere Lúcia Pimentel Góes, coordenadora da área de Literatura Infantil e Juvenil na Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo (USP). Depois de se empanturrarem com a história em aulas de Ciências, Português, Matemática e Educação Artística, os alunos devem chegar a morais diferentes. "E isso é ótimo", afirma Lúcia. "Ler descobrindo, criando e recriando é sempre mais prazeroso." 

UM PRATO CHEIO DE IDÉIAS

Em Português, amplie o vocabulário da turma. Proponha que escrevam receitas usando expressões como tigela, coalhada, chouriço, lingüiça. Ilustre a atividade com uma visita à cozinha da escola, onde as crianças irão preparar o que elaboraram. Pratos prontos, organize uma "feirinha" gastronômica e convide alunos, pais e outros professores para se deliciarem. A feira também é oportuna para explicar operações matemáticas. Com dinheirinho fictício, algumas crianças "pagam" pelas guloseimas, enquanto outras aprendem a calcular o troco.

LIÇÃO DE HIGIENE

Na aula de Ciências, aguce a curiosidade das crianças revelando que um rato é diferente de um camundongo. Mas em quê? Para responder à pergunta, a turma pode se dividir em grupos e estudar as características de cada animal: as espécies às quais pertencem, o espaço onde vivem, como fazem seus ninhos e do quê se alimentam. Aproveite e passe noções de higiene. No conto, os ratos aparecem como bichinhos simpáticos, que passeiam com tranqüilidade por um cozinha repleta de utensílios e alimentos. É importante explicar a seus alunos que, apesar da aparência inofensiva, a grande maioria desses roedores transmite doenças ao ser humano — entre elas, a leptospirose. Por esse motivo, são necessárias precauções para mantê-los longe de casa. 

NA COLA DOS RATINHOS

Juntamente com seus alunos, reproduza o passeio dos ratinhos pela casa de fazenda até chegar à cozinha. Repleto de objetos, dispostos cada um de uma maneira, o cômodo instiga à produção de um inventário. As crianças podem pesquisar as peculiaridades da arquitetura de uma casa de fazenda, do seu mobiliário, da vizinhança. Para tanto, devem recorrer a livros e a entrevistas com profissionais como pedreiros, arquitetos e engenheiros. Esse texto descritivo será o alicerce da construção de uma maquete durante a aula de Educação Artística.

Fonte:
Nova Escola. Contos, Fábulas e outros.

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