domingo, 16 de dezembro de 2012

Francisco Marques “Chico dos Bonecos” (Folhas Secas)


Eu estava dando uma aula de Matemática e todos os alunos acompanhavam atentamente. 

Todos?

Quase: Carolina equilibrava o apontador na ponta da régua, Lucas recolhia as borrachas dos vizinhos e construía um prédio, Renata conferia as canetas e os lápis do seu estojo vermelhíssimo e Hélder olhava para o pátio. 

O pátio? O que acontecia no pátio?

Após o recreio, dona Natália varria calmamente as folhas secas e amontoava e guardava tudo dentro de um enorme saco plástico azul. Terminando o varre-varre, dona Natália amarrou a boca do saco plástico e estacionou aquele bafuá de folhas secas perto do portão. Hélder observava atentamente. E eu observava a observação de Hélder – sem descuidar da minha aula de Matemática. De repente, Hélder foi arregalando os olhos e franzindo a testa. 

Qual o motivo do espanto? 

Hélder percebeu alguma coisa no meio das folhas movendo-se desesperadamente, com aflição, sufoco, falta de ar. Hélder buscava interpretações para a cena, analisava possibilidades, mas o perfil do passarinho já se delineava na transparência azul do plástico. 

Um pássaro novo tinha caído do ninho e, confundido-se com as folhas secas, foi varrido e agora lutava pela liberdade.

– Ele tá preso!

O grito de Hélder interrompeu o final da multiplicação de 15 por 127. 

Todos os alunos olhavam para o pátio. E todos nós concordamos, sem palavras: o bico do passarinho tentava romper aquela estranha pele azul. Hélder saiu da sala e nós fomos atrás. 

E antes que eu pudesse pronunciar a primeira sílaba da palavra “calma”, o saco plástico simplesmente explodiu, as folhas voaram e as crianças pularam de alegria.

Alguns alunos dizem que havia dois passarinhos presos. Outros viram três passarinhos voando felizes e agradecidos. Lucas diz que era um beija-flor. Renata insiste que era uma cigarra. Eu, sinceramente, só vi folhas secas voando.

E, para concluir esta inesquecível aula de Matemática, pegamos vassouras, pás e sacos plásticos e fomos varrer novamente o pátio. 

Fonte:
Revista Nova Escola

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