quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (Corpo de Baile)


Terceira produção do grupo Boi Voador, fruto de experiências anteriores com adaptações para a cena de originais literários. Aqui é estabelecida uma entropia sobre a obra Corpo de Baile, de Guimarães Rosa, um conjunto de novelas em que cada uma é denominada 'coreografia'. 

Esse espírito roseano ligado à música e à dança fornece estímulo para Ulysses Cruz, o encenador, e Débora Colker, a responsável pela direção de movimento, materializarem em cena imagens diretamente construídas sobre o ritmo e a agilidade. O ponto de partida é a visão míope do pequeno herói Miguilim, ou seja, uma realidade circundante percebida por essa visão desfocada. Os trabalhos de dramaturgia e assistência de direção ficam ao encargo de Jayme Compri, que estabelece um roteiro composto por sete movimentos: 1) o despacho de Guimarães Rosa; 2) a visão de campo de Miguilim; 3) a busca de Cara de Bronze; 4) a casa ensolarada das mulheres; 5) uma história de amor na festa de Manuelzão; 6) Dão-Lalaão: Doralda e Soropita; 7) o recado. 

A música de André Abujamra é composta por sonoridades estranhas e rock, conferindo ao todo, juntamente com a iluminação de Domingos Quintiliano e Edvaldo Rodrigues, o pretendido teor não-realista e a descontextualização do espaço em que a ação se desenvolve. Os figurinos de Domingos Fuschini sugerem soluções de super-heróis para os jagunços e diáfanos tecidos para as mulheres sertanejas. Grandes carretéis de madeira, utilizados de formas diversas pelos atores, compõem a cenografia do espetáculo.

Saudado como uma encenação inovadora e que areja a aproximação com um escritor tomado como regionalista, Corpo de Baile faz grande sucesso nas diferentes cidades onde se apresenta. Em 1992 o grupo realiza uma segunda versão do espetáculo, alterando diversas passagens, para levá-lo à Europa. A excursão por diversos países confirma o prestígio da montagem, sintoma do universalismo do teatro nos anos 80, prenunciado por Macunaíma na década anterior.

O crítico Roberto Peres assim sintetiza o impacto produzido pela montagem: "Se a dança vem procurando eliminar as distâncias com o teatro, numa separação que nunca existiu, mas acabou simulada por imposições, há mais tempo ainda o teatro assumiu a dança como parte que sempre foi do seu corpo. E este ganhou projeção no espaço cênico, e nessa vitória Ulysses Cruz atinge o ponto máximo. Seu elenco é ágil, bonito, expressivo, capaz de utilizar várias técnicas e linguagens para contar as novelas de Rosa. Destaque para a postura física do elenco na primeira parte da gênese, Miguilim, acocorado para dar exatamente a ótica míope da criança vendo o mundo de baixo para cima. A seguir o esplendor e a sensualidade dos corpos dos vaqueiros, que celebram uma inebriante festa de Manuelzão sobre os carretéis, trançam suas lanças para criar malhas e armadilhas. Depois a sensualidade explosiva das Mulheres Imaginárias de Guimarães, derramando-se em seguida nas surpreendentes imagens do Cara de Bronze. E nessa entropia tudo é possível, até o carretel de fogo que corta o palco".1 
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Notas
1. PERES, Roberto. Corpo de Baile: uma aproximação da dança com a beleza. A Tribuna, Santos, p. 7, 7 ago. 1988. 

Fonte:

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