domingo, 30 de dezembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (Gota d'Água)

Peça de Paulo Pontes e Chico Buarque, inspirada numa adaptação de Medéia, de Eurípides, realizada por Oduvaldo Vianna Filho para a TV. Associada ao teatro de resistência, a montagem tem dois objetivos principais: retratar a realidade brasileira de modo contundente, apelando para uma fábula grega universalmente conhecida e criar um grande espetáculo musicado.

Ambientado numa favela - que está sendo reurbanizada através da construção de um conjunto habitacional - o enredo ressalta a dramática convivência de Joana e Jasão, o sambista que, depois de dez anos de vida em comum com ela, decide abandoná-la e aos dois filhos para se casar com a jovem Alma, a filha do empreiteiro Creonte, a quem pertencem as casas da Vila do Meio-Dia. O fundo social, uma dura crítica ao milagre econômico então em curso, surge através da mobilização da população do morro contra os preços extorsivos das unidades postas à venda. Incapaz de aceitar a traição, Joana acaba por envenenar as duas crianças, no dia da festa de casamento de Jasão. A música de Chico Buarque atribui algumas características de musical a este drama social denso, e diversas das canções da peça tornaram-se grandes sucessos na voz de vários intérpretes.

Destacam-se a direção de Gianni Ratto e a interpretação de Bibi Ferreira como a protagonista, destacam-se e valorizam a montagem, tendo sido registrados em disco seus momentos culminantes. O crítico Alberto Guzik, comentando a encenação, destaca os intérpretes, aos quais credita os melhores resultados do trabalho: "Todos eles (atores) transfigurados, reiluminados por essa grande e sensível intérprete que é Bibi Ferreira. Tão fantástico é o seu dom para o teatro que consegue superar seus próprios limites físicos para viver Joana, a Medéia brasileira, com uma garra de leoa, um ímpeto, uma honestidade que ultrapassam barreiras de tempo e de estilo, de escola e de forma. Bibi mostra o que é o ator quando entra em cena banhado dessa emoção sagrada que é energia teatral transformada em personagem vivida às últimas consequências".1

Desde Um Edifício Chamado 200, em 1971, Check-Up, e Dr. Fausto da Silva, em 1973, Paulo Pontes explora temas ligados à contraposição da pobreza ao poderio econômico (em 1972 traduz O Homem de la Mancha, musical de Dale Waserman sobre a história de D. Quixote, no qual o tema está igualmente presente). São criações que afirmam a crença no poder de um teatro da palavra, colocado como contraponto de racionalidade às experiências vanguardistas e contraculturais que impregnam o período. Gota d'Água, neste sentido, coroa este itinerário.
Notas

1. GUZIK, Alberto. As gotas da emoção. Última Hora, 21-22 maio 1977. p. 11.


Fonte:
Enciclopédia Itaú Cultural

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