sábado, 7 de abril de 2012

Errata nas Trovas Ecológicas


Nas trovas ecológicas houve um equívoco em sua numeração:

Já havia a Trova Ecológica 77, de Mara Melinni, e foi colocada a do Wagner Marques Lopes como 77 também.

A Trova Ecológica 78 era do Wagner mas foi colocado o Nemésio Prata Crisóstomo como 78 em duplicata

Portanto,

A Trova Ecológica 77 do Wagner passa a ser Trova 78

A Trova Ecológica 78 do Nemésio, passa a ser 81.

Utilizando a justificativa do confrade Átila José Borges, na errata de seu livro: Matando o Porco. "Na Teoria Estrita da Culpabilidade, o erro exclui ou, no mínimo, atenua a culpabilidade dolosa. Não é o meu caso, mas não querendo justificar, peço escusas pelos erros de natureza tipográfica ou não (...). Por mais cuidados que se tomem com revisões e mais revisões, acabam acontecendo... Só resta pedir, humildemente, PERDÃO. "

Faço destas minhas palavras.

Wagner Marques Lopes / MG (O Lar em trovas) Parte 3


Na proteção do lar

Seja minha e seja tua
esta verdade solar:
quem perdoa lá na rua
resguarda as portas do lar.


O lar e a família universal

A alegria é ver no lar
a escola-luz, soberana,
onde aprendemos amar
a imensa família humana.

No lar, o amor confiante

No lar, alguém que lidera,
dispensando muito amor,
suporta a mais longa espera -
tem a fé, ao seu dispor.

Astronauta do sol do amor

Eu quero alcançar a estrela
do amor a me confortar,
para enfim poder retê-la
no recesso do meu lar.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Mia Couto (A Última Chuva do Prisioneiro)


(- pensando no escritor nigeriano Ken-_Saro-_Wiwa- )

Lhe entrego dinheiro, prometo, tenho dinheiro fora. Não duvide: são cifras, maquias e quantidades. Tenho e tenho. E dou-lhe tudo, totalmente. Mas me traga chuva, uma porção de chuva boa, grossa e gorda. Estou doido? Por causa de querer que chova aqui, dentro da prisão? Pode ser, pode ser loucura. Mas a loucura é a única que gosta de mim. O senhor que é um inventador de realidades, me faça esse favor. Me invente, rápido, uma urgente chuvinha.

Antigamente, valia a pena ser preso. O cantinho da prisão nem era mau, comparado com o mundo que nos cabia, lá fora. Falo sério. Maioria do que aprendi foi na prisão. Ler, escrever: foi na prisão que me letrinhei. Minha vida era uma roda-ronda entre roubo e grades. Me prendiam: era um consolo cheio de sossego. Lá fora ficava o mundo, mais suas doenças, suas nauseabundâncias.

Agora, o calabouço é um lugar definhado, de não valer as penas. Esse mundo torto já entrou na prisão. A cadeia se infernou, dá vontade só de escapar. Porque aqui dentro nos roubam mais que fora. Aqui somos roubados por polícia, roubados por ladrões. Já nem podemos estar livres na cadeia. Neste lugar nem os mortos estão seguros. Já perdi escolha, doutor: a prisão me mata, a cidade não me deixa viver. A feiura deste mundo já não tem dentro nem fora.

Lhe explico, nos tintins. Na minha língua materna nem há palavra para dizer cadeia. Não tínhamos nem ideia de cadeia. Foram os portugueses que trouxeram. Coitados, trouxeram cadeias de tão longe, até dava pena elas ficarem vazias. Eu explicava assim para minha mãe, primeiras vezes que foi preso.

- Estou a ser preso, mamã, mas é só por respeito dos mezungos.

- Respeito dos brancos?

- Sim, mãe: é que eles, coitados, tiveram tanto trabalho... é feio a gente deixar estas cadeias assim, sem ninguém- .

Minha mãe acenava, com reserva. Ela enchia o nariz de rapé, aspirava aquilo como se a narina fosse a boca da sua alma. Depois, espirrava, soltando distraídos demónios. E me avisava:

- Só eu tenho medo é do tempo...

- Que tem o tempo?

- é que o tempo namora com ele próprio. Só finge que gosta de nós...

- Não entendo, mamã.

- é que, na cadeia, 0 tempo gosta de passear com modos de prostituta. Você que pensa que ainda não Ihe deu nada mas já pagou a sua toda vida.

- Não se preocupa, mamã. Eu venho, volto e regresso- .

Ela deixava uma alegria espreitar na lágrima. Com as tais palavras eu lhe estava imitando quando ela, em minha pequeninice, me dava instrução de regresso. Mais acontecia era quando chovia. Minha mãe me acorria, me sacudia, me suspendia.

- Começou a chuva, filho, corre lá para fora!-

Era o contrário das restantes mães que chamavam seus meninos a recolher assim que tombavam as primeiras gotas. Fosse a que hora, mal chuviscava, ela me despertava, me despia e me empurrava para fora de casa. Minha mãe acreditava que a chuva é água de lavar alma. Nunca ela deve ser desperdiçada. Disso me lembro, a chuva tintilando, eu tiritando. E, em minhas mãos, as folhas do kwangula ti o, essa plantinha que nos protege dos trovões, impedindo que o peito nos rebente. Me lembro de suas encomendações:

- Vens, voltas e regressas. Ouviste?-

Nem sei quantas vezes entrei, voltei e regressei para o calabouço. Minha vida foi um ciclo de porta e tranca, céu e grade. Minha mãe morreu, durante esse entra-e-sai. Recebi notícia na prisão, no meio de um domingo. Escutávamos o relato de um futebol. Os outros se mantiveram, cativos do rádio. Só eu despeguei cabeça, levantei os olhos para o carcereiro. Pedi para sair. Não me autorizaram. Eu que fosse à capela da prisão, orasse ali por minha mãe. Mas o chefe da cadeia, sendo branco, não me podia entender. Eles se despedem dos mortos de modo diferente. Foi única vez que fugi da cadeia, foi essa. Eu queria comparecer na cerimónia de minha velha. Lá no cemitério da família ainda me pingou uma tristeza. Falei assim:

- Viu, mãe? Eu disse que voltava- ...

E pelo pé de minha vontade retornei para a prisão. Dentro e fora, já eu era conhecido de todos, presos e guardas. Sou irmão legítimo dos que não têm família. Eles sempre me dedicaram amizades, autenticadas com provas. Me traziam revistas com fotografias de mulher branca. Eu antes me divertia com uma dessas fotografias, o corpo dessa mulher me era muito manual. Mas me cansei de imaginadelas. Ultimamente o que fazia? Punha a fotografia dessa mulher em cima do armário e lhe rezava. Faz conta era Nossa Senhora dos Qualqueres. Eu ficava assim, ajoelhado, com vontade de pedir, o pedido me vinha à boca mas eu engolia como se fosse só saliva. E fiz tanto isso que me esqueceu todos os pedidos que eu queria comendar.

Vendi a revista aos pedaços, 500 cada foto, 1000 cada mama. Agora, deixei de pedir. Desisti. A única coisa que quero é chuva. Chover-me em cima de mim, molhar-me, charcoar-me.

Eu nasci na arrecadação da paisagem, num lugar bem desmapeado do mundo. Tudo em volta eram securas, poeiras e redemoinhos. Chuva era sinal dos deuses, sua escassa e rara oferta. E quando me dispunha assim, todo eu nu, todo inteiramente descalço, parecia que os divinos destinavam toda aquela água só para mim. Eu tenho essa única saudade. Que caia um muitão de chuva, até chover dentro de mim, pingar-me os tetos da cabeça, me aguar o coração e eu sentir que Deus me está lavando das poeiras que a vida me sujou. E assim diluviado, eu escute, entre o ruído das gotas nos telhados, a voz de minha mãe me farolando:

- Você vem, volta- ...

E agora que estou falando, imagine, doutor, estou já sentindo em meus braços o doce roçar das folhinhas da planta que me protege do rebentar do peito, logo hoje que é véspera de eu ser sentenciado no suspenso da corda. Como se essa corda me conduzisse para onde minha mãe me espera, sentada na berma de um chuvisco. Como se esse nó de forca fosse o meu cordão desumbilical.

Me invente uma última chuvinha, doutor...

Fonte:
Mia Couto. Contos do Nascer da Terra. Vol.1. Porto: CPAC, 1998
.

Henriqueta Lisboa / MG (Livro de Poemas)


AMARGURA

Eu chegarei depois de tudo,
mortas as horas derradeiras,
quando alvejar na treva o mudo
riso de escárnio das caveiras.

Eu chegarei a passo lento,
exausta da estranha jornada,
neste invicto pressentimento
de que tudo equivale a nada.

Um dia, um dia, chegam todos,
de olhos profundos e expectantes,
E sob a chuva dos apodos
há mais infelizes do que antes.

As luzes todas se apagaram,
Voam negras aves em bando.
Tenho pena dos que chegaram
E as estas horas estão chorando...

Eu chegarei por certo um dia ..
assim, tão desesperançada,
que mais acertado seria
ficar em meio à caminhada.

EXPECTATIVA

Neste instante em que espero
uma palavra decisiva,
instante em que de pés e mãos
acorrentada estou,
em que a maré montante de meu ser
se comprime no ouvido à escuta,
em que meu coração em carne viva
se expõe aos olhos dos abutres
num deserto de areia,
— o silêncio é um punhal
que por um fio se pendura
sobre meu ombro esquerdo.

E há uma eternidade
que nenhum vento sopra neste deserto!

RESTAURADORA

A morte é limpa.
Cruel mas limpa.

Com seus aventais de linho
— flâmula — esfrega as vidraças.

Tem punhos ágeis e esponjas.
Abre as janelas, o ar precipita-se
inaugural para dentro das salas.
Havia impressões digitais nos móveis,
grãos de poeira no interstício das fechaduras.

Porém tudo voltou a ser como antes da carne
e sua desordem.

VEM, DOCE MORTE

Vem, doce morte. Quando queiras.
Ao crepúsculo, no instante em que as nuvens
desfilam pálidos casulos
e o suspiro das árvores - secreto -
não é senão prenúncio
de um delicado acontecimento.

Quanto queiras. Ao meio-dia, súbito
espetáculo deslumbrante e inédito
de rubros panoramas abertos
ao sol, ao mar, aos montes, às planícies
com celeiros refertos e intocados.

Quando queiras. Presentes as estrelas
ou já esquivas, na madrugada
com pássaros despertos, à hora
em que os campos recolhem as sementes
e os cristais endurecem de frio.

Tenho o corpo tão leve (quando queiras)
que a teu primeiro sopro cederei distraída
como um pensamento cortado
pela visão da lua
em que acaso - mais alto - refloresça.

É ESTRANHO

É estranho que, após o pranto
vertido em rios sobre os mares,
venha pousar-te no ombro
o pássaro das ilhas, ó náufrago.

É estranho que, depois das trevas
semeadas por sobre as valas,
teus sentidos se adelgacem
diante das clareiras, ó cego.

É estranho que, depois de morto,
rompidos os esteios da alma
e descaminhado o corpo,
homem, tenhas reino mais alto.

A MENINA SELVAGEM

Para Ângela Maria

A menina selvagem veio da aurora
acompanhada de pássaros,
estrelas-marinhas
e seixos.
Traz uma tinta de magnólia escorrida
nas faces.
Seus cabelos, molhados de orvalho e
tocados de musgo,
cascateiam brincando
com o vento.
A menina selvagem carrega punhados
de renda,
sacode soltas espumas.
Alimenta peixes ariscos e renitentes papagaios.
E há de relance, no seu riso,
gume de aço e polpa de amora.

Reis Magos, é tempo!
Oferecei bosques, várzeas e campos
à menina selvagem:
ela veio atrás das libélulas.

INFÂNCIA

E volta sempre a infância
com suas íntimas, fundas amarguras.
Oh! por que não esquecer
as amarguras
e somente lembrar o que foi suave
ao nosso coração de seis anos?

A misteriosa infância
ficou naquele quarto em desordem,
nos soluços de nossa mãe
junto ao leito onde arqueja uma criança;

nos sobrecenhos de nosso pai
examinando o termomêtro: a febre subiu;
e no beijo de despedida à irmãzinha
à hora mais fria da madrugada.

A infância melancólica
ficou naqueles longos dias iguais,
a olhar o rio no quintal horas inteiras,
a ouvir o gemido dos bambus verde-negros
em luta sempre contra as ventanias!

A infância inquieta
ficou no medo da noite
quando a lamparina vacilava mortiça
e ao derredor tudo crescia escuro, escuro...

A menininha ríspida
nunca disse a ninguém que tinha medo,
porém Deus sabe como seu coração batia no escuro,
Deus sabe como seu coração ficou para sempre diante da vida
— batendo, batendo assombrado!
--
Fontes:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/hlisbo00.html
http://www.antoniomiranda.com.br/Brasilsempre/henriqueta_lisboa.html

Henriqueta Lisboa (1904- 1985)


Henriqueta Lisboa (1901-1985), poeta mineira considerada pela crítica um dos grandes nomes da lírica modernista, dedicou-se à poesia, ensaios e traduções. Nasceu em Lambari, Minas Gerais, em 15 de julho de 1901, filha do farmacêutico e deputado federal João de Almeida Lisboa e de Maria Rita Vilhena Lisboa. Formou-se normalista pelo Colégio Sion de Campanha, MG, e, em 1924, mudou-se para o Rio de Janeiro.

Dedicou-se à poesia desde muito jovem. Com Enternecimento, publicado em 1929, de forte caráter simbolista, recebeu o Prêmio Olavo Bilac de Poesia da Academia Brasileira de Letras. Aderiu ao Modernisno por volta de 1945, fortemente influenciada pela amizade com Mário de Andrade, com quem trocou rica correspondência entre os anos de 1940 e 1945. Sua produção inclui, além da poesia, inúmeras traduções, ensaios e antologias. Foi a primeira mulher eleita para a Academia Mineira de Letras em 1963.

Em 1984, recebeu o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras pelo conjunto de sua obra. Foi professora de Literatura Hispano-Americana e Literatura Brasileira na Pontifícia Universidade Católica (Puc Minas) e na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Poeta sensível, dedicou sua vida à poesia. Considerada um dos grandes nomes da lírica modernista pela crítica especializada, Henriqueta manteve-se sempre atuante no diálogo com os escritores e intelectuais de sua geração e angariou muitos leitores ilustres durante sua vida, dentre eles Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Gabriela Mistral.

Sobre sua poesia, Drummond nos deixou o seguinte testemunho: “Não haverá, em nosso acervo poético, instantes mais altos do que os atingidos por este tímido e esquivo poeta.”

Henriqueta faleceu em Belo Horizonte, no dia 9 de outubro de 1985. Seu Centenário foi comemorado ao longo do ano de 2002 e, além de inúmeros eventos culturais em sua homenagem, várias reedições de sua obra foram feitas com o objetivo de revelar a força de sua poesia para os jovens de hoje.

Títulos publicados

Fogo-fátuo (1925); Enternecimento (1929); Velário (1936); Prisioneira da noite (1941); O menino poeta (1943); A face lívida (1945), à memória de Mário de Andrade, falecido nesse ano; Flor da morte (1949); Madrinha Lua (1952); Azul profundo (1955); Lírica (1958); Montanha viva (1959); Além da imagem (1963); Nova Lírica ((1971); Belo Horizonte bem querer (1972); O alvo humano (1973); Reverberações (1976); Miradouro e outros poemas (1976); Celebração dos elementos: água, ar, fogo, terra (1977); Pousada do ser (1982) e Poesia Geral (1985), reunião de poemas selecionados pessoalmente pela autora do conjunto de toda a obra, publicada uma semana após o seu falecimento.

Publicou também as coletâneas de ensaios Convívio Poético (1955), Vigília Poética (1968) e Vivência Poética (1979), coletâneas de ensaios. Os poemas que traduziu foram recentemente reunidos pela Editora da UFMG em Henriqueta Lisboa: Poesia Traduzida.

Entre as coletâneas que preparou para a infância e a juventude, destaca-se esta, de folclore, e Antologia Poética para a Infância e a Juventude (1961), que será reeditado pela Peirópolis brevemente.

Livros publicados pela Editora Peirópolis
Literatura oral para a infância e a juventude
Antologia de poemas portugueses para a juventude

Fontes:
Editora Peirópolis
Jornal de Poesia . http://www.jornaldepoesia.jor.br/hlisbo00.html#bio

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 531)

"Mestre! Amanhã finalmente estaremos caminhando lado a lado! "
Feldman


Uma Trova de Ademar

Para esconder meus deslizes,
dupliquei os meus desvelos.
Mas o amor entrou em crise...
Não quis ouvir meus apelos!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Quando foi dada a partida,
com mil gametas brigando,
eu lutei por minha vida
...E continuo lutando!
–HÉRON PATRÍCIO–

Uma Trova Potiguar


“Revoltas” da natureza
e ataques beligerantes
são frutos da “mão burguesa”
de certos maus governantes.
–TARCÍSIO FERNANDES/RN–

Uma Trova Premiada


2002 - Belém/PA
Tema - FRUTO - M/H


Para ter sorte na vida,
não faças mal a ninguém!
Deus premia quem na lida
só planta os frutos do Bem.
–MARIA THEREZA CAVALHEIRO/SP–

...E Suas Trovas Ficaram


Ai, do pobre, sem carinhos,
cuja dor se vê na face,
se no meio dos espinhos,
a esperança não brilhasse...
–VIRGILIO GUERREIRO/SP–

Simplesmente Poesia

Coe(a)rência
–OLYMPIO COUTINHO/MG–


Quando alguém chegar perto de você
e lhe pedir um abraço
não pense que ele sofre de carências afetivas
ou coisas semelhantes.
Os carentes,
geralmente,
não abraçam ninguém.
Se isolam em mesas de bares,
percorrem as ruas,
se encostam nas esquinas da vida
e se compensam
em noites infernais.

Estrofe do Dia

O meu verso é meu condão,
não há quem desacredite;
com seu toque de magia,
eu vou além do limite,
pela vastidão do espaço.
Só milagre é que não faço,
porque Jesus não permite.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

Prelúdio da Gota D' Água.
–J.G. DE ARAUJO JORGE/AC–


Cheio da tua ausência me angustio
a cada hora que passa... a cada instante...
- pelo meu pensamento, como um fio,
és uma gota d'água, tremulante...

Uma gota suspensa e cintilante,
límpida e imóvel como um desafio...
Tua ausência, - é a presença triunfante
daquela gota que ficou no fio. . .

As outras todas, céleres, pingaram,
e caíram na terra onde secaram,
só tu ficaste, última gota, assim

como uma estrela sem ter firmamento,
suspensa ao fio do meu pensamento
e a brilhar, sem cair... dentro de mim...

J. G. de Araújo Jorge/AC (A Cantiga Do Só) 5. A Gaivota



no céu...
sobre o mar...
... como Deus a pôs
e imaginou:

a voar...

Só...
sem barcos, sem velas,
sem sinal de terra,
sem ninguém,
com seus horizontes:
céu... e mar...

Apenas
com seu destino...

... Como o Poeta
a sonhar...

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

Fernando Py (Ficção Variada)


(in Jornal Tribuna de Petrópolis, 29.04.2001)

De uns anos para cá, diversos escritores brasileiros vêm apostando no conto mínimo, pequenas histórias que mal ultrapassam uma ou duas páginas, buscando o máximo de concisão possível em poucos parágrafos. O modelo inicial terá sido o do paranaense Dalton Trevisan, porém atualmente cresce cada vez mais o número de contistas que se dedicam a produzir esse gênero de ficção curtíssima. O gaúcho José Eduardo Degrazia é um deles e, depois de publicar A orelha do bugre (1998), já nos apresenta um segundo volume de contos mínimos, A terra sem males (Porto Alegre: Movimento, 2000, 80 págs.).

Ao contrário do que muitos poderiam pensar, o miniconto não é nada fácil. Exige que o autor tenha uma enorme capacidade de concisão e, levando-se em conta a exiguidade do espaço, saiba, em poucas linhas, narrar (ou expor um episódio) com toda a sua carga de verossimilhança e emoção, de tal maneira que a esse conto nada fique faltando nem sobrando coisa alguma. Nos textos de Degrazia observamos tipos variados de ficção, sejam contos que flagram um episódio da vida de um personagem, sejam histórias em forma de parábolas, às vezes definitórias de um sentimento, de uma sensação inexprimível, etc., tudo isso conduzido com mestria e exposto num estilo de quem domina o gênero à perfeição. Além disto, é grande a força poética dessas páginas, não fosse o autor igualmente um excelente poeta, tanto que alguns desses contos estão escritos em verso. A leitura dos minicontos de Degrazia é um exercício enriquecedor do espírito.

Também de minicontos é o livro de Nilto Maciel, Pescoço de girafa na poeira (Brasília, Bárbara Bela, 1999, 128 págs.). É um outro exemplo, muito bom, de histórias curtíssimas (raras são as que ultrapassam duas páginas), e o autor emprega igualmente modelos variados de ficção, indo das fantasias oníricas ao realismo mais cru, do flash mais imediato ao enredo desenvolvido em detalhes, tudo isto num estilo seguro, de quem domina às maravilhas o nosso idioma. E se muitas vezes se compraz em citações eruditas, tais citações se harmonizam de tal forma no texto que é como se sempre tenham feito parte dele. Não é de admirar que o livro tenha obtido o primeiro lugar na categoria conto, da Bolsa Brasília de Produção Literária em 1998, da Fundação Cultural do Distrito Federal. Vale a pena conferir.

Já as Pequenas histórias matutas, de José Hélder de Souza (Brasília, Verano, 2000, 126 págs.), apesar do título, não se enquadram necessariamente no gênero do miniconto. Embora curtas, não possuem aquela exigüidade e concisão próprias do gênero. Os contos deste livro antes narram episódios com riqueza de pormenores e uma mestria que prende o leitor, evocando saborosos lances do interior cearense, numa recriação extraordinária (para quem há mais de trinta anos reside em Brasília) da linguagem regional, em estilo vívido e matizado. Quando li seu volume de contos Rio dos ventos (1992), reparei que o autor expunha de preferência os aspectos cômicos e trágicos de seus personagens, o que veio cultivando através dos anos, sempre com muita dose de humor. Todo livro de José Hélder de Souza é satisfação garantida.

Fonte:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/fpy3.html

J. B. Donadon-Leal/MG (Poesias Avulsas)


VOZ DE POETA

Minha voz de poeta
Silenciosa
Se diz em meditação

Minha voz de profeta
Licenciosa
Se diz maldição

Minha voz manifesta
Ditosa
Se diz a foz do não.

Enquanto minha voz discreta
Irrompe do peito o tom do trovão
Águo a ira inda pupa no aguardo
Do pecado já cometido
No dia do juízo final
No dia preciso
Diante da luz
Terna
Do relâmpago artificial
Na rede elétrica da minha bondade.

Minha voz de sóis completa
Copiosa
Sua raiva nos traços da mão.

Haja voz, nós nas gargantas,
Sazonal humor qual céu de verão,
Minha voz de poeta
Deleitosa
Toca as linhas do coração.

GÊNESE DA POESIA

Desajeitada, rude ainda,
fiz-me um verso uma rima,
folk fui em forma linda:
poesia, onde ainda você se arrima.
Fiz épocas, bongas e locuções,
normatizada fiz-me tão restrita
e escolada em tanta boca atrita
sou cantada nas todas evoluções.
Fui dos espíritos cenário e voz;
das ninfas, píxide de toda glória,
nas naus rebendo de um amor e a sós,
flutuante, párvula, que ainda história,
galgo minúcias, em gargantas nós.
Escura, nívea, que de afetos tantos,
sendo da lírica visão dos santos,
do alfa perpétua vago até por nós.
Que de os filósofos ouvirem cantos,
quando o mais ávido talento exala,
traz na poética prazeres tantos,
pois que a ver índole na gênia fala
o som dessa auréola astuta assume,
em versos áticos, cultistas lautos,
de inversos tentos, sentimentos pautos,
o teor artístico por ledo lume.
Atraco ao pojo que uma vez perfeita
todos meus clássicos andores, deuses,
vendo-me bojo, minha sina enfeita,
em moldes práticos, pastores, reses,
pois trago, então, cenas de posses tais,
que para meus dotes de vivência em fogo
atiça gana, em mui descrença, jogo:
busco a razão nas tantas artes mais.
Fui no sonho buscar abrigo
e na morte conter meus ais,
da liberdade fazer-me amigo
e no amor encontrar rivais;
da natureza me embebi em doses
com a mulher que se fez saudade
e no bom selvagem que me invade
fiz-me pátrio em todas as minhas vozes.

Volvo meus olhos nus em nódoas águas
e vendo o embaço desse céu sem cor
solvo-me em versos que das artes tábuas
em sulcos tortos, pois que se é depor
contra tais sonhos indivíduos d’outros
escritos falsos, onde morto agora,
pinto o meu céu de negro pálio, fora
da casta dos que se julgam doutos.
Em badalos, estalos e alaridos
fiz-me música, mística e rumores
e passiva, altiva em sons ouvidos,
ritmados, contados em tambores,
tão simbólica, cólica e acesa
num turbante andante, ameno, mas forte,
sinto-me tonta e o quanto sou indefesa.
Sendo dos meus sertões a entranha em fala
penetrei no real que tão presente,
vim pasma em meio ao verso que não cala,
alegre, triste… a voz que o povo sente:
dormente ao trilho, forte base, enfim,
semente ao chão da semana brotada
tal qual a terra, bem mais safada
que a orgia que cedo chega ao fim.
Poesia, poesia
assim sou chamada.
Fui do povo, perfeita, sacrossanta.
Fui teórica…
Fui parte
Um só sonho.
Hoje, porém, sou de tudo
plena.

APRENDER A APRENDER

A bruma da manhã
testa a paciência do sol
ao interferir na monotonia.

O sol, olho dilata,
de privilegiado lugar
sabe-se diferente a cada segundo
em seu ludismo
de rolar a terra incessante
e esconder de si a nuvenzinha tola
que de dorso frio na altura
chora chuva fina e se vai
abrigar na pele aconchegante da terra
para no lago quente se brumizar de novo
e brincar de esconder o sol
que rola a terra ensinando
aprender a aprender a diferença infunda
na monotonia aparente do sistema.

A bruma da manhã
se testa na paciência do sol:
ferem juntos a sucessão circunferente
num lúdico e diuturno aprender.

CREDO QUIA ABSURDUM

Seduzir
revelar
mover-se de si
a se doar
ser truísta
nos mortos brios
expandir
dilatar
morrer-se de si
por se jorrar
dos aviões
no espaço frio
explodir
reatar
abster-se de si
ao se voar
sobre as cabeças
avião
sob os pés
some o chão
credo quia absurdum.

MEU VÍCIO

Meu vício
não segue o fascismo do fumante
não impregna o cabelo
nem o paletó
nem a mão
nem a boca
nem a sala de espera
nem o vizinho de mesa
nem o salão de festa
nem o escritório
nem o automóvel
nem a areia da praia
nem o barzinho
da catinga
irremediável
dos cigarros.
Meu vício
não dá câncer
não intoxica quem se Avizinha
não reduz a capacidade de respirar.
Meu vício
só ocupa folhas
com palavras
de liberdade.
Meu vício
não obriga o outro
a ler meus versos.
Meu vício
joga palavras
em poesia,
mas como as aldravas
pede licença.
Meu vício
mostra que pode haver
prazer
sem contra-indicações.

Fonte:

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 530)


Uma Trova de Ademar

Com muita Fé eu embarco
nesta aventura profunda,
e vou levando o meu barco
enquanto ele não afunda!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Triste fonte permanente,
da mais pura nostalgia,
vibra, na canção dolente,
de uma cadeira vazia...
–OLGA DIAS FERREIRA/RS–

Uma Trova Potiguar


Um carinho, uma amizade,
o amor, o afeto e a paixão,
são sensações, na verdade,
impulsos, de um coração.
–FABIANO WANDERLEY/RN–

Uma Trova Premiada


2002 - Belém/PA
Tema - FRUTO - Venc.


Nos teus amargos minutos,
une as mãos... renasce em preces,
que o amanhã pode ter frutos
mais doces que os que conheces!
–CAROLINA RAMOS/SP–

...E Suas Trovas Ficaram


Para mim não tem valor,
não me seduz, nem me prende,
tanto esse amor que se compra
como aquele que se vende...
–NORDESTINO FILHO/CE–

Simplesmente Poesia

Brincando de Ser Feliz
–DÁGUIMA VERÔNICA/MG–


Vou dar vida ao meu palhaço
que mora num velho sonho:
Nos seus olhinhos brilhantes
a minha esperança eu ponho,
no seu nariz de tomate,
vejo a bondade, suponho.

Vou pintar o meu palhaço
começando na raiz:
Usarei todas as cores
como se fosse aprendiz,
calço um sapato bem grande
camuflando a cicatriz.

Vou botar o meu palhaço
no picadeiro do amor:
Vou fazer mil cabriolas
e mirar o sofredor,
com a força da magia
arrancarei qualquer dor.

Brincando de ser feliz
resgatei a primavera
que dormia em meu palhaço,
(ai meu Deus e quem me dera!!)
dei pirueta na vida
e voltei a ser quem era.

Estrofe do Dia

Sem a inspiração presente
todo poeta passeia;
nem improvisa nem canta,
se escreve é de cara feia,
porque de verso mal feito
escrito de qualquer jeito
a poesia está cheia.
–PROF. GARCIA/RN–

Soneto do Dia

Patativa.. Paixão e Vida
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Nasceu Patativa... Poeta emoção!
Santana, seu chão... Assaré, sua vida!
Sorbone o estudou e curvou-se vencida...
Fenômeno e luz que brilhou no sertão!

Poeta maior, de uma vida sofrida,
compôs os seus versos com inspiração.
Nasceu e cumpriu sacrossanta missão,
vive em Assaré... Após "Triste Partida"!

Os versos que fez e que são imortais,
seu povo e Assaré... Não esquecem jamais:
São seus sentimentos de amor/fantasia!...

Meu mestre maior, viverá entre nós.
Em mim permanece com trêmula voz
a sua sublime e divina poesia!...

Alcântara Machado (Miss Corisco)


Embora alguns nacionalistas teimassem em chamá-la de senhorita o título oficial era Miss Corisco. Dez casas no bairro tomavam conta da igreja pobre que primeiro nem caixa de esmolas tinha. Depois compraram unia caixa. Mas nunca viu um tostão porque o dinheiro que havia se gastou todo com ela. Miss Corisco foi eleita pelo sistema de exclusão. A filha do Bentinho era sardenta. A irmã do João tinha um defeito nas cadeiras. Logo de saída a Conceição se impôs: foi aclamada Miss Corisco.

Aí deu uma entrevista para o O Cachoeirense. Perguntaram: Qual a maior emoção de sua vida? Respondeu: Três: minha primeira comunhão. uma fita do Rodolfo Valentino que eu vi na capital do meu querido Estado e... não conto porque é segredo. Respeitamos o segredo (escreveu o jornal) pois naturalmente encobria urna linda história de amor. Depois perguntaram: Qual o seu maior desejo? Respondeu: Sempre ver o Brasil na vanguarda de todos os empreendimentos. Resposta admirável (comentou O Cachoeirense) que revela em Miss Corisco uma patriota digna de emparelhar com Clara Camarão, Anita Garibaldi, Dona Margarida de Barros e outras heroínas da nacionalidade. Finalmente perguntaram: O que pensa do amor? Respondeu: O amor, minha fraca opinião, é uma cousa incompreensível mas que governa o mundo. Palavras (acentuou o órgão) que encerram uma profunda filosofia muito de admirar atentos o sexo e a juventude da encantadora Miss.

Miss Corisco foi retratada em várias posições: com um cachorrinho no colo, apanhando rosas no jardim, as costas das mãos sustentando o queixo. Deu também um autógrafo. Papel cor-de-rosa de bordas douradas, risquinhos de lápis para sair bem direitinho e as letras se equilibrando neles. O cunhado ditou. Os representantes do O Cachoeirense se retiraram. Miss Corisco foi varrer a cozinha como era de sua obrigação todos os dias inclusive domingos e feriados e na manhã seguinte tomou a jardineira em companhia do irmão casado para comparecer na cidade perante o júri estadual.

*
O Cine-Teatro Esmeralda estourava de tão cheio. No palco atrás do júri a Corporação Musical C. Gomes-G. Puccini tocava dobrados. De minuto em minuto a assistência entusiasmada erguia vivas ao Brasil e à raça. As candidatas desfilaram vestidas com apurado gosto. Os juizes eram cinco: um brasileiro, dois italianos, um filho de italiano e um português. Predominava neles o espírito nacionalista. Queriam escolher um tipo bem brasileiro. O Doutor Noé Cavalheiro desenhou em dois traços incisivos o tipo-padrão: boca grande e olhos ternos. Miss Corisco foi eleita Miss Paraíba do Sul por quatro votos.

Ouviu então o primeiro discurso que foi proferido com emoção que lhe embargava a voz e lenço de seda na mão, pelo Doutor Noé Cavalheiro, segundo promotor público. Principiou este fazendo o elogio da beleza notadamente da beleza feminina. Falou do culto que na antiga Grécia se votava à formosura física. Acentuou depois a desvantagem de uma mens sana desde que não seja num corpore sano. Disse que a beleza da mulher se tem provocado guerras e catástrofes tem também mais de uma vez contribuído para o progresso geral dos povos, citando vários exemplos históricos. Prosseguiu afirmando que o Brasil deveu muito do amor que lhe dedicou Dom Pedro I à influência benéfica da Marquesa de Santos. Referiu-se à competência do júri, à sua isenção de ânimo e confessou que a única nota dissonante tinha sido ele orador, o que provocou os protestos unânimes da assistência. Perorando entoou um hino inflamado à peregrina formosura de Miss Corisco. Disse então: Unindo à beleza clássica da Vênus de Milo a sedução estonteante da lendária rainha de Nínive, Miss Paraíba do Sul, maior do que Beatriz e mais feliz do que Natércia, conquistou o coração de toda uma região! A Pátria não é somente, como soem pensar certos espíritos imbuídos de materialismo, a lei que garante a propriedade privada! A Pátria é mais alguma cousa de sublime e divino! A Pátria é a estrela que nos contempla do céu e a mulher que nos santifica o lar! A Pátria sois vós, Miss Paraiba do Sul, são os vossos olhos onde se espelham todas as forças viris da nacionalidade! Para nós, patriotas conscientes e eternos enamorados da Beleza, Miss Paraiba do Sul é neste momento o Brasil! (Aplausos prolongados. O orador é vivamente cumprimentado. Vozes sinceras gritam: Bis! Bis!)

Um a um os membros do júri beijaram as mãozitas róseas e espirituais de Miss Paraíba do Sul enquanto a Corporação Musical C. Gomes-G. Puccini, sob a regência do Maestro Pietro Zaccagna, atacava vigorosamente a imortal protofonia do Guarani.

Muito vermelha e batendo com ar ingênuo as pálpebras aveludadas Miss Paraíba do Sul concedeu então as primeiras entrevistas. Externou sua opinião sobre a futura sucessão presidencial, a cultura da laranja, a questão religiosa no México, Mussolini, Padre Cícero, a estabilização cambial, Victor Hugo, Coelho Neto, os perfumes nacionais, a sentença que absolveu Febrônio, o diabo. No Grande Hotel Mundial era uma romaria de manhã à noite. Muito afável Miss Paraíba do Sul recebia toda a gente com um encantador sorriso brincando nos lábios purpurinos. O camareiro do apartamento chegou a declarar quando entrevistado por um jornalista: É de uma amabilidade extraordinária. Recebe todos. Quem bate no quarto entra. Mas o irmão pelo sim pelo não caiu de bofetadas em cima do camareiro. O caso foi parar na policia onde o prestígio de Miss Paraíba do Sul conseguiu arranjar tudo do melhor modo possível.

Puseram à sua disposição um automóvel fechado, uma máquina de escrever portátil e um binóculo de corridas. Todos os dias choviam os presentes. O futuro arquiteto Barros Jandaia pôs gratuitamente seus serviços profissionais às ordens de Miss Paraíba do Sul. O cabeleireiro não lhe quis cobrar nada e ainda por cima lhe deu vinte vales dando direito a outras tantas lavagens com Pixavon. A Livraria Cosmopolita ofereceu um rico exemplar do Paraíso Perdido. E assim por diante.

Miss Paraíba do Sul foi recebida em audiência especial pelo Presidente do Estado, respondeu com muita graça às perguntas de S. Exa. e distribuiu cigarros Petit Londrinos (ovalados) aos presos da cadeia pública. Visitou também a Câmara Municipal. Aí foi saudada por um vereador que a comparou a mimosa violeta dos nossos vergéis que não só atrai pela beleza como prende pelo seu perfume e conquista pela sua modéstia exemplar.

Foram quinze dias bem cheios. Repletos. Não houve um minuto de folga. Miss Paraíba do Sul embora delicadamente deixou transparecer que a glória era um fardo pesado demais para seus ombros frágeis. E seguiu de vagão especial para a capital do país Todas as cidades do percurso enviavam à estação o juiz de direito, o promotor, o delegado, o prefeito, o coletor federal e o sacristão da matriz que se incumbia dos foguetes. O trem apitava, as palmas estalavam com o vívório, o trem seguia. Miss Paraíba do Sul chegou ao Rio com uma dor de cabeça que não agüentava mesmo.

*
Começou a torcida brava. Para disfarçar, festas e mais festas. E sonetos na seção livre dos jornais. E bilhetes de apaixonados anônimos. E baile na torpedeira Paraíba do Sul. E retratos de todo o jeito nas revistas. E chás com as rivais. E tesouradas gostosas nas rivais. E entrevistas, entrevistas, entrevistas. Um repórter mais audacioso penetrou no quarto de Miss Paraíba do Sul e tirou uma fotografia muito original. Com efeito. No dia seguinte o povo carioca abrindo o jornal deu de cara com um pé de sapato enquadrado pela seguinte nota: - Enquanto Miss Paraíba do Sul jantava conseguimos penetrar no seu aposento e cometemos a deliciosa maldade de fotografar um perfumado sapatinho que se encontrava sobre o toucador. Levamos a nossa indiscrição ao ponto de verificarmos o número; era trinta e três e meio! Para encanto dos nossos leitores publicamos um clichê do sapatinho da nova Maria Borralheira da Graça e da Beleza.

Cousas assim comovem. Miss Paraíba do Sul deu ao repórter como lembrança o famoso sapatinho. Mesmo porque (observou muito bem o irmão casado) já estava imprestável com a sola até fura-não-fura. Enorme multidão teve a felicidade de vê-lo exposto na redação do jornal. Não houve um parecer discordante: era de fato um amor de sapatinho.

Enfim vieram as provas do concurso. Miss Paraíba do Sul passeou de roupa de banho para os velhos do júri apreciarem bem as formas dela e submeteu-se ao exame antropométrico no Museu Nacional. Sua ficha foi discutida nas sociedades científicas, empolgou a imprensa, provocou desinteligências entre pessoas que se davam desde os bancos escolares. Tudo inútil porém. Miss Paraíba do Sul não foi considerada a mais digna de representar o Brasil no torneio de Galveston.

Chorou é verdade. Não se pode negar. Chorou. Mas isso no hotel. Em público não perdeu a linha. Era toda sorriso diante de Miss Brasil. Entrevistada declarou que a escolha do júri tinha sido justa. Admiradores seus protestaram com energia. Um grupo de estudantes deitou manifesto a seu favor. Ela sorria agradecida e dizia cousas muito amáveis a respeito de Miss Brasil. Foi consagrada a Miss Pindorama, a Miss Terra de Santa Cruz, a Miss Simpatia Verde-Amarela. Todos reconheceram que a vitória moral lhe pertencia. Era um consolo.

*
De volta à capital do seu Estado no entanto ela resolveu mudar de atitude. Criticou duramente a decisão do júri. Miss Brasil? Uma beleza sem dúvida. Mas beleza impassível. E que vale a formosura sem a graça? Depois sem gosto algum. Cada vestido que só vendo. Todos de carregação. E era visível nos seus traços a ascendência estrangeira. O Brasil seria representado em Galveston. A raça brasileira não. E por aí foi. Nem os organizadores do concurso escaparam. Amáveis sim. Porém parciais. Um deles, careca barbado, vivia amolando as candidatas com galanteios muito bobos. Por isso mesmo levou um dia a sua. Uma das concorrentes lhe perguntou: Por que não corta um pedaço da barba e gruda na cabeça para fingir de cabelo? Disse isso sim. Como não. Na cara. Como não. E perto de gente. Ora se. Ele ficou enfiado.

Corisco recebeu de luto na alma a sua Venus. O pai de Miss Paraíba do Sul sacudiu a cabeça murmurando: Que injustiça! Que injustiça! Inutilmente ela e o irmão casado falavam na vitória moral, na simpatia do povo, nos protestos da imprensa. Ela contava: Uma vez quando saía do hotel um popular me disse que eu era a eleita do coração dos brasileiros! Então, papai, que tal?

Mas o velho não se convencia. É. Muito bonito. Realmente. Mas os oitenta e quatro contos foi outra que abiscoitou. Aí é que está. Os oitenta e quatro contos foi outra que abiscoitou. Injustiça. Injustiça. O Brasil vai de mal a pior. Mas depois era preciso jurar que não, que o Brasil ia muito bem, que a vitória moral era mais que suficiente, que dinheiro não faz a felicidade de ninguém porque Miss Corisco, Miss Paraíba do Sul, Miss Pindorama, Miss Terra de Santa Cruz, Miss Simpatia Verde-Amarela começava a chorar.

Fontes:
Revista Nova Escola - dezembro de 2005
Imagem por Marcelo Gomes, in Revista Nova Escola

Luís Vaz de Camões (Os Lusíadas – A Ilha dos Amores) Análise dos Cantos IX e X


É no canto IX que se gera a controvérsia quanto ao caráter utópico do texto. A ilha surge como um local ideal, porto prazenteiro de marinheiros valentes que neste locus amoenus geram a descendência semi-divina da raça lusa, da qual uma ninfa profetiza os feitos futuros. É ainda do topo de uma montanha desta ilha que Tétis mostra a Gama a Grande Máquina do Mundo, ao estilo de Dante. Não havendo um projeto social, uma organização comunitária na Ilha dos Amores não podemos falar de utopia em sentido estrito, mas o significado simbólico e a complexa divisão de tempo e espaço no que se refere a este episódio são claras marcas utópicas.

Em Os Lusíadas o autor exalta as realizações dos navegadores lusitanos e descreve os transtornos impostos a eles pelos mouros. Depois de muitas peripécias, seguem para o sul afrontando os perigos do mar, em direção ao Cabo da Boa Esperança, mas desejosos de voltar à pátria para relatar as ocorrências da viagem. Ao mesmo tempo, Vênus imagina um meio de recompensá-los por todas as dificuldades enfrentadas com um prêmio. Auxiliada por Cupido prepara-lhes uma ilha maravilhosa onde as mais belas ninfas esperarão por eles. Camões mostra o local como um verdadeiro paraíso:

Nesta frescura tal desembarcaram
Já das naus os segundos argonautas,
Onde pela floresta se deixavam
Andar as belas deusas, como incautas
Agüas doces cítaras tocavam,
Agüas harpas e sonoras flautas;
Outras, cos arcos de ouro, se fingiam
Seguir os animais que não seguiam.

(...)

Duma os cabelos de ouro o vento leva
Correndo, e de outra as fraldas delicadas.
Acende-se o desejo, que se cava
Nas alvas carnes, súbito mostradas.

Os marinheiros divisam por entre os ramos das árvores as cores dos tecidos das vestes das ninfas, as quais deliberadamente vão se deixando alcançar. Outras são surpreendidas no banho e correm nuas por entre o mato, enquanto alguns jovens entram vestidos na água. Elas não fogem e deixam-se cair aos pés de seus perseguidores.

A leitura do poema indica o quanto Camões se inclina à forma plástica.

A alegoria da Conquista se dá na Ilha dos Amores e nela toda a tensão configurada nas duas anteriores se desfaz em harmonia, uma vez que, cumprida a Provação e suprida a Carência, o épico e o dramático cedem lugar ao lírico. Na alegoria da Ilha novamente se ratifica a ideologia dominante, já que os prazeres recebidos de Tétis representam a fama pela conquista sobre o mar desconhecido. Estes prazeres vêm atender aos dois planos da Carência: o material, figurado no amor sensual e no banquete, e o espiritual que se retrata na demonstração da Grande Máquina do Mundo.

Estes três conjuntos alegóricos se organizam e se complementam, pois o da Carência e o da Conquista se apresentam como discursos que disfarçam a ideologia de dominação, enquanto que o da Provação explicita, pelo seu processo de alegorização, o questionamento dessa mesma ideologia.

a Ilha dos Amores é a síntese espaço-temporal e histórica da trajetória portuguesa. Sendo ilha, compreende os elementos espaciais terra, mar e céu, enquanto elevação. Levando-se em conta que ela é o resultado presente da história de um povo e, ainda, que nela acontece a profecia da ninfa, temos também na ilha a ocorrência dos três planos temporais: o presente, o passado e o futuro. Estes espaços e estes planos temporais se correspondem: a terra é o espaço de realização do passado português, o da consolidação do Reino; o mar é o lugar do presente em que se dá a ação expansionista; e na ilha se prediz o futuro de outras conquistas que consumarão a grandeza e a fama. E a ilha se configura como o espaço do interstício e da comunhão entre o mundo concreto e da horizontalidade em que se dá a ação heróica do homem e o universo abstrato e da verticalidade em que atuam os deuses. É o que se verifica logo na preparação da ilha, quando Vênus convoca seu filho Cupido:

Parece-lhe razão que conta desse
A seu filho, por cuja potestade
Os deuses faz decer ao vil terreno
E os humanos subir ao Céu sereno.

Desta síntese do mítico com o real, do céu com a terra também participa a natureza cósmica que é configurada de modo paradisíaco:

Pera julgar difícil cousa fora,
No céu vendo e na terra as mesmas cores,
Se dava às flores cor a bela Aurora,
Ou se lha dão a ela as belas flores.

A premiação do herói e do povo que ele representa é, pois, o alcance do paraíso, seja terrestre, seja transcendente. Esta premiação inclui a transposição do herói para os umbrais da fama cantada pela “Deusa Gigantéia”, 5 e, no canto X, estrofe 74, pela própria Tétis seguida pelo coro de suas ninfas. E ela inclui a dimensão humana da fruição dos prazeres mundanos do amor sensual, da beleza sensorial e do regalo do banquete, assim como também a dimensão intelectiva do conhecimento profético do futuro e da cosmovisão da máquina do mundo.

A Ilha dos Amores simboliza porto e prêmio aos fatigados navegadores. Ainda mais, a glorificação pelos feitos heróicos, a imortalidade do nome, para sempre gravado na História. E o Amor representa a vitória sobre o desconcerto do mundo, afinal travara “u'a famosa expedição / contra o mundo rebelde”.

A Ilha é, assim, o restabelecimento da Harmonia, de modo que a consagração e a transfiguração mítica dos heróis, que na ilha e pela ilha se opera, são, também e sobretudo, a recolocação do Amor, do verdadeiro Amor, como centro da Harmonia e do Mundo. A Ilha é uma catarse total, não apenas de todos os recalcamentos, mas das misérias da própria História, e das misérias da vida no tempo de Camões e fora dele. É a reconciliação, a transcendência.

Portanto, a concretização amorosa é uma das maiores conquistas dos lusíadas em toda a empreitada marítima. É a celebração da vitória do povo que ousou desafiar os mares. No fundo, é um prêmio àqueles que bravamente navegaram para além “do que prometia a força humana.”

Andavam pelas florestas “as belas deusas, como incautas”. Algumas tocavam cítaras, outras harpas e doces flautas e simulavam “cos arcos de ouro” “seguir os animais”, como em uma caçada. Já tendo os argonautas desembarcado, às ninfas

[...]aconselhara a mestra experta:
Que andassem pelos campos espalhadas;
Que, vista dos barões a presa incerta,
Se fizessem primeiro desejadas.
Alguas, que na forma descoberta
Do belo corpo estavam confiadas,
Posta a artificiosa formosura,
Nuas lavar se deixam na água pura.
(Canto IX, 65)

Estavam os navegantes desejosos de encontrar caça selvagem. Lançavam-se com determinação, empunhando espingardas e bestas, “pelos sombrios matos e florestas”. Não esperavam, porém, enxergar

Por entre verdes ramos, várias cores,
Cores de quem a vista julga e sente
Que não eram das rosas ou das flores,
Mas da lã fina e seda diferente,
Que mais incita a força dos amores,
De que se vestem as humanas rosas,
Fazendo-se por arte mais fermosas.
(Canto IX, 68, v.2-8)

O encontro entre as nereidas e os navegantes estava selado. Em um jogo amoroso, “fugindo as ninfas vão por entre os ramos”, fogem manhosas, mais que ligeiras e, “pouco a pouco, sorrindo e gritos dando, / se deixam ir dos galgos alcançando”. Uma “os cabelos de ouro o vento leva”, outra “as fraldas delicadas” e “alvas carnes” mostra. Uma se deixa apanhar pelo seu perseguidor e outras, despidas, nas águas se “lançam / nuas por entre o mato, aos olhos dando / o que às mãos cobiçosas vão negando”. Um mancebo, desejoso de amor, “a matar na água o fogo que nele arde”, toma a sua presa. Estava consumada a perseguição e simulada fuga.

Vencedores e vencidas, estavam todos entregues ao puro amor. O sentimento é tão intenso, o afago é tamanho, que os enamorados “se prometem eterna companhia, / em vida e morte, de honra e alegria”. Nos versos seguintes, inundados de lascívia, o relacionamento amoroso entre as ninfas e os portugueses não representa uma orgia desenfreada e desmedida:

Oh, que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves! Que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã e na sesta,
Que Vênus com prazeres inflamava,
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo;
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.
(Canto IX, 83)

É, sim, a realização do amor, do desejo de amar e ser amado. É o momento de glória. Ainda mais, o momento em que o Amor, através do desejo, manifesta-se de forma que, mesmo que por um momento, o mundo recupera sua harmonia, estando livre de toda sorte de desconcerto. Evidentemente há uma entrega aos prazeres da carne, mas é um prazer fruto do Amor, que preenche a alma e purifica. O Amor que deifica homens e humaniza deuses, unindo-os em um só ser, fazendo com que entre eles não haja mais distinção, deixando criaturas humanas e divinas em um mesmo patamar, em uma mesma existência.

O Paraíso é a Ilha dos Amores, episódio final que desvenda todo o significado do Poema. Vênus concedeu-a para que ali nascesse uma ‘progênie forte e bela’ e para que o ‘mundo vil e maligno’, caracterizado pela ‘triste hipocrisia’, que tenta separar os amantes por um muro intransponível como o diamante (‘muro adamantino’), soubesse que nada resiste à força do Amor. A Ilha é um pomar onde a natureza produz todos os frutos necessários à vida, ‘sem ter necessidade de cultura’. Em Os Lusíadas a revelação súbita da nudez desperta o instinto para o qual o pecado não existe. É em plena inocência, como se o tabu bíblico nunca tivesse existido, que se realiza e consuma o conúbio geral, sem restrições Depois desta recuperação da inocência e desta abolição da consciência do Bem e do Mal, os homens recuperam também a imortalidade. Como amantes das ninfas imortais, tornam-se eles próprios divinos. A mulher, intermediária à serpente maléfica, fizera Adão ser sujeito à morte. Na Ilha dos Amores é também a mulher (agora no plural) que liberta os homens da lei da morte.

A concretização sexual entre os lusos e as nereidas, a concretização do amor e do desejo, ultrapassando quaisquer convenções da ars amatoria clássica é o único momento da epopéia em que há a plenitude amorosa. E aqui nos recordamos da trágica história de D. Inês de Castro, a bela de “colo de garça”, feita Rainha depois de morta, e do triste lamento do Gigante Adamastor, subjugado pelo poder avassalador do Amor. Em ambas as histórias, além do aspecto trágico, não há a realização plena do amor.

Camões faz “voar o pensamento, libertando-o de quaisquer grilhetas conceituais (neoplatónicas ou outras) graças ao poder das emoções e à força sempre misteriosa do desejo e do amor que o eleva e legitima”. É o amor concreto, realizado, mas que não apaga ou oblitera o desejo, e sim ultrapassa os modelos clássicos petrarquistas.

Encerrada a celebração amorosa entre as ninfas e os heróis portugueses, Tethys

[...]a quem se humilha
Todo o coro das Ninfas e obedece
, Que dizem ser de Celo e Vesta filha,
O que no gesto belo se parece,
Enchendo a terra e o mar de maravilha,
O capitão ilustre, que o merece,
Recebe ali com pompa honesta e régia,
Mostrando-se senhora grande e egrégia.

Que, despois de lhe ter dito quem era,
Cum alto exórdio, de alta graça ornado,
Dando-lhe a entender que ali viera
Por alta influïção do imóbil fado,
Pera lhe descobrir da unida esfera
Da terra imensa e mar não navegado
Os segredos, por alta profecia,
O que esta sua nação só merecia,

Tomando-o pela mão, o leva e guia
Pera o cume dum monte alto e divino,
No qual ua rica fábrica se erguia,
De cristal toda e de ouro puro e fino.
A maior parte aqui passam do dia,
Em doces jogos e em prazer contino.
Ela nos paços logra seus amores,
As outras pelas sombras, entre as flores.
(Canto IX, 85-87)

A leitura do Canto IX deixa aberta e livre a possibilidade de fazer várias abordagens textuais, permitindo interrogar os vários sentidos propostos pela palavra.

No contexto da viagem, ação central do poema épico Os Lusíadas se inscrevem os percursos reflexivos decorrentes da dimensão da viagem pessoal e interpessoal desejada.

Os navegadores portugueses passaram ainda além da Taporbana / em perigos e guerras esforçados / mais do que prometia a força humana / e entre gente remota edificaram / novo reino que tanto sublimara (Canto I, estrofe 1).

Os navegadores portugueses cumpriram a viagem de conhecimento e descoberta do caminho marítimo para a Índia, aproximando gentes, culturas e memórias. Os navegadores portugueses por obras valerosas / pelo trabalho imenso que se chama / caminho da virtude, alto e fragoso / foram compensados na Ilha dos Amores “doce, alegre e deleitosa (Canto IX, estrofe 90) a qual constitui a promessa de uma compensação absoluta do esforço e mérito humanos, por proposta de Vênus.

A divinização dos heróis é a conclusão para que aponta a intriga mitológica: os portugueses, ao longo da aventura que constitui o núcleo narrativo, são favorecidos por Vênus e hostilizados por Baco. Os homens tornam-se deuses e descem do pedestal as antigas divindades. No Canto IX, o recebimento dos nautas pelas ninfas significa, entre outras coisas, a confirmação dos receios de Baco: de fato, os navegantes cometeram atos tão grandiosos que se tornam amados por deusas; e, de certo modo, divinizam-se eles também. Aqui temos um mito construído com elementos da cultura greco-latina, mas elaborado para o efeito específico que Camões visa. Este efeito desejado pelo poeta é o de imortalizar os heróis através de um acontecimento nuclear, a viagem de Vasco da Gama à Índia.

Como já citado, os navegantes portugueses são recebidos e homenageados num ambiente paradisíaco, idealizado pelos deuses à mercê dos humanos, divinizados e imortalizados por via do Amor.

Assim aparece um quadro idílico, formado por uma Natureza belíssima e cheia de atrativos: o doce murmúrio das águas, o cantar dos pássaros, os variados sabores dos frutos, o perfume das flores, a amenidade, a frescura e o recolhimento de um bosque, a verdura repousante de um porto seguro. E neste ambiente, sem metáfora, paradisíaco, o amor torna-se de repente possível, um amor total feito de sensualidade e galanteria, de desejo e de paixão pela beleza. Nada o ensombra: decepções, receios, insatisfação, pecado, remorsos foram, de repente, banidos no glorioso presente de um instante que se furta ao fluxo temporal.

Mais ainda: para que os nautas sejam acumulados em todos os aspectos, depois de uma banquete magnífico é-lhes facultado o conhecimento da história futura, a contemplação do sistema cosmológico e uma visão geográfica do globo.

Este mito opõe-se simetricamente e compensatoriamente ao cortejo de dores, frustrações e desespero que a vida historicamente acarreta, em particular a vida cheia de privações que os navegantes suportaram durante vários meses.

Exprime a ânsia por uma felicidade absoluta, com a imaginação à idade do ouro ao paraíso perdido.

Aliás, essa é um dos componentes do espírito humanista, voltado para a utopia: conceber o homem realizado em plenitude e harmonia, sem as limitações e contradições que a condição e natureza humanas a cada passo impõem; a conciliação dos contrários constitui justamente um dos traços dessa visão de beatitude: a harmonia do amor físico e do amor espiritual; dos gozos sensuais e intelectuais; o feliz encontro do homem e da natureza; a realização dos desejos sem que ressaibos de culpa venham ensombrar a felicidade inocente.

Parece expressamente intencional este desejado e merecido encontro de Homens e Deuses, numa ilha recriada que se faz ao caminho dos navegadores e se prepara para os seduzir e retribuir na ideia de que o Amor só com Amor(es) vence e se propaga (Canto IX, estrofe 51, 52, 53).

Nota-se que é expressamente intencional o discurso amoroso assumido, cuja dimensão é valorizada pela adequada procura de uma estética textual.

As palavras e a sua organização no texto transmitem uma mensagem envolvente e portadora de sentido(s) provocador(es) de renovadas sensações e reflexões por parte de atentos leitores.

O recurso estratégico a uma adjetivação rica, abundante, repetida e antitética favorece uma pintura descritiva ao pormenor de quadros idealizados, mas reais, porque se inscrevem nas nossas referências culturais, apelando à melhor compreensão e entendimento do que se pretende captar, o Amor nas suas manifestações mais comuns, mais visíveis e inteligíveis.

Os recursos estilísticos recorrentes e selecionados com o mesmo objetivo de clarear a mensagem, mostram para que se veja e se sinta, nomeadamente, através de sucessivas e eloquentes comparações, imagens, personificações, antíteses, repetições, jogos de palavras (trocadilhos), paralelismos, enumerações e gradação das representações. Servem, igualmente, as intenções de (re)dimensionar e complexar o discurso, a utilização da plasticidade do tempo traduzido pelo gerúndio e conjugação perifrástica, traduzindo um movimento de perpétua sedução, permitindo olhar o que merece ser sentido e vivido. O discurso está também possuído de sensações múltiplas, remetendo para a visão, a audição, o olfato, o tato, o paladar, sentidos naturais e humanos que podem ser sensibilizados, aprofundados e harmonizados para o desafio existencial, para a construção da felicidade, enquanto processo de transformação suscetível de ser potencializado pelo Homem.

A Ilha dos Amores sublima a competência do Homem na sua própria superação e na busca permanente dos seus ideais, merecendo, pela sua ação, o natural reconhecimento.

O gozo da experiência amorosa e felicidade na Ilha mitológica representam a fama grande e nome alto e subido, que o mundo está guardando, isto é, a glorificação pela memória da história. E que as Ninfas do Oceano... Tétis e a Ilha angélica nada mais são do que as honras que imortalizam a vida. Os deleites desta ilha» são as preminências gloriosas, os triunfos, a coroação pela vitória, a admiração e glorificação dos navegantes.

Afinal também os deuses da Antiguidade eram deuses porque os homens os tinham transposto a esse estado glorioso, pelas grandes façanhas que tinham realizado, enquanto homens. E segue-se o conselho: se os humanos quiserem alcançar a glória e a fama, lancem-se em ações valorosas, fugindo duma indolência deprimente, que torna as almas escravas.

Assim as Ninfas... Tétis e a ilha... os deleites representam o prêmio que os navegantes receberão pelos altos feitos realizados, prêmios que, podemos interpretá-lo polissemicamente, são por um lado nitidamente uma imortalização pela glória, por outro e sobretudo a partir das expressões preminências gloriosas... triunfos... fronte coroada de palma e louro poderão ser prêmios a doar pelo Rei e pela nação. Estes últimos prêmios, e sobretudo se tivermos em conta os membros da nobreza participantes nas descobertas, poderiam vir a ser estipêndios em dinheiro ou doação de terras, honra, poderes jurisdicionais, títulos de nobreza, ou cargos na administração ultramarina como os de donatários, governadores, vice-reis, capitães de fortalezas ou outros.

De qualquer modo só na época do Renascimento com uma visão humanista aberta, que no tempo de elaboração e publicação de Os Lusíadas, estava já claramente a fechar-se, um poeta como Camões poderia lembrar-se de simbolizar todos esses prêmios pelo conúbio amoroso e erótico entre os navegantes e as deusas.

Fonte:
Passeiweb

Luís Vaz de Camões (Os Lusíadas - Cantos IX e X – A Ilha dos Amores)


1
Tiveram longamente na cidade,
Sem vender-se, a fazenda os dous feitores,
Que os Infiéis, por manha e falsidade,
Fazem que não lha comprem mercadores;
Que todo seu propósito e vontade
Era deter ali os descobridores
Da Índia tanto tempo que viessem
De Meca as naus, que as suas desfizessem.

2
Lá no seio Eritreu, onde fundada
Arsínoe foi do Egípcio Ptolomeu
(Do nome da irmã sua assi chamada,
Que despois em Suez se converteu),
Não longe o porto jaz da nomeada
Cidade Meca, que se engrandeceu
Com a superstição falsa e profana
Da religiosa água Maumetana.

3
Gidá se chama o porto aonde o trato
De todo o Roxo Mar mais florecia,
De que tinha proveito grande e grato
O Soldão que esse Reino possuía.
Daqui aos Malabares, por contrato
Dos Infiéis, fermosa companhia
De grandes naus, pelo Índico Oceano,
Especiaria vem buscar cada ano.

4
Por estas naus os Mouros esperavam,
Que, como fossem grandes e possantes,
Aquelas que o comércio lhe tomavam,
Com flamas abrasassem crepitantes.
Neste socorro tanto confiavam
Que já não querem mais dos navegantes
Senão que tanto tempo ali tardassem
Que da famosa Meca as naus chegassem.

5
Mas o Governador dos Céus e gentes,
Que, pera quanto tem determinado,
De longe os meios dá convenientes
Por onde vem a efeito o fim fadado,
Influiu piadosos acidentes
De afeição em Monçaide, que guardado
Estava pera dar ao Gama aviso
E merecer por isso o Paraíso.

6
Este, de quem se os Mouros não guardavam
Por ser Mouro como eles (antes era
Participante em quanto maquinavam),
A tenção lhe descobre torpe e fera.
Muitas vezes as naus que longe estavam
Visita, e com piedade considera
O dano sem razão que se lhe ordena
Pela maligna gente Sarracena.

7
Informa o cauto Gama das armadas
Que de Arábica Meca vem cad' ano,
Que agora são dos seus tão desejadas,
Pera ser instrumento deste dano;
Diz-lhe que vêm de gente carregadas
E dos trovões horrendos de Vulcano,
E que pode ser delas oprimido,
Segundo estava mal apercebido.

8
O Gama, que também considerava
O tempo que pera a partida o chama,
E que despacho já não esperava
Milhor do Rei, que os Maumetanos ama,
Aos feitores que em terra estão, mandava
Que se tornem às naus; e, por que a fama
Desta súbita vinda os não impida,
Lhe manda que a fizessem escondida.

9
Porém não tardou muito que, voando,
Um rumor não soasse, com verdade:
Que foram presos os feitores, quando
Foram sentidos vir-se da cidade.
Esta fama as orelhas penetrando
Do sábio Capitão, com brevidade
Faz represária nuns que às naus vieram
A vender pedraria que trouxeram.

10
Eram estes antigos mercadores
Ricos em Calecu e conhecidos;
Da falta deles, logo entre os milhores
Sentido foi que estão no mar retidos.
Mas já nas naus os bons trabalhadores
Volvem o cabrestante e, repartidos
Pelo trabalho, uns puxam pela amarra,
Outros quebram co peito duro a barra,

11
Outros pendem da verga e já desatam
A vela, que com grita se soltava,
Quando, com maior grita, ao Rei relatam
A pressa com que a armada se levava.
As mulheres e filhos, que se matam,
Daqueles que vão presos, onde estava
O Samorim se aqueixam que perdidos
Uns têm os pais, as outras os maridos.

12
Manda logo os feitores Lusitanos
Com toda sua fazenda, livremente,
Apesar dos imigos Maumetanos,
Por que lhe torne a sua presa gente.
Desculpas manda o Rei de seus enganos;
Recebe o Capitão de melhormente
Os presos que as desculpas e, tornando
Alguns negros, se parte, as velas dando.

13
Parte-se costa abaxo, porque entende
Que em vão co Rei gentio trabalhava
Em querer dele paz, a qual pretende
Por firmar o comércio que tratava;
Mas como aquela terra, que se estende
Pela Aurora, sabida já deixava,
Com estas novas torna à pátria cara,
Certos sinais levando do que achara.

14
Leva alguns Malabares, que tomou
Per força, dos que o Samorim mandara
Quando os presos feitores lhe tornou;
Leva pimenta ardente, que comprara;
A seca flor de Banda não ficou;
A noz e o negro cravo, que faz clara
A nova ilha Maluco, co a canela
Com que Ceilão é rica, ilustre e bela.

15
Isto tudo lhe houvera a diligência
De Monçaide fiel, que também leva,
Que, inspirado de Angélica influência,
Quer no livro de Cristo que se escreva.
Oh, ditoso Africano, que a demência
Divina assi tirou de escura treva,
E tão longe da pátria achou maneira
Pera subir à pátria verdadeira!

16
Apartadas assi da ardente costa
As venturosas naus, levando a proa
Pera onde a Natureza tinha posta
A meta Austrina da Esperança Boa,
Levando alegres novas e reposta
Da parte Oriental pera Lisboa,
Outra vez cometendo os duros medos
Do mar incerto, tímidos e ledos.

17
O prazer de chegar à pátria cara,
A seus penates caros e parentes,
Pera contar a peregrina e rara
Navegação, os vários céus e gentes;
Vir a lograr o prémio que ganhara,
Por tão longos trabalhos e acidentes:
Cada um tem por gosto tão perfeito,
Que o coração para ele é vaso estreito.

18
Porém a Deusa Cípria, que ordenada
Era, pera favor dos Lusitanos,
Do Padre Eterno, e por bom génio dada,
Que sempre os guia já de longos anos,
A g1ória por trabalhos alcançada,
Satisfação de bem sofridos danos,
Lhe andava já ordenando, e pretendia
Dar-lhe nos mares tristes, alegria.

19
Depois de ter um pouco revolvido
Na mente o largo mar que navegaram,
Os trabalhos que pelo Deus nascido
Nas Anfiónias Tebas se causaram,
Já trazia de longe no sentido,
Pera primo de quanto mal passaram,
Buscar-lhe algum deleite, algum descanso,
No Reino de cristal, líquido e manso;

20
Algum repouso, enfim, com que pudesse
Refocilar a lassa humanidade
Dos navegantes seus, como interesse
Do trabalho que encurta a breve idade.
Parece-lhe razão que conta desse
A seu filho, por cuja potestade
Os Deuses faz decer ao vil terreno
E os humanos subir ao Céu sereno.

21
Isto bem revolvido, determina
De ter-lhe aparelhada, lá no meio
Das águas, algua ínsula divina,
Ornada d' esmaltado e verde arreio;
Que muitas tem no reino que confina
Da primeira co terreno seio,
Afora as que possui soberanas
Pera dentro das portas Herculanas.

22
Ali quer que as aquáticas donzelas
Esperem os fortíssimos barões
(Todas as que têm título de belas,
Glória dos olhos, dor dos corações)
Com danças e coreias, porque nelas
Influïrá secretas afeições,
Pera com mais vontade trabalharem
De contentar a quem se afeiçoarem.

23
Tal manha buscou já pera que aquele
Que de Anquises pariu, bem recebido
Fosse no campo que a bovina pele
Tomou de espaço, por sutil partido.
Seu filho vai buscar, porque só nele
Tem todo seu poder, fero Cupido,
Que, assi como naquela empresa antiga
A ajudou já, nestoutra a ajude e siga.

24
No carro ajunta as aves que na vida
Vão da morte as exéquias celebrando,
E aquelas em que já foi convertida
Perístera, as boninas apanhando;
Em derredor da Deusa, já partida,
No ar lascivos beijos se vão dando;
Ela, por onde passa, o ar e o vento
Sereno faz, com brando movimento.

25
Já sobre os Idálios montes pende,
Onde o filho frecheiro estava então,
Ajuntando outros muitos, que pretende
Fazer ua famosa expedição
Contra o mundo revelde, por que emende
Erros grandes que há dias nele estão,
Amando cousas que nos foram dadas,
Não pera ser amadas, mas usadas.

26
Via Actéon na caça tão austero,
De cego na alegria bruta, insana,
Que, por seguir um feio animal fero,
Foge da gente e bela forma humana;
E por castigo quer, doce e severo,
Mostrar-lhe a formosura de Diana.
(E guarde-se não seja inda comido
Desses cães que agora ama, e consumido).

27
E vê do mundo todo os principais
Que nenhum no bem púbrico imagina;
Vê neles que não têm amor a mais
Que a si sòmente, e a quem Filáucia ensina;
Vê que esses que frequentam os reais
Paços, por verdadeira e sã doutrina
Vendem adulação, que mal consente
Mondar-se o novo trigo florecente.

28
Vê que aqueles que devem à pobreza
Amor divino, e ao povo caridade,
Amam sòmente mandos e riqueza,
Simulando justiça e integridade;
Da feia tirania e de aspereza
Fazem direito e vã severidade;
Leis em favor do Rei se estabelecem,
As em favor do povo só perecem.

29
Vê, enfim, que ninguém ama o que deve,
Senão o que sòmente mal deseja.
Não quer que tanto tempo se releve
O castigo que duro e justo seja.
Seus ministros ajunta, por que leve
Exércitos conformes à peleja
Que espera ter co a mal regida gente
Que lhe não for agora obediente.

30
Muitos destes mininos voadores
Estão em várias obras trabalhando:
Uns amolando ferros passadores,
Outros hásteas de setas delgaçando.
Trabalhando, cantando estão de amores,
Vários casos em verso modulando;
Melodia sonora e concertada,
Suave a letra, angélica a soada.

31
Nas fráguas imortais onde forjavam
Pera as setas as pontas penetrantes,
Por lenha corações ardendo estavam,
Vivas entranhas inda palpitantes;
As águas onde os ferros temperavam,
Lágrimas são de míseros amantes;
A viva flama, o nunca morto lume,
Desejo é só que queima e não consume.

32
Alguns exercitando a mão andavam
Nos duros corações da plebe ruda;
Crebros suspiros pelo ar soavam
Dos que feridos vão da seta aguda.
Fermosas Ninfas são as que curavam
As chagas recebidas, cuja ajuda
Não sòmente dá vida aos mal feridos,
Mas põe em vida os inda não nascidos.

33
Fermosas são alguas e outras feias,
Segundo a qualidade for das chagas,
Que o veneno espalhado pelas veias
Curam-no às vezes ásperas triagas.
Alguns ficam ligados em cadeias
Por palavras sutis de sábias magas;
Isto acontece às vezes, quando as setas
Acertam de levar ervas secretas.

34
Destes tiros assi desordenados,
Que estes moços mal destros vão tirando,
Nascem amores mil desconcertados
Entre o povo ferido miserando;
E também nos heróis de altos estados
Exemplos mil se vêm de amor nefando,
Qual o das moças Bíbli e Cinireia,
Um mancebo de Assíria, um de Judeia.

35
E vós, ó poderosos, por pastoras
Muitas vezes ferido o peito vedes;
E por baixos e rudos, vós, senhoras,
Também vos tomam nas Vulcâneas redes.
Uns esperando andais nocturnas horas,
Outros subis telhados e paredes;
Mas eu creio que deste amor indino
É mais culpa a da mãe que a do minino.

36
Mas já no verde prado o carro leve
Punham os brancos cisnes mansamente;
E Dione, que as rosas entre a neve
No rosto traz, decia diligente.
O frecheiro que contra o Céu se atreve
O recebê-la vem, ledo e contente;
Vêm todos os Cupidos servidores
Beijar a mão à Deusa dos amores.

37
Ela, por que não gaste o tempo em vão,
Nos braços tendo o filho, confiada
Lhe diz: – "Amado filho, em cuja mão
Toda minha potência está fundada;
Filho, em quem minhas forças sempre estão,
Tu, que as armas Tifeias tens em nada,
A socorrer-me a tua potestade
Me traz especial necessidade.

38
"Bem vês as Lusitânicas fadigas,
Que eu já de muito longe favoreço,
Porque das Parcas sei, minhas amigas,
Que me hão-de venerar e ter em preço.
E porque tanto imitam as antigas
Obras de meus Romanos, me ofereço
A lhe dar tanta ajuda, em quanto posso,
A quanto se estender o poder nosso.

39
"E porque das insídias do odioso
Baco foram na Índia molestados,
E das injúrias sós do mar undoso
Puderam mais ser mortos que cansados,
No mesmo mar, que sempre temeroso
Lhe foi, quero que sejam repousados,
Tomando aquele prémio e doce glória
Do trabalho que faz clara a memória.

40
"E pera isso queria que, feridas
As filhas de Nereu no ponto fundo,
D' amor dos Lusitanos incendidas
Que vêm de descobrir o novo mundo,
Todas nua ilha juntas e subidas,
(Ilha que nas entranhas do profundo
Oceano terei aparelhada,
De dões de Flora e Zéfiro adornada);

41
"Ali, com mil refrescos e manjares,
Com vinhos odoríferos e rosas,
Em cristalinos paços singulares,
Fermosos leitos, e elas mais fermosas;
Enfim, com mil deleites não vulgares,
Os esperem as Ninfas amorosas,
D' amor feridas, pera lhe entregarem
Quanto delas os olhos cobiçarem.

42
"Quero que haja no reino Neptunino,
Onde eu nasci, progénie forte e bela;
E tome exemplo o mundo vil, malino,
Que contra tua potência se rebela,
Por que entendam que muro Adamantino
Nem triste hipocrisia val contra ela;
Mal haverá na terra quem se guarde
Se teu fogo imortal nas águas arde."

43
Assi Vénus propôs; e o filho inico,
Pera lhe obedecer, já se apercebe:
Manda trazer o arco ebúrneo rico,
Onde as setas de ponta de ouro embebe.
Com gesto ledo a Cípria, e impudico,
Dentro no carro o filho seu recebe;
A rédea larga às aves cujo canto
A Faetonteia morte chorou tanto.

44
Mas diz Cupido que era necessária
Ua famosa e célebre terceira,
Que, posto que mil vezes lhe é contrária,
Outras muitas a tem por companheira:
A Deusa Giganteia, temerária,
Jactante, mentirosa e verdadeira,
Que com cem olhos vê, e, por onde voa,
O que vê, com mil bocas apregoa.

45
Vão-a buscar e mandam-a diante,
Que celebrando vá com tuba clara
Os louvores da gente navegante,
Mais do que nunca os d' outrem celebrara.
Já, murmurando, a Fama penetrante
Pelas fundas cavernas se espalhara;
Fala verdade, havida por verdade,
Que junto a Deusa traz Credulidade.

46
O louvor grande, o rumor excelente,
No coração dos Deuses que indinados
Foram por Baco contra a ilustre gente,
Mudando, os fez um pouco afeiçoados.
O peito feminil, que levemente
Muda quaisquer propósitos tomados,
Já julga por mau zelo e por crueza
Desejar mal a tanta fortaleza.

47
Despede nisto o fero moço as setas,
Ua após outra: geme o mar cos tiros;
Direitas pelas ondas inquietas
Alguas vão, e alguas fazem giros;
Caem as Ninfas, lançam das secretas
Entranhas ardentíssimos suspiros;
Cai qualquer, sem ver o vulto que ama,
Que tanto como a vista pode a fama.

48
Os cornos ajuntou da ebúrnea Lua,
Com força, o moço indómito, excessiva,
Que Tétis quer ferir mais que nenhua,
Porque mais que nenhua lhe era esquiva.
Já não fica na aljava seta algua,
Nem nos equóreos campos Ninfa viva;
E se, feridas, inda estão vivendo,
Será pera sentir que vão morrendo.

49
Dai lugar, altas e cerúleas ondas,
Que, vedes, Vénus traz a medicina,
Mostrando as brancas velas e redondas,
Que vêm por cima da água Neptunina.
Pera que tu recíproco respondas,
Ardente Amor, à flama feminina,
É forçado que a pudicícia honesta
Faça quanto lhe Vénus amoesta.

50 Já todo o belo coro se aparelha
Das Nereidas, e junto caminhava
Em coreias gentis, usança velha,
Pera a ilha a que Vénus as guiava.
Ali a fermosa Deusa lhe aconselha
O que ela fez mil vezes, quando amava;
Elas, que vão do doce amor vencidas,
Estão a seu conselho oferecidas.

51
Cortando vão as naus a larga via
Do mar ingente pera a pátria amada,
Desejando prover-se de água fria
Pera a grande viagem prolongada,
Quando, juntas, com súbita alegria,
Houveram vista da Ilha namorada,
Rompendo pelo céu a mãe fermosa
De Menónio, suave e deleitosa.

52
De longe a Ilha viram, fresca e bela,
Que Vénus pelas ondas lha levava
(Bem como o vento leva branca vela)
Pera onde a forte armada se enxergava;
Que, por que não passassem, sem que nela
Tomassem porto, como desejava,
Pera onde as naus navegam a movia
A Acidália, que tudo, enfim, podia.

53
Mas firme a fez e imóbil, como viu
Que era dos Nautas vista e demandada,
Qual ficou Delos, tanto que pariu
Latona Febo e a Deusa à caça usada.
Pera lá logo a proa o mar abriu,
Onde a costa fazia ua enseada
Curva e quieta, cuja branca areia
Pintou de ruivas conchas Citereia.

54
Três fermosos outeiros se mostravam,
Erguidos com soberba graciosa,
Que de gramíneo esmalte se adornavam,
Na fermosa Ilha, alegre e deleitosa.
Claras fontes e límpidas manavam
Do cume, que a verdura tem viçosa;
Por entre pedras alvas se deriva
A sonorosa linfa fugitiva.

55
Num vale ameno, que os outeiros fende,
Vinham as claras águas ajuntar-se,
Onde ua mesa fazem, que se estende
Tão bela quanto pode imaginar-se.
Arvoredo gentil sobre ela pende,
Como que pronto está pera afeitar-se,
Vendo-se no cristal resplandecente,
Que em si o está pintando propriamente.

56
Mil árvores estão ao céu subindo,
Com pomos odoríferos e belos;
A laranjeira tem no fruito lindo
A cor que tinha Dafne nos cabelos.
Encosta-se no chão, que está caindo,
A cidreira cos pesos amarelos;
Os fermosos limões ali cheirando,
Estão virgíneas tetas imitando.

57
As árvores agrestes, que os outeiros
Têm com frondente coma ennobrecidos,
Álemos são de Alcides, e os loureiros
Do louro Deus amados e queridos;
Mirtos de Citereia, cos pinheiros
De Cibele, por outro amor vencidos;
Está apontando o agudo cipariso
Pera onde é posto o etéreo Paraíso.

58
Os dões que dá Pomona ali Natura
Produze, diferentes nos sabores,
Sem ter necessidade de cultura,
Que sem ela se dão muito milhores:
As cereijas, purpúreas na pintura,
As amoras, que o nome têm de amores,
O pomo que da pátria Pérsia veio,
Milhor tomado no terreno alheio;

59
Abre a romã, mostrando a rubicunda
Cor, com que tu, rubi, teu preço perdes;
Entre os braços do ulmeiro está a jocunda
Vide, cuns cachos roxos e outros verdes;
E vós, se na vossa árvore fecunda,
Peras piramidais, viver quiserdes,
Entregai-vos ao dano que cos bicos
Em vós fazem os pássaros inicos.

60
Pois a tapeçaria bela e fina
Com que se cobre o rústico terreno,
Faz ser a de Aqueménia menos dina,
Mas o sombrio vale mais ameno.
Ali a cabeça a flor Cifísia inclina
Sôbolo tanque lúcido e sereno;
Florece o filho e neto de Ciniras,
Por quem tu, Deusa Páfia, inda suspiras.

61
Pera julgar, difícil cousa fora,
No céu vendo e na terra as mesmas cores,
Se dava às flores cor a bela Aurora,
Ou se lha dão a ela as belas flores.
Pintando estava ali Zéfiro e Flora
As violas da cor dos amadores,
O lírio roxo, a fresca rosa bela,
Qual reluze nas faces da donzela;

62
A cândida cecém, das matutinas
Lágrimas rociada, e a manjerona;
Vêm-se as letras nas flores Hiacintinas,
Tão queridas do filho de Latona.
Bem se enxerga nos pomos e boninas
Que competia Clóris com Pomona.
Pois, se as aves no ar cantando voam,
Alegres animais o chão povoam.

63
Ao longo da água o níveo cisne canta;
Responde-lhe do ramo filomela;
Da sombra de seus cornos não se espanta
Acteon n' água cristalina e bela.
Aqui a fugace lebre se levanta
Da espessa mata, ou tímida gazela;
Ali no bico traz ao caro ninho
O mantimento o leve passarinho.

64
Nesta frescura tal desembarcavam
Já das naus os segundos Argonautas,
Onde pela floresta se deixavam
Andar as belas Deusas, como incautas.
Alguas, doces cítaras tocavam;
Alguas, harpas e sonoras frautas;
Outras, cos arcos de ouro, se fingiam
Seguir os animais, que não seguiam.

65
Assi lho aconselhara a mestra experta:
Que andassem pelos campos espalhadas;
Que, vista dos barões a presa incerta,
Se fizessem primeiro desejadas.
Alguas, que na forma descoberta
Do belo corpo estavam confiadas,
Posta a artificiosa formosura,
Nuas lavar se deixam na água pura.

66
Mas os fortes mancebos, que na praia
Punham os pés, de terra cobiçosos
(Que não há nenhum deles que não saia),
De acharem caça agreste desejosos,
Não cuidam que, sem laço ou redes, caia
Caça naqueles montes deleitosos,
Tão suave, doméstica e benina,
Qual ferida lha tinha já Ericina.

67
Alguns, que em espingardas e nas bestas
Pera ferir os cervos, se fiavam,
Pelos sombrios matos e florestas
Determinadamente se lançavam;
Outros, nas sombras, que de as altas sestas
Defendem a verdura, passeavam
Ao longo da água, que, suave e queda,
Por alvas pedras corre à praia leda.

68
Começam de enxergar subitamente,
Por entre verdes ramos, várias cores,
Cores de quem a vista julga e sente
Que não eram das rosas ou das flores,
Mas da lã fina e seda diferente,
Que mais incita a força dos amores,
De que se vestem as humanas rosas,
Fazendo-se por arte mais fermosas.

69
Dá Veloso, espantado, um grande grito:
– "Senhores, caça estranha (disse) é esta!
Se inda dura o Gentio antigo rito,
A Deusas é sagrada esta floresta.
Mais descobrimos do que humano esprito
Desejou nunca, e bem se manifesta
Que são grandes as cousas e excelentes
Que o mundo encobre aos homens imprudentes.

70
"Sigamos estas Deusas e vejamos
Se fantásticas são, se verdadeiras."
Isto dito, veloces mais que gamos,
Se lançam a correr pelas ribeiras.
Fugindo as Ninfas vão por entre os ramos,
Mas, mais industriosas que ligeiras,
Pouco e pouco, sorrindo e gritos dando,
Se deixam ir dos galgos alcançando.

71
De u'a os cabelos de ouro o vento leva,
Correndo, e da outra as fraldas delicadas;
Acende-se o desejo, que se ceva
Nas alves carnes, súbito mostradas.
Ua de indústria cai, e já releva,
Com mostras mais macias que indinadas,
Que sobre ela, empecendo, também caia
Quem a seguiu pela arenosa praia.

72
Outros, por outra parte, vão topar
Com as Deusas despidas, que se lavam;
Elas começam súbito a gritar,
Como que assalto tal não esperavam;
Uas, fingindo menos estimar
A vergonha que a força, se lançavam
Nuas por entre o mato, aos olhos dando
O que às mãos cobiçosas vão negando;

73
Outra, como acudindo mais depressa
À vergonha da Deusa caçadora,
Esconde o corpo n' água; outra se apressa
Por tomar os vestidos que tem fora.
Tal dos mancebos há que se arremessa,
Vestido assi e calçado (que, co a mora
De se despir, há medo que inda tarde)
A matar na água o fogo que nele arde.

74
Qual cão de caçador, sagaz e ardido,
Usado a tomar na água a ave ferida,
Vendo [ò] rosto o férreo cano erguido
Pera a garcenha ou pata conhecida,
Antes que soe o estouro, mal sofrido
Salta n' água e da presa não duvida,
Nadando vai e latindo: assi o mancebo
Remete à que não era irmã de Febo.

75
Leonardo, soldado bem disposto,
Manhoso, cavaleiro e namorado,
A quem Amor não dera um só desgosto
Mas sempre fora dele mal tratado,
E tinha já por firme pros[s]uposto
Ser com amores mal afortunado,
Porém não que perdesse a esperança
De inda poder seu fado ter mudança,

76
Quis aqui sua ventura que corria
Após Efire, exemplo de beleza,
Que mais caro que as outras dar queria
O que deu, pera dar-se, a natureza.
Já cansado, correndo, lhe dizia:
– "Ó formosura indina de aspereza,
Pois desta vida te concedo a palma,
Espera um corpo de quem levas a alma!

77
"Todas de correr cansam, Ninfa pura,
Rendendo-se à vontade do inimigo;
Tu só de mi só foges na espessura?
Quem te disse que eu era o que te sigo?
Se to tem dito já aquela ventura
Que em toda a parte sempre anda comigo,
Oh, não na creias, porque eu, quando a cria,
Mil vezes cada hora me mentia.

78
"Não canses, que me cansas! E se queres
Fugir-me, por que não possa tocar-te,
Minha ventura é tal que, inda que esperes,
Ela fará que não possa alcançar-te.
Espera; quero ver, se tu quiseres,
Que sutil modo busca de escapar-te;
E notarás, no fim deste sucesso,
‘Tra la spica e la man qual muro he messo.’

79
"Oh! Não me fujas! Assi nunca o breve
Tempo fuja de tua formosura;
Que, só com refrear o passo leve,
Vencerás da fortuna a força dura.
Que Emperador, que exército se atreve
A quebrantar a fúria da ventura
Que, em quanto desejei, me vai seguindo,
O que tu só farás não me fugindo?

80
"Pões-te da parte da desdita minha?
Fraqueza é dar ajuda ao mais potente.
Levas-me um coração que livre tinha?
Solta-mo e correrás mais levemente.
Não te carrega essa alma tão mesquinha
Que nesses fios de ouro reluzente
Atada levas? Ou, despois de presa,
Lhe mudaste a ventura e menos pesa?

81
"Nesta esperança só te vou seguindo:
Que ou tu não sofrerás o peso dela,
Ou na virtude de teu gesto lindo
Lhe mudarás a triste e dura estrela.
E se se lhe mudar, não vás fugindo,
Que Amor te ferirá, gentil donzela,
E tu me esperarás, se Amor te fere;
E se me esperas, não há mais que espere."

82
Já não fugia a bela Ninfa tanto,
Por se dar cara ao triste que a seguia,
Como por ir ouvindo o doce canto,
As namoradas mágoas que dizia.
Volvendo o rosto, já sereno e santo,
Toda banhada em riso e alegria,
Cair se deixa aos pés do vencedor,
Que todo se desfaz em puro amor.

83
Oh, que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves! Que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava,
Milhor é exprimentá-lo que julgá-lo;
Mas julgue-o quem não pode exprimentá-lo.

84
Destarte, enfim, conformes já as fermosas
Ninfas cos seus amados navegantes,
Os ornam de capelas deleitosas
De louro e de ouro e flores abundantes.
As mãos alvas lhe davam como esposas;
Com palavras formais e estipulantes
Se prometem eterna companhia,
Em vida e morte, de honra e alegria.

85
U'a delas, maior, a quem se humilha
Todo o coro das Ninfas e obedece,
Que dizem ser de Celo e Vesta filha,
O que no gesto belo se parece,
Enchendo a terra e o mar de maravilha,
O capitão ilustre, que o merece,
Recebe ali com pompa honesta e régia,
Mostrando-se senhora grande e egrégia.

86
Que, despois de lhe ter dito quem era,
Cum alto exórdio, de alta graça ornado,
Dando-lhe a entender que ali viera
Por alta influïção do imóbil fado,
Pera lhe descobrir da unida esfera
Da terra imensa e mar não navegado
Os segredos, por alta profecia,
O que esta sua nação só merecia,

87
Tomando-o pela mão, o leva e guia
Pera o cume dum monte alto e divino,
No qual ua rica fábrica se erguia,
De cristal toda e de ouro puro e fino.
A maior parte aqui passam do dia,
Em doces jogos e em prazer contino.
Ela nos paços logra seus amores,
As outras pelas sombras, entre as flores.

88
Assi a fermosa e a forte companhia
O dia quási todo estão passando
Nua alma, doce, incógnita alegria,
Os trabalhos tão longos compensando.
Porque dos feitos grandes, da ousadia
Forte e famosa, o mundo está guardando
O prémio lá no fim, bem merecido,
Com fama grande e nome alto e subido.

89
Que as Ninfas do Oceano, tão fermosas,
Tétis e a Ilha angélica pintada,
Outra cousa não é que as deleitosas
Honras que a vida fazem sublimada.
Aquelas preminências gloriosas,
Os triunfos, a fronte coroada
De palma e louro, a glória e maravilha,
Estes são os deleites desta Ilha.

90
Que as imortalidades que fingia
A antiguidade, que os Ilustres ama,
Lá no estelante Olimpo, a quem subia
Sobre as asas ínclitas da Fama,
Por obras valerosas que fazia,
Pelo trabalho imenso que se chama
Caminho da virtude, alto e fragoso,
Mas, no fim, doce, alegre e deleitoso,

91
Não eram senão prémios que reparte,
Por feitos imortais e soberanos,
O mundo cos varões que esforço e arte
Divinos os fizeram, sendo humanos.
Que Júpiter, Mercúrio, Febo e Marte,
Eneas e Quirino e os dous Tebanos,
Ceres, Palas e Juno com Diana,
Todos foram de fraca carne humana.

92
Mas a Fama, trombeta de obras tais,
Lhe deu no Mundo nomes tão estranhos
De Deuses, Semideuses, Imortais,
Indígetes, Heróicos e de Magnos.
Por isso, ó vós que as famas estimais,
Se quiserdes no mundo ser tamanhos,
Despertai já do sono do ócio ignavo,
Que o ânimo, de livre, faz escravo.

93
E ponde na cobiça um freio duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro,
Verdadeiro valor não dão à gente:
Milhor é merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.

94
Ou dai na paz as leis iguais, constantes,
Que aos grandes não dêem o dos pequenos,
Ou vos vesti nas armas rutilantes,
Contra a lei dos imigos Sarracenos:
Fareis os Reinos grandes e possantes,
E todos tereis mais e nenhum menos:
Possuireis riquezas merecidas,
Com as honras que ilustram tanto as vidas.

95
E fareis claro o Rei que tanto amais,
Agora cos conselhos bem cuidados,
Agora co as espadas, que imortais
Vos farão, como os vossos já passados.
Impossibilidades não façais,
Que quem quis, sempre pôde; e numerados
Sereis entre os Heróis esclarecidos
E nesta «Ilha de Vénus» recebidos.