sexta-feira, 1 de abril de 2016

José Lucas de Barros (Caderno Poético I)

A Criança e as Estrelas

Dormitava a criança com febre
junto às margens de doce regato…
Um cicio de folhas do mato
levantava as orelhas da lebre.

Para que na parede não quebre
a corrente da rede, em recato
a mãe reza ao Senhor, e, de fato,
dorme em paz o silente casebre.

Apesar do inocente martírio,
corre o dia sem febre e delírio…
Cai a noite risonha nas telhas,

e as estrelas, em hora tão bela,
entram pela pequena janela
como enxame de louras abelhas!
-
Um Lar

Nessa casa modesta e pequenina,
linda prole acomoda-se à vontade
e, seguindo as lições que a vida ensina,
dá prova de gentil fraternidade.

Como bênção feliz da mão divina,
fortes laços de amor e lealdade
dão mais vida à família, em que domina
o traço indestrutível da unidade.

No trabalho febril do dia a dia,
os irmãos se unem cheios de alegria
para, em casa, jamais o pão faltar.

Firme, o casal, no antigo compromisso,
dá segurança a todos e, por isso,
todos têm a beleza e a paz de um lar.
-
O Amor da Velhice

Bem sei que o peso da velhice
a pouco e pouco nos domina,
mas vale a pena (alguém já disse)
pelas lições que a vida ensina.

Se já está longe a meninice
e a fronte agora já declina,
é previsão da lei divina,
não é o fim nem a sandice.

A cada passo em novo dia,
ganha-se mais sabedoria
e a vida assim, será mais rica.

Mais fé, mais luz, dentro do lar;
vai-se a paixão que faz pecar
e cresce o amor que santifica!
-
A Poesia de Meu Bairro

Toda tardinha, o sol, ao se deitar,
escreve um poema de ouro no “Penedo”
e, com tinta barrenta, no lajedo,
o “Seridó” faz trovas ao luar.

As carnaúbas, lenços verdes no ar,
são mil acenos de esperança; cedo,
acordamos a ouvir o passaredo
trinando o amor sonhado em cada lar.

O açude, em suas águas tagarelas,
faz ressoar as modinhas das donzelas
que se enfeitam com bolhas de sabão.

E, completando o quadro que enternece,
ao lado este convite para a prece:
a capela de São Sebastião.

Fonte:
BARROS, José Lucas de. Pelas trilhas do meu chão. Natal/RN: CJA, 2014.

Olivaldo Júnior (O Livro de Ouro)

O menino não sabia mais onde havia posto seu livro de ouro. Aliás, nem sequer sabia que história contava o tal livro, mas, como era de ouro, tinha-lhe guardado o sentido, a essência, do escrito e sorria, feliz, quando se lembrava dele.

Revirou a casa inteira, foi atrás do cachorro, que tinha aquela mania canina de levar e de trazer coisas, como se, por isso, ganhasse uns gramas a mais de ração ao fim de seu incansável dia de trabalhador. Nada, nem um osso encontrara...

"Pelo menos, fica longe do computador enquanto isso...", falou a mãe à comadre, ao telefone, sobre a busca incessante do filho ao livro de ouro que tanto queria. A comadre quis saber se era mesmo de ouro, mas a mamãe não sabia.

Cansado, sem saber o que fazer, tomou de um caderno novo, em branco, limpinho, resolvido a recriar seu livro de ouro, tal como se lembrava dele. Por onde começar? Não se lembrava direito da história... Pois bem, começou a escrever.

O pobre menino jamais saberia que o livro de ouro estava dentro da mente de cada um, que jamais tinha existido realmente e que, além disso, todos os escritos eram apenas uma tentativa de, mais uma vez, encontrá-lo. Era uma vez...

Fonte:
O Autor
Imagem = http://planetadmcom.blogspot.com/2008/10/livro-de-ouro.html

Contos Populares Portugueses (O Coelhinho Branco)

Era uma vez uma princesa que costumava pentear-se sempre à janela do seu palácio, que deitava para o jardim. Todos os dias ia um coelhinho branco muito bonito passear debaixo da janela. Um dia, estando a princesa a pentear-se, vai o coelhinho e levou-lhe o pente.

Passados dias, estando outra vez a princesa a pentear-se, veio o mesmo coelho e levou-lhe o laço, e, passados mais uns dias, tendo a princesa tirado um anel e posto na janela, o coelho tornou a aparecer e levou-o.

Passaram-se uns poucos de dias e o coelho nunca mais voltou.

A princesa, com muitas saudades por ele não aparecer, adoeceu.

Vieram os médicos e não atinaram com a moléstia. O rei, muito aflito por ver que a filha não podia resistir à doença, não fazia senão chorar.

A princesa tinha uma aia que era muito sua amiga e que sabia a razão de tudo aquilo. A doente sonhou uma noite que bebendo um copo de água duma fonte que havia no meio de um bosque distante do palácio lhe daria saúde. Pediu à aia que lha fosse buscar, porque só da sua mão a queria beber, pois só nela confiava.

A aia foi, chegou à fonte e, quando ia a encher o copo, abriu-se o chão e saiu um negro com um burro carregado de barris.

Ela escondeu-se e o preto encheu os barris, carregou o burro e foi-se embora. A aia foi atrás dele e o preto, chegando ao sítio por onde tinha aparecido, disse:

- Abre-te, chão!

Imediatamente o chão se abriu e apareceu um palácio muito rico. A aia entrou e escondeu-se, muito admirada por ver semelhante riqueza.

O negro veio, trouxe uma bacia e um jarro de ouro, deitando os barris de água dentro da bacia. Depois foi-se embora. Daí a pouco viu ela vir o coelhinho branco, que costumava ir ao jardim da princesa. O coelho meteu-se na bacia de água e fez-se logo um formoso príncipe. Depois abriu uma gaveta e, tirando um pente, um laço e um anel, começou a dizer:

- Pente, laço, anel de minha senhora! Vejo a ti e não vejo a ela! Ai, que morro por ela, ai de mim!

Depois arrecadou tudo, voltou a banhar-se, tornou-se logo em coelho e fugiu. A aia, quando se viu só, chegou ao sítio por onde tinha entrado e disse:

- Abre-te, chão!

O chão imediatamente se abriu, saiu ela e chegou ao palácio muito contente, com um copo de água da fonte.

A princesa bebeu-a e começou a achar-se melhor. A aia, então, contou-lhe o que tinha visto e a princesa ainda mais contente ficou. Depressa se achou boa e foi um dia passear com a aia ao mesmo sítio e esconderam-se. Daí a pouco tempo abriu-se o chão e apareceu o negro. Encheu os barris, carregou-os no burro e foi-se embora. Chegou ao tal sítio e fez que o chão se abrisse. E logo apareceu o tal rico palácio.

Entraram a princesa e a aia e foram seguindo o preto sem que ele as visse. Depois esconderam-se no mesmo sítio onde estivera a aia da outra vez. O preto foi buscar a bacia e o jarro de ouro, despejou a água dentro e depois retirou-se.

Daí por um bocado, veio o coelhinho branco, banhou-se dentro da bacia e tornou-se no tal príncipe. Abriu a gaveta e repetiu as mesmas palavras diante do pente, do laço e do anel.

Só que dessa vez apareceu a princesa, que lhe disse:

- Se morres por mim, meu amor, aqui me tens! Acabou-se imediatamente o encanto do príncipe, que ficou muito contente por tornar a ver a princesa.

Ajustou-se o casamento, casaram e o pai dela ficou muito satisfeito.

Fonte:
Viale Moutinho (org.) . Contos Populares Portugueses. 2.ed. Portugal: Publicações Europa-América.