domingo, 7 de agosto de 2016

Lídia Vasconcelos (Tristeza)


Nilto Maciel (A Condenação do Senhor Felício)

Nunca mais vi o Dr. Aderaldo Ascegas. Dizem já ter morrido, de velhice, do coração, de qualquer doença. Lembro-me bem da última vez que estivemos juntos, no dia do meu julga­mento. Mostrava-se muito preocupado comigo, não tanto em razão da condenação, mas sobretudo porque eu não admitia ser acusado por aquela promotora e julgado por aquele juiz. Aconselhou-me repouso e tratamento médico. Procurasse uma boa clínica psiquiátrica, com urgência. Aquilo me deixou mais nervoso ainda. Tive ímpetos de ofendê-lo fisicamente, chamá-lo de morcego, ou rato. Sim, ele me lembrava um roedor. Cheguei a ansiar matá-lo. Não precisei, no entanto, cometer o crime. Velho como era, não duraria muito. E contive-me.

Na verdade, eu andava mesmo transtornado e, à medida que se aproximava o dia do meu julgamento, mais eu me sentia nervoso. Na véspera, quase enlouqueci. Passei a noite em claro, não consegui pegar no sono sequer por um minuto. Imaginava-me condenado e desgraçado para o resto da vida. Até tarde fiquei diante da televisão, a ver filmes de violência, noticiários, shows. Nada via, no entanto, a não ser eu mesmo refletido no espelho do vídeo. Tentei outras distrações e passatempos. Coloquei discos na radiola, fumei uma infinidade de cigarros, bebi uns dois ou três conhaques e terminei lendo artigos do Código Penal.

Esses modos já se haviam tornado rotina em minha vida, há algum tempo. Depois de um dia de trabalho, corria para casa, tomava banho, jantava, ligava a televisão. E assim passava a noite, quase sempre acordado. Como seria o julgamento? Pedi mil vezes ao Dr. Aderaldo que me descrevesse minuciosamente um julgamento. Lembrava-me de filmes americanos. Aqui era diferente, dizia-me. Decidi ir ver de perto um julgamento qualquer. Pedia licença ao chefe e corria ao fórum. Nunca pedi licença nenhuma, com medo da simples palavra fórum. E o juiz, como seria? O Dr. Aderaldo não o conhecia direito. Havia sido lotado recentemente na Vara. E o promotor? Passava horas e horas a imaginar as feições de ambos. O juiz seria um velhote de óculos, careca, sério, olhar enigmático. O promotor, um senhor de bigodes grossos, carrancudo, feioso.

Cansado, sonolento, cheio de olheiras, deixei a cama na manhã do dia D como se saísse de um caixão de defuntos. A cabeça parecia enorme, pesada, disforme. Olhei-me ao espelho e me pareceu ver um monstro saído do fundo da terra. Tomei um banho demorado. A partir daí, agarrei-me ao telefone. Precisava conversar com o Dr. Aderaldo. Não se encontrava no escritório, informava a secretária. Tomei calmantes, deitei-me no sofá, ouvi música suave. Necessitava relaxar. Num minuto estava de novo ligando para o advogado. Sem sossego, ia e vinha pela casa. Chegada a hora do almoço, nada comi. Não tinha apetite, embora uma espécie de mal-estar me lembrasse pratos variados e exóticos. Imaginei jias assadas, cobras picadinhas, baratas no arroz. Saí de casa às carreiras, a fugir do almoço indigesto. Por sorte, passava um táxi livre. Direto para o escritório do Dr. Aderaldo. Achou uma loucura eu ter saído tão cedo de casa. Devia até estar trabalhando. O julgamento só começaria às 15 horas. Fosse passear, espairecer, fazer hora. Eu parecia excessivamente abatido e agitado, como se fosse ser executado. De qualquer forma, eu continuaria solto, com direito a sursis. Não me preocupasse tanto.

Li ou tentei ler jornais, revistas, códigos. As caras do juiz e do promotor teimavam em emergir das páginas, das letras, cresciam, vinham ao encontro do meu rosto. Línguas, narizes, olhos saltavam do papel para me lamber, cheirar, espiar. Apavorado, largava o impresso e me punha a andar pelo escritório, a falar e atrapalhar o trabalho do doutor.

Nem sei como cheguei ao foro. Não me lembro do percurso, de sua duração, do que conversamos. Recordo-me a caminhar pelos corredores da Justiça, atônito, sonâmbulo, cheio de medo. E, de repente, o susto. Nem sequer mais um passo consegui dar, tão profundo choque senti ao chegar à porta da sala de audiências. Sim, o palco montado e os personagens terríveis em seus lugares. O juiz, aquele cachorro, sentado ao centro da grande mesa, circunspecto, pronto a decidir o meu destino. Então eu ia ser julgado por aquele animal?! Tive ímpetos de gritar, dizer uns insultos e fugir. Porém o Dr. Aderaldo me arrastava para o interior da sala, respeitoso, solene, decidido. Eu não tirava os olhos daquele sujeito asqueroso à minha frente e então quis rir, gargalhar. Ora, um cachorro daqueles na função de juiz! Cochichei aos ouvidos do meu advogado: “Você já percebeu quem está ali?” Ele apertou-me o braço com força e retribuiu o cochicho: “Não ria, não fale nada, comporte-se”. Do contrário, eu poderia até ser preso, antes mesmo do início da audiência, por desrespeito à Justiça.

Atraído pela figura medúsica do magistrado, custei a desviar os olhos para as outras pessoas. Quando o fiz, encontrei o olhar firme de uma sujeita, sentada à esquerda do juiz. “É a promotora”, segredou-me o Dr. Aderaldo. E já não tive susto nenhum. Só vontade de rir de novo. Ora, aquilo já me parecia cômico. “Comporte-se, Felício”, sussurrou-me o advogado.

Voltei os olhos novamente para o juiz. Ele continuava muito sério em sua toga, a boca sempre aberta, feito um idiota. Olhei para a sua direita, onde um indivíduo batia à máquina. Tanto podia ser novo como velho, escondido que se achava na penumbra. Podia até ser um bicho. Porém não me preocupei com isso.

Despertei de minhas observações ao som de uma sineta. A audiência ia começar. Olhei para o juiz, Dr. Luís Bernardo Galgo (informou-me depois meu advogado), e notei sua boca cheia de saliva, parecendo baba, a língua comprida a projetar-se na minha direção, os enormes dentes caninos, as patas horríveis sobre a mesa. Eu quis rir, mas todos permaneciam muito graves. Procurei o escrivão e não o distingui na sombra. Olhei para o Dr. Aderaldo, em busca do cúmplice necessário, e desisti do riso. Dada a palavra à promotora, desviei minha atenção para ela, que também babava, tinha dentes enormes e boca animalesca. Não dava para aguentar. Aquilo merecia uma boa gargalhada. “Comporte-se, Felício”, beliscou-me o advogado, por baixo da mesa.

Durante longo tempo a cadela latiu, enquanto o escrivão datilografava, certamente os latidos da doutora Cândida Platino Canavieira. E eu com gana de gritar, para não ouvir mais tanto o latir daquela cadela metida a bonitona.

Depois falou o Dr. Aderaldo, enquanto eu não perdia um só gesto dos dois cachorros. Não, não dava para conter mais o riso. O juiz olhou para mim e latiu qualquer coisa como: “Comporte-se, Seu Felício!” Tive vontade de saltar sobre ele, rasgar-lhe o focinho com as unhas, mordê-lo, matá-lo. “Mais um miado, e mando prendê-lo” — latiu. Foi o fim de tudo.

Fonte:
MACIEL, Nilto. As insolentes patas do cão. São Paulo: Scortecci, 1991.

J. G. Araújo Jorge (Poemas Escolhidos)

DEDICATÓRIA

Dedico  este  livro  aos  irmãos  da   América   e  do   Mundo,
não importa que cruzem as pernas nos "pagodes" exóticos
ou sigam a palavra de Confúcio no templo de papel e de bambu;
que subam aos minaretes, se curvem beijando a terra,
ou simplesmente se ajoelhem no palácio de vitrais e incensos;
que dispam a palavra de Cristo de púrpuras e de ouros,
ou que sigam sem Deus, a procurá-lo nos livros...

Dedico este meu livro a todos os irmãos da América e do Mundo,
negros  ou  brancos,  amarelos  ou  vermelhos,  azuis   ou  roxos,
altos ou baixos, gordos ou magros, louros ou castanhos;
nos que ainda não morreram e aos que ainda poderão vir;
aos das planícies e dos campos, aos das florestas e das montanhas,
aos dos gelos e dos desertos,
aos das aldeias e das cidades,
aos dos faróis e aos da solidão,
aos dos navios, dos aviões ou dos subterrâneos,
a todos os homens, sem a menor distinção,
basta que creiam ainda na Vida e em nós mesmos.

Por isso escrevi este livro
como se abrisse uma veia, para o sangue aliviar o coração;
como se colhesse um fruto para o desejo inábil;
como se trouxesse água na mão, para a boca sedenta e empoeirada;
como se escrevesse sem palavras, e pudesse chegar a todos os ouvidos
e a todas as consciências
sem tradução...
Por isso escrevi este livro. Como quem acende uma lanterna
para descobrir que não está perdido...

Não se admirem irmãos, se as suas letras tiverem a cor do meu sangue,
porque elas são o meu sangue que vos ofereço,
são uma doação que faço aos que ainda creem que vivem,
mesmo aos que não poderão se refazer,
porque nunca sabemos os que resistirão...
              
Que este livro, pois, possa ao menos ser útil como o sangue,
como o ar, ou como o pão,
e possa prolongar algumas esperanças
confortar alguns momentos finais
e salvar alguns desesperos...

Que ao menos, chegue a tempo, para alguns…

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A LIBERDADE E A LARANJA
                                     (A Guilherme Figueiredo)

Um dia a liberdade será como a laranja
que tens na mão...

Já não será o sangue que espirrará em teu rosto
prova, e sentirás o gosto,
- será apenas o suco doce da laranja irmão...

Um dia, sentirás o gosto da liberdade,
apalparás a liberdade entre os dedos,
e ela escorrerá pelos teus lábios
e molhará a tua garganta...

Um dia, essa liberdade de que tanto te falam
e que tanto te prometem
deixará de ser palavra, e terá forma e cor...
E hás de apertá-la então, nas mãos ansiosas,
e hás de sentir na boca e na alma o seu sabor!
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ESPERANÇA!

Sobre a miséria dos pobres,
a caridade dos ricos,          
a injustiça dos governos,   
o sangue dos inocentes,     
a áspera luta dos fracos,    
a revolta e a humilhação    
dos vencidos e explorados;  
  sobre as manchetes do mundo,
impressas em negro e rubro,
sobre ameaças e pragas      
foguetes, bombas, políticos,

- de repente, ouço, distante,
uma criança gritar: mamãe!
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INQUÉRITO SOBRE A LIBERDADE
Perguntei ao lavrador que tão cedo madrugava
a cuspir, nas duras mãos, presa ao cabo da enxada
se ele queria a liberdade...

E ele me olhou em silêncio, desconfiado,
e baixou os olhos à terra amarga do seu Senhor...
(Inútil terra que só tem servido para enterrar os seus mortos).

Perguntei ao trabalhador apressado, na sombra da manhã,
escravo da família, a crescer e a morrer,
acuado pela vida
se ele queria a liberdade...

e ele deu de ombros, e falou em mais feijão e mais carne em sua mesa,
em segurança e escola para seus filhos...
(Inúteis reivindicações sempre adiante do seu salário).

Perguntei ao intelectual, preocupado e inquieto
entre frustrações e ameaças
se ele queria a liberdade...

E ele indagou: Qual? A americana, que massacra
negros, e explora povos indefesos?
Ou a francesa? que garantiu o direito do rico
ser cada vez mais rico,
e se transformou num estado-policial contra a pobreza?
(Inúteis liberdades que apenas mistificam e revoltam).

Até ao menino maltrapilho, sujo, abandonado,
entre outros companheiros, perambulando nas ruas
perguntei se queria a liberdade...

E ele fugiu sem responder, correu em liberdade...
(Inútil liberdade que o levará ao crime e ao presídio).

Liberdade, ó santa liberdade, ó doce liberdade
tão bela nos hinos escolares, nos discursos políticos
nas manchetes dos jornais,

em que dia, em que dia,
encontrando-te a ti mesma, com um sentimento novo,
deixarás de ser proxeneta da burguesia
para ser a verdade do povo?
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POEMA   AO  JORNALISTA
                                                              À Mario Martins
Ninguém te vê. Nem o homem sério de óculos que se sentou
                                       [ de pijama na cadeira de palhinha
na calçada de um subúrbio qualquer,
nem a mulher gorda que tira os óculos e chora por causa do
                                                             [ assassinato hediondo,
- o homem que matou seis filhos e bebeu veneno -
ou pelos dez órfãos da mãe desesperada,
a mulher que se jogou na linha do trem e o trem repartiu na
                                                                                       [terra.
Ninguém te vê. Nem o garoto que fuma escondido num lugar
                                                         [mal cheiroso do colégio,
nem a menina de tranças que gosta de se sentar na ponta do
                                                                     [banco do bonde
e esquece a rua com as últimas histórias do impossível;
ninguém te vê, nem o rapaz que discute política na mesa do café,
nem a moça que procura o seu nome na crônica social, onde
a caridade fica muito mais bonita e onde ela se sente muito mais humana...

Ninguém te vê.
Estás sentado na tua mesa, entre papéis disperses,
                                                         [telegramas de última hora,
a voz do secretário, o relâmpago do magnésio, a campainha do
                                                                                       [diretor,
a importância do homem que vai dar uma entrevista;
estás sentado na tua mesa, e escreves com a música dos
                                                                        [linotipos
o ruído das máquinas datilográficas,
o vozerio dos companheiros que vão e vêm
a bandeja de café, a fumaça do cigarro, o cheiro de óleo,
- e na tua cabeça há uma prodigiosa procissão de coisas
                                                                           [diversas
que se atropelam como os homens na rua
na mudança dos sinais.
(Verde-vermelho,verde-vermelho-verde -vermelho)

Há presidente e chefes em Washington depois que o ladrão
                           [assaltou o apartamento de Copacabana,
dois tiros, um aniversário, Marieta que cortou os pulsos
                                                             [pela décima vez,
mil aviões desovando bombas, o jantar elegante no grill
                                                                      [do cassino,
um fascista graúdo que tomou chumbo na cara, a mulher que
                                                               [teve quatro gêmeos,
a crônica sobre o vestido de Madame X, o político que
                                                [promete um mundo melhor,
o operário que caiu do 5.0 andar, o quilo de feijão a 3
                                                                            [cruzeiros,
Clark Gable que voltou da guerra, o último gol do América,
-tudo isto está na tua cabeça, que a tua cabeça é o mundo
debruçado sobre um bloco de papel...

Ninguém te vê. Mas tu vês o mundo, tu sentes o mundo, cada
                                                                       [dia, cada noite,
captas o mundo, cada dia, cada noite,
e daqui a pouco, e amanhã bem cedo, terás milhões de olhos,
                                                [terás milhões de consciências,
Porque te difundirás na multidão e andarás na multidão como
                                                                                      [os pés
no corpo...

És tu que mudas todos os dias a alma das multidões,
dá-lhes novo alimento, nova água, novas preocupações, novas alegrias,
ou novos tormentos,
depois do sol, é a tua manchete que brilha mais, e que
                                                                             [clareia a rua,
depois da noite, é a tua manchete que enluta o mundo e
                                                               [encobre os homens...


Ninguém te vê. E existes e estás presente em toda parte,
                                                                             [como Deus,
nas ruas, nas batalhas, no avião que ronca no céu, no navio
                                                                  [que não chegará,
na hora do fuzilamento, no recado para a família, nas
                                                                            [barricadas,
nos subterrâneos inconquistáveis onde a liberdade se
                                                                             [recolheu,
na festa do ministro, no banquete do político, na cadeia,
                                                       [na praça onde a bomba
estourou,
na escadaria onde falava o orador, no salão de baile, no
                                                 [microfone não localizado,
na première da grande fita,
-tens mil olhos, mil ouvidos, mil almas, mil mãos,
estás em toda parte, e ninguém te vê,
até o momento em que explodes na rua como uma granada
e a tua voz é o hino de mil letras dos homens heterogêneos
                                                                            [e dispersos...

Alma nova do mundo a cada novo dia. Música das ruas todos
                                                                              [os instantes.
História efêmera que passa e a memória esquecerá
se os livros não lembrarem;
sem ti, reduziríamos o mundo ao alcance dos nossos olhos.
e ficaríamos surdos e mudos, e de tal forma haveria silêncio
e deserto ao redor,
que nos julgaríamos de repente saídos de algum foguete a jato
sobre a face da lua...

Sem ti o mundo de hoje seria como mastro sem bandeira
como bandeira sem vento, como rádio sem antena,
como cérebro sem pensamento, como bússola sem norte,
como morte sem vida
como vida sem morte. .

Sem ti, o mundo seria mundos
muitos mundos, o meu, o teu, o dele, mundinhos de cada um,
nunca um mundo só, nosso mundo, imenso mundo, mundão,
que sai da tua cabeça
e escorre na tua mão!
__
Fonte:
JORGE, J. G. de Araújo. Mensagem (coletânea). 

Carlos Leite Ribeiro (A Deusa e o Mar) Capitulo 6

Na manhã seguinte, logo pelas nove horas, retiniu a campainha do portão. Sandra Cristina, atarantada, nem conseguiu esperar que a criadinha fosse abrir o portão, e correu logo a abri-lo ela. Ofegante, o seu adorável rosto empalideceu de emoção, ao encontrar-se em frente do médico que lhe sorria calmamente, segurando nas mãos uma pasta e um magnífico ramo de rosas que lhe estendeu, enquanto lhe dizia:

Dr. Roger: -  Bom dia, Sandra Cristina. Minha mulher manda-me pedir desculpa de não poder vir, mas tinha umas voltas a dar na Marinha Grande. Então como passou a menina a sua noite?

Sandra: -  Oh Sr. Doutor, que gentileza a sua! Muito obrigada. Mamã, olhe o que o Sr. Doutor me trouxe!

Emília: -  Bom dia, Sr. Doutor. Que belas flores. Agradeço-lhe muito a sua gentileza!

Dr. Roger: -  Bem, agora que tanto a filha como os pais, já estão mais serenos, vamos lá fazer o exame. Antes de tudo, deixe-me vê-la andar. Ora faça favor de ir até àquela porta e voltar. Devagarzinho e bem direita; vamos, mais uma voltinha...

A mocinha obedeceu, enquanto o cirurgião se transformava de homem da Sociedade, em homem de Ciência. Os olhos fixos como se a tivesse a fuzilar, não querendo perder o mais insignificante pormenor, que lhe fosse fornecido pelos movimentos da rapariga, e foi com voz algo rude, lhe disse:

Dr. Roger: -  Basta! ... Fratura da bacia na região exterior e fratura da tíbia e do perônio, com encurtamento por solidificação errada; além de esmagamento de alguns ossos: o tarso e o metatarso, não foi isso?

Sandra: -  Exatamente, Sr. Doutor!

Dr. Roger:  -  Bem, passemos a um quarto, onde eu possa examinar diretamente, os locais das fraturas, e mais exatamente, os locais das solidificações.

Emília: -  Então, por aqui, Sr. Doutor. Se faz favor...

Dr. Roger: -  A sua filha coxeia pela forma como deixaram solidificar as fraturas que apresenta. Hoje em dia, não têm qualquer importância, quando tratadas convenientemente. Foi uma pena, direi mesmo que foi um crime! Bem, preciso da senhora junto de mim...

O exame foi demorado. Quando terminou, o médico voltou à saleta, sentou e pediu:

Dr. Roger: -  Senhor André Mendes, por acaso não tem aqui em casa uma garrafa de vinho do Porto? É que gostaria muito que bebessemos, ao êxito da operação que vou fazer à sua filha!

Emília -  Oh Sr. Doutor, nem pode calcular o bem que me faz as suas palavras !

André: -  Senhor doutor, eu, como mãe da Sandra Cristina... Nem sei como hei de agradecer-lhe.

Atarantados e chorosos, o pai e a mãe de Sandra abriram uma garrafa do precioso vinho do Porto, que estava guardado para uma qualquer ocasião especial.

Os cristais, os belos cristais da Marinha Grande - tocaram-se e o Dr. Roger Richter, esclareceu:

Dr. Roger: -   Ao contrário do que possam pensar isto não quer dizer que eu esteja seguro da minha intervenção. Compreendam por favor.

André: -  Mas só a sua boa vontade, nem sabemos como havemos de lhe agradecer!

Dr. Roger: -  Prevejo que a idade da nossa doentinha, me ajudará decisivamente. Se fosse mais velha, já nada havia a tentar, mas assim e com a ajuda de Deus, vamos a ver o que podemos fazer.

Conforme ficara estabelecido em Lisboa, a senhora Jodie Richter não acompanhara nessa manhã o marido a São Pedro de Moel, para a primeira consulta a Sandra Cristina, para assim poder escrever uma longa carta a Luís Carlos, pondo-o minuciosamente ao corrente do que ia acontecendo em São Pedro. Mas não fechou a carta antes de o marido regressar, para poder juntar o seu diagnóstico. Feito isso, acrescentou que partiriam no dia seguinte para Lisboa, já acompanhados de Sandra Cristina e de seus pais.

Tal como Luís Carlos combinara, todas as despesas inerentes à operação, seriam pagas por ele, e no fim, o doutor Roger Richter lhe diria esse montante.

Quando na manhã seguinte, o pintor recebeu a carta, o seu rosto distendeu-se num sorriso feliz. As frases em que ela falava da excitação e do alvoroço da pequena, bem como da impressão que lhe produzira a ela, e ao marido, e estonteante beleza da jovem, fizeram um imenso bem à alma de homem amargurado, cujo amor tinha sido (julgava ele...) ostensivamente escarnecido e desrespeitado.

E nada lhe dizia que confirmasse a sua suspeita de que Sandra Cristina tivesse casado. Bem pelo contrário, pela forma como Jodie Richter lhe escrevia, depreendia-se que a mocinha vivia em casa dos pais, como uma filha solteira.

Quem seria então, aquele rapaz que a acompanhava tão naturalmente, no dia em que ele fora espiá-la a São Pedro de Moel?

Luís Carlos interrompeu as suas meditações, para rapidamente fazer as suas malas. Ainda não sabia para onde iria, pois ainda não tinha pensado nisso. Só sabia que não queria permanecer em Lisboa, sabendo que Sandra Cristina e seus pais, ali estavam também. Estava certo de que não teria coragem necessária para se fazer encontrado com eles, e não queria voltar a vê-la, nunca mais!

Foi no avião que o transportava a Paris, que se interrogou sobre aquela sua estranha atitude. Então, se a rapariga já não lhe interessava se nunca mais a queria encontrar, porque é que se teria empenhado em que ela ficasse curada do seu defeito físico? E como se arriscava a não ganhar somas fabulosas, que decerto ganharia com a venda do seu quadro "A Deusa e o Mar"?

Mas, Luís Carlos era um temperamental fora do comum, e chegou a aceitar que o seu amor por ela, e o seu consequente desejo que ela vivesse feliz, sem qualquer complexo, tinham sido suficientes para que tomasse aquela atitude...

Agora, vê-la outra vez, encará-la e ouvir-lhe a voz, é que nunca, nunca mais!

Em Paris, exatamente para se convencer daquele violento "nunca mais", andou por todos os cabarés, boates e discotecas, procurando afogar em prazeres fáceis e bem pagos, o grande amor da sua vida, de homem e de artista.

De lá, recebeu o primeiro relatório do Dr. Roger Richter, redigido depois da primeira intervenção cirúrgica, a que sujeitara Sandra Cristina. Mas o médico não se mostrava otimista, antes pelo contrário, o prevenira para a hipótese muito provável, de um fracasso.

Eram necessárias ainda mais duas ou três operações, mas em qualquer caso, só depois da segunda, se poderia prever exatamente, o estado em que poderia ficar a doente.

Teimosamente, porém, Luís Carlos aceitava como certa a cura da rapariga. Nem por momentos lhe passou pela cabeça, que fosse possível vir a sofrer uma desilusão, e saber que se desfizera do seu precioso quadro, para nada.

Para nada?...

Pior que nada, pois teria sido preferível que Sandra Cristina, não se tivesse sujeitado ao tormento operatório, nem tivesse passado aquele alvoroço de esperanças, que tudo isso acontecesse sem qualquer proveito! Luís Carlos interrogou-se sobre se teria tido alguma vez de estabelecer, com o famoso cirurgião, o espantoso contrato que estabelecera.

Verdadeiramente, ele não tinha qualquer direito de intervir na vida de Sandra, e uma vez que decidira, nunca mais devia de procurá-la, ou mais ainda: nunca mais a ver, tendo até por vontade própria de desaparecer de Lisboa, no mesmo dia, em que ela chegasse à Capital.

Parecia-lhe agora, perante o velado pessimismo do médico, que a sua intervenção, na vida de Sandra Cristina, ultrapassara os limites do que era aceitável.

Se, depois de todo o martírio que passou, e depois do traumatismo psíquico, que fatalmente estaria passando, se ela não melhorasse aquela intervenção cirúrgica, apesar de gratuita, teria efeitos devastadores, na moral da rapariga.

Este pensamento transtornou-o e deixou-o preocupado.

Ele sabia que fora o mais puro e o mais desinteressado dos sentimentos, que o levara a fazer aquela proposta ao Dr. Roger Richter. E, toda a gente que pudesse saber do caso, o felicitaria se a operação viesse a ter êxito. Mas, se fosse um fracasso, ninguém deixaria de lhe dizer que não tinha tido o direito de se intrometer, numa vida que lhe era em tudo estranha à sua, e que não queria, de modo algum, ligar-se.

Mas não queria, não queria, realmente ligar-se a Sandra Cristina?...

Amedrontado com a resposta que a sua consciência lhe ditasse, Luís Carlos, bebeu mais um Whisky e mais outro ...

continua…

Fonte:
O Autor

sábado, 6 de agosto de 2016

Nei Garcez (Ecologia)


No habitat da espécie viva,
entre os seres, simplesmente,
é que a vida, em rediviva,
já preserva o meio ambiente.

Nos ambientes da cidade,
selva, estepe, rio ou mar,
em biodiversidade,
vivem a se completar.

Vegetais, e os excrementos
das espécies animais,
tomam forma, aos quatro ventos,
em adubos naturais.

Hoje a terra está ferida,
carcomida pelo mal,
fenecendo, a sua vida,
na UTI de um hospital.

Nosso próprio meio ambiente,
de equilíbrio natural,
está sendo, vorazmente,
destruído no global.

Continuando as investidas
desta doença artificial,
bem por certo nossas vidas
sofrerão a dor mortal.

O remédio mais urgente,
e sem contra-indicações,
é salvar o meio ambiente
pras futuras gerações.

30 05 2005

Fonte:
O Autor, é de Curitiba/PR
Imagem = A. A. de Assis é de Maringá/PR

Filemon F. Martins (Poemas Escolhidos)

AMOR
Amor de minha vida, amor ventura,
vem comigo seguir a nossa estrada,
vamos viver a vida simples, pura,
antes que o sol desfaça a madrugada.

E vou te amar assim com tal doçura,
com tanto amor serás a minha amada,
que meus versos repletos de ternura
vão se espalhar em tua caminhada.

Terei em minha vida o teu carinho
e nunca mais me sentirei sozinho
e tu terás o amor mais verdadeiro.

Quando o tempo passar, calmo e sereno,
verás que fui e sou, mesmo pequeno,
teu homem, teu poeta e seresteiro.

AMOR CREPUSCULAR

A tarde vai morrendo lentamente
e enquanto o sol se esconde lá na serra,
a brisa vem trazendo mansamente
uma saudade que o meu peito encerra.

E a noite surge alegre e resplendente
com seus mistérios vem saudando a terra,
espalhando, no mundo, o amor ingente
de quem cultiva a paz e evita a guerra.

Quantos amantes passam se beijando
confessando segredos e venturas
que só o amor produz nas almas puras?

Meu coração também está amando
como os casais que passam na avenida
jurando amores para toda a vida.

APÓS A TEMPESTADE

O vento chega e sopra muito forte
anunciando, em trovões, a tempestade,
as folhas arrancadas com vontade
revoam à mercê da injusta sorte.

Raios cortam o céu de Sul a Norte,
um prenúncio de horror, calamidade,
estrondos são ouvidos na cidade
gerando medo, caos e a própria morte.

Tristonha, a tarde se vestiu de escuro,
e a chuva desabou estrepitosa
como se castigasse o povo impuro.

A noite chega e adentra pela fresta,
céu estrelado e a lua tão formosa
e a Natureza, eu vi, estava em festa!

CAMINHADA

A caminhada é longa, nós sabemos
que é difícil vencer este caminho,
mas a fé nos ajuda, assim nós cremos,
melhor lutar do que ceder ao espinho.

Não temer o perigo é o que queremos,
porque o mundo se torna tão mesquinho
que às vezes é preciso que busquemos
um punhado de amor e de carinho.

E enquanto a vida nos disser prossiga,
buscaremos obter na fé amiga
os pomos que a vitória nos conduz.

Almas gêmeas seremos pela vida,
unidas pelo amor – missão cumprida
para o destino que nos leva à luz!

COMPONDO VERSOS

Eu quisera compor uns lindos versos
que falassem do amor e da paixão,
destes sonhos antigos e dispersos
que ocuparam meu pobre coração.

Teus olhos cor de mar (quase perversos),
pousaram sobre mim, que perdição,
e meus sonhos agora estão imersos
neste mar de beleza e solidão.

Por que partiste assim, sem dizer nada,
deixando apenas tua gargalhada
que em saudade se fez e em mim convive?

Peço para que voltes, doce amada,
porque sem luz não há mais alvorada,
sem teu amor meu coração não vive!

ELOGIO AO SONETO

No meu viver de agitação, proscrito,
eu busco a paz para escrever um verso
e de alma pura, coração contrito,
procuro a melhor rima do Universo.

O desespero aperta, estou aflito…
Como escrever num mundo tão perverso?
A inspiração me acode com um grito,
e o meu soneto nasce, incontroverso…

Ao verbo de Camões me fiz escravo.
em busca da palavra me fiz bravo,
para dar ao soneto nova aurora…

Que o pavilhão tremule lá na praça,
e brilhando, qual pérola sem jaça,
reine o soneto pelo mundo afora!

INSPIRAÇÃO

Busquei a inspiração a duras penas
para escrever, com fé, este soneto,
e quero que as palavras mais amenas
sejam a Paz e o Amor, como dueto.

Que vou dizer das provações terrenas,
se o ninho é construído com graveto?
– Será melhor curar dores pequenas
e confirmar aquilo que prometo.

Mas teimo em encontrar a inspiração
que se escondeu e foge com razão,
deixando amargurado este poeta…

Clamo de novo e então ela aparece
trazendo junto aos peito farta messe
e agora, sim, a noite está completa!

O ANDARILHO

“Não me fale de amor”, alguém me disse,
“o amor morreu, já não existe mais”.
E eu retruquei que aquilo era tolice,
– será pecado alguém amar demais?

Ficou parado ali, talvez me ouvisse
que o amor perdoa e espera, sem jamais
querer em troca o favo da meiguice
que perpetua a vida entre os casais.

O tempo foi passando e pela rua
eu vi aquele vulto olhando a lua
perambulando como um peregrino.

E percebi, então, que aquele rosto
marcado pela dor, pelo desgosto,
nunca teve um Amor em seu destino!
________
Fonte:
MARTINS, Filemon F. Sonetos & Trovas. Rio de Janeiro: Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2014.

Carlos Leite Ribeiro (A Deusa e o Mar) Capitulo 5

Sandra Cristina e seus pais estavam sentados na esplanada de um café, na chamada varanda de São Pedro de Moel, tomando um refresco.

Estávamos no meio da tarde e todas as mesas estavam ocupadas, quando um casal de estrangeiros, de ar distinto, acercou-se deles e o homem delicadamente perguntou:

Dr. Roger: -  Seriam tão amáveis que nos dessem licença de ficarmos na vossa mesa? ... é que não existe nenhum lugar vago, e estamos a "morrer" de sede?... 

André: - Para nós até será uma honra. Por favor, sentem-se  estejam à vontade.

Dr. Roger: -  Então, se nos dão licença, nós somos o casal Richter, americanos de Nova Iorque.

André: -  Nós somos os Mendes, aqui de São Pedro de Moel. Os senhores são turistas, não é verdade?

Entretanto, tinham-se sentado todos, e o pai de Sandra Cristina, encomendou mais dois refrescos. Sua filha teve a percepção, por uma misteriosa sensibilidade de que alguma coisa estranha se iria passa na sua vida. Uma espécie de ansiedade tomava-a toda, quase impedindo de ver a sua curiosidade fosse disfarçada, para mais, a senhora Jodie Richter a observava de quando em vez.

Em determinado momento, André Mendes, pensativo desabafou:

André: -  Richter... Richter... Escuta, Sandra Cristina, este nome não te diz nada?

Sandra: -  Não sei paizinho? ...

André: -  A minha filha anda sempre na Lua. Também não admira, pois são os seus dezoito anos...

Emília: -  Minha filha, pois eu ia jurar que já li este nome muitas vezes...

Dr. Roger: -  É natural que sim, pois tenho trabalhado muito...

Emília: -  Por acaso o senhor não é médico?

Dr. Roger: -  Sou sim.

Sandra: -  Papás, eu conheço o nome sim, e até já via a fotografia deste senhor, naquela revista alemã, sobre as sumidades do nosso século! É ele, sim, o maior especialista em enxertos ósseos do nosso tempo! ...é o senhor, não é?! Diga lá... 

Dr. Roger: -  Não sei se serei o maior especialista, como a menina, amavelmente me classifica, mas lá que sou médico, sou. Chamo-me Roger Richter, e sou especialista em ossos. Mas porquê? 

Sandra: -  Porquê?! ... Ainda pergunta porquê?...

Sandra Cristina rompeu então num pranto convulsivo, embora chorasse muito baixinho. A mãe da pequena, explicou ao casal a insólita atitude da rapariga.

Os Richter fizeram-se de muito admirados, e o médico, em certa altura, deixou escapar a frase milagrosa:

Dr. Roger: -  Pois é, realmente uma pena que, uma rapariga tão nova e tão fascinante, como a vossa filha, sofra desse defeito. Há quanto anos teve o acidente, Sandra Cristina?

Sandra: -  Quase há sete anos, Sr. Doutor. É tempo demais para se tentar qualquer coisa, não é?

Dr. Roger: -  Depende... Olhe Sandra, tenho muito interesse em observá-la.

Sandra: -  Oh Sr. Doutor, que feliz eu seria, se…

Jodie: -  Vamos lá, não é caso para a Sandra se excitar assim. Meu marido não pode prometer-lhe nada, mas olhe que ele é quase mágico...

Sandra: -  É por isso mesmo que me sinto tão feliz!

O casal Mendes tinha trocado um rápido olhar de compreensão, e o pai de Sandra, numa voz pesada, disse como um criminoso a confessar o seu delito:

André: -  Mas, como lhe hei de dizer Doutor... Nós não temos meios materiais para pagar uma operação dessas, para mais feita por um especialista como o senhor.

Sandra: -  Pois é verdade, Sr. Doutor, os meus pais não têm meios financeiros…

Dr. Roger: -  Vocês, portugueses, são todos de uma grande precipitação, que até vos estraga a alegria de viver! São Pedro de Moel é uma das mais belas praias de Portugal, e vocês parecem apostados em viver em tragédia. Ninguém vos falou em dinheiro, não é verdade?

Emília: -  Pois não, mas nós...

Dr. Roger: -  Também não fizemos nenhum contrato, não é verdade? Eu disse apenas que gostaria de observar a sua filha, e isto, se ela e os senhores estiverem de acordo. Valeu?

André: -  O pior é que...

Dr. Roger: -  Deixem-me falar, por favor. Ando em férias pela Europa, e recebi uma gentileza de um casal desconhecido, que me proporcionou o mais saboroso refresco que tomei em toda a minha vida. Talvez possa recompensá-los desta vossa amabilidade, pedindo-vos que me deixem observar Sandra Cristina.

Houve um silêncio feliz, ou, mais exatamente, um silêncio em que os Mendes recearam entender o que ouvira. Mas logo ficou combinada a hora matinal, no dia seguinte, o Dr. Richter os visitaria, para uma primeira observação da perna e da anca de Sandra. A pequena, durante toda a noite, não conseguiu dormir. No mais íntimo da sua alma, agradecia à providência Divina que tivesse colocado no seu caminho, aquele casal bondoso, que se condoera da sua desgraça.

Nem por sombras poderia lembrar-se de uma possível intervenção de Luís Carlos, naquele processo, se bem que fosse o pintor, a pessoa pela qual mais lhe interessava melhorar do seu defeito físico.

Sentindo-a inquieta e a remexer-se na cama, a mãe enfiou um roupão e foi ter com ela ao quarto:

Emília: -  Porque não dormes minha filha? 

Sandra: -  E tu, porque estás acordada?

As duas sorriram, com os olhos brilhantes de esperança. Momentos depois, também o pai da Sandra, o André Mendes, estava presente. O seu rosto, normalmente calmo, apresentava um colorido e uma excitação excepcional:

Sandra: -  Papá, não é um momento maravilhoso?

Emília: -  Não te agarres já a esperanças tão grandes, minha filha.

Sandra: -  Concordo plenamente contigo, mas seria como um grande e maravilhoso milagre.

Emília: -  Lembra-te que o acidente já foi há muito tempo, e que os ossos já solidificaram.

Sandra: -  Eu sei isso tudo, mas deixa-me sonhar com um milagre que me possa acontecer.

André: -  Mas deves pensar que já é um pouco tarde. Mulher não vem pra a cama que daqui a pouco começa a anoitecer?

Emília: -  Vai indo tu, pois eu ficarei um pouco mais com a Sandra.

André: -  Então um bom resto de noite, e procura sossegar.

Emília: -  Agora que o pai se foi embora, diz-me lá, tu ainda pensas no Luís Carlos, não é verdade?  Não estranhes a minha pergunta, mas as mães sabem tudo a respeito das filhas, especialmente das filhas da tua idade.

Sandra: -  Não te sei responder, mãe…

Emília: -  Tenho a sensação de que tu não te excitarias tanto, se o Luís Carlos não tivesse passado pela tua vida!

Sandra: -  Talvez tenhas razão. Não sei porquê, mas tenho a esperança de que ainda um dia o encontrarei ... E então...

Emília: -  Tem calma, minha filha, e escuta-me.

Sandra: -  Sou toda ouvidos, mãe.

Emília: - De todos os homens que existem no mundo, o Luís Carlos, é aquele que eu reputo ser mais indiferente a teu respeito, melhor, à falta de respeito. 

Sandra: -  Pode ser que tenhas razão, e é por isso que eu muito queria estar curada, quando ele me reencontrar!

Emília: -  És uma alma nobre, minha filha. Mas não deves ficar com essa ideia fixa, de que voltarás a encontrar o Luís Carlos. Até pode ser que ele não volte a São Pedro de Moel.

Sandra: -  Ainda agora ele fez uma exposição em Lisboa. Li nos jornais, e só por vergonha é que não pedi ao pai que fossemos lá...

Emília: -  Vergonha de quê? 

Sandra: -  De lhe aparecer ainda com este defeito.

Emília: -  Só por isso? Olha lá, tu fizeste alguma coisa de indecoroso e que te possa envergonhar?

Sandra: -  Bem sabes que não!

Emília: -  Então, não te entendo...

Sandra: - Oh, nem eu sou capaz de te explicar, mas portei-me como se tivesse feito tudo o que há de pior.

Emília: -  Bem, com esta conversa toda, já são mais do que horas para ir dormir, para podermos estar bem dispostas quando o Sr. Doutor chegar.

Sandra: -  Ele disse que vinha às nove horas... Achas que ele vai faltar e nunca mais o vamos ver?

Emília: -  Não, minha filha! Que disparate de pensamento.

Sandra: -  Desculpa, mas estou muito nervosa!

Emília: -  O Dr. Roger Richter é uma celebridade mundial, não é um troca-tinta qualquer.

Sandra: -  Oh mãe, não te zangues com a tua filhinha que está muito nervosa.

Emília: -  Se ele se comprometeu a fazer uma coisa, sem que ninguém lhe pedisse, decerto que não faltará. Dorme descansada, vá. Um beijinho...

continua...
 
Fonte:
O Autor

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Humberto de Campos (O Poço dos Maridos)

Fernandina Sobreira havia sido, até os vinte e três anos, uma das moças mais requestadas e formosas dos salões do Rio de Janeiro. Muito clara, cabelos castanhos, olhos suavemente azuis, porte mediano, nenhuma a sobrepujava nas maneiras, na elegância, na distinção e, principalmente, na graça de um sinalzinho petulante, que lhe dava ao rosto, na face esquerda, o retoque de uma brejeirice encantadora. Aquele sinalzinho era, podia-se dizer, o ponto final da formosura. Ao escrever o poema da beleza feminina, Deus havia posto, ali, a última palavra do derradeiro capítulo.

Os anos foram-se, porém, sucedendo, uns aos outros, como gotas da mesma clepsidra; e o certo é que, aos vinte e oito, a moça não havia encontrado marido. Amigas mais feias, ou, antes, menos bonitas, iam, uma a uma, recebendo o seu noivo, constituindo o seu lar, multiplicando o seu sangue; e ela, somente ela, de tantas que eram, lá se deixara ficar na casa de seu pai, cercada de admiradores, atordoada de lisonja, mas sem ver um homem que a convidasse, leal e sincero, para a constituição legal de um ninho em comum. A Belita Simpson, que não tinha os seus olhos nem o seu sorriso, havia encontrado o Dr. Mascarenhas, advogado estudioso e jovem, e lá andava pela Europa em passeio de núpcias, percorrendo as cidades, experimentando os climas, visitando os museus. A Alice Martins era, agora, mme. Lopes Taveira, arrastando pelo braço, nos salões e na Avenida, o grande médico seu marido. A Totinha casara com um deputado, e dava empregos, e a Tecla Meireles com um capitalista, e dava recepções. Só ela, que fora a mais graciosa, a mais elegante, a mais cobiçada, ali estava sozinha no seu leito de solteira, sentindo aproximar-se, após uma alvorada chilreante de pássaros, uma tarde triste, lúgubre, amortalhada em cinza e silêncio! Onde andava com a sua matilha e com os seus pajens o seu Príncipe Encantado, que não vinha, rápido, alarmando a floresta com as buzinas de caça, ao encontro da sua Princesa Adormecida?

Sem irmãs nem irmãos, que lhe dessem o conforto de uns sobrinhos pequeninos, Fernandina sentia-se oprimir, afogar, asfixiar, pelo instinto maternal do coração. O pai, alquebrado, não podia mais conduzi-la, com tanta frequência, como dantes, a festas, a passeios, a teatros. Uma primeira ruga riscou-lhe a fronte lisa, partindo, como um fio telegráfico sem destino, o canto dos olhos. Combatida à força de loções, de unguentos, de pomadas, multiplicou-se, dividiu-se, repartiu-se, abrindo novos caminhos para as lágrimas. E foi nessa idade, com o sol da mocidade em franco declínio, que Fernandina adormeceu e teve, uma noite, um sonho que a desiludiu.

Ao fechar os olhos, umedecidos em torno por uma loção que lhe haviam receitado, sentiu-se, de repente, transportada a uma grande campina, no fim da qual ressoavam harpas e citaras, que ela procurava e não via. Embevecida, olhava para o lado de onde lhe vinham aquelas vozes embaladoras, quando sentiu, de repente, que alguém lhe tocava no ombro. Voltou-se, assustada, e caiu de joelhos, gemendo:

- Minha madrinha! Minha madrinha! Amparai-me!

Ao seu lado, radiosa e doce, mal pisando a terra, sorria a imagem de Santa Rosa de Lima, sua madrinha e protetora, à qual havia rezado contritamente, aflitamente, antes de adormecer, pedindo a graça de um mando. Sorriso nos lábios, auréola à cabeça, mãos sobre o peito, a Santa Rosa fitava-a com ternura, quando, carinhosa, ordenou:

- Minha filha, vem...

E puseram-se a andar pela campina, uma ao lado da outra, mas tão leves, tão brandas, tão ligeiras, as duas, que nem pesavam sobre a relva orvalhada. Súbito, ouviram vozes. A planície havia desaparecido e Fernandina estava, agora, diante de um grande poço, em torno do qual se aglomeravam, apertando-se, empurrando-se, disputando, dezenas, centenas, milhares de moças. Espremendo uma, afastando outra, a rapariga chegou à beira do abismo, e viu: de dentro, saía, vagarosa, uma corda, puxada por um sacerdote, na qual vinha amarrado, de sete em sete palmos um homem, que as mulheres, em cima, recebiam debaixo de gritaria.

- Que é isso? - indagou, tímida, Fernandina, a uma desconhecida que lhe ficara ao lado.

- Então você está aqui, e não sabe?

E como percebesse a sinceridade daquela pergunta:

- Isto, aqui, é o Poço dos Maridos, o lugar de onde eles vêm. Essas moças que aqui vê, estão esperando cada uma aquele que lhe é destinado.

- E a senhora já encontrou o seu? - indagou Fernandina, admirada.

A outra baixou os olhos, e confessou:

- Não, senhora. Estou aqui há doze anos. Felizmente, ainda não perdi a esperança...

A rapariga ia rir da sua vizinha quando os seus olhos descobriram, do outro lado do poço, várias fisionomias amigas, debruçadas, todas, para o fundo insondável do abismo. Eram a Belita Simpson, a Alice Martins, a Dorinha Tavares, a Abigail Queiroz, a Ninita, a Mana da Graça, a Lúcia, a Vidinha, a Tude, a Graziela... E à medida que a corda subia, puxada incessantemente pelo sacerdote, desgarrava-se dela um homem jovem, ou velho, feio, ou bonito, a cujo pescoço pulava logo um vulto feminino, que nunca o tinha visto, mas que o esperava ansiosamente à beira do poço. E assim viu ela sair o Dr. Mascarenhas, o Lopes Taveira, o comandante Maia Cunha, o Dr. Casemiro Alves, o tenente Alberto Wellington, em cujos braços se atiraram, logo, a Belita, a Alice, a Tecla, a Totinha, a Maria da Graça, que lá se iam, felizes, pela campina, com os seus maridos...

De repente, Fernandina sentiu uma agitação íntima, um susto, uma inquietação deliciosa, uma espécie de pressentimento. Uma vontade de fugir, de esquivar-se, agitou-lhe os nervos, mas os pés a detiveram, autoritários, no mesmo lugar. Alguma coisa de grave, de inesperado, ia, necessariamente, acontecer. E estava ela nessa angústia, nessa tortura, encantada, quando a Santa, sua madrinha, lhe apareceu, de novo, anunciando-lhe:

- Minha filha, olha para o fundo do poço. Teu noivo, o homem que te é destinado para marido, está para chegar. É o oitavo, depois deste, que saiu agora.

O ímpeto de Fernandina foi o de atirar-se à Santa, abraçando-a, apertando-a, cobrindo-a de beijos gulosos, de furiosa gratidão. Era preciso, porém, olhar para o fundo do poço, e receber com os olhos, de longe, o seu prometido; a ansiedade dominou-a, curvando-a sobre o abismo. Debruçada para dentro, contou os vultos que se divisavam agarrados à corda:

- Um... dois... três... quatro... cinco... seis... sete... oito...

Era aquele. De longe, na meia escuridão, não lhe podia divisar as feições nem avaliar a idade. O coração batia-lhe, inquieto, sôfrego, descompassado. Um suor frio corria-lhe por todo o corpo, numa vertigem. As pernas tremiam-lhe, mal sustentando o peso do busto, amparado ao muro do poço. A manivela continuava, porém, a rodar, manejada pelo padre, e a corda a subir, trazendo gente. Agora, faltavam apenas quatro. Ele era o quinto. Apesar da penumbra, Fernandina via-lhe, já, as feições. Era jovem, sim! Jovem e bonito. Na sua coqueteria instintiva a moça levou as duas mãos ao cabelo, afofando o penteado. Mais um movimento da manivela e a claridade exterior atingiu-o. Chicoteado pelo jato de luz o rapaz ergueu o rosto, e encontrando, em cima, os olhos dela, encarou-a, e sorriu. Fernandina quase desmaia, de gozo, de prazer, de ventura. Toda ela era alvíssaras de carne, alvíssaras de nervos, alvíssaras de coração Agora, ele era o segundo. Olhos nos olhos, embebidos um no outro, as suas mãos já se tocavam, quase. Fernandina sorria e chorava. Mais uma volta da manivela, e estaria ele nos seus braços. Esperava, como se fosse um século, a passagem desse grão de areia na ampulheta da eternidade, quando um grito reboou, alarmando a multidão.

- Fujam! Fujam! - avisou alguém.

A massa humana recuou, espavorida, deixando Fernandina, sozinha, à beira do poço.

- A corda vai partir-se! - bradou a mesma voz, com terror.

Atordoada, a moça, voltou-se, e viu. Um pouco acima da sua cabeça, no ponto que passava pelo carretel, o cabo desfiava-se, rápido, ameaçando romper-se. Soltando um grito, a rapariga estendeu as mãos, aflita, louca, desesperada, para o fundo do poço. Era, porém, tarde. Rodopiando com o peso, o cabo se havia distorcido de repente, estalando num ruído seco, atirando, com um estrondo surdo, a sua carga humana no fundo do abismo!

Um grito de raiva, de angústia, de dor alucinante, alarmou, àquela hora da noite, a família Sobreira. Pessoas da casa acorreram, em trajes de dormir.

Curvada para fora do leito, os braços estendidos para o chão, o rosto lavado de lágrimas, Fernandina chorava nervosamente, aflitamente, agoniadamente, no seu primeiro ataque de histeria.

Folclore Japonês (Fujin e Raijin: Deuses do Vento e do Trovão)

Fujin e Raijin, Deus do Vento e Deus do Trovão, são alguns dos deuses mais populares do panteão xintoísta japonês descritos no Kojiki, livro mais antigo sobre a história do Japão. Fujin é geralmente descrito como muito forte, musculoso com um grande saco de pele, o qual é preenchido com numerosos ventos. Quando ele abre seu saco, uma rajada de vento sopra intensamente na Terra. Raijin também é retratado como imensamente robusto, ao seu redor, uma série de tambores, com o qual ele faz os estrondosos trovões. Muitas vezes eles são considerados como Youkais (demônio, espírito ou monstro).

Segundo uma antiga lenda do budismo chinês, Fujin e Raijin foram ambos originalmente demônios que se opunham a Buda. Então Buda ordenou a seu exército celestial que os capturassem, depois de uma batalha intensa entre os dois demônios e 33 deuses, os demônios foram capturados e convertidos, trabalhando para os céus desde então.

FUJIN “O DEUS DO VENTO”

Fujin (fu: vento e jin: deus) é o deus japonês do vento, dos furacões, e dos redemoinhos, é uma das divindades xintoístas mais antigas. Ele estava presente com Amaterasu (deusa do sol) na criação do mundo, e quando ele deixou o vento sair pela primeira vez da sua bolsa, este clareou a neblina da manhã e preencheu o espaço entre o céu e a terra, e assim o sol brilhou. Acredita-se que ele vive acima das nuvens junto com Raijin, o deus do trovão.

Ele geralmente é representado carregando um grande saco de tecido (ou pele de animal), repleto de ventos, quando ele abre este saco, libera uma rajada de ventania. Fujin, Raijin e Amaterasu são responsáveis pelo clima do universo, por isso são representados quase sempre juntos (em algumas versões eles são irmãos), supostamente seriam alguns dos inúmeros filhos de Izanagi.

Conta a lenda, que antes dos humanos habitarem a terra, uma discussão surgiu entre eles pelo controle das tempestades. Nesta batalha, Fujin cortou o braço esquerdo de Raijin. Algum tempo depois, os dois deuses voltam a serem amigos e Amaterasu recuperou o braço perdido de Raijin para que este continuasse produzindo trovões.

Algumas crenças tradicionais atribuem o fracasso dos mongóis em sua tentativa de invadir o Japão no ano de 1274 a uma tempestade criada por Fujin, que recebeu o nome de Kamikaze (kami: divino e kaze: vento).

A iconografia de Fujin parece ter sua origem nas trocas culturais ao longo da Rota da Seda. Começando com o período helenístico, quando a Grécia ocupou partes da Ásia Central e Índia, o deus grego do vento Bóreas tornou-se o deus Wardo na arte Greco budista, em seguida, uma divindade do vento na China (Tarim) e, finalmente na divindade japonesa Fujin.

Durante essa evolução, o deus do vento manteve sua simbologia, o seu jeito falastrão, e sua aparência desgrenhada.

RAIJIN, "O DEUS DO TROVÃO"

É o deus do trovão, do relâmpago e da guerra na mitologia japonesa, um deus-demônio retratado com dentes e garras afiadas, cabelos longos e com um tambor para fazer os trovões. Por vezes é representado como um deus vermelho que adora comer umbigos humanos, tanto que muitos pais japoneses diziam a seus filhos para esconder seus umbigos durante uma tempestade, se não seriam devorados pelo deus.

Seu nome é derivado das palavras japonesas rai (significando “trovão”) e shin (“deus” ou “kami”). Ele é tipicamente descrito como um demônio batendo tambores para criar um trovão, geralmente com o símbolo “tomoe” (presente em templos budistas e xintoístas, que significa ciclo ou giro, referindo-se ao movimento da terra) desenhado na bateria. Ele também é conhecido pelos seguintes nomes:

Yakuza no ikazuchi no kami: Yakuza (oito) e ikazuchi (trovão) e kami (espírito, ou divindade)

Kaminari-sama: Kaminari (Kami, espírito, ou divindade + nari, trovão) e sama (um japonês honorífico que significa “mestre”)

Raiden-sama: rai (trovão), den (raios), e sama (mestre)

Narukami: naru (trovejante) e kami (espírito, ou divindade)

Raijin geralmente é acompanhado por “Raijuu” (besta do trovão) que é uma lendária criatura da mitologia japonesa, de corpo composto tanto de eletricidade como de fogo e pode aparecer na forma de um gato, tanuki, macaco, ou doninha. Ou ainda, na forma de um lobo azul e branco (ou mesmo um lobo envolvido em raios) é comum seu rugido soar como um trovão.

Um dos comportamentos peculiares de Raiju, parecido com o do deus Raijin, é o de dormir em umbigos humanos. Isso leva Raijin a disparar flechas de raios no Raiju para acordar a criatura, e, portanto, prejudica a pessoa em cujo ventre o demônio está descansando. Pessoas supersticiosas, portanto, muitas vezes escondem seus umbigos durante o mau tempo, mas outras lendas, no entanto, dizem que Raiju só vai se esconder nos umbigos de pessoas que desavisadamente dormirem ao ar livre.
Fujin e Raijin em Anime

Os deuses Fujin e Raijin são muito populares na cultura japonesa e estão presentes em muitos Templos por todo Japão, assim como aparecem em muitas produções para mangá e anime.

Fonte:
Caçadores de Lendas

Carlos Leite Ribeiro (A Deusa e o Mar) Capitulo 4

Nesse momento foram feitas as apresentações e antes que alguém pudesse dizer fosse o que fosse a senhora Jodie Richter, disse-lhe com desenvoltura:

Jodie Richter: -  Senhor Luís Carlos, quero dizer-lhe que o considero um dos melhores pintores do nosso tempo, senão o melhor. Mas também quero igualmente dizer-lhe que eu, e o meu marido, o Dr. Roger Richter, decidimos romper com esse mistério do quadro "A Deusa e o Mar"! O senhor vai vender-nos esse quadro, não é verdade?!
Luís: -  Receio que a vá desapontá-la, minha senhora, pois eu não vendo aquele quadro. Aliás, toda a gente o sabe...

Nesse momento, Luís Carlos lembrou-se de onde conhecera aquele rosto, o rosto do Dr. Roger Richter, e assim disse-lhe de uma maneira desconcertante, que fez a admiração das pessoas a quem se dirigia diretamente, e também de todos os outros visitantes que, entretanto tinham rodeado o grupo.

Luís: -  Como sabe, não vendo aquele quadro por preço nenhum, minha senhora. Mas, se a senhora e o seu marido têm grande interesse nele, talvez possamos chegar acordo...

Dr. Roger: -  Sim, sim estou até muito interessado. Passo por um dos maiores colecionadores de Nova Iorque, e estou na disposição de pagar o preço que pedir. Para mais creio que o conheço, não me recordo é de onde?...

Luís: -  Eu também estou a reconhecê-lo, doutor, não me lembro de onde, ou será de onde o doutor me conheceu?... Mas continuo a dizer-lhe que aquele quadro não tem preço em dinheiro, e por isso não o vendo. No entanto, o quadro pode ser seu e de sua esposa...

Dr. Roger: -  Não o estou a compreender, se não vende o quadro...

Luís: -  Eu ofereço-lhe aquele quadro, se o doutor quiser prestar-me um alto favor, que mais ninguém no mundo me poderá fazer, senão o senhor!

Dr. Roger: -  Cada vez compreendo menos. Então o Luís Carlos oferece-me o quadro, em troco de quê?!

O Dr. Roger Richter entreolhou-se sem compreender o alcance das palavras de Luís Carlos. À volta do grupo, estabeleceu-se um burburinho, pois a decisão do pintor espantou toda a gente. Por fim o doutor perguntou-lhe:

Dr. Roger: -  Concretamente, o que precisa que eu faça, para merecer a oferta daquela obra de arte?!

Luís: -  Doutor está aqui muita gente e segundo me informou o meu associado, tanto o senhor como sua esposa, já visitaram a exposição.

Dr. Roger: -  Sim, só passamos por cá para ver se o encontrava pessoalmente.

Luís: -  Então que diz se fôssemos dar um pequeno passeio?... Está uma noite maravilhosa e Lisboa, é uma cidade maravilhosa à noite. Aceita?...

O casal apressou-se a dizer que se tratava de uma boa ideia, e os três abandonaram a sala de exposições. O Daniel, o associado do pintor, foi então literalmente submerso por perguntas, vindas de todos os lados. Mas não sabia realmente como responder à curiosidade daquela gente indiscreta, que pensava que ele devia de estar no segredo das atividades do seu amigo. Bem garantia a toda a gente que nada sabia do que se estava a passar entre Luís Carlos e os americanos, mas ninguém acreditava nele.

Entretanto, passeando na noite lisboeta, mais apetecível que possa imaginar, caminhavam vagarosamente, o casal americano e Luís Carlos.

Em determinada altura, o pintor perguntou ao médico:

Luís: -  Então, doutor, ainda não se lembra ainda de onde nos conhecemos?

Dr. Roger: -  Luís Carlos confesso que não me lembro...

Luís: -  Pois eu, logo que entrou na exposição, o reconheci logo. Não admira, porque para mim, houve só um Dr. Roger Richter. Para o senhor, houve já milhares de Luís Carlos...

Dr. Roger: -  Não estou a compreender, ou o senhor já foi meu doente? Espere, espere, já sei: Bombaim, durante aquele terrível terremoto! O pintor, "o Português" como lhe chamavam. Agora bem me lembro só o nome é que não fixei, mas ainda tenho presente o meu diagnóstico: esmagamento da clavícula e do fêmur e também a fratura de quatro costelas. Eram quatro não era Sr. Luís Carlos?

Luís: -  Exatamente foram quatro costelas partidas quer perfuram os pulmões. Foram momentos horríveis aqueles que lá passei, mas tive a sorte do doutor, também se encontrar na Índia e em ter ido parar às suas mãos. Caso contrário, andaria hoje por esse mundo, arrastando a minha invalidez, se não tivesse morrido.

Dr. Roger: -  Ora, ora. Fiz apenas a minha obrigação

Luís: -  O doutor não tinha qualquer obrigação, pois, por mero acaso é que nesse momento trágico se encontrava em Bombaim. Eu encontrava-me lá a aprender a pintar. Nessa altura ainda tinha o coração cheio de beleza...

Jodie: -  Ah sim?! ... E agora, já não tem o coração cheio de beleza?! ... Eu atrevo-me a pensar que o seu coração está agora mais cheio de beleza, como nunca esteve e não devo estar enganada.

Dr. Roger: -  Bem, meu amigo, uma vez que já nos apresentámos, não encontro qualquer motivo para não falarmos francamente. Então, quais são as condições para que aquele quadro ser meu?

Luís: -  É simples: basta que o doutor opere uma pessoa de umas fracturas antigas, parece que são na bacia e numa perna.

Dr. Roger: -  E se eu a operar, dá-me aquele quadro?!

Luís: -  È exatamente com diz.

Dr. Roger: -  Vamos lá ver, eu não conheço o caso, além disso, se operação não tiver êxito?

Luís: -  Tenho absoluta confiança em suas mãos e no seu brio profissional!

Dr. Roger: -  E, a pessoa em questão tem muita idade?

Luís: -  É uma jovem de 18 anos.

Jodie: -  Luís Carlos desculpe-me a indiscrição, mas a pessoa em causa, por acaso é o modelo do seu quadro "A Deusa e o Mar"? ... Adivinhei?!

Luís: -  Sim, a senhora adivinhou, é ela!

Dr. Roger: -  Mas eu não posso aceitar intervir, sem primeiro fazer uma observação à doente...

Luís: -  O doutor fará todas as observações que precisar. Apenas lhe peço que me dê a sua palavra de honra, de nunca mencionar o meu nome a Sandra Cristina, nem a seus pais.

Dr. Roger: -  Então a pequena chama-se Sandra Cristina. Sim, pode contar com a minha discrição.

Luís: -  Então, dar-lhe-ei o endereço onde ela e os pais moram... 

Dr. Roger: -  Mora cá em Portugal?

Luís: -  Mora e numa linda terra, que se chama São Pedro de Moel, e é uma das mais belas praias de Portugal.

Dr. Roger: -  Está certo. Em princípio aceito...

Luís: -  O doutor arranjará maneira de comunicar com ela, e de lhe propor a operação, sem lhe levar dinheiro. Feito isso, e sem esperar pelos resultados finais da sua intervenção, eu remeter-lhe-ei o quadro "A Deusa e o Mar" para a sua casa em Nova Iorque. Combinado? ...

Dr. Roger -  Está combinado!

Os dois homens apertaram as mãos, o acordo estava feito.  Luís Carlos quando nessa noite entrou no seu apartamento, no moderno bairro do Restelo, ia sem se conter nas pernas, pois estava completamente embriagado.

Bebia muito desde que regressara de São Pedro de Moel, na esperança de se esquecer da presença, do riso e da voz, do perfume e da beleza de Sandra Cristina. Cada dia mais e mais era vencido e dominado pelo poderoso encanto da rapariga que o traíra. Melhor, que ele julgava que o traíra com requintes de malvadez. Nessa noite, porém, a sua bebedeira era de esperança, se é que se pode classificar assim uma bebedeira. Ele tinha a esperança de poder arrancar Sandra Cristina ao seu grande e tremendo complexo. O seu imenso amor por ela, não exigia nada em troca, nem sequer que ela soubesse que ele interviera no milagre da sua cura. Tinha fé, pois o Dr. Richter era o maior especialista do mundo, em enxertos ósseos. A sua voz e a sua autoridade, eram bem conhecidas na Europa e nas Américas, e Luís Carlos dava-se por feliz, que o grande especialista fosse um admirador da pintura. Poderia assim proporcionar a Sandra Cristina, a possibilidade de uma cura radical. Não queria nada em troca, nem mesmo se detinha no pensamento mesquinho de se ela merecia ou não, aquilo que pensava. Amava-a, reconhecia-o a cada momento, e, quando alguém ama alguém, deve ser bom para esse alguém.

Decerto, que ela não pensaria assim a seu respeito, e sendo assim, era sinal que o não tinha amado! Mas que culpa teria ela de o destino ter sido assim?... Lembrou-se ainda de que na última Primavera, fora ao Porto, e, quando o automóvel passou por São Pedro de Moel, pudesse ter oportunidade de vê-la. Gostava de vê-la, ao menos uma vez, pois o seu coração rebentava de dor e de saudade. E conseguiu por sorte vê-la.

Mas, mais valia que a não tivesse visto. Vira-a ao pé da estação da Rodoviária, de braço dado com um rapaz que a tratava familiarmente por tu. Estaria já casada?... Mas casada ou não, ela havia de sofrer muito pelo seu defeito físico. E, se ele conseguira subir ao cume da fama e da fortuna pelas suas pinturas, isso em parte devia-o a ela, pela sua incomparável beleza, e pelo nobilíssimo sentimento que ela soubera inspirar-lhe e ele conseguira transpor para a tela.

Por isso, casada ou solteira, Sandra Cristina teria a sua parte da nos efeitos produzidos pelo seu quadro. Já fora suficiente que não lho tivesse mandado, e o houvesse substituído por aquela cópia apressada...

continua...
 
Fonte:
O Autor

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Trova 274 - Dorothy Jansson Moretti (Sorocaba/SP)


Hachiko (A história do cão mais fiel do Mundo)

Na bela e triste história de Hachiko, o ditado “O cachorro é o melhor amigo do homem” faz todo sentido. Esse famoso cão japonês  foi protagonista de uma das mais emocionantes e comoventes histórias de todos os tempos. A história do fiel cachorro que esperou seu tutor por 10 anos em uma estação de trem em Shibuya no Japão. Um cão da raça “Akita”, reverenciado pela incrível lealdade ao seu dono, o professor universitário Hidesaburo Ueno, mesmo muito tempo após a sua morte.

Hachiko  nasceu em 10 de novembro de 1923,  em Odate, na província de Akita, no Japão.  No ano seguinte,  Hachiko foi enviado a casa de seu futuro proprietário, o Dr. Hidesaburo Ueno, um professor do Departamento de Agronomia da Universidade de Tóquio.

Conta a história que o professor a muito ansiava por um cão dessa raça, e ao recebe-lo foi “amor a primeira vista”, os dois tornaram-se inseparáveis. Ueno deu-lhe o nome de Hachi, ao que depois passou a chamá-lo carinhosamente pelo diminutivo, Hachiko.

O professor Ueno morava em Shibuya, subúrbio de Tóquio, perto da estação de trem. Como fazia do trem seu meio de transporte diário até o local de trabalho, já era parte integrante da rotina de Hachiko acompanhar seu dono todas as manhãs. O cão que seguia o professor Ueno a todos os lugares, voltava no final do dia, sempre às 15 horas  para  reencontrar o professor, que desembarcava do trem das 16 horas e retornarem juntos para casa.

Até que um dia, em 21 de Maio de 1925, o professor Ueno foi trabalhar e não retornou. Ele havia sofrido um AVC durante uma reunião de corpo docente na universidade. Hachiko tinha 18 meses nessa época, e sem saber do ocorrido, continuou esperando por seu dono na estação.  Naquele dia a espera durou até a madrugada.

Contam que na noite do velório, Hachiko, que estava no jardim, quebrou as portas de vidro da casa e correu para a sala onde o corpo do professor estava sendo velado e passou a noite deitado ao lado de seu mestre. Outro relato diz que como é de costume no Japão, quando chegou a hora de colocar vários objetos particularmente amados pelo falecido no caixão com o corpo, Hachiko pulou dentro do mesmo e tentou resistir a todas as tentativas de removê-lo do local.

Depois da morte do professor,  a Senhora Ueno deu Hachiko para alguns parentes que moravam em Asakusa, no leste de Tóquio. Mas ele fugiu várias vezes e voltou para a casa em Shibuya. Um ano se passou e ele ainda não havia se acostumado à nova casa, então foi dado ao ex-jardineiro da família que o conhecia desde que ele era um filhote. Mas Hachiko continuava a fugir, aparecendo frequentemente em sua antiga casa. Depois de certo tempo, ele se deu conta de que o professor Ueno não morava mais ali, então resolveu esperar em seu antigo ponto de encontro, em frente à estação de trem de Shibuya.

Hachiko continuou a ir todos os dias até à estação de Shibuya para esperar seu dono voltar do trabalho, da mesma forma como sempre fazia enquanto o professor era vivo. Ele voltava pontualmente no mesmo horário que parava o trem que antes trazia o seu dono. Sentava-se à frente da saída e o esperava surgir entre as centenas de pessoas que saíam dos vagões. Os dias foram passando, viraram semanas, meses e anos. Alguns passageiros, que já o conheciam por tê-lo visto na companhia do professor Ueno, foram tocados pela devoção de Hachiko e passaram a trazer alimento para consolar a espera que não teria fim.

Em 1929, Hachiko contraiu um caso grave de sarna, que quase o matou. Devido aos anos passados nas ruas, ele estava magro e com feridas das brigas com outros cães. Uma de suas orelhas já não se levantava mais, e ele já estava com uma aparência miserável, não parecendo mais com a criatura orgulhosa e forte que tinha sido uma vez.

Um dia, um dos fiéis alunos do professor  que havia visto o cachorro na estação, o seguiu até a residência dos Kobayashi, onde aprendeu a história da vida de Hachiko. Coincidentemente o aluno era um pesquisador da raça Akita, e logo após seu encontro com Hachiko, publicou um censo de Akitas no Japão. Na época haviam apenas 30 Akitas puro-sangue restantes no país, incluindo Hachiko. O antigo aluno do Professor Ueno retornou frequentemente para visitar o cachorro e durante muitos anos publicou diversos artigos sobre a marcante lealdade de Hachiko.

Em 1932 a história de Hachiko foi enviada para o Asahi Shinbun, um dos principais jornais do país. A matéria publicada colocou o cachorro em evidência. Hachiko se tornou sensação nacional! Sua devoção à memória de seu mestre impressionou o povo japonês e se tornou modelo de dedicação à memória da família. Pais e professores usavam Hachiko como exemplo para educar crianças em todo país.

Em 21 de Abril de 1934, uma estátua de bronze de Hachiko, esculpida pelo renomado escultor Teru Ando, foi erguida em frente ao portão de bilheteria da estação de Shibuya, com um poema gravado em um cartaz intitulado “Linhas para um cão leal”. A cerimônia de inauguração foi uma grande ocasião, com a participação do neto do professor Ueno e uma multidão de pessoas.

No entanto, toda a fama não fizera nenhuma diferença para o fiel Hachiko que continuava sua vigília na estação de trem. Contam que ele ficava deitado bem na porta da estação, com as orelhas baixas e o olhar triste todos os dias e quando ouvia o barulho do trem se erguia esperançoso, olhando para todos que passavam, mas logo vinha à tristeza de novo e ele deitava, esperando o próximo trem.

Por quase dez anos, todas as tardes, ele voltou a estação, até que na madrugada de 08 de março de 1934, Hachiko que já estava com quase 12 anos, foi encontrado morto no mesmo local, onde passara tantas horas à espera de seu mestre.

A morte de Hachiko estampou as primeiras páginas dos principais jornais japoneses, e muitas pessoas ficaram inconsoláveis com a notícia. Um dia de luto foi declarado no país.

Seus ossos foram enterrados na sepultura do professor Ueno, no Cemitério Aoyama, Minami-Aoyama, Minato-ku, Tóquio, para que finalmente reencontrasse seu mestre. Sua pele foi preservada e uma figura empalhada de Hachiko pode ser vista no Museu Nacional de Ciências em Ueno.

Durante a 2ª Guerra Mundial, para aplicar no desenvolvimento de material bélico, todas as estátuas foram confiscadas e derretidas, e entre elas estava a de Hachiko. Mas, em 1948, formou-se a “The Society For Recreating The Hachiko Statue” entidade organizada em prol da recriação da estátua de Hachiko. Tekeshi Ando, o filho de Teru Ando foi contratado para esculpir uma nova estátua. A réplica foi reintegrada no mesmo lugar da estátua original, em uma cerimônia realizada no dia 15 de agosto. Esta é a estátua que está, ainda hoje, na Estação de Shibuya e é um dos pontos turístico mais popular em Tóquio.

A história de Hachiko atravessa anos, passa de pai para filho, sendo até mesmo ensinada nas escolas japonesas; no início do século para estimular lealdade ao governo, e atualmente, para exemplificar e instilar o respeito e a lealdade aos anciãos.

Devido a essa história,  a raça de cão Akita se tornou Patrimônio Nacional do povo japonês e a sua exportação é proibida. No Japão, uma imagem de Akita é considerada um amuleto de boa sorte. É comum quando uma criança nasce, a família receber uma estatueta de Akita como desejo de saúde, felicidade e vida longa. Assim como, quando há alguém doente, amigos dão ao enfermo esta estatueta, desejando uma rápida recuperação.

Hoje, viajantes que passam pela estação de Shibuya podem comprar presentes e recordações do seu cão favorito na Loja localizada no Memorial de Hachiko chamada “Shibuya No Shippo” ou “Tail of Shibuya”.

A história de Hachiko se espalhou além das fronteiras nipônicas, e inspirou diversas versões ao redor do mundo. Uma das produções que mais se destacou foi o filme estrelado por Richard Gere “Sempre ao Seu Lado”. O filme é um remake do original japonês, de 1987, “Hachiko monogatari”.

Recentemente, foi inaugurada uma estátua representando o reencontro dos dois, no campus da Faculdade de Agronomia da Universidade de Tóquio, onde o professor Ueno trabalhava. Anualmente, no dia 8 de março, ocorre uma cerimônia solene na estação de trem de Shibuya, em Tóquio para homenagear a lealdade e devoção de Hachiko.

Fonte:
Wikipedia em Caçadores de Lendas

Gislaine Canales (Glosas Escolhidas)

Glosando Maria Amélia Pinto de Carvalho e Almeida

MOTE:


A vida vou relembrando,
e afirmo no entardecer:
sofrendo, rindo ou chorando
valeu a pena viver!

GLOSA:

A vida vou relembrando,
minha infância e juventude
e os sonhos sigo sonhando
sempre em sua plenitude.

O outono chegou pra mim,
e afirmo no entardecer:
nada no mundo tem fim,
há um eterno renascer!

Viver é bom, mesmo quando
vivemos na solidão,
sofrendo, rindo ou chorando,
pulsa o nosso coração.

Que os momentos bons da vida
nos ensinem a dizer
na hora da despedida:
valeu a pena viver!
_________________________________

Glosando Luís de Camões

PARA VOS VER...

MOTE:

Quero que me despojeis
da alma e quanto eu tiver,
contanto que me deixeis
os olhos para vos ver!

GLOSA:

Quero que me despojeis
de tudo que em mim restou
e, em troca, recebereis
o quase nada que sou!

Despojai-me, meu Senhor,
da alma e quanto eu tiver,
longe deixarei a dor,
nem a lembrarei sequer!

De tudo o que me fareis
eu não ficarei nem triste,
contanto que me deixeis
a visão que em mim existe!

Viverei grande emoção
que até vai me comover,
pois terei no coração...
Os olhos para vos ver!
_________________________________

Glosando José Valdez de Castro Moura

ESPAÇO DA SAUDADE

MOTE:


Partiu, deixando o seu traço
no meu caminho dos sós...
- A saudade é esse espaço
que existe sempre entre nós.

GLOSA:

Partiu, deixando o seu traço

que ficou bem junto a mim,
na esperança de um abraço,
que, às vezes, vem já no fim!

Sigo, triste, caminhando,
no meu caminho dos sós...
Vou como um rio sonhando
em encontrar sua foz!...

Mas é grande o meu cansaço,
vendo o mundo sem beleza!
- A saudade é esse espaço
cheio de dor e tristeza!

Extravaso em poesia
essa saudade feroz,
essa falta de alegria
que existe sempre entre nós.
_________________________________

Glosando Antonio Augusto de Assis

“ponto com”

MOTE:


Na era do “ponto.com”,
voa o sonho mais ligeiro:
-um clique... e, qual vento bom,
chega a trova ao mundo inteiro!

GLOSA:
Na era do “ponto.com”,
a nova tecnologia
leva rápido e em bom tom
ao mundo inteiro, alegria!

E nessa era especial
voa o sonho mais ligeiro:
tornando internacional
o nosso verso fagueiro!

Com rapidez ultra-som,
tem sua especialidade:
-um clique... e, qual vento bom,
espalha felicidade!

Faz a trova, o trovador
e num só clique faceiro
sabe que, com seu amor,
chega a trova ao mundo inteiro!
_________________________________

Glosando Sebas Sundfeld
 
MOTE

A minha alma envelhecida
alinhavando as idades,
faz com os retalhos da vida
uma colcha de saudades!

GLOSA:
A minha alma envelhecida
ainda relembra e sonha,
e não se dá por vencida,
pois vive feliz... risonha!

Enfrenta o tempo daninho
alinhavando as idades,
e colore seu caminho
com belas tonalidades!

Tornando, então, a descida
uma colcha de lembranças,
faz com os retalhos da vida
um reviver de esperanças!

Vai bordando com poesia
seus amores e amizades,
fazendo com alegria
uma colcha de saudades!
_________________________________

Glosando Domitila Beltrame
AMIGO

MOTE:


Na noite do desencanto,
mesmo que pareça oculto,
no amigo que enxuga o pranto,
eu vejo de Deus, o vulto...

GLOSA:

Na noite do desencanto,
o silêncio se agiganta,
ensurdece até o canto
que fica preso à garganta.

Esse medo que angustia
mesmo que pareça oculto,
vem nos roubar a alegria
e causa grande tumulto.

É bem mais que um acalanto,
quando vemos a ternura
no amigo que enxuga o pranto
e aplaca nossa amargura.

Meu querido e grande amigo,
perto de ti, eu exulto,
pois, sempre que estou contigo,
eu vejo, de Deus, o vulto...
_________________________________

Glosando Irene Canalles

   AH, SE EU PUDESSE...
MOTE:

Ah, se eu pudesse voltar,
aos tempos de antigamente!
Não teria em meu olhar
esta angústia tão presente!

GLOSA:

Ah, se eu pudesse voltar,
faria tudo que eu fiz...
pois na vida, no meu lar,
fui feliz, muito feliz!...

Voltar, meu Deus, se eu pudesse,
aos tempos de antigamente!
Só de pensar, estremece
minha alma triste e dolente!

Se eu pudesse penetrar
nesse sonho do passado,
não teria em meu olhar
todo este pranto espelhado!

Se eu voltasse, eu sei, seria
muito feliz novamente;
transformava em alegria
esta angústia tão presente!
___________________________
Fonte:
Revista Trovamar (vários números)