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quinta-feira, 21 de março de 2024

Estante de Livros (“O Dia em que a Muiraquitã virou Gente”, de Francisco Sinke Pimpão)

Quando um escritor escreve um romance, ele faz um ofício de fé, pois uma vez lançada a idEia, por meio de enredo há muito tempo engendrado, não a segura mais, pois a palavra é mais forte do que um tiro de canhão ou o ferimento de um punhal, fere aqui, ali, acolá e continua ferindo sempre. Por isso, ao se tomar uma iniciativa de tal ordem, há que se ter o cuidado para que ela seja o portador da paz, concórdia e harmonia, levando a mensagem diretamente aos corações dos leitores. Em outras palavras, o autor deve ter em mente que lançar um livro é como mandar um filho para a guerra, através do mar proceloso.

A trama está bem ordenada, de forma a prender a atenção e o interesse do leitor. No conteúdo, o livro transmite preciosas lições de vida, úteis a todos, acima de tudo pelo poder dos exemplos.

O novel romancista, possuidor de notáveis atributos intelectuais, oferece aos leitores uma agradável e profícua leitura. Oxalá seja esta a primeira de muitas obras literárias. Parabéns ao autor, pela qualidade de seu trabalho.
(Valter Martins de Toledo)

O livro conta a história de João Batista Souza Lino Sotto Maior, filho de imigrantes portugueses estabelecidos no Brasil em fins do século XIX, tradicional família ligada ao ramo da tecelagem. Inteligente, bem educado e culto, João decide ser médico a tomar a frente dos negócios da família. A princípio contrariado, seu pai vê com orgulho o sucesso e o reconhecimento do filho, no Brasil e no exterior, como um grande cirurgião. Uma tragédia pessoal vai mudar de maneira drástica o destino desse homem apaixonado pela vida e pela profissão. Abandonando tudo que construíra e deixando de lado tudo aquilo em que acreditava, João vai se embrenhar e buscar refúgio nos confins da Amazônia, muito distante daquilo que comumente chamamos civilização. É nesse cenário, povoado por lendas e histórias que o povo da região ribeirinha acredita que João vai viver sua maior aventura. Da resistência ao passado, que o transformara num homem rude e cético, ao reencontro com a vida e com o amor, João verá, mais uma vez , seu destino ser mudado pela presença de uma mulher; menina-moça inocente e pura, que irá confrontá-lo com suas dores, pecados e mazelas.
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Francisco José Sinke Pimpão, nascido em Curitiba no ano de 1953, é Bacharel em Administração e sócio de uma empresa de consultoria. Nos últimos anos tem-se dedicado ao estudo e aplicabilidade da Gestão de Processos nas Organizações, fruto de 27 anos de atuação no mercado. Com pós-graduação em Marketing e tendo concluído diversos cursos no Brasil e exterior, escreveu diversos artigos publicados em livros e revistas especializadas. Atualmente é redator e coordenador de web sites.

Fontes:
– Francisco Sinke Pimpão .O Dia em que a Muiraquitã virou Gente. Curitiba: Pro Infanti, 2009.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Estante de Livros (“O caçador de pipas”, de Khaled Hosseini)


O caçador de pipas é o primeiro romance escrito pelo afegão Khaled Hosseini, que atualmente mora na Califórnia, EUA. Publicado pela primeira vez em 2003, é o primeiro romance em inglês escrito por um afegão.

Introdução

O caçador de pipas conta a história de Amir, um garoto Pashtun rico de Wazir Akbar Khan, distrito de Cabul, que é atormentado pela culpa de ter traído seu amigo de infância, Hassan, filho do empregado Hazara, do seu pai, Ali. A história tem como cenário uma série de acontecimentos tumultuosos, que começa com a queda da monarquia do Afeganistão decorrente da invasão soviética, a massa de emigrantes refugiados para o Paquistão e para os EUA e a implantação do regime Taliban.

Sinopse

Amir era um garoto problemático que cresceu num Afeganistão pré-guerra civil. Sua mãe morreu durante o seu parto, sua relação com seu pai, Baba, é formal demais e seu melhor amigo é Hassan, um garoto hazara de lábio leporino, filho do empregado da família, Ali. Amir não entendia o afeto que seu pai demonstrava ter por Hassan, afeto esse que resultou numa plástica, paga por Baba, para corrigir o defeito de nascença do garoto, quando este fez doze anos.

Amir e Hassan eram insultados por Assef, um brigão de uma respeitada família afegã que se une aos talibãs após o domínio russo. Em um encontro turbulento com Assef, Hassan protege Amir de uma agressão, ameaçando atirar no olho esquerdo de Assef com um estilingue. Assef e seus capangas recuaram, prometendo uma revanche a Hassan.

O amigo de Amir é um dos destaques do anual campeonato de pipas, que marca o início do inverno em Cabul.

Amir é um mestre na competição e Hassan é um talentoso caçador de pipas, alguém que apanha as pipas caídas para exibi-las como troféus.

Em seus doze anos, Amir finalmente ganha a estima do seu pai por ter vencido a competição. Infelizmente, quando Hassan corre para apanhar a última pipa, ele encontra Assef. Amir vai a procura do seu amigo e acaba testemunhando Hassan sendo brutalmente violentado por Assef. Falta, a Amir, coragem para intervir e ele prefere manter seu conhecimento sobre o fato em segredo. No entanto, a culpa que ele passou a sentir perante a sua inatividade naquele momento, envenenava lentamente o seu relacionamento com Hassan.

No seu aniversário de treze anos, Amir recebe diversos presentes do seu pai e dos amigos deste. Entretanto, um deles é particularmente especial: um caderno em branco que ganhara do amigo e sócio do seu pai, Rahim Khan, para que ele escrevesse suas histórias.

Não podendo mais tolerar a presença de Hassan em sua casa, Amir prepara uma armadilha para seu amigo, escondendo dinheiro e um relógio de pulso sob o colchão de Hassan para incriminá-lo. Apesar de ser inocente, Hassan prefere confessar o roubo a complicar seu amigo. Ali se sente forçado a deixar a família, a qual serviu durante muitos anos, e se mudar para a remota Hazarajat, apesar dos protestos e lágrimas de Baba. Ainda que Amir nunca mais tivesse visto Hassan novamente, ele se vê constantemente atormentado por tê-lo traído.

Em 1980, Amir e seu pai deixam o Afeganistão, vão para Peshawar, no Paquistão, e, em seguida, para os EUA, escapando do novo regime soviético.

Em 1984, Amir e Baba estão morando em Fremont, Califórnia, EUA. Baba trabalha em um posto de gasolina e ganha um dinheiro extra vendendo sucatas em uma feira aos domingos, almejando pôr seu filho numa faculdade. Baba é diagnosticado com um câncer no pulmão. Amir conhece Soraya Taheri, com quem se casa mais tarde. Eles têm um casamento tradicional. Soraya se muda para a casa de Amir e cuida de Baba até ele morrer.

Os anos se passam. Amir embarca em uma bem-sucedida carreira como romancista. Ele e Soraya não podem ter filhos e relutam em adotar uma criança.

Em 2001, quinze anos depois da morte de Baba, Amir recebe um telefonema de Rahim Khan, que vivia em Peshawar. Amir viaja para o Paquistão para encontrá-lo. Rahim revela a Amir tudo o que aconteceu no Afeganistão depois da guerra civil.

Rahim se mudou para o antigo casarão de Baba, levando consigo Hassan, a mulher e o filho de Hassan, Sohrab. Dez anos depois, ele deixa Cabul e vai para o Paquistão. Hassan e sua mulher foram assassinados por um soldado taliban. Seu filho foi levado para um orfanato.

Rahim Khan pede a Amir que ele retorne ao Afeganistão para resgatar Sohrab. Para persuadi-lo, Rahim revela um segredo de família: Ali era estéril e Baba era o verdadeiro pai de Hassan, fazendo com que Amir e Hassan fossem meio-irmãos e Sohrab fosse meio-sobrinho de Amir.

Após relutar muito, Amir retorna a uma Cabul controlada pelo Taliban para procurar por seu sobrinho. Ele localiza o orfanato e é informado que o garoto fora levado por um oficial Taliban, que o usa como escravo sexual. Amir acha o oficial e pergunta por Sohrab, no entanto, o oficial é Assef. Eles brigam na frente do garoto e, se não fosse Sohrab ameaçando atirar no olho esquerdo de Assef com um estilingue e cumprido sua ameaça, Amir teria morrido.

Amir e Sohrab fogem para o Paquistão, onde ele decide adotar o garoto, mas encontra a oposição das autoridades americanas locais. Amir conta a Sohrab que talvez tenha de colocá-lo em um orfanato temporariamente. Com medo de receber o mesmo tratamento cruel que recebera no Afeganistão, Sohrab tenta o suicídio ao cortar seus pulsos. Amir descobre Sohrab a tempo, quando corre para contá-lo que sua mulher, nos EUA, encontrou uma forma de levar o garoto para a América.

O livro acaba com Amir e Sohrab de volta aos EUA. Sohrab está emocionalmente abalado e procura não falar. O dia de ano novo afegão é celebrado com uma competição de pipas, e Amir compra uma. Ele usa uma das antigas manhas de Hassan para derrubar uma pipa adversária. Nesse momento, um pequeno sorriso de Sohrab enche Amir de alegria: uma pipa voando foi o começo do descongelamento das emoções de Sohrab, e Amir, finalmente, se sente libertado da culpa que carregara consigo desde a infância.

Importância literária e crítica

O caçador de pipas foi escolhido por diversas comunidades e organizações como uma forma de discussão sobre as questões históricas e culturais presentes no romance. Muitos programas escolares notáveis têm adotado o livro.

quarta-feira, 13 de março de 2024

Estante de Livros (“Pigmaleão”, de George Bernard Shaw)

A peça se passa na Inglaterra, no início do século XX. Em Covent Garden, os Eynsford Hills estão tentando pegar um táxi na chuva. Quando Freddy sai correndo para chamar um táxi que passava, ele derruba as flores de uma vendedora no chão. A florista, chamada Eliza, aceita da mãe de Freddy e do Coronel Pickering. Um homem observa que há um sujeito escrevendo o que ela está falando. Eliza o confronta, dizendo que não tinha feito nada de errado. O sujeito, que se chama Higgins, espanta a multidão imitando o sotaque dela e adivinhando a origem de cada um dos presentes. Pickering e Higgins se encontram e decidem ir jantar. Antes de partir, Higgins enche a cesta de flores de Eliza com dinheiro. Ela vai embora de táxi.

No dia seguinte, Eliza invade a casa de Higgins, e quer que ele lhe dê aulas de fonética. Pickering, que estava presente, duvida das habilidades de Higgins e aposta que ele não conseguirá fazê-la passar por uma dama da sociedade na recepção da Embaixada dali a um mês. Higgins aceita, e ordena que sua governanta leve Eliza para banhá-la e vesti-la apropriadamente. Mais tarde, chega Doolittle, pai de Eliza, que lhe pede algum pagamento. Higgins simpatiza com ele e lhe dá cinco libras.

Algum tempo depois, a Sra. Higgins está escrevendo algumas cartas em casa quando ela é interrompida pelo seu filho, que a deixa chocada ao contar que está trazendo uma florista para a casa dela. Os Eynsford Hills chegam para uma visita, e pouco depois chega Eliza, com suas novas maneiras e seu novo sotaque. Freddy fica fascinado imediatamente. Eliza comete o engano de praguejar e descrever o alcoolismo da sua tia, e acaba sendo mandada embora por Higgins. Clara pensa que praguejar está na moda e choca sua mãe ao praguejar na hora de sair. A Sra. Higgins critica Pickering e seu filho por não considerarem o que será feito de Eliza depois da experiência.

Na casa de Higgins, à meia-noite, Eliza entra, parecendo exausta. Higgins a ignora, procurando seus chinelos e se vangloriando sobre o sucesso dela em enganar a todos como se fosse seu próprio sucesso. Eliza começa a se enfurecer. Quando Higgins pergunta onde estão seus chinelos, Eliza os arremessa no rosto dele. Ela diz que não sabe mais o que fazer, agora que Higgins a transformou. Ele sugere que ela se case, e ela responde que costumava ser algo melhor que uma prostituta quando vendia flores. Eliza lança o anel que ele lhe dera na lareira. Higgins perde a paciência com ela e sai do quarto. Ela procura pelo anel nas cinzas.

A Sra. Higgins está no seu quarto de vestir quando seu filho entra e conta a ela que Eliza tinha fugido. Chega Doolittle. Ele conta que, depois de ter falado com Higgins, ele o recomendara como um grande pensador para um milionário americano, que morrera e deixara tudo para ele. Doolittle agora era da classe média e odiava cada minuto disso; sua amante o estava forçando a se casar com ela naquela tarde. Eliza desce as escadas – ela tinha fugido para a casa da Sra. Higgins – e Higgins parece embaraçado. Doolittle convida Pickering e a Sra. Higgins para o casamento e eles deixam Eliza e Higgins a sós para conversarem. Eliza diz que não quer ser tratada como um par de chinelos, e que Freddy escreve cartas de amor para ela todos os dias. Quando ela ameaça se tornar uma professora de fonética e usar os métodos de Higgins, ele diz que gosta da nova versão mais forte de Eliza. Ele deseja viver com ela e com Pickering como “três solteiros”.

A Sra. Higgins volta arrumada para o casamento e leva Eliza com ela. Higgins pede a Eliza para que ela resolva algumas coisas para ele, incluindo comprar um pouco de queijo e de presunto. Ela dá um último adeus a Higgins, que parece acreditar que ela seguirá suas ordens.

A peça termina com uma narrativa do destino dos personagens. Eliza conclui que Higgins está destinado a ser um eterno solteirão e ela se casa com Freddy. Com um presente do Coronel Pickering, Eliza abre uma floricultura. Clara decide que o casamento deles não ajudará seus próprios planos matrimoniais. Ela começa a ler H. G. Wells, frequenta os grupos de fãs do escritor e é convidada a trabalhar numa loja de móveis na esperança de um dia conhecê-lo pessoalmente, pois a proprietária também é fã dele. Freddy não é muito prático, e ele e Eliza precisam ter aulas de contabilidade para conduzir seu negócio. Eles conseguem ser bem sucedidos e vivem uma vida bastante confortável.

ANÁLISE

A famosa peça teatral Pigmalião não parte de uma ideia original. No entanto, isto não impediu que Shaw construísse uma obra original. O mote principal do texto vem de Metamorfoses, do poeta romano Ovídio, que se vale do mito de Pigmalião, rei de Chipre, obcecado escultor que, desiludido com as mulheres do seu reino, resolve esculpir para si a mulher perfeita. E a esculpe tão perfeita e tão bela que acaba se apaixonando pela sua estátua. Afrodite, a deusa da beleza e do amor, apiedando-se de Pigmalião, transforma a escultura em mulher, de carne e osso. Portanto, o que nasceu de uma idealização, torna-se realidade. Pigmalião de Ovídio casa-se com sua Galateia e com ela tem filhos.

Shaw, brilhantemente, cria seu próprio Pigmalião, o intragável, arrogante, preconceituoso, impetuoso e cômico professor Higgins. Henry Higgins se dedica ao estudo da língua inglesa, especializando-se em fonética, o que fez dele um profundo conhecedor dos dialetos universais. Esta extrema habilidade o leva, admiravelmente, através das falas de seus interlocutores ocasionais, a determinar, sem que o digam, o local de nascimento e origem de cada um deles.

Há muitas discussões sobre como Bernard Shaw acabou por construir o enredo da peça. Evidente, ele não estava preocupado em formatar mais uma comédia romântica, mesmo que, ao longo do tempo, Broadway e Hollywood, através do belo musical My Fair Lady, tenham se esforçado para transformar o texto original em um conto de fadas. Para Shaw, interessava discutir a terrível estratificação sociocultural através da linguagem e dos comportamentos sociais dela decorrentes. É pela forma como as pessoas falam que passamos a catalogá-las socialmente. E mesmo que pessoas com educação precária e condição social inferior venham a melhorar de vida (o pai de Eliza), elas necessariamente vão se trair pela linguagem, o que as prenderão eternamente à sua origem pobre. O contrário também se faz verdadeiro. Mesmo que o rico se descuide da linguagem, isto não abalará sua posição social. Ele, afinal, nasceu rico, e este é um privilégio indissolúvel. O que Shaw tenta mostrar é que se pode esculpir o ser humano desde que ele próprio se idealize numa perspectiva superior e persiga esta idealização. Pois é. O ser humano pode, sim, idealizar seu destino. Esta é a ideia didática de Shaw. A ascensão social através da transformação pela linguagem. É a crença no poder transformador do ser humano, desde que ele obsessivamente se proponha a tal. É com esta obsessão que o professor Higgins ganha a aposta feita com o coronel Pickering. Ele de fato transforma a ignorante e estúpida florista Eliza Doolittle numa encantadora lady.

Pigmalião pode não passar de uma comédia satírica, simples, rápida, mas é tão bem arquitetada, tão bem escrita, vai ao ponto em questões de relacionamentos e de sonhos, esta ilusão transformadora que carregamos dentro de nós, nos mostrando que quando idealizamos algo bom para nós já estaremos pelo menos afastando a ideia de impossibilidade, por estas e muitas razões, não à toa, o texto de Shaw acaba se transformando num grande clássico da literatura mundial. E que fique bem claro. A idealização de transformação é nossa, está em nós, não no outro. Diferente do que pensa o famigerado Higgins, não se esculpem seres humanos.

sexta-feira, 8 de março de 2024

Estante de Livros (“Angústia”, de Graciliano Ramos)

Apesar de Vidas Secas (1938) ser considerada a obra emblemática do escritor alagoano Graciliano Ramos, o romance Angústia é uma de suas obras-primas, mesmo que ignorado pela crítica na época de sua publicação, em 1936. Segundo o professor Fabio Cesar Alves, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH, da USP, Angústia é o terceiro romance do autor – os dois anteriores são Caetés (1933) e São Bernardo (1934) – e foi lançado quando Graciliano Ramos ainda se encontrava preso, sem processo nem acusação formal, pela polícia política de Getúlio Vargas.

“A contragosto do próprio Graciliano, o romance sai com ele ainda na prisão. Inclusive os companheiros de cela fazem uma festa para comemorar dentro do presídio a publicação de Angústia e ele autografa vários exemplares para seus companheiros, que eram pessoas como Eneida de Moraes, Olga Benário e Aparício Torelly”, conta o professor. “De certo modo é um livro que vem à tona num momento muito crítico da vida brasileira”, acrescenta.

Segundo Alves, “a questão fundamental é que nesse romance, em particular, Graciliano Ramos, que já é autor de uma obra bastante introspectiva, consegue unir essa introspecção à crítica social, que é própria da geração de 30”. Para o professor, Angústia é um romance que promove uma espécie de amálgama entre a tomada de consciência do País nos anos 30 e a introspecção e o subjetivismo próprios dos romances anteriores.

Penso que esse livro dá conta dessas contradições que estavam em jogo nos anos 30 e, ao mesmo tempo, mostra uma espécie de falta de horizonte do Brasil e desse personagem-narrador, que é o Luís da Silva, funcionário público de 35 anos, solitário, desgostoso da vida, num momento de modernização acelerada do País. ” E nesse sentido, segundo o professor, é bastante atual, porque procura mostrar também o que permanece de patriarcal, de escravista e de atrasado na nossa estrutura e na nossa vida social. “O saldo é extremamente amargo. É uma denúncia daquilo que permanece insuperável.

O professor explica que Luís traz lembranças de uma abolição recém-proclamada, do patriarcado – representado pelo seu avô, Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e Silva – e do velho mundo da fazenda, que, de certo modo, esse narrador procura recuperar no seu presente, o Brasil moderno dos anos 30.

“Para Luís, Julião Tavares, com quem disputa o amor de Marina, representa a burguesia arrivista que ele tanto odeia. É o poder do dinheiro e não mais da posição social herdada. Portanto, há um confronto entre o velho País colonial e o novo País que começava a ser construído a partir da era Vargas”, relata. “O Luís é uma espécie de desambientado em Maceió, porque ele vem dessa oligarquia rural e decadente, que faz ressoar a biografia do próprio Graciliano, que também é um ramo empobrecido da oligarquia nordestina”, comenta o professor.

Além disso, o tom da narrativa é totalmente delirante. “É um livro contado em estado de delírio. O Luís da Silva abre delirando e fecha sua confissão delirando, porque a não separação entre o real e o irreal é uma das tônicas dessa personalidade do protagonista, a tal ponto que de fato não há consequências para a ação que ele comete no final do romance, que é o assassinato de Julião Tavares”, analisa Alves, lançando a hipótese de que talvez esse crime nem tenha acontecido de fato.

Para falar da exuberância da narrativa, o professor cita o crítico literário Antonio Cândido (1918-2017), que disse ser bastante incomum essa característica nas obras de Graciliano Ramos, autor conhecido por seu estilo seco, conciso e direto. “ Angústia é o contrário disso. É um livro bastante derramado, bastante gorduroso, mas tudo isso está a serviço dessa lógica delirante do Luís, dessa mentalidade perturbada de um sujeito que se vê acuado na Maceió moderna dos anos 30”, informa.

Segundo o professor, a perspectiva pela qual ele lê a realidade – as associações entre passado e presente – está colocada toda sob essa chave da deformação expressionista. “É curioso, porque Graciliano, um realista no sentido forte da palavra, se vale das técnicas de vanguarda para dar conta dessa situação delirante do Luís.

Outra curiosidade, diz o professor, são os dois títulos propostos para o livro que não foram adiante. O primeiro, Um Colchão de Paina se refere ao colchão da prisão em que Luís se imagina depois de cometer o crime contra Julião Tavares, e 16384 ao número do bilhete de loteria com o qual Luís sonhava para ganhar dinheiro e conquistar, efetivamente, o amor de Marina.

Como as outras narrativas de Graciliano, o que está em jogo, em Angústia, é o ataque à sociedade burguesa. 

Angústia lançado no período em que Graciliano Ramos estava preso – de março de 1936 a janeiro de 1937 –, é uma narrativa escrita em um momento de Estado de exceção no Brasil, diz Alves. “O Estado Novo começa em 1937, mas a perseguição à esquerda e a qualquer pessoa considerada subversiva começa em abril de 1935, com a Lei de Segurança Nacional”, lembra o professor. “Portanto, é uma narrativa que vem no fluxo dessa perseguição. Há nesse romance um mundo concentracionário muito marcado, com uma atmosfera densa e opaca da história brasileira naqueles anos, que aparece como atmosfera da narrativa. ”

O professor ainda comenta que, assim como as outras narrativas de Graciliano Ramos –  Caetés São Bernardo e, depois, Vidas Secas -, o que está em jogo em Angústia também é o ataque à sociedade burguesa e ao conservadorismo. “Enfim, a todas essas manchas que parecem superadas e que nos dizem respeito nos dias de hoje.

É por isso que a literatura e as humanidades incomodam tanto. Porque elas mostram um aspecto do País que não é o desejado”, acredita Alves, ressaltando que há uma dimensão de enfrentamento do real que aparece não só em Graciliano Ramos, mas em Machado de Assis, Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade, entre outros grandes autores. “A literatura brasileira é uma forma de pensar o País.
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ENREDO
O narrador-personagem e protagonista Luís da Silva, acaba de se recuperar de uma grande crise que o acometeu há 30 dias e o derrubou na cama, delirante e com febre. É a história desta crise que ele conta nas páginas seguintes.

A virada na vida de Luís, homem sem posses mas de algumas economias, acontece quando ele começa a se envolver com a vizinha, Marina. Ela é descrita como uma mulher forte e de personalidade, e mais tarde Luís começa a pintá-la no livro também com jeito de interesseira. A relação entre os dois começa a se desenrolar com alguns encontros no quintal, mas logo assumem um compromisso.

Quanto mais se envolvem, no entanto, mais Marina passa a exigir: para se casar, precisa de enxovais, roupas de cama, móveis, tecidos. Luís acaba com todas as economias na esperança de mantê-la por perto, e chega a se endividar para seguir presenteando a noiva. Até que o terceiro elemento do triângulo amoroso de “Angústia” aparece na história.

Julião Tavares é um homem, na visão do protagonista, degenerado. Descrito como inconveniente e repulsivo, ele conquista a atenção de Marina. Afinal, apesar de não vir de uma família tradicional, é herdeiro de uma loja de tecidos e rico. Para a vizinha de Luís isso bastava. Aos poucos, o protagonista e sua noiva vão se distanciando, até que ela começa a se encontrar com Julião. O novo pretendente a corteja com jantares, a leva no teatro e a presenteia com roupas.

Com o desenrolar do romance, a raiva de Luís só cresce. Além de endividado comprando tudo o que poderia oferecer à vizinha, acabou abandonado. Ele passa a perseguir Marina, vigiando seus passos, em uma obsessão. E nota quando ela é abandonada por Julião – que logo começa a namorar outra moça.

O narrador também relata ter escutado uma conversa de Marina com sua mãe em que ela confessa ter engravidado de Julião, e dias depois a segue quando ela vai ao encontro de uma parteira conhecida por fazer abortos. Luís confronta Marina e ela pede que a deixe em paz.

Tomado pela raiva, Luís decide seguir um ímpeto que já tinha em sonhos: matar Julião. Com uma corda que ganhou de um andarilho, ele espera o rival sair da casa da nova namorada e o ataca pelas costas, sufocando com a corda. Depois, pendura o corpo em uma árvore para simular um suicídio.

Esse final, foi o grande acontecimento que perturbou o protagonista e o deixou em estado de delírio.

Fonte: por Cláudia Costa, artigo “Angústia”, de Graciliano Ramos, une introspecção e crítica social, para o Jornal da USP em 14 nov 2023.

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Estante de Livros (“Histórias de Fadas”, de Oscar Wilde)

Oscar Wilde foi um dos maiores escritores de língua inglesa. Transitou com maestria por diversos gêneros, sempre nos brindando com o tom satírico e irônico que lhe era tão peculiar. Autor de “O Retrato de Dorian Gray”, “O Fantasma de Canterville”, “A Importância de ser Honesto”, entre outros.

Em "Histórias de fadas", livro de contos que escreveu para os filhos, o autor irlandês mantém a crítica à sociedade de seu tempo ao recriar personagens do nosso imaginário, que, subitamente, têm de tomar consciência do mundo imperfeito em que vivemos, numa bela e importante metáfora sobre a vida. 

Aqui você vai encontrar os contos "O Príncipe Feliz", "O Gigante Egoísta", "O Amigo Dedicado", "O Foguete Notável", "O Rouxinol e a Rosa", "O Jovem Rei", "O Aniversário da Infanta", "O Filho da Estrela" e "O Pescador e sua Alma", todas narrativas maravilhosas e imbuídas de poesia, capazes de provocar os mais profundos mergulhos para dentro de nós mesmos.

No primeiro conto, “O Príncipe feliz”, a amizade e o amor se mostraram fortes mesmo quando o ser humano tenta estragar tudo com sua vaidade. A estátua do Príncipe está lá no alto, vendo tudo e se preocupando com todos, até que uma Andorinha fica para trás enquanto todas as outras seguem para um lugar quente, pois o inverno se aproxima. A Passarinho ajuda o Príncipe a se doar às pessoas necessitadas, mas a Andorinha precisa ficar todo o inverno por ali.

“Mesmo que meu coração seja feito de chumbo, não posso evitar chorar.”

Em “O gigante egoísta”, as crianças se divertem no quintal do gigante, pois ele viajou para visitar um amigo, e nisso se passaram muitos anos. Quando ele volta, fica furioso com as crianças ali e as expulsa, depois constrói um muro em volta do terreno. Acontece que toda a alegria também se afasta e ali dentro era sempre inverno e tristeza. Até que algo fantástico acontece.

O conto “O amigo dedicado”, nos mostra que todos em algum momento nos deparamos com amizades de mão única. Aquelas que a pessoa se aproveita, mas quando o outro precisa a pessoa sempre desvia.

Não adianta eu ir ver meu pequeno Hans enquanto dura a neve — dizia o Moleiro à sua mulher —, pois quando as pessoas estão com problemas o melhor é deixá-las sozinhas, para que não tenham de se aborrecer com visitas. Pelo menos essa é a ideia que tenho da amizade, e tenho a certeza de que estou certo. E por isso esperarei até chegar a primavera, quando então irei visitá-lo, e ele poderá dar-me uma grande cesta de margaridas, o que o fará muito feliz.

Em “O foguete notável”, vemos o ego de um sujeito que pensa ser o mais importante de todos.

“Frequentemente mantenho longas conversas comigo mesmo, e sou tão inteligente que muitas vezes não compreendo uma só palavra do que estou dizendo.(Frase muitas vezes atribuída de forma errada ao próprio autor e não ao personagem do conto.)

“O Rouxinol e a Rosa” é uma história sobre doação e amor, e como há pessoas interesseiras. A moça diz que só dançará com o rapaz se ele lhe der uma rosa vermelha, então ele corre em busca da flor, o problema é que só há rosas brancas. O Rouxinol percebe o problema e se doa para conseguir a flor.

O jovem rei conta sobre o dia em que o Príncipe seria coroado, então ele passa a sonhar sobre como suas coisas belas, como roupas e joias são conseguidas de forma que fazem seus súditos sofrerem.

“Na guerra — respondeu o tecelão —, os fortes fazem escravos dos fracos, e na paz os ricos fazem os pobres seus escravos.”

Em “O aniversário da Infanta”, vemos como a maldade pode corroer até o coração das jovens. Em seu aniversário de 12 anos ela pode receber seus convidados e dançar com eles. E um deles se apaixona, mas o coração da menina não traz bondade.

O “Filho da Estrela” começa com lenhadores encontrando um bebê abandonado exatamente onde caiu uma estrela. Um deles o leva para casa a fim de que sua mulher cuide dele. Ela reclama, pois têm muitos filhos, mas seu coração amolece e eles o criam como mais um filho. O rapaz cresce e se torna belíssimo! Até que uma atitude dele o faz virar um ser horrendo. Ele sai em busca de reparar sua maldade. No caminho seu coração se mostra bom e ajuda quem precisa.

O personagem de “O pescador e sua alma” deseja se casar com a Sereia que pescou, mas ela diz que apenas conseguirá se ele se separar de sua alma. O rapaz vai atrás da bruxa para que o ajude. Nem ela deseja que ele faça tamanha maldade contra si, mas o ajuda.

São histórias de doação humana, de amizade e sonhos. De seres fortes que recebem sempre algum tipo de lição por seus atos.

Beco do Nunca (Resumos de Celly Borges)

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Estante de Livros (“O grande mentecapto”, de Fernando Sabino)

Fernando Sabino é autor contemporâneo dos mais importantes. Dono de um estilo inconfundível em que ressalta o extremo cuidado com a linguagem, é um especialista em criar situações cômicas de profunda beleza plástica. Sua capacidade descritiva faz com que o leitor, além de se deleitar com a complicação da trama, consiga visualizar a cena criada pelo narrado. Sua obra é extensa e inclui principalmente crônicas e contos. Seus romances: O Encontro Marcado; O Menino no Espelho; O Grande Mentecapto , são fruto de profunda preparação e artesanato impecável. Por isso mesmo cresce a cada dia a importância de sua obra no panorama da atual Literatura Brasileira.

Nesse romance de 1979, o autor elabora uma trama com a nítida intenção de homenagear as pessoas humildes, simples e puras. Já na epígrafe da narrativa, “Todo aquele, pois, que se fizer pequeno como este menino, este será o maior no reino dos céus.” Nota-se a vontade de elevar os puros, os inocentes e os ingênuos.

Na linha da novela picaresca “vide o Dom Quixote de La Mancha, de Cervantes”, em que o personagem desloca-se por um espaço indefinido, à cata dos conflitos, para resolvê-los heroicamente, Viramundo vive uma sequência de peripécias acontecidas no Estado de Minas Gerais, contracenando com personagens dos mais variados matizes e comportando-se sempre como o bem-intencionado, o puro, o ingênuo submetido às artimanhas e maldades de um mundo que ainda não está de todo resolvido. Andarilho, louco, despossuído, vagabundo, idealista. Marginal em uma sociedade que não entende e em que não se enquadra, o Viramundo instaura um sentimento de ternura e de pena por todos aqueles que, em sua simplicidade, sofrem o descaso, a ironia, a opressão e a prepotência.

Como o Quixote, com a sua amada Dulcinéia, e como Dirceu, com a sua adorada Marília, Viramundo põe em suas ações tresvariadas a esperança de realizar-se emocionalmente com a sua idealizada e inalcançável Marília, filha do governador de Minas Gerais. Sua ilusão alucinada é reforçada pelos pseudo-amigos que o enganam com falsas cartas de amor e incentivam sua loucura mansa e seu sonho impossível.

Viramundo conhece que o mundo é uma grande metáfora e o trata com idealismo como se ele fosse real. Consertar o mundo é sua missão e ele se dedica a ela com toda a força de sua decisão, não se deixando abalar pelo insucesso, pelo ridículo, pela violência ou pelo vitupério. Em seu delírio, o irreal e o real andam de mãos dadas, não há a separação entre o concreto e o abstrato, e por isso o herói não se abala física ou emocionalmente com nada com que se defronte: não teme os fortes, os violentos; não se assusta com fantasmas e nem com ameaças; aceita resignadamente o que a vida lhe reserva.

Percebe-se aqui que, além de pícaro, nosso herói pode ser considerado como bufão, pois jacta-se tolamente sobre supostas capacidades de resolver as injustiças e o desacerto do mundo. Não tem qualquer ligação definitiva com a vida; não assume compromissos; é desprezado e usado por aqueles com os quais se relaciona.

A pureza deste aventureiro é a crítica à hipocrisia das relações humanas em um mundo que perdeu o sentido da solidariedade e da fraternidade. Sua alegria ingênua e desinteressada opõe-se ao jogo bruto dos interesses malferidos, ao conservadorismo e à arrogância. Porta-voz dos loucos, dos mendigos, das prostitutas, o Viramundo conhece os meandros da enganação e da falsidade dos políticos e dos poderosos.

A crítica à mesmice, ao chavão e ao clichê faz-se pela presença da paródia a muitos autores e personagens historicamente conhecidos.

Viramundo não era conhecido, mas termina por criar fama em razão dos casos incríveis em que se envolve. Sob a aparência imunda de um mendigo está um sujeito com cultura geral incomum. Sua fala de homem conhecedor surpreende e sua experiência de ex-seminarista e ex-militar confunde e admira aqueles com quem convive. Sua esquisitice e suas respostas prontas a todas as indagações fazem com se acredite tratar-se de um louco manso e inofensivo.

Outro aspecto interessante é a exploração da temática da loucura. O autor parece convidar o leitor a uma reflexão sobre a origem e o convívio com a ideia da excentricidade do comportamento humano. Viramundo pode ser considerado um louco, mas quem não o é? O que a sociedade considera loucura? Como classificar e tratar os indivíduos que atuam em dissonância com aquilo que se considera normalidade? A sociedade mostrada no romance está povoada de tipos que comumente chamamos de loucos: os habitantes de Mariana agem desvairadamente ao tentar linchamento; o diretor do hospício é mais estranho que os próprios internos do manicômio; o capitão Batatinhas é absolutamente alienado. Há no decorrer de toda a narrativa o questionamento da fragilidade dos limites entre a sanidade e a loucura.

No limiar da consumação de sua caminhada, Viramundo mudou. No começo era idealista e cheio dos cometimentos da paixão. Manteve-se assim durante muito tempo até encarar a dura realidade da convivência humana. A série de acontecimentos em que figura como perdedor físico e emocionalmente faz com que se desiluda. Descobre que as cartas de amor eram falsas; os amigos eram falsos; sua crença era falsa. Por todo lado só encontra sofrimento, opressão, hipocrisia. Está só, absolutamente só, e a solidão é tudo que lhe resta.

Seu fim é emblemático. Morre vitimado pelo próprio irmão. Paga por um crime que não cometeu. A intertextualidade bíblica é evidente: compara a trajetória e o comportamento de Viramundo com a Via-Sacra do Cristo, em todos os sentidos, inclusive no sacrifício final.

Fonte> Algo sobre.
https://www.algosobre.com.br/resumos-literarios/o-grande-mentecapto.html#menu2

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Estante de Livros (“Yerma”, de Federico Garcia Lorca)

Yerma é uma peça em três atos, escrita em 1934 pelo poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca (1898-1936). Apresentada pela primeira vez em 1934, Yerma faz parte da chamada “trilogia rural”, ou “trilogia dos dramas folclóricos” do autor, que inclui também as obras “Bodas de Sangue” e “A Casa de Bernarda Alba”.

A peça é ambientada na Andaluzia e conta a história de Yerma, uma mulher que vive num mundo rural e fecundo, mas que ainda não conseguiu gerar uma vida em seu ventre. Ela é casada com Juan e sofre com o fato de o casal ainda não ter filhos. Yerma é uma das poucas mulheres casadas da vila que ainda não conheceu a maternidade. No entanto, Juan, apesar de ser um homem honesto e trabalhador, é indiferente à angústia de sua esposa, mantendo-a confinada num casamento sem amor, apenas como uma satisfação moral para a sociedade.

Enquanto isso, Yerma passa o tempo na janela, costurando o enxoval para o bebê de sua amiga Maria, ao mesmo tempo em que convive com Vítor, um amor do passado. Apesar da vigilância do marido e das duas cunhadas, que passam a morar na mesma casa que o casal, Yerma tenta, ao longo da narrativa, tudo o que pode para gerar uma vida, trilhando um caminho que a levará à tragédia.

A busca de Yerma pela maternidade é atravessada por coros de lavadeiras, de homens e de mulheres do povo, além de rituais de fertilidade. Desta forma, Lorca brilhantemente faz Yerma dialogar com as tragédias gregas, em especial aquelas escritas por Ésquilo e Sófocles. A diferença é que nas tragédias gregas dos dramaturgos citados o trágico vem de uma intervenção divina, como um castigo, enquanto que nas tragédias modernas, o trágico é algo intrínseco à alma humana.

Yerma é um belíssimo drama lírico, no qual Lorca aborda a questão da esterilidade de um casal, sob o ponto de vista feminino, desmascarando assim a opressão milenar que a sociedade patriarcal faz sobre as mulheres, em especial às estéreis, para cumprirem o “dever sagrado” da maternidade, quando sabemos que ser mãe é, ou pelo menos deveria ser, uma realização pessoal de cada mulher. E mais do que isso! Em Yerma, Lorca fala, de maneira poética e simbólica, da tragédia e da frustração de todos aqueles que não conseguem realizar seus sonhos, seja por medo do desconhecido, seja por ignorância ou, ainda, por causa das pressões sociais. Esta é uma das razões pelas quais Yerma tem-se eternizado nos palcos. Por colocar em cena uma angústia tão conhecida de todos nós, que é a dor de não termos conseguido realizar nossos sonhos e a frustração de termos que conviver com isto.

Em suma, Yerma é uma bela e tocante obra prima do teatro mundial, que vale muitíssimo a pena ser lida, assistida e encenada, para que não caiamos na esparrela de deixar nossos sonhos esquecidos numa gaveta qualquer da vida.

O livro está disponível em domínio público, em espanhol, no link:

Fonte: Leivison Silva, em Assisto porque gosto

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Estante de livros (“Perdas e ganhos”, de Lya Luft)


"Em plena maturidade sinto em mim a menina assombrada com a beleza da chuva que chega sobre as árvores num jardim de muitas décadas atrás." p. 26.

Lya Luft é uma mulher de seu tempo, e sobre ele dá seu testemunho em tudo o que escreve, especialmente neste novo livro. Uma mulher madura que já experimentou perdas e ganhos, mas mantém o otimismo, ama a vida, se diz “um bicho de sua casa” ― embora pouco doméstica, considera sua família o centro da vida, e a vida mais importante do que a literatura. 

Neste primeiro livro seu publicado, a romancista, cronista e poeta convida o leitor para refletir ao seu lado, indagar, contemplar e admirar o mundo. "Não somos apenas vítimas de fatalidades", diz. "Somos também senhores de nossa vida.

Num misto de ensaio e memórias, Lya retoma diversos temas de O rio do meio ― livro publicado em 1996, vencedor do prêmio de melhor livro da Associação Paulista de Críticos de Arte. Considera o ser humano ao mesmo tempo bom e capaz, fútil, medíocre e até cruel. Embarcado numa vida que é um dom, um mistério, e uma conquista a cada momento. 

Lya acredita que “a felicidade é possível, que não existe só desencontro e traição, mas ternura, amizade, compaixão, ética e delicadeza.” Sobre isso dialoga, aqui, com seu leitor. Entre alegrias, descobertas, decepções e buscas, em Perdas & ganhos ― livro inédito desde as memórias de infância Mar de dentro, publicado em 2002 ― a autora busca dar um testemunho pessoal sobre a experiência do amadurecimento. 

Convoca o leitor para ser seu amigo imaginário: cúmplice e companheiro de reflexões que vão da infância à solidão e à morte, ao valor da vida e à transcendência de tudo. Lya divaga, discute e versa, com ímpeto, compaixão, e muitas vezes bom humor, sobre velhice, amor, infância, educação, família, liberdade, homens e mulheres, gente de verdade... e conclui que o tempo passa mas as emoções humanas não mudam, revelando que é preciso reaprender o que é ser feliz. Um livro sensível, delicado e inquietante de uma das mais importantes escritoras brasileiras da atualidade, premiada pela crítica e consagrada pelos leitores.

Segundo as próprias palavras de Lya Luft, uma obra que trata do drama existencial humano mas de forma direta, conversando com o leitor a quem ela chama de leitor imaginário. Disse ter escrito esse livro sem pensar em nada, sem esperar nada. Nele, compartilha seus medos, inquietações e duvidas sobre seu próprio caminhar.

Lya classifica Perdas e Ganhos junto com Pensar é transgredir e O tempo é Rio que Corre como “ensaios não acadêmicos”. Coisas sobre as quais ela refletiu. Já em outro momento ela os classifica de reflexões. Independente da classificação, o texto foi bem escrito. Provoca, indaga, expõe sentimentos e nos conduz pelos labirintos da existência com serenidade, sabedoria , fluidez de pensamento e uma certa dose de perplexidade e inquietação.

Nesta obra Lya afirma, ou seja, convida o leitor a se juntar a ela, ser seu cúmplice e companheiro nesta jornada de descobertas, desconstrução e reflexões que vão da infância à vida adulta e à morte.

Sem nunca perder o fio da meada vai tecendo com habilidade e destreza, entre um pensamento e outro, uma reflexão ou incerteza uma nova maneira de ver e sentir a vida.

Fala de recomeços, de relações conflituosas entre pais e filhos, de historia de mulheres que se descobrem envelhecendo e a forma com que lidam com essa nova realidade mas sempre sob a perspectiva de alguém que aprendeu e continua aprendendo com todos os acontecimentos, dores e alegrias.

Algumas vezes se sente que está sentada ao seu lado tomando uma xícara de chá e divagando com paixão e alma sobre temas tais: tempo, família, relações, ilusões, perdas em vida, perdas pela morte, enfim sobre o intrincado e complexo sentido do existir.

Consegue-se sentir em suas palavras que as perdas ou ganhos baterão em nossa porta em algum momento e seu impacto será proporcional ao conjunto de nossas experiências e história pessoal de vida.

Se o que Lya pretendia ao escrever este livro era nos desacomodar, nos provocar a rever nossos conceitos, a olhar para nossas emoções e sentimentos ela conseguiu e com muita maestria.

O titulo do livro já deixa claro que se trata das tantas perdas e outros tantos ganhos que a pessoa acumula durante a vida mas só com a maturidade é capaz de equilibrar os dois lados da balança.

Lya Luft com este livro nos convida a rever nossos vínculos, nossos afetos. Repensar o que entendemos por ser feliz e mais do que isso nos instiga a construirmos relações sólidas, sadias e baseadas na amorosidade e comprometimento com o ser e o sentir.

Fontes:
– https://www.amazon.com.br/Perdas-ganhos-Lya-Luft/dp/8501067113
– Sandra Radin, em Artistas Gaúchos, 22/09/2020

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Estante de Livros (“Pauliceia Desvairada”, de Mário de Andrade)

Pauliceia Desvairada é uma coleção de poemas de Mário de Andrade, publicada em 1922. Foi a segunda coleção de poesia de Andrade e a mais polêmica e influente. O uso livre da métrica por Andrade introduziu ideias modernistas europeias revolucionárias na poesia brasileira, que antes era estritamente formal.

COMPOSIÇÃO

"Pauliceia " é o apelido de São Paulo, cidade natal de Andrade e cidade em que o livro foi publicado. Nos poemas individuais da coleção, Andrade ocasionalmente se refere à cidade como "Pauliceia". 

A coleção se passa em São Paulo e está ligada à cidade de inúmeras formas, tanto artística quanto historicamente. Ela nasceu diretamente das experiências de Andrade no centro da cena artística de São Paulo no ano que antecedeu a 1922, o divisor de águas do movimento modernista brasileiro do qual Andrade foi a principal figura literária. Na mitologia do livro que o próprio Andrade criou, surgiu de uma experiência transcendentemente alienante que Andrade teve em 1920: a raiva de sua família por ter comprado uma (na visão deles) uma escultura blasfema de Victor Brecheret. Não há dúvida de que Brecheret e os demais jovens artistas e escritores do círculo de Andrade - principalmente Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Emiliano Di Cavalcanti e Menotti del Picchia - influenciaram o desenvolvimento do livro. 

Foi escrito, como a obra-prima modernista paralela The Waste Land, ao contrário: Andrade explica no prefácio que ele começou com uma obra muito longa, escrita apressadamente e um tanto desestruturada que foi gradualmente reduzida ao seu estado final.

ESTRUTURA E ABORDAGEM

O livro é composto por 22 poemas curtos, cada um uma imagem única de um segmento da vida de São Paulo, seguido de um longo poema "As Enfibraturas do Ipiranga", descrito como "Um Oratório Profano" e completo com instruções de palco específicas, mas impossíveis: "Todos os 550 000 cantores rapidamente pigarreiam e respiram profundamente" (81). Andrade lê vários desses poemas durante a Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922, que ele organizou em colaboração com Di Cavalcanti, Malfatti, e vários outros. Ele também leu um ensaio, escrito depois que os poemas foram concluídos, descrevendo sua base teórica em retrospecto; este ensaio foi publicado como uma introdução à coleção, com o título irônico de "Prefácio Extremamente Interessante". O tom é irreverente e combativo e o ensaio traça um uso livremente musical dos versos.

Os poemas, que não apresentam métrica regular nem rima e que não são escritos principalmente em frases completas, mas em frases curtas e rítmicas, foram recebidos com vaias na leitura inicial, embora muitos na plateia ainda reconhecessem seu significado. Na forma, eles são totalmente novos; no tema eles podem ser eufóricos ou extremamente queixosos, preocupados com os cantos menos glamorosos da cidade, de uma forma que era totalmente nova para a poesia brasileira. "Tristura" começa:

Profundo. Imundo meu coração.
Olha o edifício: Matadouros da Continental.
Os vícios viciaram-me na bajulação sem sacrifícios.
Minha alma corcunda como a avenida São João.

DEDICATÓRIA

Publicado no final do mesmo ano da Semana de Arte Moderna, o sentido militante de inovação artística do livro está em primeiro plano, do início ao fim. A dedicatória é ao próprio Mário de Andrade e começa:

"Amado Mestre,
Nas muitas e breves horas que me fez passar ao seu lado, muitas vezes falou da sua fé na arte livre e sincera; e recebi a coragem da minha Verdade e o orgulho do meu Ideal não de mim mesmo, mas de sua experiência. Permita-me agora oferecer-lhe este livro que me veio de você. Por favor, Deus, que você nunca se irrite com a dúvida brutal de Adrien Sixte...

Respondendo ao apelo poético tradicional às musas clássicas e a Deus, Andrade coloca ambos dentro de si, e se pergunta para não sofrer a dúvida de Adrien Sixte, personagem de um romance de Paul Bourget, Le Disciple, que, como professor de filosofia, argumenta calma e racionalmente em favor do positivismo e do naturalismo sem admitir o pessimismo absoluto dessas ideias em sua própria vida tranquila, até que um estudante, levando-as talvez mais a sério do que ele, age sobre elas severamente e alguém morre. Para Andrade, ser Mário de Andrade significava nunca desistir da severidade das suas convicções. "

sábado, 13 de janeiro de 2024

Estante de Livros (“Além da Magia”, de Tahereh Mafi)

Uma aventura cativante e cheia de cores, um conto de fadas moderno escrito pela autora do best-seller da série Estilhaça-me. Inspirada por seu amor a livros como O jardim secreto e As crônicas de Nárnia, Tahereh Mafi cria um mundo novo e fascinante no qual a aventura é inevitável e a amizade pode ser encontrada nos lugares mais improváveis. 

Resenha por Tânia Bueno

Há apenas três coisas importantes para Alice Alexis Queensmeadow, de 12 anos: sua mãe, que não sentiria sua falta; magia e cor, os quais parem escapar dela; e seu pai, que sempre a amou. No dia em que seu pai desapareceu de Ferenwood, ele levava consigo apenas uma régua. Já se passaram quase três anos e Alice está determinada a encontrá-lo. Ela o ama tanto quanto ama aventura, e está prestes a embarcar em um para encontrar o outro.

No entanto, trazer seu pai para casa não será tão fácil. Alice precisa viajar através da mística e perigosa Terra de Furthermore; onde para baixo pode ser para cima, papel está vivo e esquerda pode ser direita. Sua única companhia é um garoto chamado Oliver, cuja habilidade mágica é mentir e enganar – e com um mentiroso em uma terra onde nada é o que parece ser, requisitará de Alice toda sua concentração para encontrar seu pai e conseguir voltar para casa sã e salva. Em sua jornada, Alice precisa se encontrar - e se agarrar à magia do amor diante da perda.

O que dizer de um livro que abraça o leitor e o faz desejar que magicamente a leitura aconteça num piscar de olhos para saber tudo o que acontece de uma vez? Ah! Mas que graça teria ler num piscar de olhos? 

Alice mora em um país magico, que faz grande festividade todos os anos para o evento que se intitula A ENTREGA, é neste dia que os jovens de 12 anos precisam entregar seus talentos, que é mostrar os seus talentos à sociedade e então recebem um desafio que consiste  em ajudar alguém enfrentando alguma dificuldade, necessitando de algo em algum lugar e a conclusão do desafio cresce. Alice almeja por esse momento embora não acredite que tenha um dom/talento mágico, ela tem uma autoestima um tanto baixa, se acha feia e como ela mesma fala: somente Pai a acha bonita. Por não ter cores como as demais pessoas ela se sente diferente e infeliz.

A história começa três anos antes, quando do nada, seu Pai desaparece e ninguém sabe para onde ele foi, ela sofre com a ausência do Pai e acha que a mãe não a ama tanto quanto o Pai amava, mas entenderemos toda esta situação no final da trama. Alice se apresenta na Entrega e o que apresenta não impressiona os jurados e ela recebe um envelope preto que prefere não abrir por ter sido reprovada e não ter mais chance alguma, mas parece que na vida é assim, às vezes imaginamos algo e não queremos confirmar o que achamos que sabemos e muitas vezes sofremos desnecessariamente, pois antes do outro nos dar outra chance, nós precisamos nos dar a primeira chance. Bom, mas isso também você saberá durante a leitura desse mágico livro que impressiona do início ao fim.

Agora, que não tem seu desafio, Alice pode investir em encontrar o Pai ainda que para isso tenha que se aliar a Oliver, um garoto que é mentiroso (razões a serem entendidas durante a leitura). Oliver nunca deu nenhum motivo para Alice confiar nele, mas diz que é a única pessoa que poderá encontrar o Pai, claro, se ela o seguir em uma aventura sem precedentes, até porque Oliver tem um tempo para cumprir o seu desafio que é encontrar o Pai, que é uma das pessoas mais respeitadas na terra de Ferenwood, a terra mágica e que respeita todos os seres vivos, e não pense que é uma terra com magia feitas com varinhas e poções, nada disso. Trata-se de uma “terra simples e rica em recursos naturais e os recursos naturais mais importantes era cor e magia. Um lugar onde se colhe as cores e a magia do ar e da terra.” 

Nesta aventura muitas coisas serão postas à prova como a coragem, inteligência, o perigo como viver uma linha tênue entre a vida e a morte, isso porque Alice e Oliver terão que ir à terra de Furthermore, onde muitas coisas que parecem ser, não é. Onde o visitante tem que ficar alerta o tempo inteiro, dormir e sonhar pode significar morte, não comer pode significar garantia de vida e segurança, pois em algumas situações estar leve é absolutamente imprescindível. Tudo parece não fazer sentido agora, mas leia o livro e você compreenderá.

Farenwood, um lugar onde ocasionalmente chovia e as cores eram mais fortes do que o normal e a magia era tão comum quanto o franzir de testa de um pai ou de uma mãe. E sua peculiaridade ficava evidente nas coisas mais simples que ela fazia... Alice parava muitas vezes desviando do caminho, respirando fundo e segurando a respiração, egoísta demais para libertar o ar de seus pulmões. Girava e rodopiava as saias com um sorriso tão enorme que chegava a pensar que seu rosto explodiria para desabrochar. Saltitava na pontinha do pé só quando não aguentava mais exalava o que não era seu.” (pag. 13)

E assim nossa heroína teimosa inicia sua jornada em busca do Pai, passa pela Vila de Sonolência, mas não pode dormir, embora seja o desejo. Na Vila de Quietude todo cuidado é pouco, pois qualquer barulho pode despertar feras interiores e horrores e é lá que terão que encontrar o Tempo. Descrença é uma Vila horrorosa, então não ouse proferir a palavra descrença em hipótese alguma, aliás, cuidado com tudo que fala, não tenha cabeça pequena e lembre-se que você está sendo observado o tempo inteiro, é como se fosse um grande jogo. Ah! Tem tempo para permanecer e se roubar tempo será perseguido e preso. 

Alice e Oliver seguem a aventura e chegam a lugares surpreendentes, desconfiados e prudentes muitas vezes se colocam em riscos ou por não conhecer o lugar ou por não pensar fora da casinha e ficarão em situações que terão que pensar rápido e embora estejam caindo para a vida, a sensação é de morte imediata. Mas eles são inteligentes e captam mensagens que salvarão suas vidas e os colocarão de volta no objetivo, cujo fim é encontrar o Pai.

A menina Alice vai se descobrindo e aprendendo a se valorizar reconhecendo qualidades até então menosprezadas, entra em contato com sentimentos novos que a faz se sentir amada e querida, neste caminhar aventureiro ela descobrirá que ser diferente não impedirá para nada. Descobrirá que o seu talento é importantíssimo para o mundo, afinal este talento dá vida e alegria ao local e às coisas, mas ela não usa seu talento para se vangloriar por acreditar que se não aplica-lo a si mesma que valor tem?

A narração é feita pela autora que está dentro da trama e nos conta alguns segredinhos da terra Farenwood, de Alice e Oliver isso tudo para nos situar no mundo de Além da Magia, ela conversa em vários momentos com o leitor e faz sentir próximo.

CONSTATAÇÕES:

- quanto mais as pessoas pensam, mais facilmente se livram da persuasão de outras pessoas.

- estudos já provaram que reflexão e questionamento levam a um processo de tomada de decisão consciente. (Pag 172)

- Sabe qual é um dos maiores truques da vida? “O riso era um bálsamo que tornava mais leves até os momentos mais difíceis.” (pag. 263) Amo rir de tudo, inclusive de mim mesma. Rir sozinha quando lembro-me de algo engraçado, rir de situações que presencio e por aí vai.

Um alerta importantíssimo de mãe para a criança Alice: “Mãe sempre dizia, especialmente, em relação a homens estranhos, Sentir medo significa que não tem problema nenhum em deixar as boas maneiras de lado. Se sentir medo, não precisa ser gentil.” (pág. 15)

De Pai para Alice: “Por que você precisa se parecer com o restante de nós? Por que tem de mudar? Nós que mudemos o nosso jeito de ver. Não mude o seu jeito de ser. Você é uma artista – Ele sorriu. – Pode pintar o mundo com as cores que tem dentro de você.” (pag. 234)

Cuidado com a zona de conforto – constatação de Pai : “Conforme fiquei mais velho, acabei me acomodando. Era mais difícil pensar de formas diferentes e passei a precisar de mais tempo para entender as coisas. O medo me atrapalhou. Fiquei tenso demais, cauteloso demais. E foi então que comecei a cometer muitos erros.” (pag. 355)

Sobre ser diferente: “Alice sabia que ser diferente sempre seria difícil; sabia que não existia magia capaz de abrir a mente fechada das pessoas ou acabar com as injustiças da vida. Mas também começava a entender que a vida nunca era vivida em termos absolutos. As pessoas a amariam e a desprezariam; elas mostrariam tanto gentileza quanto preconceito. A verdade era que Alice sempre seria diferente – mas ser diferente era ser extraordinário, e ser extraordinário era uma grandíssima de uma aventura. Como o mundo a via, isso não tinha importância. O que importava era como Alice se via.” (pag. 356)

E viva o diferente! Seja a diferença e viva extraordinariamente sempre.

Fontes:
Resenha: Tãnia Bueno in Faces da Leitura . 23 de setembro de 2019. 

domingo, 31 de dezembro de 2023

Estante de Livros (“O arqueiro”, de Paulo Coelho)

Publicado pela primeira vez no Brasil, o novo livro de Paulo Coelho chega em edição com capa dura e ilustrações em duas cores. Uma história rica em ensinamentos sobre como ter uma vida plena e repleta de propósito.

O arco é a vida: dele vem toda energia; a flecha é o intento; o alvo é o objetivo a ser alcançado. Através de uma parábola sobre arquearia, Paulo Coelho nos ensina a persistir em nossos objetivos, buscar paz de espírito e sermos gratos pela jornada que percorremos.

Após receber uma visita inesperada, Tetsuya, o melhor arqueiro do país, transmite seus conhecimentos a um jovem da aldeia onde vive. Assim, conhecemos o caminho do arco, que nos inspira a seguir nossa intuição e a viver plenamente.

Em entrevista obtida no blog do autor, ele conta porque escreveu o livro:

Você também é arqueiro – o que o atraiu no esporte? 

Eu achava que era muito elegante quando era jovem. Eu disse a mim mesmo: Um dia farei isso. Então comecei a morar nos Pireneus, onde tinha uma pequena casa, e conheci alguém por acaso. Essa pessoa começou a me ensinar como usar o arco e flecha e me ensinou o básico do tiro com arco. É passar de uma tensão extrema a um relaxamento total, no exato momento em que você abre a mão. E é realmente elegante, porque você precisa de postura para atirar bem. Trata-se de aprender a se concentrar e fazer esse tipo de exercício não por fazer exercício, mas por fazer algo que você deseja. E assim aprendi.

Como suas experiências com o tiro com arco influenciaram a escrita deste livro?

Foi, de certa forma, um resumo da minha experiência no tiro com arco. E, claro, eu precisava de uma diretriz, uma história. Ao ler, você aprende tudo o que aprendi, tudo o que precisava. Atirar flechas não é simplesmente acertar um alvo em branco, mas realmente tentar ver o mundo através do arco. O momento de tensão total antes de você abrir a mão, a conexão. Se você atinge a meta ou não, é irrelevante. Mas o que importa é tornar-se o arco, a flecha e o alvo

Alguma experiência específica inspirou você a escrever O Arqueiro?

Um dia eu estava sentado em minha casa nos Pireneus e pensei como era incrível o tiro com arco, e quis escrever um livro sobre minha experiência. Queria escrevê-lo pelo menos para ler ou condensar para mim mesmo. Tentei ensinar a mim mesmo o que aprendi instintivamente. Às vezes, quando você aprende, você tem que sentar e entender o que aprendeu. Ao fazer isso, escrevi o livro. Está em suas mãos agora.

Como você acha que Santiago de Compostela influenciou seus livros e, especificamente, este?

A peregrinação de Santiago de Compostela é isto: você conhece o seu destino e vai em direção a ele. Isso me influenciou muito no sentido de que eu sabia que tinha que focar em um ponto e seguir em frente.

O Arqueiro fornece orientações simples para uma vida bem vivida. Você acha que uma fábula ou alegoria é o modo mais eficaz de ensinar o que você aprendeu sobre as verdades essenciais da vida?

É um livro curto, você não precisa complicar as coisas.*Risos* Na verdade, a vida é simples. Complicamos muito. E uma fábula ou alegoria fala com as partes ocultas de nós mesmos. Você aprende a essência da vida prestando atenção às coisas simples que o cercam. Esta é basicamente a ideia do ARQUEIRO. Estou falando de tudo, desde amizade e muito mais: a importância do arco, a importância da concentração. No final das contas, é a vida. Você aprende vivendo sua vida plenamente

Você já teve um mentor como Tetsuya? Se sim, que ensinamentos você aprendeu?

Não no sentido metafórico que uso em meu livro. Tive um mentor no sentido de que precisava aprender o básico de como atirar, como evitar me machucar. Sou muito grato a ele porque foi ele quem me ensinou o que sei. Mas no final das contas, como eu disse, você aprende fazendo alguma coisa. Algo que você ama. Então, realmente, você não precisa de um mentor – você só precisa das etapas. Uma vez dados os passos, você pode seguir em frente, e repetir e repetir até que um dia, não é que isso se torne automático, mas de alguma forma, seu subconsciente assume o controle de si mesmo e segue em frente.

Você tenta seguir o exemplo de Tetsuya quando orienta escritores mais jovens?

Eu não oriento escritores mais jovens. Quem sou eu para orientar alguém sobre qualquer coisa? Claro que recebo convites para Master Classes, mas nunca aceito porque não tenho nada para ensinar. Acho que escrever é uma experiência por si só.

Você pode nos contar sobre as influências espirituais e religiosas em sua escrita? Como você se sente sobre O ALQUIMISTA sendo usado por muitos leitores como um guia espiritual, e você vê os leitores recorrendo ao ARQUEIRO da mesma forma?

Claro, espero que nos passos de O ARQUEIRO as pessoas vejam a mesma jornada que existe em O ALQUIMISTA. Claro, eles são diferentes. O ALQUIMISTA é um livro de viagem e, embora O ARQUEIRO também o seja, espero que as pessoas usem O ARQUEIRO para ajudá-las a aprender o básico da vida. Eu realmente espero isso.

O que você espera que os leitores tirem de O Arqueiro?

É impossível dizer o que ele espera, porque todos os leitores vivenciam o livro de maneiras diferentes. Recebo muitas cartas sobre meus livros e, às vezes, eles veem coisas que eu não vi e me contam sobre elas. Fico muito feliz em lê-los, porque aprendo com eles. Aprendo com eles, sobre mim.

Fonte: https://paulocoelhoblog.com/2020/11/10/today-the-archer-in-english/ . 10 nov. 2020. (traduzido do Inglês por Jfeldman)