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quarta-feira, 13 de maio de 2020

Olga Agulhon (Poemas Escolhidos)


ASSIM SÃO NOSSAS SINAS
(aos meninos do Mamonas Assassinos)

Um meteoro passou
com cara de arco-íris.
Veio sem avisar,
como tudo que vem do céu
e se desmancha no ar.

Por onde passou,
magia deixou,
multidões encantou.

Se alegria
nessa terra era Utopia,
tudo mudou...

E o riso, mesmo constrangido,
por tanta ousadia,
fez-se presente amigo,
em horas de agonia.

Mas a negra sorte, ingrata,
também vem sem avisar
e leva o que é querido
para outro lugar;
lugar não sabido,
de trânsito impedido,
mas que no céu deve estar,
e só quem no céu se forma,
para lá pode voltar.

A alegria, se ia junto,
dos homens teve dó;
explodiu-se em fino pó,
que se espalhou generosamente
na memória de nossa gente.
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EM BUSCA DE UM CAMINHO

Um dia descobri
que era impossível
ter a mente nas estrelas,
os olhos no horizonte
e os pés na terra.
Travou-se, então, uma luta interna.
Queria manter meus olhos fechados
para que não me acusassem
de não querer ver.
Queria manter meu corpo doente e fraco
para que não me acusassem
pelo que deixo de fazer.
O tempo passou
e contentei-me em viver de esperanças.
A felicidade não chegou
e contentei-me em viver de saudades.
Um amanhecer depois de outro
e contentei-me em viver
com as cortinas fechadas.
Sorria para o além.

Beijava alguém,
não sei quem,
que não estava presente.
Vivi de luas e sonhos,
estrelas e ilusões
até recomeçar uma nova batalha
por um novo caminho,
ainda não percorrido.
Olho agora para o horizonte
e, embora ferido,
sigo em frente,
em direção ao desconhecido,
pois somos todos viajantes,
apressados pelo tempo
e procurando respostas
muito bem escondidas
nas estradas de nossas vidas.
Ainda não encontrei o que procuro,
ainda não desfiz o nó do futuro,
mas ainda andarei
enquanto houver tempo.
Só não sei se conseguirei
vislumbrar menos que o horizonte
e talvez nunca deixe pegadas,
criando uma nova era
de pessoas aladas.
****************************************

O CICLO DA ÁGUA E DA VIDA

A chuva vem.

Os pingos caem, saltam, correm.

Caem sobre as abertas feridas,
as profundas marcas,
as escuras e sujas manchas.

Saltam com gritos de dor
e correm cicatrizando as feridas,
maquiando as marcas,
limpando as manchas.

Levam, por um momento,
as dores e suas lembranças,
mas a chuva passa e
leva consigo um frasco da vida.

A chuva volta.

Os pingos caem, saltam, correm.

Ficam, por mais um momento,
as feridas sem dor,
as marcas sem lembranças,
as manchas sem medo.

Mas a chuva passa e
leva consigo um frasco da vida.

A chuva passa,
o tempo passa,
a vida continua.

Até que
a chuva passe,
o tempo passe
e a vida acabe.
****************************************

O POETA E A PROFESSORA

ATO I

A lua já brilha lá no céu,
enquanto a noite põe seu negro véu
e escurece as ruas;
as minhas e as suas,
as vestidas e as nuas.

ATO II

Enquanto a magia nasce sobre minha cabeça de poeta,
meus pés reclamam pelo merecido descanso
depois de mais um dia de trabalho, nada manso.
Na fila do ônibus, sempre atrasado,
uma mulher de rosto muito cansado
desperta-me a curiosidade.

A roupa está amassada, é simples e discreta;
humilde, melhor dizendo.
Contrastando com o visual de borralheira,
um grande e reluzente anel de formatura em seu dedo.
Uma pilha de livros nas mãos.

ATO III

Tanta poesia no céu;
só realidade no chão.

A imaginação invade a vida alheia.
É uma pessoa estudada,
como dizem aqueles que não o são.

Qual será sua profissão?
****************************************

O TEMPO É CURTO

Sinto agora a última saudade.

Sinto o coração falhar
e os olhos enchem-se de lágrimas,
querendo chorar.

Não tenho mais chance
para ir adiante,
enfrentar meu destino errante.

O tempo não tem caridade
e leva a vida embora
antes da felicidade.

Talvez não veja outra lua,
clareando a rua,
talvez não receba a última flor,
talvez não sinta mais seu calor,
talvez não escreva a última página,
mas, talvez, para sempre
leve no peito uma dor
e no rosto uma lágrima
de amor.

Ainda não vi a realização dos meus sonhos,
ainda não fiz grandes coisas,
ainda não vi na vida
uma grande amiga.

Da dor, não reclamo; eu aguento.
Mas nada pode me dar alento;
tudo está sendo levado pelo vento
e eu não tenho mais tempo.

O telefone tocou, talvez,
já pela última vez.
****************************************

TARDE TRANQUILA

Num dia chuvoso, penso.   
A chuva varreu, tardia,
todo o conflito que havia
dentro de mim, tão denso.
O meu pensamento, tenso,
começou a sossegar e navegar
na sintoma das ondas que venço,
como se já não pudesse parar.

Ia olhando para o fundo,
procurando encontrar e desvendar
o maior segredo do mundo.
Imaginando se um dia, então,
o segredo de Deus e de Adão
será revelado sobre este chão.

Fonte:
Olga Agulhon. O Tempo. Maringá: Midiograf, 2003.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Marciano Lopes e Silva (Poesias Avulsas)


O AMOR À SOMBRA DAS SIBIPIRUNAS
(um poema para as sibipirunas de Maringá)

Sibipirunas em flor
se  enlaçam
lado a lado nas calçadas.

Silêncio.
Frescor.

Pombos entre folhas.
Raios de luz.

Passo a passo
como noivos na catedral.

Amamos.

CHAMAVENTO

Pois transbordando de flores
A calma dos lagos zangou-se
A rosa-dos-ventos danou-se
O leito do rio fartou-se
E inundou de água doce
A amargura do mar
("Rosa-dos-ventos", Chico Buarque)

“Noite de vento, noite dos mortos.”
         (O Tempo e o Vento, Erico Verissimo)


Divino vento!
Não nasce nem morre.
Apenas existe.
Infinito como o tempo.
Divino vento
que faz as montanhas virarem pó
e faz o pó invadir minha alma
carregando o cheiro fétido da morte.
Divino vento que tudo arrasa e arrasta!
Divino vento que move moinhos!
Inflama a chama alastra o fogo
e revolta os mares em vagas colossais!
Divino vento
que penetra por todos os cantos
poros, narinas e frestas...
Divino vento que revolve a terra
seca e esquálida
que povoa a história com sussurros
e desenterra velhos sonhos adormecidos.
Vem!
Vem divino vento!
Vem vendaval!
Vocifera em meus olhos a ira dos deuses
na imensidão da noite!
Vem!
Enlouquece a natureza!
Que corujas lancem pios!
Cães ladrem nos terraços!
Vacas pastem em jardins!
Cavalos relinchem em hotéis!
Gatos uivem no céu!
E ratazanas invadam as ruas
numa gargalhada infernal!
Vem!
Divino vento!
Vem com toda a fúria!
Com a ira de todas as malditas gerações
amordaçadas!
Vem!
Arrebata a rosa-dos-ventos!
Divino e bendito vento!
_____________________________
Nota:
Reescritura de um antigo poema intitulado "As vozes do vento", publicado no livro Concurso DCE-FURG - 15 anos de Contos e Poesias. Rio Grande/RS: FURG, 1987. p. 15-18.

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SEMINAR

O amor da gente é como um grão.
(Drão – Gilberto Gil)


Quem disse que temos todo o tempo do mundo?!
Se assim fosse, por que amar as pessoas
como se não houvesse amanhã?!

Não, o tempo não pára
e o sonho é como um grão:
tem que morrer pra seminar.

SOUVENIR

Veja o sol dessa manhã tão cinza:
a tempestade que vem tem a cor dos teus olhos castanhos.
(Tempo perdido, Renato Russo)


Quando a dor te encontrar no fundo do calabouço,
lembra que a tempestade tem a cor dos teus olhos
e o frescor das fontes que brotam límpidas
do velho poço de pedras.
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ÁGUAS VIVAS

ÁGUA-VIVA I


Nas madrugadas navego.
Oceano sem fim.

Imensa onda.
Jaz mim.

 ÁGUA-VIVA II

Fumaça blues.
Flor essência
de sândalo.

Dourados
no aquário.

ÁGUA-VIVA III

anêmonas
trêmulos
véus...

Divina Vênus
na cama...

ÁGUA-VIVA IV

Estrelas n’água.
Branca espuma
em teus lábios.

No firmamento
noctilucas pululam.

Astrolábios.

ÁGUA-VIVA V

Nas madrugadas bebo
águas vivas.

Resgato águas furtadas,
régias e marinhas.

Depois adormeço,
pálido de aurora.

ÁGUA VIVA VI

Mar remoto.

No fundo
(da concha)
naufrago.

ÁGUA-VIVA VII

as ondas
espumantes
(en) volvem

o doce nácar
das conchas

SINUCA 1: "PRETO BATE BRANCO BATE PRETO"

preto bate branco
bate preto
embola enrola esfola
assola
escarra escarra escarra
cuca luta dis-
puta
taco contra taco
sopapo
nuca noite coice
foice
bate bate bate
bola contra bola
bate
pelas ruas pelos guetos pelos panos
rola
bola contra bola
rola
............................

preto bate branco
bate preto
faca tapa coice
açoite
estala
bala contra bala
estala bala vala
desfia desafia afia
porfia
a faca o taco o troco
sufoco
cara contra cara
encara
caça contra caça
regaça
encara bate e cala
caçapa!

SINUCA 2: TACO CONTRA TACO
 
embola enrola volteia
bate
enrola esnoba floreia
bate
cuca luta bruta pura
disputa
taco troco truco traço
no braço
bola contra bola bate rebate
e gira
pelos cantos pelas beiras pelos panos
rola rola
bola contra bola bate rebate
estala
bola contra bola rela rala rinha risca
desliza
bola contra bola bate rebate reganha rebola
encaixa
taco a taco ferro fere firme forte
fácil

última bola:
cara a cara encara mira e cala
caçapa

DOM QUIXOTE DALI

Dom Quixote manchado,
cavaleiro das taças quebradas,
envolto em moinhos
de sonhos e mágoas,
avante!.. avante!...
Impávido
pelos trilhos utópicos
alucinado a rodar e a rodar e a rodar
em sonhos...
carrossel...
Atravessa os túneis,
penetra a terra,
move os céus e as montanhas,
estrela a brilhar em consternação...
Constrói o futuro
e cola os cacos da história!
Tu que és trapeiro doido da lua,
eternamente um louco salvador...
Tu que és trapeiro doido da lua,
eternamente salvador dali...
Dali, daqui, de lá, acolá...
Evoé!
Avante Quixote!
Ole!... Ole!... Ole!…

SER/VIDA

vida sobre/mesa
sobre/mesa vida
vida ser/vida

vida sobre/mesa
explícita

cadáver vivo?

natureza morta?

vida sobre/mesa
mesa sob(r)a vida
sobre/mesa vida

ser/vida
a/guarda
?

quem descubra
quem decifre
quem devore
?

faca
ques
pedaça
?

vida sobre/mesa
es/finge faminta

devora
ar/dente
mente
?

sente(?)
-
MIRANDO JANIS JOPLIN
-
É nessa cadeira, vejam, é nesta cadeira vazia
que ouço Janis Joplin
e converso com Bertold Brecht
sobre os absurdos do mundo.
É nessa cadeira, vejam, que ouvimos Neruda cantar
e converso com o mais estranho e eclíptico demente
que com os meus olhos meninos eu vi!
Ele se delicia com rainhas, balões, porcos e pedras rolantes,
grita berra e murmura baixinho
que não tem certeza de nada e que a ignorância também é sábia.
Fala de doidos amores
conta as mulheres que comeu e cuspiu
nos podres vasos da aurora
nos banheiros sujos em que deixou
o âmago quente do seu estômago
cansado da burra servidão do dia.
É nessa cadeira, vejam,
é nesta cadeira vazia que converso com Janis Joplin
sim! eu converso com Janis Joplin!
Nessa cadeira Neruda a cantar!
Bertold Brecht fala dos absurdos do mundo!
Sim! Eu ouço Janis! Janis Joplin!
nesta cadeira vazia.

Não, não assuste não! São somente máscaras
com que disfarçamos o medo
o vazio o vácuo a velocidade a voz
que vem do nada por todos os lugares
jorrando como sangue do coração
fazendo esgares nos espelhos espalhados pelo caminho!
Sim, é nesta cadeira, vejam, é nesta cadeira vazia
que miro Janis Joplin!

Canção apresentada durante o 1º Acorde Universitário - Festival de MPB.
-
MIGALHAS
-
bebia sua vida num gole gargalo
com jornal de lã na calçada-divã
vestia saída num beco soberbo
de fome subúrbia
travessa sacia sua sede de pão

meio-dia fomenta milhares de carros
com tal sede insana faminta de grana
pro gole final que deu ali mesmo
de magna angústia
tomou batida e encheu a cara de chão

encheu a esquina
de cena
agora é a vida

que
pinga
que
pena [1]


Milhões de migalhas
encobrem a mesa.

Milhões de migalhas
não fazem um pão.

Milhões de migalhas
não fazem nem mesmo
uma fatia.

Milhões de migalhas
são apenas mais sujeira
no dia a dia.
____________________
[1] O texto em itálico é um poema do amigo Sansão (Fábio Freitas), cujo título é “Pão e pinga (A fome e a embriaguez)” e foi gentilmente cedido para acompanhar meu poema "Migalhas".
=========================
NO LIMITE

Num mundo videoestilhaçado
deve o poema também sê-lo?

Em canais latrinobabélicos
deve o poema signosilenciar?

Narcisopausterizado na massa
deve o poeta e(x)goelar-se?

Ou a saída seria dispará-lo à seco
cilada selada com muito desvelo?

DA DIFÍCIL TAREFA DE SER ATOR

Ser ator é moleza,
barra é ser professor.

Interpretar todo dia
sem ao menos ter um palco
por salvação
não é pra qualquer um

só para hipócritas
e ratinhos
de labotoratório.

Viver por tanto
então
nem se fale.

Somente louco
ou artista.
Tanto vale.

Fonte:
http://marcianolopes.blogspot.com

sábado, 5 de outubro de 2013

José Roberto Balestra (A Barragem)

Há dias que tanto faz como tanto fez
Que a coisa fique cinza ou amarela
Feito alguma estupidez
Ou qualquer abanadela
De um doce adolescer

Hoje amanheci assim
Não troco uma Zepparella
Por um velho e bom Led Zeppelin
A vida é boa barbaridade

Melhor é ter um dente só
E andar pela cidade
Do que ficar logo banguela
Sem nenhuma bocatividade
Esperando quando a barragem romper...

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Nívea Martins (Maringá Poético)


Nívea Martins – Nome artístico de Maria Nívea Cerqueira Cezar Pereira Martins. É atriz de teatro e poeta. Quando residia em Santos, atuou sob a direção de Plínio Marcos em A balada de um palhaço, da autoria do referido dramaturgo. Entre as diversas peças em que atuou em Maringá, sempre sob a direção de Newdemar de Souza (Grupo Quilombo), estão Ternura e sol (baseada no livro homônimo de Ary Jacomossy), E agora Drummond? e A dança do caos (criação coletiva).
–––––––––––

SEPARAÇÃO 

Desnudo-me
Proponho que me esqueças
Eu pararei nos portos da vida
Tu prosseguirás sem razăo
Então, vou cuspir ao vento
Minha fragilidade
Que se faz poesia
Rasgando o solo frio desse chão

ORGISOFIA

Quando te encontro
nada mais penso
quando te quero
de tudo me desfaço
quando me solto
seus lábios estremecem
quando desnudo-me
seu corpo enlouquece

Quando năo me encontro
vocę declama poesia
quando tento e penso
vocę cheira ressaca de maresia
quando eu mesma me faço
vocę me toca com olhar de magia
quando me visto e insisto
vocę me lembra de sua ideologia
pensa năo ter mais nada a falar
se encolhe 
me escolhe
e é só filosofia!

SER-VEJA 

Brinco em cada palavra
que na minha voz 
é pronome perfeito
meio sem jeito pulo o verbo
que de todo ato repulsa a fala
sem particípio
e participo do encontro em que foge a consoante
consciência que sei que tudo se fez.
Hiato, talvez um desacato ao sujeito eleito!
Ah! Tantos encontros consonantais que já não sei
se encaro ou páro!
Se corro com dois ou um r só 
esse desespero de regras!
Se já não posso decifrar
sílabas tônicas
verbalizo então
ser-veja 

ALGUM ALGUÉM 

Saiu de sua terra. Tão cedo!
Comeu o pão do diabo...
Tão inocente!

Amou o pecado... De leve!
Pisou nesse chão... Foi breve!
Deixou nada pra ninguém,
não queria marcas incuráveis,
não desejaria mal algum, mas... Foi a vida,
a vida que tão vivida não tinha nenhuma constância.
foi mais um sem fé!
Digo até que com muita razão...
não saboreou o pão, engoliu seco, sem sentidos!
Não bebeu o vinho,
não existia cálice, muito menos palavras!
Passou despercebido,
nada conta a sua existência!
Levou a pressa consigo
e devagar, sem nenhuma dor, desconheceu o amor...
desbravou a si mesmo
perfurou suas entranhas
quis a morte,
que de sorte estava por perto, 
deu-lhe um sinal aberto...
e se foi, sem biografia. 
Só uma poesia sem intenção,
só de passagem, sem ilusão!
Não me pergunte quando, 
como nem porquê.
É uma psicografia.

SAUDADES DE MIM!

Sou vida enlouquecida!
Sou lua ferida!

Sou ave incontida!
Sou nenhuma razão
sou sua fome de pão
sou cada passo no chão!

Ser o que nada pensa
e nunca existe

Ser o que desequilibra
fera enfurecida
orgástica saliva!

Nem eu mesma lembro!

Talvez fada esquecida...
orquídea amortecida
em um jardim
com cheiro de fim...

do princípio ao meio...
a saudade de mim

MUTAÇÃO 

em cada dose
de sentimentos...
pulsa sangue quente
ausência...
reencontro
notas suaves...
contam estrelas no firmamento
minha intuição aflorada
desabrocha pétalas indecisas
orquídeas desenfreadas
até que o mundo se cale
talvez ...

DEIXEI O VENTO ME LEVAR

Não quis voltar!

provei de uma fruta
e ninguém mais vai saborear...
conheci o segredo
não ouso desvendar...
trago comigo o paraíso
me viciei em sabores
me deliciei nos sumos
me embriaguei
estourei os cadeados
desfiz as correntes
parei nas esquinas...
é minha sina
amores irreais...
é alma menina
desse destino imortal
é essência cristalina
despir-se dos valores
ficar de bem com o mal

TUDO QUE SE PLANTA, DÁ.

Psicose, neurose, cirrose
no gole nosso de cada dia
distorção frontal
colhe-se delírios
hare, assim seja namstê
fim da massa cerebral.
Os pontos que interrogam...
cobram um porquê.
O grito não sai...
a fala tremida
a boca maldita!
É vácuo
o espaço da inerte criatura.
É assim que se fez o relatório humano.
No engano da história
a falta de memória!
Nenhuma saída...
voto obrigatório...
seja eleito então
vazio.

PROFILAXIA

Anoitece.

O vulto alegre se entristece. De pavor!
Imutáveis monstros,
delinquentes civis!
Voltando de onde quis...
com o horror que nunca quis!
E lá no fundo desse poço imundo... Mundo!
jazem os crânios
arânios
com suas minas de urânio
a pedir perdão!
Inteligentes,
comoventes como só eles são,
a ditar e interditar,
os atos loucos. 
entre muitos,
poucos com o coração!
Anoitece.
O corpo marcado de pus que se reduz!
E o sol?
O sol com seu brilho,
move no canto do espartilho.
a força esmagadora de amar com prazer!
O que fazer?
Se a noite beneficia...
e o golpe asfixia,
um nó...
sem profilaxia,
com marcas de bem estar!
É, no duro,
hoje...
eu já não pulo o muro 
pois eles se curvam 
com o meu olhar!

LOGOS EU?

Sem razão...
sem rótulos...

sem definições...
ou decretos...
sem sentido
ou lógica de tempo!

nenhuma ordem
ou articulação...

sem previsões
tato, olfato, paladar!

Sem previsões!
Meras especulações.
Irreparável...
irreconhecível...
sem divisão
nem subtração!

Nenhuma religião...
nada cronológico
sem código de DNA 

fora de linguagem
nunca posta em leitura!

Fora de padrão!
Nada que se cobre
nada que se pague!

Nunca...
sem tentativas...

nada retrata minha passagem pela vida...
tão absurda!
Algo informal demais
E?
Logos eu?

É SOFRIDA NOSSA AFINIDADE

É sofrida nossa afinidade.
Basta-me 
Os sonhos,

As lembranças
As lagrimas derramadas
Como sofri quando você se foi
Os meus olhos se entristeceram 
Minha alma adoeceu
O meu corpo 
Virou deserto 
E seco se tornou, sem nenhuma reação
Se antes estremava com o teu toque
Agora dormente jamais será explorado novamente.
Passada esta relação

Acordo para outra vida
Sacrifícios se fazem necessários
E as mudanças 
Promovem em mim
Aquilo que mais me renova

Um amor 
Sem sonhos
Idealizados nas mesmas nuvens 
Sem promessas de chuvas
Estou climatizado nas esperanças futuras
Terei uma longa viajem por outros universos
De você não espero retorno
O passado será demarcado como única saudade
Para ti minhas poucas lembranças
Nada mais...

DESPIDO DE CONCEITOS E ÉTICAS SENDO SIMPLESMENTE EU

sem ilusões pra fugas
espasmos 
tento pensar coerentemente
mas a mente melindrosa
remete-me constantemente a
sonhos mirabolantes
acordando recentemente
recordando sonolentamente
de sonhos reais da alma real
e o que acontece realmente
é que entre o real e o incerto
a linha fina e tênue
separa-nos insanamente
entre o real e a mente que mente

colocando-nos a máscara da incerteza
na loucura da vida bela
neste mundo paralelo
que me criei nesta vida
entre o certo e o errado
no dia que as máscaras caírem
e me mostrar limpo, inteiro
despido de conceitos e éticas
sendo simplesmente eu
nu, cru, despojado de tudo

despojado do deus que criaram
para eu crer no ser eterno
esqueço do presente que é dádiva
do eu natureza vivendo
eternamente no já...

agarrando-me às ideias
de eterno ser.

Fonte:
Revista JIOP (Jornada Interartes Outras Palavras). n.1. Maringá : Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Letras, 2010.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Olga Agulhon (Gente de Minha Terra)



CONHECIMENTO

Estamos todos enganados!
Pensamos que podemos enxergar...
Mas pela ilusão fomos picados.
Vivemos no escuro!
Sabemos pouco do passado,
só pensamos no futuro
e não vivemos nada do presente.

QUASE REBELDIA

Chega de versos melosos, caudalosos,
que acompanham os momentos
de desatino.

Rompi com o destino!

Mesmo os momentos amorosos
serão mais curtos e secos.
Navegarei mares incertos,
não terei medo de becos escuros,
de passar por grandes apuros
ou atravessar longos desertos.

Chega de versos saudosos, lamentosos,
que acompanham os momentos
de solidão.

Rompi com a emoção!

Os punhais serão mais racionais
e os romances serão mais mortais.
Enquanto viverem, os amores serão rasos
como raízes em vasos;
suas marcas serão superficiais
e jamais exalarão perfumes florais.
Os versos serão brancos e secos
como os vinhos e a noite fria,
que é estéril e nada cria.

Mas a criação, criatura ingrata
na folha esculpida,
desata a forma da vida
e revolta-se contra o criador,
chorando pelas entrelinhas
sob o ritmo romântico 
das marchinhas.
Os versos saem cheios de amor provinciano
e abdicam da oportunidade
de tornarem-se poesia.
Para o criador,
nada de fotografia!
Talvez num outro dia
dê resultado a euforia
de sua quase rebeldia.

UM HOMEM POETA

Mergulhado em tristeza e solidão,
um homem escreve.
Versos ritmados? Não!
Escreve sobre seus dias,
contando horas vazias.
Escreve, com movimentos lentos,
palavras que tentam definir sentimentos.

É um poeta!
não porque escreve,
querendo escolher a palavra e a alegoria,
mas porque sonha,
perdido em  ilusões e melancolia.

Um homem chora.
Chora por sua vida dura,
querendo esquecer uma amargura.
Chora como todo amante,
que já sofreu o bastante.

É um poeta!
Não porque escreve,
querendo escolher a palavra e os pontos,
mas porque ama,
perdido em solidão e desencontros.
Por isso escreve,
com o coração pequenininho,
querendo seu ninho.
Escreve porque está sozinho
e só o papel lhe dá carinho.

A PALAVRA É A SEMENTE

A palavra é a semente.
Cata grão, cata grão, cata não.
O sábio escolhe
e protege o grão
antes de levá-lo ao chão
e só planta com o coração.
Da semente impura, não
germinará o trigo-pão; 
e depois de lançada,
ela não torna à mão.

A palavra é a semente.
Junta grão, junta grão, junta não.
O sábio separa o joio do trigo bom
e não semeia na escuridão;
o faz no branco do papel cartão,
retirando uma a uma
as ervas daninhas, que estragam a plantação.

AMOR PERDIDO

O coração fica magoado
quando relembra o passado.

Folha negra, virada;
fica o avesso.

Folha seca, levada;
fica o movimento,
o barulho do vento.

ESTRAGOS DE UMA TEMPESTADE DE AMOR

Uma enxurrada
de lágrimas
arrasou as margens
do meu coração.
Suas águas vermelhas
extravasaram
e inundaram –
como violenta tempestade – 
todo o meu ser,
que não resistiu.
Corpo e alma sucumbiram
diante dos estragos.
Toda a estrutura desabou.
O que restou?
Não sei.
As perdas foram grandes,
irreparáveis.
Reconstruir?
Não sei se vale a pena.
Talvez demore
uma vida inteira.

RIDÍCULA
a Fernando Pessoa

Quando deixar de escrever cartas de amor,
deixarei de ser ridícula,
serei amarga.

Quando deixar de chorar por amor,
deixarei de ser ridícula, 
serei seca.

Quando deixar de pedir seu amor,
deixarei de ser ridícula,
serei outra.

Quando aprender a fazer versos,
deixarei de ser ridícula,
serei Pessoa.

UM HOMEM SEM UM SONHO

Um homem que não sonha!
É como aquela velha cegonha,
que, embora livre,
voa pelo mundo
sem fugir do inverno,
sem chegar ao alto,
sem conquistar os céus.
Sem saber para onde ir,
sem saber o que buscar,
vai para onde é enviada,
com um destino já traçado
e uma carga predeterminada.
Sem tecer sua própria teia,
cansa de voar a vida alheia
e espera a tempestade trazer os ventos
que apagam os rabiscos de lamentos
que sempre carrega consigo
e, não tendo feito um grande amigo,
só ousa revelar às areias incertas
de praias tão desertas
como a vida,
que não tenta viver.

Fonte:
Olga Agulhon. O Tempo. Maringá: Midiograf, 2003.

Olga Agulhon (Na Safra da Vida, a Magia das Cores)


Cronica Vencedora do Concurso Nacional de Crônicas do 3º Jogos Florais de Caxias do Sul (RS) - 2011

No espelho não mais encontro aquela jovem que um dia foi a noiva de branco a se olhar uma última vez antes de se entregar... Um último retoque nos negros fios encaracolados; uma última ajeitada na grinalda de flores de laranjeira... e pronto! Tão linda imagem... perfeita! Estava ali a encarnação da esperança!

Tudo perfeito, afinal, naquele dia. Em cadeiras caprichosamente arrumadas sob a sombra do parreiral em cachos, amigos e familiares em sincera torcida... Quase toda a italianada da colônia...

As uvas pendiam roxas e perfumadas, indicando fartura e bons presságios ao alcance das mãos.

O noivo, de pé, no altar, com brilho de gel nos cabelos, vestia, com certeza, o seu melhor traje. Aguardava, aflito, a donzela que tomaria por esposa como quem espera, finalmente, começar a viver... Cheio de sonhos no olhar!

Não vi, ao caminhar em sua direção, nada além daqueles olhos de anil e promessas... Olhos que guardariam aquele momento para sempre em sua retina... Olhos que me diziam: - Venha, não tenha medo, ninguém aqui ousará ofendê-la, e hoje é o seu dia de rainha.

Unidos pelo santo laço do matrimônio, não mais enfrentaríamos a resistência dos sogros... Estava feito!

Outras safras vieram, ano após ano. Junto com a colheita da uva e a produção do vinho, comemorávamos o aniversário de casamento e, de quando em quando, a dádiva da vida sendo gerada em ventre fértil.

Nem tudo foi assim tão lindo do jeito que foi sonhado... Nem todas as promessas foram cumpridas... Algum encanto se desfez aqui ou acolá, mas tudo foi bem-vindo...  Estávamos juntos na alegria e na tristeza, na saúde e na doença... Fomos abençoados com cinco valorosos filhos, que formavam lindo degradê, e nossas vidas estariam para sempre entrelaçadas. 

Volto a me buscar no mesmo espelho da penteadeira de imbuia, na mesma casa caiada com as cores da terra... e o meu amor está de partida.

Busco-me no espelho e não me vejo. Na imagem refletida, uma outra habita. Insisto e me procuro naquela imagem de cabelos de neve cobertos... Não reconheço nenhum traço. Não vejo quem sou, não encontro quem fui quando trocamos o “sim” diante do altar...

Lembro-me dos olhos de promessas cheios...  Éramos outros... Tão jovens!

A velhice enrugou o nosso olhar... Não me reconheço diante do espelho e meu loiro não pode me ajudar nesse momento, pois trava um longo combate com a morte, no quarto ao lado... Insisto, aprumo os óculos, fixo-me bem posicionada... nada! O velho espelho também exibe as marcas do tempo. Choro... e as lágrimas silenciosas escorrem lentamente, percorrendo os inúmeros sulcos esculpidos em meu rosto.

Recomponho-me! Aprendi a aceitar os punhados de dor que a vida me reserva e esconde entre tantos potes de felicidade.

Volto e sento-me a seu lado. Ainda ouço um último sussurro: - Te amo, minha nega!... E então, finalmente, me reencontro naquelas retinas, que sempre me viram além da cor e das marcas do tempo.

Firme, seguro sua mão até a travessia, com a certeza de que, na minha hora, ele estará me esperando na margem de lá, com a mão estendida..., e ao caminhar em sua direção não verei mais nada além daqueles olhos de anil e promessas...

Outra safra se aproxima e a saudade ainda machuca o peito, mas alegro-me com a chegada dos filhos ao nosso pedaço de terra nesse cantinho do mundo.
A natureza novamente em cachos perfumados e coloridos.

Agradeço ao Criador da vida! O meu quinhão de alegria sempre foi maior que o meu quinhão de dor...

Meus filhos, participando da colheita da uva, são como bálsamo para os meus olhos... Lindos e fortes, uma mistura perfeita de raças, o branco e o negro em profusão de amor: na safra da vida, a magia das cores!

Fonte:
Jornal O Diario. Caderno D+. 31 janeiro 2012.