domingo, 24 de maio de 2009

Sófocles (Édipo Rei)



Composta por Sófocles, em data ignorada, e particularmente admirada por Aristóteles, esta obra-prima da tragédia grega, ilustra a impotência humana diante do destino.

Édipo é filho de Laio, rei de Tebas, e da rainha Jocasta. Nos antecedentes dessa história, o Oráculo anuncia a Laio que, por causa da maldição dos Labdácidas, se este viesse a ter um filho com Jocasta, esse filho o mataria. Laio, com temor de que a profecia do Oráculo se realizasse, ordena Jocasta a entregar seu filho a um pastor da região. Amarra, fura-lhe os pés e o abandona no monte Citerón para sua vida ser ceifada. Mas, o pastor, com piedade, entrega-o a Pólibo, rei de Coritos. Pólibo e sua mulher Meréope criam-no como um filho.

A estória começa quando Édipo, príncipe de Corinto, é insultado por um bêbado, que o acusa de ser filho ilegítimo do Rei Políbios. Embora Políbios procure tranqüilizar Édipo, o príncipe, perturbado, recorre ao Oráculo de Píton, mais tarde conhecido como Delfos.

O oráculo evita responder à sua dúvida, mas dá a terrível informação de que Édipo está destinado a matar o pai e casar-se com a mãe.

O Oráculo apenas revela que Édipo mataria seu próprio pai e casaria com sua própria mãe. Desesperado e crendo que Pólibo e Meréope eram seus pais verdadeiros, Édipo resolve abandonar Corintos para nunca mais regressar. É nessa mesma época que a cidade de Tebas está sendo atacada pela Esfinge, devorando os cidadão tebanos, pois eram incapazes de decifrar o enigma proposto pela Esfinge. Ao passar por Tebas, numa encruzilhada de três caminhos, Em uma encruzilhada, Édipo depara-se com uma carruagem. À frente vem o arauto, que ordena rudemente a Édipo que se afaste e tenta empurrá-lo para fora da estrada. O príncipe começa uma briga e termina matando todo mundo que nela se envolve. Para sua desgraça, um dos homens que vinha na carruagem era seu pai verdadeiro, o rei Laios de Tebas. Ao chegar na cidade de Tebas, Édipo consegue decifrar o enigma da Esfinge, libertando a cidade do flagelo e acaba sendo proclamado o rei de Tebas, casando-se com a viúva de Laio, a rainha Jocasta, sua mãe verdadeira.

Assim, a profecia se tornou realidade: Édipo matou o próprio pai e se casou com a própria mãe.

Anos se passam e Édipo reina como um verdadeiro soberano e tem vários filhos com Jocasta, mas a cidade passa por momentos difíceis e a população pede ajuda ao rei. Os deuses enviam uma peste a cidade de Tebas, pois os homens estavam desobedecendo ao Oráculo. Édipo, preocupado com a situação envia seu cunhado, Creonte, ao Oráculo de Delfos para saber qual era a causa da peste que assolava a cidade de Tebas. A resposta do Óráculo foi que a cidade estava naquela situação por causa da morte de Laio e que para solucionar o problema o assassino deveria ser descoberto e punido. Porém, Édipo não sabe que Laio era seu pai e que o tinha matado na encruzilhada. Então manda seu cunhado Creonte buscar o adivinho Tirésias, que com medo de revelar que era Édipo o assassino, resiste em responder.

Depois de ser muito insultado por Édipo, chamado de traidor da cidade, Tirésias não hesita em revelar quem é o verdadeiro assassino. O assassino era o próprio Édipo. Édipo não crê nisso, mas acredita que Creonte e Tirésias estão armando. Assim, Édipo de investigador se torna investigado e vai em busca de assassino de Laio. Ao longo da tragédia, Édipo descobre que Pólibo e Meréope não eram seus pais e que seu verdadeiro pai era Laio e sua verdadeira mãe era Jocasta. Jocasta suicída-se assim que descobre. Não suportando a verdade de ser um assassino e um parrecida Édipo fura os próprios olhos para não ver sua dura realidade.

Foi daí que veio seu nome: "oidípous" significa "pé inflamado".
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Um clássico da literatura ocidental, esta peça de Sófocles é considerada uma das mais perfeitas tragédias da Grécia Antiga.

Fonte:
www.E-Book-Gratuito.Blogspot.Com

Luiz Eduardo Caminha (Liberdade, Liberdade!)

Imagem do filme Sonho de Liberdade
Um caniço na beira do lago, uma voz no deserto, um uivo na escuridão, sei lá, não importa. Não me curvo com o vento, o deserto não me cala (mesmo que ninguém me ouça!), as trevas não me amedrontam. Então: brademos!!!

Liberdade, liberdade!

Não me ponhas normas,
Preceitos, nem regra.
Depois de tanta refrega,
Não hei de obedecer!

Não me imponhas grades,
Grilhões, nem cadeia.
Depois de tanta peleia,
Não hei de me prender!

Não me coloques canga
Ferros, nem algema.
Depois de tanta pena,
Não hei de fenecer!

Não me cales, enfim,
Nem queiras qu’eu fique mudo.
O que sobra do meu mundo imundo,
É o meu jeito de dizer!

Liberdade, liberdade,
Ainda que seja tarde.
Ainda que duvidoso,
O porvir, o alvorecer!
...
Minha voz é filha do silêncio,
Minha escrita, enteada do vento,
Minha vida é um curso d’água,
Minha vocação, um oceano!

(Florianópolis , Ratones, 03.05.2009)
Fonte:
Colaboração do autor.

sábado, 23 de maio de 2009

Bandeira Tribuzi (Vôo Poético)



ITINERÁRIO DO CORPO

A Afonso Felix de Sousa

I

O pequeno lugar predestinado:
cama – lençóis, colchão e travesseiro:
objetos banais pousados sobre
a armação de madeira para dois.

Pequeno apartamento de cidade!
Pequenos corpos e cansados despem-se,
despem roupas, sapatos, conveniências
à pequenina luz que afaga as coisas.

Estão nus, lado a lado, sobre o leito
e se entrelaçam para desafogo
de raivas, lutas, ilusões, sentidos.

Talvez não saibam
por que assim se prendem,
Já cantam sino pelo novo filho!

II

Entre o campo de neve a vida fende-se
barbaramente, para dar passagem
à colheita que vem sem estações:
bicho da terra que se chama homem.

Nove meses guardado e construído
com silêncio, carne, sangue e esperança,
ei-lo que rasga o ovo e se apresenta
disforme, placentário, precioso.

Ela está como o campo após a ceifa.
De seus peitos já mana o claro líquido
onde a vida se côa como um filtro.

Olha o pequeno corpo que se deita
a seu lado, entre o sonho e a realidade,
e, brandamente, diz apenas: - Filho!

III

Infância triste, tempo de castigos
e doces ilusões mas sem brinquedo
que teus olhos encontram nas vitrines
e tua débil mão jamais alcança.

Porém o corpo vai rompendo elástico
pesar do tempo amargo em que floriste.
Teus olhos já se pousam sobre a vida
embora ignorando-lhe a inocência.

Assim, surgindo vens dos alimentos,
cuidados e remédios e o alicerce
da sapiência que são letra e número.

Assim te formas resumido corpo
que será de homem e continuará
brincando em nova trágica maneira.

IV

Resides entre o sonho e coisas ásperas,
a confusão do trágico e a rosa,
a escola, o emprego, o livro clandestino,
a refeição modesta, o sono limitado.

Teu corpo é apenas máquina de sexo
e coração: toda a razão de ser
está na amada, amada inconsistente:
olhos, cabelos, seios, agressivos

somente, mas tu a colocas lá
bem no centro do mundo e lhe declamas
baladas, vossos corpos se aproximam.

Entre comícios, agressões, revoltas,
pressa, atenção, estudo, devaneio,
estás defronte ao mundo e interrogas.

V

A resposta és tu mesmo: corpo de homem,
o sentimento e pensamento de homem,
passo seguro de homem, ombros de homem,
boca, face, palavra e gestos de homem.

O que sabes do mundo! Gestos mágicos
te multiplicam ao calor dos corpos.
Uma coragem funda, o olhar sábio,
avanças com o tempo e o constróis.

A noite existe – não a das carícias,
de sono leve, corpos repousando –
noite pesando sobre cada coisa.

Avanças bloqueado pela Noite
(há muitos, muitos corpos avançando)
e teus passos vão dar na madrugada.

VI

És fogo que se apaga lentamente.
Folhas que vão tombando despem a árvore.
Árvore a quem a seiva foi faltando,
tua missão se acaba e envelheces.

Teus olhos já cansados de aprender
formas, gestos e a grande cor do mundo.
Tua boca já cansada de alimentos,
de beijos, de palavras, de protesto.

Outros vêm substituir tua coragem
com novos braços para a mesma luta,
e passos fortes para o mesmo fim.

Tua hora vem chegando necessária.
O corpo se dissipa. Tua passagem
não terá vermes para devorá-la.
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CONCLUSÃO PARA CONSOLO

Bicho da terra estás apenas morto.
Já a terra de que és bicho te recobre
e uma pequena flor acena, leve,
um pequenino adeus sobre teu túmulo.

Tua mulher jamais esquecerá
tua sólida figura. Nem teus filhos
que em si a reproduzem e prosseguem
tua presença em gestos e palavras.

O tempo que rompeu teu rude corpo
como inverno passando sobre o campo,
não cortou a semente indispensável.

Ele mesmo será propício à nova
árvore forte que sustem o mundo
e reverdece o chão da vida mágica.
Lamentação do quase ex-príncipe

Menino sou do tempo que se acaba
e, consequentemente, sou aquele
para quem tudo que de novo venha
recorda o anterior que mais amava.

Sou filho do ruído das palavras
de que abusava para, sem sentido,
me ver de cores vivas revestido.
Não ter lugar real facilitava

o meu estar entre diversas forças,
neutro. Menos a idéia que o proveito
exerci. Filho do tempo e inculpável,

sempre exaltei gratuitas circunstâncias.
Não sei se me defendo, se me odeio,
se iludo o meu saber-me e odiar-me.
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PAISAGEM

Eis aqui um cão
e defronte um homem:
ambos o pão
da fome comem.
Olha o cão a vida
triste das pedras
(coitado do cão
que não pasta ervas)
e por fim já morde
o osso das trevas.

Olha a vida o homem
com saudade amarga.
Os olhos do homem
já não olham nada.
Só, em seus ouvidos
de carne fanada,
teimam os latidos
da morte e do nada.
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A MESA

A mesa tem somente o que precisa
para estar, circundada de cadeiras,
fazendo parte da vida familiar
entre alimentos, flores e conversa.

Escura mesa gravemente muda
que, parecendo alheia a quanto a cerca,
encerra no silêncio toda a ciência
da idade desdobrando gerações.

olho de cerne, comovido e frio!
indiferente coração parado
entre o grito infantil e o olhar cansado.

Mistério de madeira rodeado
por cadeiras, lembranças, utensílios,
e um leve odor de tempo alimentício.
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ORDEM DO DIA

Há que remover a neve desta folha de papel!

Breve escutaremos o motor dos sentimentos
enchendo a manhã com sua algazarra. Eis a máquina se
movimentando! Da esquerda para a direita vão surgindo
os sulcos onde caem as sementes
da Emoção.

Na vasta planície
desvirginada
germina já o pólen da lírica.

Um vento de humana condição
(oh arte, coisa social!) faz voar até tuas mãos
esta lavoura mental.
Como bom descendente de um povo de camponeses
medes o rigor da semeadura,
sonhas as chuvas na raiz, o futuro pão...
Pão sonoro!

De repente,
as aves da poesia, que se alimentavam no campo semeado, rompem vôo para o céu de tua inteligência
e desfecham seu canto
maravilhoso contra tua surpresa.

Teu coração é a corda do violino!
Eis a geração do poema:
sua mecânica, seu plantio,
sua colheita.
Estás diante de uma safra eterna!
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O HOMEM EM PELE E OSSO

A pele é superfície,
os ossos são entranha.
A pele é o que se vê,
os ossos o que escapa.
A pele é uma casca,
os ossos uma safra.
A pele é entrega,
o osso é arma.
A pele é palma,
o osso é clava.
A pele é a pintura,
os ossos são a casa.
A pele é o acidente,
o osso o permanente.
A pele são as nuvens,
os ossos são a água.
A pele são os musgos,
os ossos são as montanhas.
A pele é o agora,
os ossos são milênios.
A pele é um orvalho,
os ossos são invernos.
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ROMANCEIRO DA CIDADE DE SÃO LUÍS

Pré-história

Na solidão do chão sem tempo
há uma ilha de expectativa,
entre dois rios, como braços,
suavemente recolhida.
Verdes copas e o vento nelas
e os cachos das frutas nativas
e as alvas coxas de suas praias
ao sol do trópico estendidas.

Vizinho o mar com sua espuma,
seu horizonte imaculado,
com sua raiva e sua ânsia,
com seu verde pulmão salgado,
misturando sua maresia
com o acre cheio do mato.
Vizinho o mar com seu mistério
e o além por ser desvendado.

o mar de onde, por milênios,
tudo que vem é rumor longo,
surdo ou cavo, manso ou severo,
cantochão grave, som redondo

contra pedras, conchas, areias,
interminável apelo em som do
horizonte que não revela
o mistério profundo e abscôndito.
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IMAGEM

Vista do mar, a cidade,
subindo suas ladeiras,
parece humilde presépio
levantado por mãos puras:
nimbada de claridade,
ponteia velhos telhados
com as torres das igrejas
e altas copas de palmeiras.
Seus dois rios, como braços
cingem-lhe a doce figura.

Sobre a paz de sua imagem
flui a música do tempo,
cresce o musgo dos telhados
e a umidade das paredes
escorre pelos sobrados
o amargo sal dos invernos.
Tudo é doce e até parece
que vemos só o animado
contorno de iluminura
e não a realidade:
vista do mar, a cidade
parece humilde presépio
levantado por mãos puras
e em sua simplicidade
esconde glórias passadas,
sonha grandezas futuras.
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POEMA

Um cão ladrou
na noite obscura
tremores frios
de inanição
A mulher magra
esperou cansada
que a carne exausta
fosse chamariz
Poucos sexos jovens
se investigaram
muitos não conseguiram
fugir à frustração
Alguns descansaram
outros se diluíram
o caixote de lixo
esperou esperou
]Depois rompeu
a madrugada.
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SONETO DO VIETNÃ

A bomba de napalm está fritando
a carne espedaçada no sudoeste.
Relincham os canhões e aves uivando
sobrevoam os pântanos da peste.

A morte cultivada, amontoando
vai cadáveres bons para a manchete:
é a vida, a leste e a oeste prosperando
no negócio da morte que floresce.

E quantos mais prodígios desabrocham,
quando o século atinge o último quarto
na véspera intranquila desse parto

do futuro obscuro, a que se imolam
a puta de Saigon, amarga e nua,
e o astronauta pisando o chão da lua!
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CONSUMO & DOR (fragmentos)

Como é bela
a favela
Azul e amarela;
que ruído
colorido
da bala no ouvido;
que floração
de gozo-ação
na prostituição;
que doçura
na cobertura
de jornal em noite pura;
que inaudita
arquitetura
da palafita;
que aconchego
de sossego
do desemprego;
como consola
a esmola...!

Quem é este pobre
animal que pasta
apenas angústia
e paz recusada?
Quem é este pobre
bicho cuja erva
que rói é um veneno
em que se alimenta?
Quem é este ser
já tão diferente
de quanto seria
se fosse existente

Ó pergunta vã
que ninguém responde:

é o filho da manhã
padecendo a noite,

é a vida florindo
sua própria morte.
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OS TELHADOS

Sobre este campo vermelho
que o tempo pasta,
o passado é lento rebanho
retouçando nuvens brancas.

Andorinhas seculares
ondeiam no verão supremo
e o musgo denuncia aos ares
que o tempo se fez eterno

Torna viagem

Parasse o rio onde foi fonte,
ficasse a fonte onde foi nuvem,
voltasse o mar onde foi rio
para que o rio fosse chuva...

Assim esta rosa de outono
que já vai sendo minha vida,
seria folha, caule, seiva
e raiz da infância perdida!
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INEVITÁVEL

Insaciavelmente ela te espera
carnívora em seu furor uterino.
Movida pela fome de pantera
vigia teus descuidos de menino.

De numerosas tramas tece a espera
e os becos sem saída do destino
e em seu macio pêlo esconde a fera,
a fúria, o enredo e o negro desatino.

Sempre atenta te espreita desarmado,
pronta a te desferir garra ferina
para sorver-te a vida àquela hora

insuspeita, fatal e inevitada.
Pois, se lhe foges, ela te fascina
E, se te entregas, ela te devora.
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A PORTA ESTREITA

Entre estar vivo e a morte
um interstício apenas, porém se
do próprio sono limitado ao permanente
é tão profundo o limiar de incógnita!

Como saber no emaranhado
de voz, silêncio, gesto e rigidez,
o tempo inicial da irreversível
ausência e o derradeiro arfar do peito?

Como saber onde começa o adeus,
onde parou o olhar, onde os ouvidos
desceram véus imateriais ou quando

os sentidos, ornados de indiferença,
caminham já na outra margem frios
a este rumor de vida que não cessa?
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Bandeira Tribuzi (2 Fevereiro 1927- 8 Setembro 1977)




Bandeira Tribuzi, pseudônimo de José Tribuzi Pinheiro Gomes, (São Luís, Maranhão, 2 de fevereiro de 1927 — 8 de setembro de 1977) foi um poeta brasileiro.

José Tribuzi Pinheiro Gomes, que usaria o nome literário de Bandeira Tribuzi, nasceu em São Luís do Maranhão no dia 2 de fevereiro de 1927. Filho de Joaquim Pinheiro Ferreira Gomes, comerciante português, e Amélia Tribuzi Pinheiro Gomes, brasileira descendente de italianos. Aos cinco anos de idade seguiu com os pais para Portugal. Pela vontade paterna seria um frade franciscano e para satisfazê-lo, apesar de não ter vocação sacerdotal, permaneceu nos educandários religiosos até a conclusão do Seminário Maior. Estudou nas cidades de Porto, Aveiro e Coimbra. Nessa última, em sua famosa Universidade, dedicou-se às Ciências Econômicas e Filosóficas.

Retornou a São Luís, em 1946, passando a exercer intensa atividade intelectual, sendo considerado por muitos o divulgador do modernismo no Maranhão. Trouxera da Europa um acentuado sotaque português e a leitura de Fernando Pessoa, José Régio, Mário de Sá Carneiro, García Lorca... A admiração pelo poeta Manuel Bandeira o levou a antepor o “Bandeira” ao sobrenome Tribuzi para formar o pseudônimo.

Casou-se, em 1949, com D. Maria dos Santos Pinheiro Gomes.

Foi poeta, novelista, romancista, dramaturgo, compositor (com 93 composições musicadas, incluindo o hino oficial da cidade de São Luís), ensaísta, crítico literário, historiador e professor. Trabalhou como jornalista em diversos órgãos de imprensa, criou a revista Ilha e dirigiu vários jornais, como o Jornal do Povo e O Estado do Maranhão. Foi funcionário público, na condição de economista e Chefe de Relações Públicas do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, e também Diretor do Banco do Estado do Maranhão. Tornou-se uma das figuras mais destacadas do planejamento econômico estadual, redigindo planos de governo e assessorando governadores. Representou o Maranhão no V Encontro Nacional de Secretários de Planejamento, em Porto Alegre, em 1973.

Sua estréia em livro foi em 1947 com a coletânea de poemas Alguma existência, edição do Autor, seguindo-se Rosa da esperança, Guerra e paz, Safra, Sonetos, Pele & osso, Breve memorial do longo tempo e, em edições póstumas, Poesias completas, de 1979, incluindo vários inéditos, Tropicália consumo & dor, de 1985 e Obra poética, de 2002.

Em maio de 1977, foi-lhe prestada, em comemoração ao seu cinqüentenário, uma homenagem da intelectualidade brasileira, em São Luís, da qual participaram figuras proeminentes da literatura, da sociedade e da política, em que se destacavam Ferreira Gullar, Odylo Costa, filho, Jorge Amado, Josué Montello e José Sarney, entre outros.

Bandeira Tribuzi morreu poucos meses depois, em São Luís, a 8 de setembro de 1977.

"Ao mesmo tempo que soube ser o intérprete das grandes angústias humanas no ritmo de seus poemas, Tribuzi foi a voz de seu povo e de sua província, com um modo de ser genuinamente maranhense.

Já acentuei que não devemos confundir, nos escritores da província, os provincianos e os provinciais. Os primeiros só existem em função da província, ao passo que os segundos têm a dimensão universal embora vivam na Província, e a cantem, e a celebrem, e nela reconheçam o recanto do mundo que não trocariam por nenhum outro.

Tribuzi é bem o poeta provincial por excelência, como Gonçalves Dias na Canção do exílio. Sua obra é uma convergência de problemas e sentimentos universais, a que o poeta empresta a beleza do seu canto. Creio que, sob esse aspecto, ninguém mais representativo do que ele, no quadro geral da poesia maranhense contemporânea
."
(Josué Montello. “O legado literário de Bandeira Tribuzi”. In: Tribuzi, Bandeira. Poesias Completas. Rio de Janeiro: Cátedra; Brasília: INL, 1979.)

Obras do autor

Alguma existência (1948)
Rosa da Esperança (1950)
Safra (1960)
Sonetos (1962)
Pele & Osso (1970)
Poesias Completas (1979)

Fontes:
http://www.antoniomiranda.com.br
http://www.redutoliterario.hpg.ig.com.br/poesia/tribuzi.htm

Graciliano Ramos (A Safra de Tatus)



— Como foi aquele negócio dos tatus que a senhora principiou a semana passada, minha madrinha? Perguntou Das Dores.

O rumor dos bilros esmoreceu e Cesária levantou os óculos para a afilhada:

— Tatus? Que invenção é essa, menina? Quem falou em tatu?

— A senhora, minha madrinha, respondeu a benzedeira de quebranto. Uns tatus que apareceram lá na fazenda no tempo da riqueza, da lordeza. Como foi?

Cesária encostou a almofada de renda à parede, guardou os óculos no caritó, acendeu o cachimbo de barro ao candeeiro, chupou o canudo de taquari:

— Ah! Os tatus. Nem me lembrava. Conte a história dos tatus, Alexandre.

— Eu? Exclamou o dono da casa, surpreendido, erguendo-se da rede. Quem deu seu nó que o desate. Você tem cada uma!

Dirigiu-se ao copiar e ficou algum tempo olhando a lua.

— Se os senhores pedirem, ele conta, murmurou Cesária aos visitantes. Aperte com ele, seu Libório.

Ao cabo de cinco minutos Alexandre voltou desanuviado, pediu o cachimbo a mulher, regalou-se com duas tragadas:

— Ora muito bem.

Restituiu o cachimbo a Cesária e foi sentar-se na rede.

Mestre Gaudêncio curandeiro, seu Libório cantador, o cego preto Firmino e Das Dores exigiram a história dos tatus, que saiu deste modo.

— Saberão vossemecês que este caso estava completamente esquecido. Cesária tem o mau costume de sapecar umas perguntas em cima da gente, de supetão. Às vezes não sei
onde ela quer chegar. Os senhores compreendem. Um sujeito como eu, passado pelos corrimboques do diabo, deve ter muitas coisas no quengo. Mas essas coisas atrapalham-se: não há memória que segure tudo quanto uma pessoa vê e ouve na vida. Estou errado?

— Está certo, respondeu mestre Gaudêncio. Seu Alexandre fala direitinho um missionário.

— Muito agradecido, prosseguiu o narrador. Isso é bondade. Pois a história de Cesária puxou tinha-se esvaído sem deixar mossa no meu juízo. Só depois de tomar um deforete pude recordar-me dela. Vou dizer o que se deu. Faz vinte e cinco anos. Hem, Cesária? Quase vinte e cinco anos. Como o tempo caminha depressa! Parece que foi ontem. Eu ainda não tinha entrado forte na criação de boi, que me rendeu uma fortuna, já sabem. Ganhava bastante e vivia sem cuidado, na graça de Deus, mas as minhas transações voavam baixo, as arcas não estavam cheias de patacões de ouro e rolos de notas. Comparado ao que fiz depois, aquilo era pinto. Um dia Cesária me perguntou:
— Xandu, porque é que você não aproveita a vazante do açude com uma plantação de mandioca?"
— "Han? Disse eu distraído, sem notar o propósito da mulher. Que plantação?" E ela, interesseira e sabia, a criatura mais arranjada que Nosso Senhor Jesus Cristo botou no mundo:
— "Farinha está pela hora da morte, Xandu. Viaja cinqüenta léguas para chegar aqui, a cuia por cinco mil-réis. Se você fizesse uma plantação de mandioca na vazante do açude, tínhamos farinha de graça."
— "É exato, gritei. Parece que é bom. Vou pensar nisso." E pensei. Ou antes, não pensei. O conselho era tão razoável que, por mais que eu saltasse para um lado e para outro, acabava sempre naquilo: não havia nada melhor que uma plantação de mandioca, porque estávamos em tempo de seca braba, a comida vinha de longe e custava os olhos da cara. Íamos ter farinha a dar com o pau. Sem dúvida. E plantei mandioca. Endireitei as cercas, enchi a vazante de mandioca. Cinco mil pés, não, catorze mil pés ou mais. No fim havia trinta mil pés. Nem um canto desocupado. Todos os pedaços de maniva que peguei foram metidos debaixo do chão.
— "Estamos ricos, imaginei. Quantas cuias de farinha darão trinta mil pés de mandioca? Era uma conta que eu não sabia fazer, e acho que ninguém sabe, porque a terra é vária, às vezes rende muito, outras vezes rende pouco, e se o verão apertar, não rende nada. Esses trinta mil pés não renderam, isto é, não renderam mandioca. Renderam coisa diferente, uma esquisitice, pois, se plantamos maniva, não podemos esperar de modo nenhum apanhar cabaças ou abóboras, não é verdade? Só podemos esperar mandioca, que isto é a lei de Deus. A gata dá gato, a vaca dá bezerro e a maniva dá mandioca, sempre foi assim. Mas este mundo, meus amigos, está cheio de trapalhadas e complicações. Atiramos num bicho, matamos outro. E Sinha Terta, que mora aqui perto, na ribanceira, escura e casada com homem escuro, teve esta semana um filhinho de cabelo cor de fogo e olho azul. Há quem diga que sinha Terta não seja séria? Não há. Sinha Terta é um espelho. E por estas redondezas não existe vivente de olho azul e cabelo vermelho. Boto a mão no fogo por sinha Terta e sou capaz de jurar que o menino é do marido dela. Vossemecês estão-se rindo? Não se riam não, meus amigos. Na vida há muito surpresa, e Deus Nosso Senhor tem esses caprichos. Sinha Terta é mulher direita. E as manivas que plantei não deram mandioca. Seu Firmino esta aí fala não fala, com a pergunta na boca, não é seu Firmino? Tenha paciência e escute o resto. Ninguém ignora que plantação em vazante não precisa de inverno. Vieram umas chuvinhas e a roça ficou uma beleza, não havia coisa parecida por aquelas beiradas.
— "Valha-me Deus, Cesária, desabafei. Onde vamos guardar tanta farinha?" — mas estava escrito que não íamos arrumar nem uma prensa. Quando foi chegando o tempo da arranca, as plantas começaram a murchar. Supus que a lagarta estivesse dando nelas. Engano. Procurei, procurei, e não descobri lagarta.
— "Santa Maria! cismei. A terra é boa, aparece chuva, a lavoura vai para diante e depois desanda. Não entendo. Aqui há feitiço." Passei uns dias acuado, remexendo os miolos e não achei explicação. Tomei aquilo como castigo de Deus, para desconto dos meus pecados. O que é certo, é que a praga continuou: no fim de S. João todas as folhas tinham caído, só restava uma garrancheira preta.
— "Caiporismo, disse comigo. Estamos sem sorte. Vamos ver se conseguimos levar ao fogo uma fornada." Encangalhei um animal, pendurei os caçuás nos cabeçotes, marchei para a vazante. Arranquei um pau de mandioca, e o meu espanto não foi deste mundo. Esperava tamboeira choca, mas, acreditem vossemecês, encontrei uma raiz enorme, pesada, que se pôs a bulir. A bulir, sim senhor. Meti-lhe o facão. Estava oca, só tinha casca. E, por baixo da casca, um tatu-bola enrolado. Arranquei outra vara seca: peguei o segundo tatu. Para encurtar razões, digo aos amigos que passei quinze dias desenterrando tatus. Os caçuás enchiam-se, o cavalo emagreceu de tanto caminhar e Cesária chamou as vizinhas para salgar aquela carne toda. Apanhei uns quarenta milheiros de tatus, porque nos pés de mandioca fornidos moravam às vezes casais, e nos que tinham muitas raízes acomodavam-se famílias inteiras. Bem. O preço do charque na cidade baixou, mas ainda assim apurei alguns contos de réis, muito mais que se tivesse vendido farinha. A princípio não atinei com a causa daquele despotismo e pensei num milagre. É o que sempre faço: quando ignoro a razão das coisas, fecho os olhos e aceito a vontade de Nosso Senhor, especialmente se há vantagem. Mas a curiosidade nunca desaparece do espírito da gente. Passado um mês, comecei a matutar, a falar sozinho, e perdi o sono. Afinal agarrei um cavador, desci a vazante, esburaquei tudo aquilo. Achei a terra favada, como um formigueiro.

E adivinhei por que motivo a bicharia tinha entupido a minha roça. Fora dali o chão era pedra, cascalho duro que só dava coroa-defrade, quipá e mandacaru. Comida nenhuma. Certamente um tatu daquelas bandas cavou passagem para a beira do açude, topou uma raiz de mandioca e resolveu estabelecer-se nela. Explorou os arredores, viu outras raízes, voltou, avisou os amigos e parentes, que se mudaram. Julgo que não ficou um tatu na caatinga. Com a chegada deles as folhas da plantação murcharam, empreteceram e caíram. Estarei errado, seu Firmino? Pode ser que esteja, mas parece que foi o que se deu.

Fontes:
http://www.alfredo-braga.pro.br/biblioteca/asafradetatus.html
Imagem = http:// www.klickeducacao.com.br

Ponto de Leitura de Itu realiza AMANHÃ a 1ª Exposição de Fanzines da cidade


A 1ª EXPOZINE de Itu, do PONTO DE LEITURA- Biblioteca Comunitária Prof. Waldir de Souza Lima tem como objetivos divulgar os fanzines nacionais de todos os estilos, fortalecer esta mídia independente no interior de São Paulo e ainda mostrar para os meios de comunicação o valor desta mídia, que foi criada nos anos 1930 nos Estados Unidos.

Fanzine é um termo derivado das palavras inglesas fan (fã, em português) e magazine (revista, em português) que, entre outras traduções, significa uma publicação editada por um fã. Trata-se de uma publicação despretensiosa, eventualmente sofisticada no aspecto gráfico, dependendo do poder econômico do respectivo editor. Engloba todo o tipo de temas, com especial incidência em histórias em quadrinhos (HQs), ficção científica, literatura, música, feminismo, vegetarianismo, cinema, anarquismo, rock, hip hop, terror, mangás, assuntos gerais, jornalismo alternativo, entre outros. Também se dedica à publicação de estudos sobre algum assunto proposto pelo grupo ou editor. O público interessado nestes fanzines é bastante diversificado.

O primeiro fanzine surgido no Brasil foi o Ficção, criado por Edson Rontani em 1965 em Piracicaba (SP). Criado numa época que o termo que definia produção independente era boletim, o fanzine trazia textos infomativos e uma interessante relação de publicações brasileiras de quadrinhos desde 1905.A produção de fanzines no Brasil nos últimos anos vem crescendo e tem características de reação dos artistas e público ao descaso das editoras de quadrinhos com relação à produção nacional.

Na programação da 1ª EXPOZINE de Itu destacam-se: oficina com o fanzineiro ituano Paulo Rodrigues; encontro de fazedores com coordenação do Zine Kausadores Di Revolta (Itu); exposição de materiais; palestra com o Prof. Gazy Andraus, Doutor em Ciências da Comunicação, na área de Interfaces da Comunicação, pela ECA-USP (premiado com a melhor tese de 2006 pelo HQ-MIX-2007); intercâmbios de fanzineiros; e uma homenagem ao quadrinista e fanzineiro Moacir Torres.

A homenagem é para um dos mais importantes fanzineiros e quadrinistas do interior paulista. Moacir Torres nasceu em Agudos (SP) em 1957 e reside em Indaiatuba (SP) desde 1993. Começou como desenhista na TV Cultura em 1974. Fundou em 1978 em Santo André (SP) com Cláudio Feldman, a Editora Taturana, que publicou dezenas de títulos, além de periódicos como o Jornal da Taturana e Tempo Livre. Trabalhou como arte-finalista para a Editora Abril e ilustrou o suplemento “Diário Criança” do jornal “Diário Popular” de São Paulo por cerca de dez anos. Participou de várias coletâneas literárias e de dezenas de salões de humor e HQs. Criou e publicou várias revistas em quadrinhos, atividades e livros infantis. Duas revistas infantis criadas por Torres foram lançadas recentemente na Espanha e em Portugal. Atualmente ministra oficinas de desenho e vem produzindo várias revistas de atividades infantis para editoras, além de passatempos e quadrinhos para vários jornais brasileiros.

O público interessado pode conferir a exposição de Fanzines e publicações independentes no PONTO DE LEITURA, e também participar da oficina: Como criar um Fanzine? às 14 horas no dia 24 de maio, data do evento, e da palestra às 16 horas. As inscrições para a Oficina podem ser feitas no próprio Ponto de Leitura.

Os Fanzines interessados em participar do evento podem enviar exemplares para o endereço: Rua Floriano Peixoto, 238, Centro, Itu/SP, CEP 13300-005, aos cuidados de Paulo Rodrigues.

A abertura oficial da exposição ocorre no dia 24 de maio a partir das 16 horas. A participação em todas as atividades é gratuita.

SERVIÇO

1ª EXPOZINE DE ITU - 2009

QUANDO: 24 de Maio de 2009 a partir das 14 horas.

ONDE: PONTO DE LEITURA - BIBLIOTECA COMUNITÁRIA PROF. WALDIR DE SOUZA LIMA.

ENDEREÇO: Rua Floriano Peixoto, 238, Centro, Itu/SP.

QUANTO: Entrada gratuita.

CONTATOS: bibliotecacomunitariaitu@gmail.com ou pelos fones:
(11) 8445.6122 - Renato
(11) 4813.3556 - Paulo
(11) 7163.3756 - Josuel
(11) 7599.4109 - Raphael

Fonte:
Biblioteca Comunitária Prof. Waldir de Souza Lima

Pär Lagerkvist (Barrabás)


Barrabás, símbolo do homem moderno
(artigo de João Carlos Petrini)

O romance do sueco Fabian Pär Lagerkvist, Barrabás, que ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1952, descreve de maneira sugestiva a dialética que acompanha todo o desenvolvimento da sociedade moderna, entre uma postura religiosa e uma racionalista. A obra apresenta Barrabás, uma figura marginal nos Evangelhos, preso nas masmorras do império romano, condenado à morte e inesperadamente libertado pelo clamor popular, que o preferiu a Jesus.

As personagens são dos primórdios do cristianismo, mas as questões levantadas são tipicamente modernas e a narrativa introduz o leitor no âmago do drama da liberdade diante do Mistério. O romance confirma a tese de Octávio Paz, de 1984, segundo a qual a literatura do século passado, muitas vezes irreligiosa e secularizada, não consegue se afastar do mistério, antes permanece a ele vinculada, como eixo de uma inevitável problemática, com a qual o homem do século XX se vê impelido a confrontar-se, mesmo que de maneira irreverente ou blasfema.

Lagerkvist (1952) apresenta o drama de Barrabás com uma linguagem simples e direta, numa sobriedade elegante, deixando entrever, por trás das cenas descritas, situações e posturas nas quais o leitor pode-se reconhecer. O romance, escrito como anotações sucintas dos acontecimentos relatados, deixa amplos espaços para que o leitor, movido por discretas sugestões, se envolva com a problemática.

Barrabás é apresentado como um bandido, violento e admirador da força, parricida, cioso de sua autonomia. Ele tem sua vida salva graças a Jesus, pois Pilatos o libertou em lugar do carpinteiro nazareno. Barrabás vive por causa de um outro que morreu em seu lugar e ele não sabe por quê. Experimenta uma irresistível urgência de compreender quem é esse por obra do qual está vivo, procurando compreendê-lo no horizonte explicativo de seu mundo, a partir dos critérios e dos valores com os quais está familiarizado. Ele é símbolo do homem moderno, com o qual guarda muitas semelhanças: este também é violento, pois construiu a civilização da qual se gloria ao clamor dos canhões, e é parricida, tendo eliminado o Pai do seu horizonte. O homem moderno reconhece no cristianismo a fonte dos valores que impuseram ao mundo a sua cultura e, como Barrabás, tem necessidade de compreender a origem da qual recebeu tudo o que tem de mais precioso. Procura enquadrar a tradição cristã nos esquemas da racionalidade iluminista mas, ao fazer isso, perde a possibilidade de abrir um verdadeiro diálogo com essa realidade..

Sabendo que Jesus tinha dito que iria ressuscitar ao terceiro dia, o personagem de Lagerkvist se posta perto do túmulo para ver o que iria acontecer. De repente, um clarão deixa-o quase cego por alguns momentos. Em seguida, ele vê o túmulo vazio e encontra uma mulher que exulta de alegria, afirmando que Jesus ressuscitou. De início, ele pensa que está diante de uma situação extraordinária, que poderia explicar o que aconteceu nos últimos dias. Mas, logo em seguida, ele pondera que sua vista ficou ofuscada porque tinha permanecido muito tempo na escuridão da prisão e a primeira luz do dia certamente devia ter produzido aquela cegueira momentânea. E, regozijando-se interiormente por constatar que tudo estava dentro dos padrões da normalidade com os quais estava familiarizado, sentiu pena da mulher que, na sua simplicidade, estava alegre por algo irreal, quase certamente fruto de sua imaginação, sugestionada pelos acontecimentos dos dias anteriores.

Todo o romance é um contínuo suceder-se de idas e vindas entre uma irresistível exigência de saber se Jesus é realmente o Filho de Deus e a confirmação de que tudo corre de acordo com as leis da natureza e segundo as regras do poder. A cada página, ele parece atraído a juntar-se àquelas pessoas que conviveram com Jesus e que são estranhamente fascinantes, mas acaba por prevalecer a distância, sugerida pela visão da realidade à qual está acostumado.

Barrabás entrevista Lázaro, que Jesus ressuscitara, mas não se persuade da divindade do Mestre. A exaltação da humildade e da misericórdia feita pelos cristãos provoca sentimentos de repulsa num homem como ele, admirador da força e da violência. As circunstâncias o levam a uma mina do império romano, onde deve trabalhar amarrado com uma corrente de ferro a um escravo que era discípulo de Jesus. Barrabás fica impressionado pela transformação que observa no rosto do companheiro de desventura quando reza ajoelhado; ele admira a força interior que vê emanar desse homem que parece falar com Deus. Era uma força que Barrabás desconhecia e queria para si. Risca o símbolo de Cristo no verso da placa de identificação dos escravos, como estava na placa do amigo, mas não consegue rezar e chega a considerar tudo uma ilusão, toma as distâncias também desse companheiro e, por fim, o denuncia. É levado a Roma e quando ouve dizer que os cristãos estão tocando fogo na cidade, fica entusiasmado. Quem sabe, eles deram o passo para rebelar-se à prepotência romana e usar a violência para defender-se. Agora, sim, tem algo em comum com essas pessoas e pode fazer parte desse grupo. Ele também, então, começa a atear fogo à cidade.

O romance termina com Barrabás na prisão, junto com os cristãos. Sofre a maior decepção quando descobre que os cristãos negam sua responsabilidade pelo incêndio. O entusiasmo dele devia-se a um equívoco. Eles o reconheceram; a maioria olhava para ele com certa hostilidade, porque o amado Mestre morrera em lugar dele. Ele fica afastado de todos, solitário. Estranhamente, histórias e temperamentos tão distintos continuam entrelaçando-se. Apesar de todas as diferenças, a Barrabás e aos cristãos é reservado um destino semelhante. Com efeito, no final, ele também é crucificado. A cena guarda uma impressionante proximidade e, ao mesmo tempo, a maior distância com o que acontecera com Jesus em Jerusalém: no alto da cruz, ao dar o último suspiro, Barrabás grita: “Nas tuas mãos entrego o meu espírito”, que são palavras quase idênticas às pronunciadas por Jesus. Mas o autor marca a diferença dizendo que Barrabás emitiu o seu grito “dirigindo-se às trevas” e não “ao Pai” como fizera Jesus . Na forma como Barrabás encerra sua aventura terrena, pode-se reconhecer uma alusão ao niilismo, que emerge como a última meta para a qual o homem moderno se encaminha.

Fontes:
PETRINI, João Carlos. Pessoa, Matrimônio, Família: entre Cultura Pós-moderna e Cristianismo. Disponível em http://www.hottopos.com/videtur25/petrini.htm

Pär Fabian Lagerkvist (23 Maio 1891 – 11 Julho 1974)



(Växjö Småland, 23 de Maio de 1891 — Estocolmo, 11 de Julho de 1974)

Escritor e poeta sueco nascido em Växjö Småland, laureado com o Prêmio Nobel da Literatura (1951) pelo vigor artístico e verdadeira independência de pensamento com a qual desenvolveu a sua poesia.

Filho de um mestre de estação, Anders Johan Lagerkvist e de sua esposa Johanna Blad, desde cedo inclinou-se pela literatura e, assim chegou a universidade. Depois de um ano na Universidade de Uppsala, foi para Paris (1913), onde viveu a influência do expressionismo, especialmente como pintor. Morou principalmente na França e Itália, e mesmo depois do seu retorno definitivo para a Suécia, freqüentemente viajou pelo Continente e pelo Mediterrâneo.

Na poesia suas primeiras publicações bem sucedidas foram Ansiedade (Ångest ,1916) e Canções do Coração (Hjärtats sånger ,1926). Seus primeiros sucessos em prosa foram volumes autobiográficos Gäst hos verkligheten (1925) e Det besegrade livet (1927). Como dramaturgo, foi extremamente versátil com peças como Um momento difícil (Den svåra stunden , 1918), Segredos do Céu (Himlens Hemlighet ,1919), Han som fick leva om sitt liv (1928).

Também com seu trabalho demonstrou forte oposição ao totalitarismo com publicações como Bödeln (1933), O homem sem alma (Mannen utan själ, 1936) e Seger mörker de i (1939). Outros três romances importantes de fundo religioso foram O Anão (Dvärgen , 1944), Barabbas (1950) e Sibyllan (1956), sendo Barabbas, a história de um crente sem fé, seu primeiro sucesso verdadeiramente internacional.

Morreu em Estocolmo. Suas últimas publicações em vida foram A Terra Santa (Det heliga landet , 1964) e Mariamne (1967).

Fontes:
– Tradução do sueco dos títulos de livros: José Feldman
http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/NLPFLage.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A4r_Lagerkvist

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Os Jogos Florais



Os Jogos Florais são concursos de Trovas realizados sob a égide da União Brasileira de Trovadores.

O primeiro concurso do gênero foi instituído na cidade fluminense de Nova Friburgo em 1960, considerada hoje o berço dos Jogos Florais

O período entre 28 de Abril e 13 de Maio do calendário romano marcava a celebração dos Jogos Florais (ou Florálias - do latim floralia, ium), assim denominados por se tratarem das festividades em honra de Flora, deusa da Primavera, das flores, dos cereais, das vinhas e das árvores frutíferas. A lenda diz que Flora é uma das divindades sabinas introduzidas em Roma por Tito Tácio e adorada pela populações itálicas, em geral. Desde então, associa-se o mel à deusa, como um dos presentes que esta terá concedido ao Homem, o mesmo acontecendo com todas as flores que conhecemos.

Segundo Junito de Sousa Brandão (1993), nesta data as cortesãs reuniam-se e dançavam ao som de trombetas, num concurso em que as vencedoras eram coroadas de flores, tal como era hábito fazer-se nas cerimônias de adoração da própria divindade. Por influência desta tradição romana, em toda a Península Ibérica, embora com especial incidência na zona do Algarve, ficou até aos nossos dias o costume de colocar nas portas e janelas das casas flores de giestas, também designadas por Maias (nome que provém do fato de florescerem em maior abundância do quinto mês do ano). Mais ainda, no início do século era habitual escolher-se nas aldeias uma jovem que, vestida de branco, era coroada de flores tal como a deusa.

Um pouco mais tarde, a partir do século XIII, esta celebração passou a abranger uma esfera mais alargada, agora enquanto concurso literário: os poetas e amantes da escrita, em geral, tinham nesta data a possibilidade de apresentar as suas produções num concurso, cujos procedimentos se regem por um regulamento que conforme o local que são realizados possuem características específicas: os participantes podem optar por várias modalidades de escrita, sendo as mais comuns o poema lírico ou as quadra populares de tema livre, o soneto (tomando como inspiração um determinado assunto), poesia obrigada à utilização de um mote específico ou alegórica à própria cidade onde se realizam os Jogos e, finalmente, o tratamento de um adágio popular. Seus autores são obrigados a apresentar-se sob pseudônimo, para que os jurados não sofram qualquer tipo de influência durante a avaliação. Aos melhores trabalhos são oferecidos prêmios, habitualmente três por modalidade. Por vezes, são ainda concedidas menções honrosas aos candidatos, cujos trabalhos, embora não sejam vencedores, são considerados dignos de destaque.

Com a criação dos Jogos Florais de Nova Friburgo surgiu o Baile das Musas para que fosse escolhida a Musa daquele ano, evento que acompanha a história dos Jogos Florais, não só de Nova Friburgo mas de vários concursos nacionais.

Surgiram da união de Zeus com Mnemósine, tendo como berço as proximidades do monte Olimpo. Elas cantavam acompanhadas da lira do deus Apolo.

São NOVE as MUSAS criadas pela mitologia grega .
• Calíope (bela voz), a primeira entre as irmãs, era a musa da eloqüência.
• Clio (a quem confere fama) - musa da História, sendo símbolos seus o clarim heróico e a clepsidra. Jovem coroada de louros, tendo na mão direita uma trombeta e na esquerda um livro intitulado "Tucídide". Aos seus atributos acrescentam-se ainda o globo terrestre.
• Érato (a que desperta desejo) - musa do verso erótico. Ninfa coroada de mirto e rosas. Tinha na mão direita uma lira e na mão esquerda um arco.
• Euterpe (a que dá júbilo) - musa da poesia lírica, tinha como símbolo a flauta e aparece coroada de flores.
• Polímnia (a de muitos hinos) - musa dos hinos sagrados e da narração de histórias. Usava um véu e, por ser meditativa estava sempre com o dedo na boca.
• Melpômene (a cantora) - musa da tragédia; usava máscara trágica e folhas de videira.
• Terpsícore (a que adorva dançar) - musa da dança, tocava a cítara ou lira. Regia o canto coral.
• Tália (a festiva) - musa da comédia que vestia uma máscara cômica e portava ramos de hera.
• Urânia (celeste) - musa da astronomia, tendo por símbolos um globo celeste e um compasso.

Fontes:
http://www.jogosflorais.com.br/
http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/J/jogos_florais.htm
Imagem = http:// http://www.angela.bispo.nom.br/

L Jogos Florais de Nova Friburgo 2009 (Resultado Final)




VENCEDORES 2009

CONCURSO NACIONAL
TEMA: SAUDADE (Lírica/Filosófica)

1º Lugar - Troféu Aloisio de Moura
Entre os véus da noite, imerso,
insone em meu travesseiro,
escrevo apenas um verso
e a saudade... um livro inteiro!
Maria Lucia Daloce
Bandeirantes - PR

2º Lugar
Saudade, lembrança acesa,
não de um amor que passou,
mas, sim, com toda certeza,
daquele amor que ficou! ...
Antônio Vanzella-
S. Bernardo do Campo - SP

3º Lugar
Se o meu tempo está marcado
e da saudade eu disponho,
invento alguém ao meu lado,
cerro meus olhos e sonho...
Milton Nunes Loureiro
Niterói- RJ

4° Lugar
Saudade é um velho barquinho
que vence o tempo e a distância
e recolhe, no caminho,
os pedacinhos da infância ...
Ercy Mª Marques de Faria-
Bauru- SP

5º Lugar
No rosto, um leve sorriso
disfarça a dor da saudade...
- Há vezes em que é preciso
fingir a felicidade .
Olga Agulhon-
Maringá - PR


MENÇÃO HONROSA

Passa o tempo... e, enquanto corre,
a lembrança vai sumindo...
Mas a saudade não morre:
- Apenas fica dormindo...
Pedro Mello
São Paulo- SP

Quem diz que não tem saudade
e se é verdade o que diz,
não teve a felicidade
de já ter sido feliz.
Orlando Woczikosky
Curitiba- PR

Praça da minha cidade
onde hoje volto tristonho,
vim, nos rastros da saudade,
matar saudades de um sonho !...
Tereza Costa Val
Belo Horizonte – MG

Ó Saudade, hoje me provas
que és a melhor das amigas,
porque fazes sempre novas
minhas saudades antigas...
Ercy Maria Marques de Faria
Bauru- SP

Partiu, deixando o seu traço
no meu caminho dos sós...
- A saudade é esse espaço
que existe sempre entre nós.
José Valdez C. Moura
Pindamonhangaba – SP

MENÇÃO ESPECIAL

Na saudade eu julgo ver
uma inversão de caminhos:
á gua passada a mover
os meus internos moinhos ...
Maria Helena Oliveira Costa
Ponta Grossa- PR

Entre nós não há mais nada,
mas ante a prova de fogo,
saudade é carta marcada
que acaba ganhando o jogo !
Alba Cristina Campos Netto
São Paulo- SP

Saudade, mágoa sentida,
barco distante do cais;
pedaço da própria vida
que a gente não vive mais ...
Marta Mªa O. Paes de Barros
São Paulo – SP

Ah , saudade do passado !
tão presente e tão intensa,
que penso ouvir teu chamado,
buscando a minha presença.
Sônia Mª Sobreira da Silva
Rio de Janeiro- RJ

Saudade é luz matutina
no crepúsculo da gente.
Sol que o passado ilumina
quando escurece o presente.
Orlando Woczikosky
Curitiba- PR


CONCURSO NACIONAL
TEMA : CINQUENTÃO (Humorística
)

1º Lugar
Diz o cinquentão vaidoso:
- “Eu sou madeira de lei!”
E, a mulher, em tom jocoso:
- “Então deu cupim...que eu sei !”
Marta Mª O. Paes de Barros
São Paulo – SP

2º Lugar
Na sinuca, ela afobada
num jogo de sedução,
acertou uma tacada
no taco do cinqüentão !
Adilson Maia
Niterói – RJ

3º Lugar
- Por não ser mais “cinquentão”
- quase beirando os setenta –
já não vivo de ilusão,
mas que a gente tenta... tenta ! ! !
Eduardo A. O. Toledo
Pouso Alegre – MG

4º Lugar
Ante a noiva bem nutrida,
o cinqüentão fica louco :
- Ela só pensa em comida
e cinquentão come pouco...
Milton Nunes Loureiro
Niterói-RJ

5º Lugar
Tentando aparentar trinta,
o cinquentão se “ferrou”.
Comprou um estoque de tinta,
mas... o cabelo acabou.
Wandira Fagundes Queiroz
Curitiba – PR

MENÇÃO HONROSA

Faxina pra lá de boa
ela faz por cinquentão:
limpa a casa da patroa
e a carteira do patrão.
Maurício Pindamonhangaba-
São Paulo- SP

O cinquentão se arruinou
negócios, TUDO caído ...
é que a mulata o deixou
zerado em todo sentido
Mª de Fátima S. de Oliveira
Juiz de Fora – MG

O cinquentão não se aguenta:
é calculista bebum,
e tão logo fez cinquenta,
já que ter “ Cinquenta e Um” !!!
Marisa Rodrigues Fontalva
São Paulo – SP

Freguês quer jornal inteiro !
Quem viu a folha de esporte ?
- E o cinquentão no banheiro :
foi alguém de muita sorte !
Wanda Horilda Freesz de Lima
Juiz de Fora – MG

Rico cinquentão? Coitado!
Quisera que fosse assim!
Ele anda mais apertado
que pasta dental no fim!
Renata Paccola
São Paulo –SP

MENÇÃO ESPECIAL

Quis dar o golpe na sorte
se encostou no cinquentão
um ricaço esperto e forte
que lhe deu tanque e fogão !
Alfredo Barbieri
Taubaté – SP

Fez plástica o setentão
e mudou seu visual...
Mostra um rosto cinquentão,
mas no “resto”... tudo igual !
Tereza Costa Val
Belo Horizonte – MG

O botox em profusão
na cinquentona foi erro,
porque causou a impressão
de sorrir durante o enterro...
Pedro Mello
São Paulo- SP


Eu me dei bem... Ela aponta
para um rico solteirão.
Dei um desfalque sem conta
na conta do cinqüentão !
Adilson Maia
Niterói – RJ

O leito ficou quebrado
pela dupla pesadona:
um cinquentão assanhado
nos braços da cinquentona .
Gilson Faustino Maia
Petrópolis- RJ

CONCURSO PARA OS TROVADORES DE NOVA FRIBURGO

TEMA- CIÚME (Líricas)

1º Lugar
Nosso amor é tão intenso
e a confiança entre nós
fala tanto que o bom senso
deixa o ciúme sem voz.
Joana D´arc

2º Lugar
Se abusas das tuas saias,
dos decotes, dos perfumes,
não posso impedir que saias,
mas eu morro de ciúmes!
Elisabeth Souza Cruz

3º Lugar
O ciúme é vento frio,
lança cravada no peito,
sentimento de vazio,
ao ver vazio o meu leito!
Paulo Sergio Pinheiro de Carvalho

4º Lugar
Ciúmes...brigas...saudade...
Da angústia à supremacia,
eu chego à triste verdade:
- O amor é droga e...vicia!
Elisabeth Souza Cruz

5º Lugar
Ultrapassando as fronteiras
do sim, do não, do talvez,
nosso amor vence barreiras
e o ciúme não tem vez!
Dirce Montechiari

MENÇÃO HONROSA

Surgem de todos os cantos,
mas não demonstro em meu rosto...
Os meus ciúmes são tantos
que sufocam meu desgosto.
Cyrléa Neves

Eu abraço a solidão
dos lençóis, e o meu queixume
é ter perdido a razão,
na cegueira do ciúme!
Ivone Marques Moreira

Se falas do amor em nós,
não ouço...duvido sim!
Há ciúme em viva voz
gritando dentro de mim.
Therezinha Tavares

O teu ciúme insensato,
não te fez ver a verdade;
levou contigo um “Retrato”,
deixou comigo a saudade.
Sérgio Martins

Teu ciúme muito louco,
sem limite, sem medida,
vai minando, pouco a pouco,
os dias da minha vida...
José Moreira Monteiro

MENÇÃO ESPECIAL

Por favor, não desarrume
este encanto verdadeiro
só porque tenho ciúme
até... do seu travesseiro!
Ana Maria Motta

Seu olhar que perde o lume
ao piscar quando me quer,
contém amor e ciúme
de apaixonada mulher.
Adilson Calvão

Quando o ciúme me abraça
eu quase morro de dor;
mas, quando você me enlaça,
sempre sufoco de amo
Dirce Montechiari

Não se explica o nosso encanto
pois teu ciúme...(que horror!)
que nos causa dor e pranto
alimenta o nosso amor!
Hermelina Schuenck

Nosso amor se eleva ao cume,
naquela poesia infinda
da pontinha de ciúme
que você conserva ainda!
Rodolpho Abbud

CONCURSO PARA OS TROVADORES DE NOVA FRIBURGO

TEMA: SUSPIRO (Humorísticas)

1º Lugar
O suspiro está perfeito,
mas é tão pequenininho
que deve ter sido feito
com ovos...de passarinho!
Ana Maria Motta
2º Lugar
Doceiro que sai do apuro
com suspiro e rocambole
sabe o quanto já foi duro
vender só maria-mole!
Ailto Rodrigues

3º Lugar
A vovó, nos seus oitenta,
não pode comer chouriço;
olha, suspira e comenta:
- já fui muito boa nisso...
Denise Cataldi

4º Lugar
Vê passar o seu vizinho,
e a mulher sente revolta
do suspiro, bem fininho,
que o marido dela solta.
Therezinha Tavares

5º Lugar
- Suspira o velho...sonhando,
e a velhinha, já nervosa:
-Você sempre me acordando
com propaganda enganosa!
Ivone Marques Moreira

MENÇÃO HONROSA

Na praça da cavalgada,
suspira o velho azarão
vendo a mocinha montada
num baita de um alazão!
Ivone Moreira Marques

Lá na praça do Suspiro,
o vovô, todo em genérico:
-Eu tento, assanho e transpiro,
mas quem sobe é o Teleférico!
Elisabeth Souza Cruz

Ele lambe até a panela,
suspirando sem canseira,
na pensão onde a costela
mais gostosa é da caseira!
Ailto Rodrigues

Ela cozinha. Ele, em torno.
Preparam suspiros novos:
enquanto ela aquece o forno,
ele vai batendo os ovos!
Ana Maria Motta

Sob um arbusto na praça,
o casal fez seu retiro,
mas, quando a polícia passa,
não se ouve nem um suspiro!
Rodolpho Abbud

MENÇÃO ESPECIAL

Trabalha em banco privado
da praça e, quando há sol quente,
ele suspira cansado
se fatura outra cliente.
Joana D’Arc da Veiga

Ao comprar um sapatão,
o marido reprovou!
E, ao vê-lo com um gatão,
ela suspira: - Empatou!
Dilva Moraes

Cinquentão, gordo, gabola,
suspirando, num sussurro,
pergunta pra jovem: - Rola?
E ela: - Deita que eu empurro!
Pedro Cleto

Morreu!...Duvido e confiro.
Oh!...que eu confio na sogra...
Até o último suspiro
ela é fingida e me logra.
Dirce Montechiari

Quando requebra me mata,
diz o luso: Eu quase piro
mas dou por esta mulata
o meu último suspiro!
Clenir Neves Ribeiro

MAGNÍFICOS TROVADORES

CONJUNTO TEMA: AMOR

1º Lugar - Troféu Anis Murad
Teu ciúme, cortando os laços
do nosso amor, me magoa...
Mas meu amor abre os braços
e, por amor, te perdoa
João Freire Filho

2º Lugar
Porque te dei muito amor
fiquei só...Pois não sabia
que vai perdendo o valor,
o que é dado em demasia!...
José Tavares de Lima

3º Lugar
Quando, à noite, a chuva canta
e as lembranças tomam cor,
a saudade se levanta
e acorda o meu velho amor !
Octávio Venturelli

TROVA ISOLADA - TEMA AMOR

1º Lugar-Troféu Colbert R. Coelho
Escrito de próprio punho,
mas na gaveta guardado,
o meu amor é um rascunho
que nunca foi publicado!
Sérgio Ferreira da Silva- São Paulo - SP

2º Lugar
A voz do perdão ressoa
quando o amor é quem nos chama:
quem ama sempre perdoa,
se não perdoa... não ama! Trova isolada - tema: Amor
Octávio Venturelli - Rio de Janeiro- RJ

3º Lugar
Nosso amor, desde o começo,
tem tal alcance e medida,
que, quanto mais envelheço,
mais o sinto...além da vida
João Freire Filho - Rio de Janeiro- RJ-
.
CONJUNTO - TEMA: CIÚME

1º Lugar - Troféu Annis Murad
Eis a feia envaidecida :
João tem ciúmes de mim
- Mas ele é cego, querida?
- Como tu sabes!... É sim.
José Tavares de Lima - J. de Fora- MG

2º Lugar
Fato estranho e repetido
deixa a madame cismada:
sempre que beija o marido
a babá fica emburrada !
Pedro Ornellas - São Paulo - SP

3º Lugar
É quando o ciúme bate
da mulher, em seus serões,
que a gente escuta o alfaiate
“ falando com seus botões” !
Edmar Japiassú Maia

TROVA ISOLADAS - HUMOR TEMA: CIÚME

1º Lugar
Tomou medida extremada
por ciúmes e ‘entrou bem!...
mandou embora a empregada
-e o marido foi também!
Pedro Ornellas - São Paulo-SP

2º Lugar
Deixa, vó de ciumeira,
que o vô só pensa em rezar...
-Diz a velhinha, cabreira:
e se a reza funcionar?...
José Tavares de Lima- J. de Fora – MG

3º Lugar
Fato estranho e repetido
deixa a madame cismada:
sempre que beija o marido
a babá fica emburrada!
Pedro Ornellas - São Paulo- SP
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Gérard de Nerval (Poesias)



DÉLFICA

Conheces tu, Dafné, este cantar de outrora
que junto do sicômoro ou sob os loureiros,
ou mirtos, oliveiras, trémulos salgueiros,
este cantar de amor... que volta sempre e agora?

Reconheces o Templo - peristilo imenso -
e os ácidos limões que teus dentes mordiam,
é a gruta onde imprudentes ébrios se perdiam
e do dragão vencido dorme o semen denso?

Hão-de voltar os deuses que saudosa choras!
O tempo há-de trazer da antiguidade as horas;
a terra estremeceu de um ar de profecia...

Todavia a sibila de rosto latino
adormecida à sombra está de Constantino
e nada perturbou a severa arcaria.

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VERSOS DE OURO

Pensando livre, julgas que nenhum outro ente
Pensa num mundo em que tudo jorra a vida?
És livre de dispor da força em ti contida,
Mas do que tu decides é o Universo ausente.

Respeita no animal um espírito agente.
Em cada flor uma alma espera ser sentida.
Um mistério de amor tem nos metais guarida.
Tudo é sensível. Tudo sobre ti potente.

Teme, no muro cego, um olhar que te fita.
A tudo o que é matéria um Verbo está ligado.
Não faças dela nunca uma coisa perjura.

Num ser obscuro às vezes há um deus que habita.
E, como um olho nasce em pálpebras fechado,
Sob as rugas das pedras uma alma se apura.
========================

A PRIMA

Tem seus prazeres o Inverno; e, ao domingo, às vezes,
se o sol pousa na neve dos jardins burgueses,
a gente sai com a prima para passear...
- E não se esqueçam lá da hora do jantar -

- é o que a mãe diz. E quando nós já vimos todos
os vestidos em flor passando entre o arvoredo,
a menina tem frio... e lembra com bons modos
como a névoa da tarde vem chegando cedo.

Voltamos para casa, recordando o dia
que tão rápido foi... e que tão pouco ardia...
E do fundo da escada cheira-se esfomeado
o perfume, lá em cima, do peru assado.
===============
O Desditado

Eu sou o tenebroso, - o viúvo, - o inconsolado
Príncipe d'Aquitânia, em triste rebeldia:
É morta a minha estrela, - e no meu constelado
Ataúde há o negror, sol da melancolia.
==================
Duas vezes o Aqueronte, - é o grande feito meu, -
Transpus a modular, nesta lira de Orfeu,
Os suspiros da santa e os clamores da fada...
Gerard de Nerval.
––––––––

A vida pulsa em cada tom, e ouço
palpitando-te o peito a dor e o luto
alaúde lilás. O clarim soa
enquanto o verso, livre, te machuca.

Viúvo obscuro tanges tua corda
na vaza deste verso, casa oca,
e plange o bandolim, perícia louca,
poeta dos silentes que não dormem.

Mas és o desditado, és o bastardo.
Cavaleiro do tempo em espaço vivo
invades, berro bárbaro na boca

o que não abandonas, deserdado,
mesmo se vendavais te varram a vida,
e o grito da tua chaga purgue e lave

a tua voz extrema de cantor.
Se lá chegares! É que jamais chegas,
jogo de júbilo face ao tormento.
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Gérard de Nerval (22 de Maio 1808 – 25 Janeiro 1855)


Gérard de Nerval (Paris, 22 de Maio de 1808 - 25 de Janeiro de 1855) foi um notório poeta do século XIX, considerado um expoente da poesia francesa.

Seu nome verdadeiro era Gérard Labrunie. Foi educado pelo pai, uma vez que sua mãe teve morte prematura.

Gérard de Nerval, cujo nome verdadeiro era Gerard Labruni, nasceu em Paris 22 de maio de 1808. Órfão de mãe, filho dum médico do exército de Napoleão, o jovem Gerard foi criado em Mortefontaine, na propriedade de seu tio-avô, no país Valois, região de florestas e lagos, tudo embuído de poesia e mistério, onde ele se inspira na poesia rústica e popular.

Ao longo de seus estudos parisienses, no colégio Carlos Magno, ele foi sócio do célebre Théophile Gautier, na elaboração de um folhetim dramático que era publicado regularmente na imprensa.

Ele refuta seus estudos de medicina, apaixona-se pela literatura alemã e em particular por Goethe, do qual ele seria mais tarde um grande tradutor e se fez conhecer por uma tradução de Fausto(1828) e depois de Hoffmann. Fausto, de Goethe, tradução na qual Berlioz se baseou para criar a sinfonia A Danação de Fausto.

No dia seguinte à batalha de Hernani(1830)da qual participou, ele frequenta a boemia da margem esquerda e o “Cenário” romântico e se vê numa louca paixão pela atriz Jennny Colon em 1836, que encarna todos seus sonhos, mas que o abandona para se casar com um músico. Ela se constituirá em seguida como uma das figuras femininas ideais, como em Aurélia (1855). Esta paixão infeliz determinará um traço característico de sua obra: a expansão do sonho na vida real, o fantástico e o amor platônico servindo para ele como fonte de inspiração.

Em 1841, começou a apresentar sinais de esquizofrenia, sendo internado por um tempo. Viajou pela Alemanha em companhia de Alexandre Dumas, e depois sozinho, pelo restante da Europa. Jenny Colon, sua” única estrela”, morre em 1842.

Ele se engaja, então, em 1843 numa viagem ao Oriente que o leva ao Egito, Síria, Turquia, Malta e Nápoles. A narrativa Viagem ao Oriente publicada em 1851 retrata essa experiência, toda impregnada da cultura antiga e de mitologia. Após a viagem, sua readaptação à França fica difícil e ele vive durante dez anos de pequenos trabalhos em edição e jornalismo.

Em 1851 sofreu nova crise de esquizofrenia, sendo internado por diversas vezes repetidas na clínica do Dr. Blanche, em Passy. Sua” loucura” lhe deixa mesmo assim alguns momentos de lucidez, donde nascem suas obras-primas e obras-mestras, Sylvie, Os filhos do Fogo e principalmente As Quimeras, seguida de doze sonetos repletos de alusões às revelações que o poeta crê ter recebido do Além, e logo tingidos dum hermetismo ligado à diversidade dos símbolos que ali funcionam simultaneamente. Nos últimos tempos de sua vida, ele leva uma existência errante e de miséria, até a manhã de 26 de janeiro de 1855, quando é encontrado dependurado sob a grade de uma escada, na rua da Velha-Lanterna, perto do Châtelet. É publicada Aurélia.

Características literárias

Desde cedo foi atraído pela literatura alemã, em especial "Contos Fantásticos", de Hoffmann, e "Fausto", de Goethe, que começou a traduzir em 1828.

Sua viagem ao oriente, que despertara o interesse pelo esoterismo e ocultismo, a esquizofrenia que o acompanhava, e a forte influência alemã foram fatores que o tornaram pouco alinhado com o romantismo francês de seu tempo.

Há uma certa melancolia em sua obra que o marginaliza ou, segundo pensam alguns críticos, o aproxima de um pré-simbolismo.

Obras principais
Elégies et Odelettes (1830) (Elegias e Odes Pequenas)
Fragments de Nicolas Flamel (1831)
Les filles du feu (1854) (As Filhas do Fogo), onde figuram os sonetos das Chimères (Quimeras)
Les amours de Vienne: La Pandora (1854) (Os Amores de Viena: A Pandora)
Aurélia ou le rève et la vie (1855) (Aurélia ou o Sonho e a Vida)

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
www.clicfolio.com/clicfolio/arquivos.php?arq=33644&id=8924

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Trova VI

XXII Jogos Florais de Ribeirão Preto 2009 (Resultado Final)


TEMA NACIONAL: CIGANO (LIRISMO)

Categoria Vencedores


1º lugar – Carolina Ramos - Santos – SP
2º lugar – Hermoclydes Siqueira Franco – Nova Friburgo – RJ
3º lugar – Ederson Cardoso da Silva- Niterói – RJ
4º lugar – Olympio da Cruz Simões Coutinho – Belo Horizonte – MG
5º lugar – Izo Goldman –São Paulo – SP

Categoria Menção Honrosa

1º lugar – Renato Alves – Rio de Janeiro – RJ
2º lugar – José Ouverney – Pindamonhangaba – SP
3º lugar – Antônio Augusto de Assis – Maringá – PR
4º lugar – Maria Apparecida S.Coquemala – Itararé – SP
5º lugar – Ébea Priscila de Sousa e Silva – Caçapava – SP

Categoria Menção Especial

1º Lugar – Marilucia Resende – São Paulo – SP
2º Lugar – Marina Bruna – São Paulo – SP
3º Lugar – Ercy Maria Marques de Faria - Bauru – SP
4º Lugar – Miguel Russowsky – Joaçaba – SC
5º Lugar - Hermoclydes Siqueira Franco – Nova Friburgo – RJ

TEMA NACIONAL: EREMITA (humor)

Categoria Vencedores

1º lugar – Therezinha Dieguez Brisolla - São Paulo -SP
2º lugar – Renata Paccola – São Paulo – SP
3º lugar – Eduardo Domingos Bottallo – São Paulo – SP
4º lugar – Izo Goldman – São Paulo – SP
5º lugar – Marina Bruna – São Paulo – SP

Categoria Menção Honrosa

1º lugar – Ademar Macedo –Natal – RN
2º lugar – Therezinha Dieguez Brisolla - São Paulo – SP
3º lugar – Ruth Farah Nacif Lutterback – Cantagalo – RJ
4º lugar – Argemira Fernandes Marcondes – Taubaté-SP
5º lugar – Vanda Fagundes Queirós – Curitiba – PR

Categoria Menção Especial

1º lugar – Ébea Priscila de Sousa e Silva – Caçapava – SP
2º lugar – Therezinha Dieguez Brisolla – São Paulo -SP
3º lugar – Antonio Barradas Barroso – Parede, – Portugal
4º lugar – Olympio da Cruz Simões Coutinho – Belo Horizonte – MG
5º lugar – Maria Lúcia Daloce – Bandeirantes – PR

Fonte:
A.A. de Assis

Amadeu Amaral (O Elogio da Mediocridade)



Carta a um crítico

Meu amigo:

Está V. a ensaiar os seus pendores para a crítica, no que faz muito bem, porque é tempo de se ir criando por aqui essa coisa proveitosa; mas a ensaiá-los a custa de pobres poetas enfermiços e de prosadores claudicantes, no que faz muito mal. Permita que lhe represente, em brevesos linhas, os equívocos fundamentais e as incongruências desta sua atitude heróica.

O crítico, meu caro, que ferozmente agride as obras medíocres, procede como o sujeito que pretendesse deitar abaixo o pavimento inferior de uma casa de vários andares, para só conservar o resto. A mediocridade é necessária, absolutamente necessária que no sentido de coisa inevitável, quer no sentido de coisa útil. É, porque tem de ser; além disso, é benéfica.

A turba imensa dos medíocres constitui uma como nebulosa informe, sementeira protoplasmática de estrelas. A maioria dos grandes de lá saiu, e felizes daqueles que saíram de vez, para não mais tornar ao rebanho depois de um esforço máximo e prodigioso. Em regra, a obra total de um escritor de fama é uma série de livros que vai da mediocridade ao esplendor de um pináculo de ouro, e esse pináculo, como o de uma pirâmide, é justamente a porção que ocupa o menor lugar no espaço. A glória de Cervantes está inteira na cúpula de um enorme edifício literário Dom Quixote; o resto ficou para sempre mergulhado na sombra, como o corpo colossal de um casarão que só conserva iluminado, no seio da noite, a torre mais alta e mais esguia.

Certo, escritores há que, em rigor, nunca foram medíocres, cujas primeiras tentativas podem comparar-se aos primeiros vôos, mas aos primeiros vôos das águias jovens. São poucos. Esses mesmos, porém, não existiriam se não houvesse a vasta mediocridade que os cerca, que lhes serve de ponto de apoio, que lhes alimenta o espírito nos primeiros tempos, e que os impele para cima com todos os estímulos contraditórios da rivalidade e do aplauso.

Toda literatura pressupõe uma multidão de medíocres, e não só de medíocres, senão também de inferiores, de rudimentares, de falhados e de decadentes. Tanto mais pujante e luminosa ela é, tanto mais grossa a multidão rasteira. Esse mato baixo sustenta a indispensável camada de humus, resguarda e entretém a vida incipiente das árvores destinadas à máxima expansão. Foi esse mato que permitiu, na Inglaterra, o crescimento fabuloso de Shakespeare, a cuja volta trabalhava e produzia uma plêiade de dramaturgos fortes e uma turba-multa obscura de escribas irrequietos.

Por que, pois, essa fúria sinistra de demolição, de que o meu jovem amigo se mostra dominado, a exemplo de outros cavalheiros que conscienciosamente manejam o cacete correcional da crítica impiedosa?

[...]

No seu entender, quem publica um livro está por força na atitude de quem constrói um pagode monumental, e nele se remira, e lá dentro se instala, como um Buda, à espera da romaria dos pósteros. Ora, o livro, depois que se inventou a imprensa, deixou rapidamente de ser um luxo, uma alfaia, um segredo, um adorno, qualquer coisa que avaramente se guardava a um canto da casa, entre a arca pregueada e o oratório esculpido, como uma relíquia ou um manipanço, para ser algo que já não corresponde a qualquer imagem antiga, algo de imprevisto e de original, uma característica flagrante de tempos renovados: um instrumento de comércio transitório entre as almas, prolongamento da conversação adstrito à troca universal das idéias.

O livro tem de ser considerado, não mais como um repositório de coisas concebidas e filtradas “para a eternidade”, mas sim como uma rede de pesca a sair do seio imenso das águas, trazendo de envolta com o peixe a alga, o marisco e a salsugem. Instrumento, utensil, aparelho, o livro tem a sua função naturalmente limitada: o seu fim primacial não é durar, é prestar serviço. Cumprida a sua missão, embotado, enferrujado, substituiu-se pelo mais novo e mais interessante e põe-se fora. Nem por isso deixou de haver um momento em que foi bem-vindo. Era um elo, passou; mas teve a virtude de arrastar um outro, que também passa, e a circulação continua...

Deixe em paz, meu bom amigo, os literatelhos em que V. gosta de saciar o seu rancor ao pedantismo e à pretensão. Ou bem que faz moral, ou bem que faz crítica.

Como crítico, o seu dever é respeitá-los: estão desempenhando a alta função de preparar o terreno para o surto das grandezas futuras.

Lembre-se de que o nosso amigo Shakespeare não fez, nas sua grandes peças, senão apoderar-se tranqüilamente de produtos medíocres para os transformar a seu jeito, insuflando-lhes aquilo que os predecessores não haviam podido dar-lhes, apesar de toda a boa vontade: gênio. Lembre-se de que a lenda dos gigantes que fazem línguas e literaturas por si sós está definitivamente morta. Dante não teria feito a Divina comédia, nem Camões os Os lusíadas, nem você estaria aí escrevendo críticas, se não fosse a enorme legião dos pigmeus sem nome nem lustre, cujo esforço apagado e tenaz, inumerável e ininterrupto, lavrando subterraneamente, aumenta pouco a pouco o tesouro coletivo da língua, lhe dá variedade, elasticidade e energia, e a conduz ao ponto de poder ser manejada com fragor por um punho poderoso.

Não se impressione com as pretensões da mediocridade, com a troca de doçuras ditirâmbicas em que ela se compraz. O louvor excessivo só perverte e inutiliza, em regra, os que nasceram talhados para coisa nenhuma. Há, em compensação, muito cavalheiro de grande valor que a canalha deixa na sombra? A isso, meu amigo, nem, Você nem ninguém dará remédio. Molière, numa época de florescência literária, que V. não quererá comparar com a nossa, passava por um hábil comediógrafo, em quem a crítica justiceira do tempo nem por isso lobrigava grandes méritos. Em compensação, Delille foi aclamado gênio pelos contemporâneos. E, sempre há de ser assim.

O caminho que V. deve tomar é outro. Deixe os medíocres em paz, e vá direito aos grandes. Com eles é que o meu amigo deve medir forças. Trate de ser alto e forte com eles, e renuncie a esse trabalho infrutífero e triste de remexer miçangas e alfinetes, acocorado numa esteira.

Lá é que eu desejo ver aplicadas as excelentes disposições que V. revela para a crítica, e que nos hão de dar daqui a pouco o nosso respeitável Brandes, ou o nosso compendioso Faguet.

Ex-corde...

Fonte:
- AMARAL, Amadeu.O elogio da mediocridade. SP: Hucitec, 1976.

Agostinho Neto (Teia de Poesias)



Antigamente Era

Antigamente era o eu-proscrito
Antigamente era a pele escura-noite do mundo
Antigamente era o canto rindo lamentos
Antigamente era o espírito simples e bom

Outrora tudo era tristeza
Antigamente era tudo sonho de criança

A pele o espírito o canto o choro
eram como a papaia refrescante
para aquele viajante
cujo nome vem nos livros para meninos

Mas dei um passo
ergui os olhos e soltei um grito
que foi ecoar nas mais distantes terras do mundo

Harlem
Pekim
Barcelona
Paris
Nas florestas escondidas do Novo Mundo

E a pele
o espírito
o canto
o choro
brilham como gumes prateados

Crescem
belos e irresistíveis
como o mais belo sol do mais belo dia da Vida.
=================================

Confiança

O oceano separou-se de mim
enquanto me fui esquecendo nos séculos
e eis-me presente/
reunindo em mim o espaço
condensando o tempo.

Na minha história
existe o paradoxo do homem disperso

Enquanto o sorriso brilhava
no canto de dor
e as mãos construíam mundos maravilhosos

john foi linchado/o irmão chicoteado nas costas nuas
a mulher amordaçada
e o filho continuou ignorante

E do drama intenso
duma vida imensa e útil
resultou a certeza

As minhas mãos colocaram pedras
nos alicerces do mundo
mereço o meu pedaço de chão.
============================

Civilização ocidental

Latas pregadas em paus
fixados na terra
fazem a casa

Os farrapos completam
a paisagem íntima

O sol atravessando as frestas
acorda o seu habitante

Depois as doze horas de trabalho
Escravo

Britar pedra
acarretar pedra
britar pedra
acarretar pedra
ao sol
à chuva
britar pedra
acarretar pedra

A velhice vem cedo

Uma esteira nas noites escuras
basta para ele morrer
grato
e de fome.
=================================

kinaxixi

Gostava de estar sentado
num banco do kinaxixi
às seis horas duma tarde muito quente
e ficar...
Alguém viria
talvez sentar-se
sentar-se ao meu lado
E veria as faces negras da gente
a subir a calçada
vagarosamente
exprimindo ausência no kimbundu mestiço
das conversas
Veria os passos fatigados
dos servos de pais também servos
buscando aqui amor ali glória
além uma embriagues em cada álcool
Nem felicidade nem ódio
Depois do sol posto
acenderiam as luzes
e eu
iria sem rumo
a pensar que a nossa vida é simples afinal
demasiado simples
para quem está cansado e precisa de marchar
==============================

Poesia Africana

Lá no horizonte
o fogo
e as silhuetas escuras dos imbondeiros
de braços erguidos
No ar o cheiro verde das palmeiras queimadas

Poesia africana

Na estrada
a fila de carregadores bailundos
gemendo sob o peso da crueira
No quarto
a mulatinha dos olhos meigos
retocando o rosto com rouge e pó de arroz
A mulher debaixo dos panos fartos remexe as ancas
Na cama
o homem insone pensando
em comprar garfos e facas para comer à mesa

No céu o reflexo
do fogo
e as silhuetas dos negros batucando
de braços erguidos
No ar a melodia quente das marimbas

Poesia africana

E na estrada os carregadores
no quarto a mulatinha
na cama o homem insone

Os braseiros consumindo
consumindo
a terra quente dos horizontes em fogo.
========================