domingo, 19 de fevereiro de 2017

Paleta de Versos n. 3

Isabel Furini
(Curitiba/PR)

CABEÇAS DE RELÓGIOS MOLES
(de “Os Relógios de Dali”)

De repente surge uma ideia nas cabeças
(ocas)
de fugir da solidão
do vazio
dos medos criados pela civilização
fazendo selfie
(o celular é a nova magia)

logo é só postar nas redes sociais
(e se for possível nos jornais virtuais
nas portas dos shoppings
nos cartazes dos teatros
ou cinzelar nas estrelas próximas)

deixar as perdas e o amor e a saudade
no mar da Catalunha
e ser fiel às ideias de felicidade
ser fiel ao carrossel do mundo
essa é uma obsessão
(como os passos agitados
que fazem ranger
as tábuas do piso
e da escada de madeira)

ser feliz 24 horas por dia!
ser feliz sem pausa e sem monotonia

nossa civilização de faz de conta
está se derretendo como um relógio mole
nossa civilização
alimenta-se de estranhas utopias
enquanto é devorada pelas formigas
do medo e da obsessão.
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Ubiratan Lustosa
(Curitiba/PR)

FOLIA

Quis brincar no carnaval,
mas não tinha fantasia,
mesmo assim foi pra folia
e festou a se esbaldar.
Mostrou que pra ser igual
aos que dizem ser felizes
basta esconder cicatrizes
e pular, sorrir, cantar.
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MIFORI
(São José dos Campos/SP)

Pantum:
APRENDER COM O SILÊNCIO 

Olhe suas qualidades,
respeitando a sua vida,
a viver em sociedade,
esse silêncio o convida...

Respeitando a sua vida,
saber ouvir e calar,
esse silêncio o convida:
é preciso meditar!

Saber ouvir e calar,
num silêncio poderoso
é preciso meditar:
o viver é prazeroso!

Num silêncio poderoso
surge a voz da consciência;
o viver é prazeroso
se houver amor e decência.

Surge a voz da consciência
mostra todas as verdades, 
se houver amor e decência, 
olhe suas qualidades.
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Luiz Poeta
(Rio de Janeiro/RJ)

ESPER...ÂNSIAS

Ela desenha uma letra... a mão pesa...
o lápis fura a folha lisa do caderno;
a professora a incentiva, o jeito terno
flui no silêncio com a pureza de uma reza.

Ela se esmera, o resultado é perfeito
e apesar de não ter tanta habilidade
com as palavras, é tanta felicidade
no seu olhar, que ela até sorri... sem jeito.

O mal de parkinson inibe o traço certo,
mas ela insiste, pressiona, comprimindo
a trajetória da palavra, no deserto
da folha em branco que o amor vai imprimindo.

Quando, afinal, a visão fraca está cansada,
ela repousa mansamente e descansa.
Na folha branca, uma palavra está grafada
trêmula, forte e poderosa: e s p e r a n ç a.
_________________

Francisco José Pessoa
(Fortaleza/CE)

VERSEJANDO

As palavras me faltam e, sem dizê-las,
A mudez verbaliza o sentimento
Tal a folha já morta entregue ao vento
Tal o céu tão escuro sem estrelas.
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Rubens Jardim
(São Paulo/SP)

O POEMA DO AVESSO

O que há em mim
é a lenta preparação
do que há em ti
sombra segada
sangrada 
e sagrada
até nos olhos dos meninos
que nasceram sem olhos

vidência única
(vide o verso)

visão múltipla
(vede o anverso)

e tudo que está
do outro lado 
do espelho.
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Samuel da Costa
(Itajaí/SC)

EM DIAS DE SOL E CALOR, EM NOITES DE TEMPESTADE E FRIO 
Para Victória Butler Rodríguez e 
Mari Gomes 

Em dias de sol e calor 
Minha alma serena 
Passeia livremente 
Pela charneca em flor 

Nesses dias de extrema felicidade 
Eu tenho sentimentos bons 
Eu tenho pensamentos probos 
Eu sou uma pessoa feliz 

Minha alma leve 
Navega serenamente 
Pelo mar da tranquilidade 
A brisa matinal oceânica 
Faina o meu negro cabelo 
E beija o meu rosto hialino 
Eu sou feliz 

Em dias de sol e calor 
Minha jovem alma aventureira 
Não conhece mais limites 
Percorre o mundo livremente 
Encontra e abraça a vida 
Aceita o convite dela 
Para um eviterno bailar 
Eu encontrei a felicidade 
Eu sou uma pessoa feliz 

Em noites de tempestade 
E de muito frio 
Minha cansada e sôfrega alma 
Voa perdidamente 
Pela negra noite sem fim 

Em noites de tempestade e frio 
Vagueio solitária e languidamente 
Pelo mítico vergel da solidão 
Choro e sofro 
Todas as dores do mundo 
Pelo amor que se foi 
Por tudo que não veio 
E por tudo que nunca virá 

Em noites 
De fortes ventos intempestivos 
E glaciais 
Minha alma diáfana 
Percorre o deserto dentro de mim 

Na alvorada 
No dilúculo de um novo dia 
A minha crença 
De tê-lo ao meu lado 
Esvaece por fim 

Na aurora de um novo dia 
Vivo sem esperanças alguma 
De viver dias melhores 
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Nei Garcez
(Curitiba/PR)

"Dentro e fora" do Universo, 
em que, aqui, tudo é infinito, 
um só Deus é tão diverso 
sobre tudo... Tenho dito!
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Pedro Du Bois
(Balneário Camboriú/SC)

BARULHOS

No barulho das ruas
algumas horas
de paz e recolhimento

não há música no ar
nem palavra a ser dita

No barulho das casas
alguns minutos
de repouso e acolhimento

não há discurso
nem a fala do ator

no barulho em geral
instante em que o silêncio
aprofunda o gosto

não há como rasgar a folha
nem recitar a prece.
________________________

João Batista Xavier Oliveira
(Bauru/SP)

O CAMINHO DA ROSA

Se cada um fizer a sua parte
não sobra parte para repartir;
não sobra aparte que preocupe a arte...
mundo destarte só resta sorrir.

Se cada um plantar uma roseira
a vila inteira será um jardim;
não sobra beira à espinhosa asneira...
dessa maneira é sorriso sem fim.

Se cada um olhar-se na verdade
fraternidade romperá vereda;
o pensamento terá mais espaço

e minha parte será rosa e há de
ser a verdade daquele que ceda
do seu caminho todo seu abraço!
__________________________________

Olivaldo Júnior
(Mogi-Guaçu/SP)

EU MESMO

Pois é,
era uma vez
eu mesmo.

Eu mesmo,
que vou e que venho,
que risco e desenho,
que tenho e mantenho
esta (in)certa
dis - tân - cia.

Pois é,
era uma vez
distância.

Grades feitas de dor,
cola e muito isopor,
tudo que é anti-flor,
anti-sonho, anti-amor.

Pois é, 
era uma vez
o amor.

O amor 
que eu chamo e reclamo,
que eu amo e proclamo
o senhor
de mim mesmo.

Pois é,
era uma vez
eu:
uma vez
eu mesmo.

Um comentário:

Isabel Furini disse...

Grata pela divulgação de um poema de minha autoria, querido poeta José Feldman. Parabéns pelo belo site literário.