domingo, 10 de junho de 2018

Conrado da Rosa (Jardim de Trovas)


A lágrima consagrada
aos pés da divina cruz,
será uma flor alcançada
no teu caminho de luz.

Ao chimarrear tão sozinho
no canto do avarandado,
a saudade é um passarinho
beliscando o meu passado.

À praia, mal comparando,
vou quando o vento não tem:
tu, a jangada chegando,
mas fingindo que não vem.

Aquele ranchinho triste,
feito à beira do caminho.
foi testemunha que existe
do quanto sofri sozinho.

A vida, grande carreira:
os anos formam a raia...
Chegando à cabeceira,
a morte está de tocaia.

Com jeito falas de amor,
mas algum truque me assusta...
Sabes bem te dar valor,
e sei bem quanto me custa.

Comparo o viver sozinho,
a que muita gente tem,
à tristeza de um caminho
onde não passa ninguém...

Contar estrelas eu sei,
desde criança aprendi,
não sei se todas contei,
mas contei todas que vi.

Cruzei todos os caminhos
sem saber onde iam dar...
-Pássaro de tantos ninhos
perde seu próprio lugar!

Deixem-me ficar quietinho,
numa quietude de monge.
Eu sei que todo caminho
leva a gente para longe...

Do triunfo não quero a palma,
nem da glória o pedestal:
Apenas a vida calma
do meu fundo de quintal.

Durmo tranquilo na rede,
me desperta a passarada...
Pela frincha da parede
entra um fio da madrugada.

Essa loirinha – ternura,
que passa envolta em quimera,
vem de noite e me procura,
mas transformada em pantera...

Essas cruzes que deparo
ao longo do meu caminho,
são de amigos, que não raro,
vão me deixando sozinho.

Esta viola que hoje tenho,
sonoridade sem fim,
é de um sagrado lenho,
capaz de tocar sem mim.

Este contraste covarde,
causa do meu desengano:
Tu és a brisa da tarde
eu, vento forte de outono.

Estes meus cabelos brancos,
semeados ao passar dos anos,
são devido aos solavancos
da estrada dos desenganos.

Há muito tempo passado,
renunciei à juventude,
mágoas eu trouxe ao meu lado,
felicidade eu não pude.

Já fui fonte de água pura,
praia, arroio a navegar...
Sou rio, cuja ventura
é correr... correr pro mar...

Mesclada de fantasia,
no meu sonho tu surgiste...
Mas veio a barra do dia
e, venturosa, fugiste.

Meu testamento está feito,
agora te remeti:
guarda sempre junto ao peito
cem trovas que fiz pra ti.

Minha estrela da manhã
brilha sobre o meu caminho!
Que minha alma tenha irmã,
que eu não seja tão sozinho.

Montei no lombo da noite
na busca de sonhos fundos;
a brisa foi nobre açoite
pra alimentar tantos mundos.

Na costa do Jaguarão,
bem neste extremo gaúcho,
é que nasceu este irmão.
que pra cantar não tem luxo.

Não fosse a tristeza minha,
que assim vai me consumindo,
o riso da tua boquinha
me faria andar sorrindo...

Narigudo, o “Zé Pegada”
foi campeão por um triz...
Pois na linha da chegada
ele avançou seu nariz.

Na terra, morre um poeta
e ninguém lembra jamais...
-Mas o Universo se inquieta
e uma estrela brilha mais.

Negrinho do Pastoreio,
mulato santificado,
me trás aqui pelo freio
aquele amor desgarrado.

No mar do meu casamento,
onde a esperança desmaia,
tu és a jangada ao vento,
fugindo, deixando a praia.

Nunca vai à igreja em vão
essa loura sem retovo:
De dia pede perdão,
de noite peca de novo.

Ó meu Deus, como sou feio,
tão na flor da mocidade!
Mas juro que não me apeio
do matungo da vaidade…

Pôe-se a criança a chorar,
depois ri, tudo é preciso...
Mas há sempre um despertar
entre a lágrima e o sorriso.

Por uma palha perdida,
brigam tanto, fazem cena...
E depois, no fim da vida,
será que valeu à pena?

Quando acode aos meus apelos,
faz o tempo rodopiar:
traz a noite nos cabelos
e a madrugada no olhar...

Quando pra sempre te fores,
muito além da solidão,
murcharão todas as flores
e os pássaros migrarão...

Quantos anos eu vivi
na velhice que componho...
Foram anos que perdi
na busca louca de um sonho.

Quem pilota este navio,
nas crespas ondas da crise?
Hoje se anda por um fio,
por mais que se economize!…

Quem tem a alma em revolta,
vê tudo confuso assim:
– Caminhos que não tem volta...
– Estradas que não tem fim...

Quero-quero, sentinela,
no meio da noite grita,
espalhando que é por ela
que minha alma anda proscrita...

Saudade... um barco partindo,
por entre brumas de esguio...
Lembrança me dividindo
na última curva do rio!

Saudade, vaca tambeira,
que volta no entardecer
quando, à sombra da parreira,
o mate pego a sorver.

Tudo tem igual valor,
no meu tranco de solteiro:
-Caso com o último amor,
mas lembrando do primeiro...

Uma noite não é nada
quando sonhar é tão lindo,
pois vem logo a madrugada
e meus sonhos vão fugindo.

Vamos fazer o correto,
de nossa vida um resumo:
tu serás meu objeto,
eu serei o teu consumo...

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Conrado da Rosa nasceu em Jaguarão/RS, a 28 de novembro de 1930. Poeta e Trovador, militar reformado, casado com a trovadora Doralice Gomes da Rosa. Foi na residência do casal, naquele tempo localizada na rua Itapucai, no Bairro Cristal, em Porto Alegre, que no dia 8 de março de 1969 foi criada e instalada a União Brasileira de Trovadores, da qual Conrado foi associado até o fim da sua vida. Conrado participou da coletânea Trovadores do Brasil - 2º Volume, organizada por Aparício Fernandes, e das antologias Cantares do Sul e Trovadores do Rio Grande do Sul.

Fonte:
União Brasileira de Trovadores Porto Alegre/RS. Trovas de Doralice Gomes da Rosa e Conrado da Rosa. Coleção Terra e Céu, vol. XXVII. Porto Alegre/RS: Texto Certo, 2016.

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